Fernando de Magalhães Furlan

Os juízes são responsáveis pela última palavra do Estado nas relações sociojurídicas numa democracia. Representam o derradeiro controle dos atos do próprio Estado e das relações entre particulares. Mas ao juiz não cabe somente interpretar e aplicar a lei, a ele se espera que corresponda à Justiça, ainda que dentro dos limites estabelecidos pela Constituição.

A administração da Justiça é, portanto, não somente o melhor direito aplicado a situações concretas, mas o direito aplicado da forma a mais eficiente, rápida e consistente, por julgadores empenhados, informados e atualizados. Conferir justiça é mais do que a distribuir equitativamente, é mantê-la funcionando de forma qualificada, rápida e estável. Isso demanda diagnóstico, planejamento e execução.

O fato de que os recursos judiciais são escassos e não podem ser ampliados infinitamente apresenta um problema familiar: como fazer o melhor uso de uma “mercadoria limitada”[1]. A própria teoria econômica fornece uma resposta típica: a divisão do trabalho por meio da especialização do sistema judicial.

Este artigo trata brevemente de diferentes experiências internacionais na criação e operação de cortes especializadas em temas específicos, com ênfase nas matérias econômico-empresariais, bem como as melhores práticas e, naturalmente, a doutrina. O artigo busca contribuir com o debate sobre a criação e operação de varas federais especializadas em temas econômico-comerciais no Brasil e, eventualmente, no MERCOSUL e BRICS.

A Justiça especializada não é novidade. Na França[2], por exemplo, o Conselho de Estado (Conseil d’État) é um órgão do governo nacional francês que atua como consultor jurídico do Poder Executivo e como órgão jurisdicional, de última instância, para casos envolvendo o Estado francês, seja por atos administrativos ou como parte numa controvérsia. As decisões de juízes administrativos espalhados pelo país também poderão ser revistas pelo conselho. Foi criado em 1799 por Napoleão Bonaparte.

Além da Franca, a Inglaterra[3], a Bélgica[4] e a Alemanha[5], dentre vários outros países europeus, também adotam sistemas judiciais com variados graus de especialização[6]. Na verdade, de acordo com o relatório Doing Business[7] do Banco Mundial, trata-se de um fenômeno global, pois a criação de cortes especializadas foi uma das reformas mais comuns empreendidas no mundo entre 2005 e 2006, por exemplo.

Nos Estados Unidos, onde a organização do Poder Judiciário é competência exclusiva do Congresso, a última mudança legislativa criou, além da estrutura clássica dos juízes federais com jurisdição abrangente[8], os juízes administrativos, também conhecidos como juízes legislativos[9], com atuação limitada a áreas específicas e vinculados a agências e órgãos da Administração Pública Federal, com poderes quasi-judiciais e cujas decisões podem ser revistas pelos tribunais federais clássicos[10].

Na própria América Latina temos exemplos bastante recentes e bem-sucedidos como o do Tribunal da Concorrência do Chile, cujas decisões somente podem ser revistas pela Corte Suprema do país; e dos juizados especializados em defesa da concorrência e regulação das telecomunicações, no México, seguindo uma recente reforma constitucional.

Mesmo no Brasil, a Justiça também se especializou e as áreas mais conhecidas são a eleitoral, a militar e a do trabalho. Mas há também especializações em nível estadual como as varas de falência e recuperação judicial e as da Fazenda Pública. Mais recentemente também houve louváveis especializações como:

  1. Varas federais especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens[11], famosas internacionalmente por conta, inclusive, do caso “Lava-Jato” e do juiz especializado Sergio Moro[12]; e as diversas varas empresariais[13] no estado do Rio de Janeiro;
  1. Varas federais especializadas[14] em propriedade industrial e intelectual, inclusive marcas e patentes, e benefícios previdenciários do regime geral (INSS), no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ, ES)[15];

III.     Varas empresariais no estado de Minas Gerais[16].

  1. Varas federais especializadas em matéria de saúde (3ª vara de Curitiba e 1ª, 2ª, 4ª e 5ª varas de Porto Alegre); além de outras iniciativas estratégicas importantes.

Tais iniciativas, em prol de melhor administrar a Justiça, ao menos no caso brasileiro, vêm ao encontro de pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (IDESP), em 2000, que demonstrou que 89% da classe empresarial brasileira avaliava a agilidade do Poder Judiciário como “ruim” ou “péssima”[17].

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou em junho de 2016 a “Agenda Internacional da Indústria”[18], e dentre as mais importantes medidas defendidas está a “Desburocratização do Comércio Exterior – por meio do aumento da segurança jurídica e da redução dos tempos de decisões com varas especializadas em comércio exterior no Judiciário brasileiro”. Foi a primeira vez que a CNI elaborou um documento específico para ampliar a inserção internacional das empresas brasileiras.

O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), ao realizar estudo[19] em 2005 para avaliar a confiança da população brasileira em suas instituições, revelou que dentre quatorze organizações investigadas, o Poder Judiciário ocupava a sétima colocação, atrás da Igreja Católica, das Forças Armadas, dos jornais, das redes de televisão, dos sindicatos e dos advogados.

De acordo com Sadek[20], para “ilustrar o descontentamento social para com o serviço prestado pelo Poder Judiciário”, levantamentos de institutos especializados, como Vox Populi, Data Folha, IBOPE e Gallup, mostram que, em média, 70% dos entrevistados não confiam no sistema de justiça brasileiro.

Uma das conclusões de estudo sobre a criação de varas especializadas em Defesa Comercial, publicado em 2012[21], foi a de que havia necessidade de melhoria do nível de conhecimento técnico-jurídico especializado em temas de comércio exterior por parte dos julgadores federais.

A confusão entre conceitos fundamentais[22] como: (i) características, objetivos e limitações de cada um, além de diferenças decisivas entre o antidumping, as medidas compensatórias e as salvaguardas; e (ii) o momento determinante da incidência da norma para fins de cobrança de medidas aplicadas, por exemplo, foram as situações mais apontadas.

A especialização judicial é um fenômeno mundial que acompanha a tendência de especialização profissional não somente na seara jurídica, mas em todas as áreas do conhecimento humano.

A necessidade de especialização de juízes não é diferente daquela dos advogados e acadêmicos, que buscam se adaptar às exigências de uma sociedade crescentemente complexa e que depende da atividade jurisdicional do Estado para uma miríade de situações e soluções.

É uma questão que irá se repetir, com crescente frequência, à medida em que os “atrasos judiciais conspirarem com a maior complexidade social e tecnológica[23] para estimular cada vez mais cortes especializadas em áreas jurídicas amplamente diversificadas.

A crescente penetração de entidades e órgãos do Poder Executivo nas finanças, nos negócios e na economia, exatamente para contrabalançar as poderosas forças econômicas, exige uma crescente preocupação em tornar o controle sobre os atos administrativos realmente efetivo.

Posner considera que talvez o problema jurídico central do nosso tempo seja “harmonizar o ‘direito em ação’ com o ‘direito dos livros’[24]. A enorme atividade legislativa iniciada há cerca de uma geração se preocupava com questões intrincadas e técnicas. A doutrina geral que governava os serviços públicos era bastante simples. Contudo, as “mais sutis dificuldades foram encontradas na sua aplicação. Problemas de direito tornaram-se problemas de administração[25]. Foram, então, necessários novos instrumentos de especialização e precisão. O direito tinha que atender às exigências de uma era de especialização.

Para fazer frente a essas exigências de uma sociedade industrial mais complexa, as cortes ou tribunais especializados surgem como uma resposta possível para exercer o controle sobre os sucessivos campos de legislação emanada do Executivo. Para Root, “as questões jurídicas administradas por eles chegam a ser tão diversificadas que fazem nascer novos ramos do direito administrativo[26].

Afinal, às vezes se diz que os juízes implementam políticas públicas feitas por outros Poderes. Mas para muitas questões, o oposto é verdadeiro: os juízes fazem política pública e outras instituições respondem à sua liderança[27], pois as restrições de jurisdição, impostas pelo princípio da inércia judicial, podem limitar a capacidade de formulação de políticas públicas dos juízes, mas “não os impedem de participar ativamente do processo de sua construção[28]. As decisões judiciais podem “antecipar metas de políticas públicas e mostrar que a justiça individual pode também influenciá-las[29].

Contudo, se os juizados e tribunais crescerem somente de forma horizontal, haverá mais juízes e oficiais judiciais a entregar mais decisões, elaboradas sob as mesmas premissas e sobre as mesmas questões. Isso produzirá maior incoerência jurídica, dando origem a ainda mais litígios.

Embora o problema da incoerência possa ser resolvido por meio da introdução de novas esferas recursais, ainda assim haverá uma proliferação de decisões, mesmo que de forma vertical. Nesse contexto, “se os tribunais não podem crescer para fora, e se crescer para cima também não é útil, o que resta é a diferenciação[30].

Cortes especializadas aliviam substancialmente os encargos de outros juizados e tribunais generalistas. Medir o alívio na sobrecarga de trabalho não é, no entanto, simplesmente uma questão de contar processos deslocados de uma corte ou de um tribunal para outro. O que importa é a quantidade de tempo e esforço poupados aos juízes. O truque, portanto, é “encontrar os casos que impõem os maiores encargos de recursos (tempo e pessoal) sobre os tribunais, em comparação com a sua importância[31].

Cortes judiciais que desempenham bem a função de controle judicial e prestação jurisdicional são um “determinante indireto da performance econômica[32] de um país. Elas promovem a produção e distribuição eficientes de bens e serviços e asseguram “dois pré-requisitos essenciais das economias de mercado: a segurança dos direitos de propriedade e o cumprimento e execução de contratos[33]”.

A segurança dos direitos de propriedade reforça os incentivos à poupança e aos investimentos, protegendo os retornos e a sustentabilidade dessas atividades. O cumprimento adequado dos contratos induz os participantes do mercado a manter relações econômicas, “desencorajando comportamentos oportunistas[34] e diminuindo os “custos de transação”[35].

Nesse contexto, é mister estudar a relevância, a viabilidade e os resultados sociais líquidos da criação de varas especializadas em matérias “econômico-empresariais”.

Emprestar segurança jurídica e institucional, além de credibilidade e confiança a investidores caprichosos, num ambiente internacional crescentemente competitivo, não é tarefa simples. Todavia, os juízes estão excepcionalmente qualificados para realizar um equilíbrio dos princípios processuais e substantivos na aplicação dos diversos ramos do direito econômico e empresarial, devido a pelo menos três razões principais[36]:

a)      independência de outros Poderes e entidades do Estado, o que lhes permite imparcialidade e coerência na interpretação do direito aplicável;

b)      experiência no processo de discernimento do(s) objetivo(s) subjacente(s) da lei e reconciliação de seus objetivos fundamentais com a necessidade de sua aplicação justa e transparente;

c)      especialização na interpretação da lei.

Órgãos jurisdicionais especializados, com competência para julgar causas relativas a assuntos que demandam notória especializaçãoe que, em regra, não são objeto de maiores aprofundamentos, quer na graduação, quer nos próprios concursos e cursos da magistratura, podem indicar uma solução viável ao crescente e desafiante problema do volume e acúmulo de processos no Judiciário brasileiro, assim como noutras Jurisdições.

Nesse contexto, e considerando a abordagem multijurisdicional para a designação de varas federais especializadas no Brasil, nossa conclusão vai ao encontro daquelas do Conselho da Justiça Federal (CJF)[37], ou seja:

a)      pela redefinição da organização judiciária da Justiça Federal, de modo a estabelecer uma ou mais varas com competência para resolver questões relacionadas à defesa da concorrência, comércio exterior[38], regulação[39], arbitragem[40][41] e mediação[42] e proteção do consumidor (ações coletivas e ações civis públicas). Assim, todas as ações ajuizadas na Justiça Federal de determinada região, independentemente da competência geográfica, seriam distribuídas à(s) vara(s) especializada(s) em temas econômico-difusos, conforme listados acima; ou, alternativamente;

b)      pela especialização de uma ou mais vara(s) nas capitais, em temas de defesa da concorrência, comércio exterior, regulação, arbitragem e mediação e proteção do consumidor. Essa(s) vara(s), contudo, manteria(m) as suas competências atuais, agregando estas novas competências jurisdicionais especializadas. Os processos dessas áreas especializadas seriam distribuídos às varas com preferência, e, havendo espaço para distribuição suplementar, se seguiriam os processos relativos às prioridades definidas na estratégia nacional do Judiciário, ou seja, as ações coletivas, as ações civis públicas e as ações de improbidade administrativa, nessa ordem.

Essa(s) vara(s) especializada(s) teria(m) atribuição preferencial para o julgamento de ações conforme os temas elencados acima, isto é, vara(s) específica(s) para a(s) qual(is) seriam distribuídos todos os processos que tratem de concorrência, comércio exterior, regulação, arbitragem e mediação e proteção do consumidor.

Havendo espaço para distribuição suplementar, tal(is) vara(s) também receberia(m) ações coletivas e ações civis públicas sobre outros temas previstos na legislação, bem como, eventualmente, as ações por improbidade administrativa.

Essa abordagem não pressuporia necessariamente a criação, com ônus, de nova(s) vara(s) na Justiça Federal, mas simplesmente uma reorganização e reestruturação de varas para que passe(m), alguma(s) dela(s), a atuar preferencialmente nessas áreas específicas, embora sem exclusividade.

É muito importante que se tenha cuidado, contudo, para que, ao incluir as ações civis públicas, as ações coletivas e as ações por improbidade administrativa na competência das varas especializadas, não acabem essas últimas por engolir aquelas competências que foram inicialmente propostas[43] e que têm o condão de melhorar o ambiente de negócios, a segurança jurídica, enfim, a estabilidade e credibilidade necessárias à atração e manutenção de investimentos, ao desenvolvimento econômico e, consequentemente ao bem-estar geral da sociedade.

A correta divisão do trabalho, por si só, é capaz de contribuir muito para promover a eficiência. A limitação de casos atribuídos a juízes especializados e o consequente aprofundamento de conhecimentos certamente produzirão decisões mais expeditas e sólidas.

Por fim, uma alternativa vai ao encontro do que já se faz em países como os Estados Unidos[44] e a Nova Zelândia[45], por exemplo. Trata-se da designação de panels (turmas ou câmaras) de juízes de primeiro grau que se reúnem periodicamente, em colegiado, para discutir casos semelhantes, esclarecer questões, aproximar interpretações e, possivelmente, apreciar alguns tipos de recursos, aliviando a 2ª instância, sem, contudo, perder o foco numa adjudicação especializada.

Em certa medida, essas eventuais câmaras especializadas da 1ª instância da Justiça federal se aproximariam das turmas julgadoras dos juizados especiais federais. Todavia, com competências em razão da matéria, e não em razão do valor.

Tais câmaras especializadas seriam integradas por juízes federais de 1º grau, com experiência profissional e conhecimentos teóricos suficientes e cujas atribuições singulares se concentrariam, preferencialmente, em casos envolvendo defesa da concorrência, comércio exterior[46], regulação[47], arbitragem[48][49] e mediação[50] e proteção do consumidor (ações coletivas e ações civis públicas). Não havendo volume suficiente (consoante média ponderada a ser atribuída) nessas áreas especializadas, seriam distribuídos também processos relativos às prioridades definidas na estratégia nacional do Judiciário, ou seja, as ações coletivas, as ações civis públicas e as ações de improbidade administrativa.

Dada a natureza complexa do direito da concorrência, do comércio internacional e da regulação, por exemplo – considerada a estreita relação entre os princípios jurídicos e econômicos –, os juízes devem ter experiência e conhecimentos especializados na interpretação desses ramos do direito, “a fim de equilibrar duas das suas principais funções, nomeadamente assegurar o devido processo legal e aplicar, quando apropriado, princípios econômicos substantivos no seu raciocínio[51]. Por conseguinte, a compreensão dos fatos e conceitos econômicos na interpretação do direito constitui uma parte importante da aplicação efetiva do direito pelo Poder Judiciário.

Ao resistir à especialização, o Judiciário pode vir a impor custos significativos à sociedade. É provável, portanto, que não seja simplesmente uma questão de implementação da especialização judicial, mas de quanto tempo o público permitirá que a falta de especialização continue no Judiciário. À medida que as despesas do Estado aumentam, as pressões sobre o Judiciário para conter custos e administrar eficientemente os recursos judiciais também crescem.

Novas “demandas de serviços e desafios organizacionais”[52] na prestação da Justiça criaram a necessidade de um planejamento mais sistemático e integrador a longo prazo. Para enfrentar esse ambiente cada vez mais complexo e dinâmico, os sistemas judiciais têm-se voltado para ferramentas e métodos de planejamento estratégico preestabelecidos.

Questão importante e fulcral para o bom funcionamento da Justiça especializada, e da Justiça em geral, é a concepção, o desenvolvimento e a constante evolução de sistemas integrados de informação, bancos de dados, relatórios, análises e estudos sobre a realidade e os números da Justiça brasileira.

A carência de ferramentas de diagnóstico e análise da situação do Judiciário torna muito difícil, senão impossível, determinar a sua melhor e mais eficaz estrutura, a mais consentânea com os crescentes desafios de tornar fluida a economia e garantir os interesses difusos.

Entretanto, parecem faltar instrumentos à Justiça Federal brasileira para um diagnóstico adequado do quadro atual de ações envolvendo temas como concorrência, regulação e comércio exterior, uma vez que o cadastramento, a autuação e a identificação dos processos por tema ou área ainda seriam falhos.

Conforme afirmado pela presidência do TRF da 1ª Região: “os parâmetros de pesquisa indicados não são suficientes para gerar um diagnóstico próximo da realidade. Inúmeros processos envolvendo agências reguladoras deixaram de ser relacionados, porque, na maioria das vezes, são autuados na classe ação ordinária/outras, sem levar em consideração qualquer outra especificidade. Sem falar nos mandados de segurança”.

Assim, resta mais dificultoso o labor de colheita de informações para embasar uma análise apropriada e conclusões judiciosas sobre a melhor, mais eficiente e sustentável estrutura de atuação do Judiciário, em suas mais diversas frentes.

Tão importante quanto a criação desse aparato para se conhecer, diagnosticar e melhorar a prestação jurisdicional é estabelecer mecanismos de intercâmbio de informações, estatísticas e análises entre instituições como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho da Justiça Federal (CJF), por exemplo.

Como medida de efetividade das propostas aqui apresentadas e estudadas, temos que, em 2022, a situação das varas federais especializadas em Direito da Concorrência, Regulação e Comércio Internacional é a seguinte:

–  O Tribunal Regional da 1ª Região tem 2 varas (a 14ª e a 20ª, ambas na Jurisdição de Brasília-DF) cíveis especializadas nos temas de concorrência e comércio internacional; e competência concorrente nos demais temas residuais de natureza cível;

– O Tribunal Regional da 2ª Região tem 3 varas especializadas (a 1ª, a 2ª e a 6ª), na Seção Judiciária do Espírito Santo; e 2 varas especializadas (a 16ª e a 29ª), na Seção Judiciária do Rio de Janeiro;

– O Tribunal Regional Federal da 3ª Região criou, em 2017, um grupo de trabalho para produzir um relatório sobre a criação de vara(s) especializada(s) em direito da concorrência e em comércio exterior. O relatório, apresentado recentemente, é favorável à designação de vara(s) especializada(s) em concorrência e comércio internacional.


[1] JORDAN, Ellen R. Specialized Courts: A Choice? Northwestern University Law Review, 1981, vol. 76, nº S. 76 Nw. U. L. Rev. 745 1981-1982. Disponível em: Pence Law Library, Washington College of Law, 2017.

[2] A maioria dos juizados especializados no sistema jurisdicional francês é abrangida pela categoria geral de tribunais administrativos – em vez de judiciais – dispostos numa estrutura hierárquica, cujo ápice é o Conselho de Estado. As cortes administrativas decidem questões envolvendo contratos governamentais, ações judiciais contra o governo, controvérsias fiscais selecionadas e apelações de decisões emitidas por órgãos administrativos. Embora tais ações tipicamente envolvam disputas entre o governo e particulares ou corporações, algumas envolvem disputas entre departamentos governamentais independentes. As distinções jurisdicionais entre os tribunais administrativos e judiciais não são tão precisas como se pode suspeitar. Existem tribunais judiciais especiais para resolver questões trabalhistas, previdenciárias e “rurais”. Além disso, os tribunais judiciais lidam com litígios envolvendo impostos indiretos, condenações de terras e responsabilidade municipal em casos envolvendo motins ou outros distúrbios públicos.

[3] Um dos mais antigos e mais renomados tribunais comerciais, o Tribunal de Comércio, um dos Tribunais Reais de Justiça em Londres, lida com casos complexos decorrentes de disputas comerciais, tanto nacionais como internacionais. Há especial ênfase no comércio internacional, nas atividades financeira e bancária, commodities e arbitragem. Os Tribunais Reais de Justiça incluem vários tribunais afiliados, incluindo o Tribunal do Almirantado, a Divisão da Chancelaria, o Tribunal Mercantil de Londres e o Tribunal de Construção e Tecnologia. No final de 2011 foram inauguradas as moderníssimas novas instalações do Tribunal de Comércio de Londres, com o objetivo de igualar a reputação de classe mundial do Reino Unido para o direito empresarial que atrai disputas de todo o mundo. A nova “super corte” proporciona 29 salas de julgamento, 12 salas de audiência, 44 salas de consulta pública e instalações de espera para as partes envolvidas em processos. Espera-se que isso consolide o trabalho desenvolvido pela Divisão de Chancelaria, pelo Tribunal de Comércio e pelo Tribunal de Tecnologia e Construção. A corte atrai para si todos os casos relacionados às empresas e aos negócios dos Tribunais Reais de Justiça, tais como marcas e patentes, processos de construção técnica, casos de almirantado (detenção de navios) e litígios contratuais internacionais. Para fins administrativos, o Tribunal de Comércio de Londres permanecerá ligado ao Grupo de Tribunais Reais de Justiça.

[4] Os tribunais comerciais especializados têm competência em litígios comerciais envolvendo valores acima de cinquenta mil euros. Um tribunal especializado em arbitragem tem jurisdição para resolver os conflitos entre (i) leis promulgadas pelo Parlamento Nacional e decretos ratificados pelos legislativos locais ou regionais/provinciais, (ii) entre decretos promulgados por vários legislativos locais ou regionais/provinciais e (iii) entre essas leis e decretos e dispositivos selecionados da Constituição.

[5] Aproximadamente 25% dos juízes do sistema judicial alemão atuam em sistemas judiciais especializados em matéria de direito administrativo, tributário e fiscal, trabalhista e previdenciário. Os tribunais do trabalho têm jurisdição em litígios entre empregadores e empregados que decorrem de relações de trabalho, questões de negociação coletiva e codeterminação empresarial na medida que as relações de trabalho estão envolvidas. Os tribunais administrativos têm jurisdição sobre questões de direito administrativo, tais como zoneamento, imigração, licenças estaduais – inclusive aquelas sob regulamentação de comércio exterior. A competência dos tribunais fiscais inclui questões fiscais gerais e estende-se aos direitos aduaneiros e outros impostos que envolvem o comércio internacional e exterior. Os tribunais sociais exercem jurisdição em litígios que se enquadram na legislação social, como a seguridade social e os cuidados públicos obrigatórios de saúde.

[6] ZIMMER, Markus B. Overview of Specialized Courts. International Journal for Court Administration, August 2009. Disponível em: <http://www.iacajournal.org/articles/abstract/10.18352/ijca.111/>. Acesso em: 23/05/2017.

[7] World Bank. Doing Business 2007 – How to reform. Disponível em: <http://www.doingbusiness.org/reports/global-reports/doing-business-2007>. Acesso em: 23/05/2017.

[8] Juízes do artigo III da Constituição Estadunidense.

[9] Juízes do artigo I da Constituição dos Estados Unidos da América, os Administrative Law Judges (ALJs).

[10] Tribunais de Apelação dos Estados Unidos (United States Courts of Appeals).

[11] Hoje no Brasil já são 27 varas federais especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem ou ocultação de bens. Elas estão em 14 estados e no Distrito Federal. Em outros 12 estados, os casos denunciados pelo Ministério Público ainda são distribuídos entre varas criminais comuns. São Paulo concentra 2.968 processos desse tipo em andamento; Mato Grosso do Sul tem 613; Paraná, 331; Ceará, 314; Rio de Janeiro; 302 processos; e o DF, 91.

[12] Sérgio Fernando Moro, juiz federal da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR, especializada em crimes financeiros, de lavagem de dinheiro e praticados por grupos criminosos organizados. Trabalhou como Juiz instrutor no Supremo Tribunal Federal durante o ano de 2012. Cursou o Program of Instruction for Lawyers na Harvard Law School em julho de 1998 e possui título de mestre e doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Participou do International Visitors Program organizado em 2007 pelo Departamento de Estado norte-americano com visitas a agências e instituições dos EUA encarregadas da prevenção e do combate à lavagem de dinheiro. É Professor Adjunto de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

[13] Atualmente, há na comarca da capital do estado do Rio de Janeiro sete varas empresariais, que concentram ações atinentes à arbitragem, ações coletivas relativas ao Direito do Consumidor, falências e recuperação judicial, execuções por quantia certa contra devedor insolvente, direito societário, propriedade industrial e nome comercial; causas em que a Bolsa de Valores for parte ou interessada e Direito Marítimo. O desafio da Justiça fluminense nessas varas especializadas, de acordo com o advogado carioca Felisberto Caldeira Brant, entrevistado pelo autor em 7 de abril de 2017, é que há litígios complexos, em que fica difícil definir, com rapidez e precisão, se a competência é das varas empresariais ou das varas cíveis. Tanto mais, quando a competência é especializada, e, portanto, deve ser interpretada restritivamente. Tudo o que não estiver contido nos incisos, alíneas e números da norma que definiu a competência especializada deve, obrigatoriamente, ser remetido às varas cíveis. De acordo com o causídico carioca, “nada muito grave, pois o juiz pode enviar de ofício para outra vara (especializada ou não), mas quando se trata de ‘guerra de liminares’, um erro pode ser fatal”.

[14] 9ª, 13ª, 25ª e 31ª Varas Federais no Rio de Janeiro-RJ.

[15] Artigo 25 da Resolução 42/2011 do TRF2.

[16] Há hoje duas varas empresariais na comarca de Belo Horizonte, com competência para processar e julgar os feitos relativos às seguintes matérias: falência, recuperação judicial, resolução, dissolução e liquidação de sociedades empresariais e seus respectivos incidentes; homologação de plano de recuperação extrajudicial; litígios societários concernentes à constituição, deliberação, transformação, incorporação, fusão e cisão de sociedade empresária; liquidação extrajudicial ou ordinária de sociedade empresária; registro do comércio e propriedade industrial; incorporação de créditos ao patrimônio da massa falida; direito de retirada de que trata o art. 137 da Lei federal nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976; as ações, e seus respectivos incidentes, de execução específica de cláusula compromissória, proposta com fundamento no art. 7º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996; os pedidos de cumprimento ou execução de sentença arbitral, promovidos na forma do art. 475-I e seguintes da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, bem como as impugnações oferecidas pelo executado; as ações para decretação da nulidade ou anulação de sentença arbitral, propostas com base no art. 33 da Lei nº 9.307, de 1996.

[17] SADEK, Maria Tereza. Judiciário e Sociedade. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 34.

[18] CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA – CNI. Agenda Internacional da Indústria 2016. Disponível em: <https://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2016/06/cni-lanca-agenda-internacional-com-propostas-para-ampliar-comercio-exterior/>. Acesso em: 16 maio 2017.

[19] Idem, p. 35. Apud CABRAL, Marcelo Malizia. Administração Judiciária: caminho para a construção de um Judiciário mais eficiente e legítimo, 2010. Disponível em: <https://m.migalhas.com.br/depeso/109777/administracao-judiciaria-caminho-para-a-construcao-de-um-judiciario>. Acesso em: 27/05/2017.

[20] Ibidem, p. 13. Apud CABRAL, Marcelo Malizia, Op. cit.

[21] LIMA-CAMPOS, Aluísio de; KRAMER, Cynthia. Criação de Varas Especializadas em defesa comercial: uma necessidade para o comércio exterior brasileiro. Revista do IBRAC, São Paulo, ano 19-22, jul-dez. 2012.

[22] ÁRABE NETO, Abrão M.; BONOMO, Diego Z. Tribunal especializado em comércio exterior. Valor Econômico, 03/07/2012. Disponível em: <https://www.valor.com.br/imprimir/noticia/2735934/brasil/2735934/tri>. Acesso em: 27/05/2017.

[23] LEGOMSKY, Stephen H. Specialized justice: courts, administrative tribunals, and a cross-national theory of specialization. New York: Oxford University Press, 1990, p. 4.

[24] POSNER, Richard A. Federal Courts: crisis and reform. Cambridge: Harvard University Press, 1985.

[25] FRANKFURTER, Felix; LANDIS, James M. The business of the Supreme Court: a study in the federal judicial system. New York: The Macmillan Company, 1972, p. 146.

[26] ROOT, Elihu. Public Service by the Bar. 41 AM. Bar Assn. Rep. 355, 368.

[27] VAN HORN, C. E.; BAUMER, D. C.; GORMLEY, W. T. Politics and Public Policy. 3rd. CQ Press: Washington, DC, 2001. Vol. xiii, 366. p. 183.

[28] EPSTEIN, L.; KNIGHT, J. The Choices Justices Make. CQ Press: Washington, DC, 1998. Vol. xviii. p. 200.

[29] CHRISTENSEN, Robert K.; KREIS, Anthony M. Courts and Policy in the U.S. Encyclopedia of Public Administration and Public Policy, Third Edition, 2015. DOI: 10.1081/E-EPAP3-120053550, p. 707.

[30] MEADOR, Daniel J. An Appellate Court Dilemma and a Solution Through Subject Matter Organization, 16 U. Mich. J.L. Reform 471, 475-82 (1983).

[31] BRUFF, Harold H. Specialized Courts in Administrative Law. HeinOnline: 43 Admin. L. Rev. 329, 199. Available Through: Pence Law Library, Washington College of Law.

[32] OECD Economic Surveys: Mexico. 2013. OECD Publishing, Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/eco_surveys-mex-2013-en>. Acesso em: 28/05/2017.

[33] WILLIAMSON, Oliver E. The Mechanics of Governance. New York: Oxford University Press, 1996.

[34] O oportunismo é definido como a busca de interesses próprios com astúcia. Inclui formas flagrantes como mentir, furtar e trapacear, assim como formas sutis de engano, principalmente a divulgação incompleta ou distorcida de informação.

[35] Custos de transação são custos incorridos na realização de um intercâmbio econômico, isto é, o custo de participação em um mercado.

[36] OCDE. Judicial enforcement of competition law. Policy Roundtables, 1996.

[37] Sugestão nº 3 e, alternativamente, da nº 1, ambas do Conselho da Justiça Federal (CJF). Processo nº CJF-PPP-2016/00010, cujo objeto é: “Proposta de criação e instalação de varas federais especializadas em Direito da Concorrência e Comércio Internacional”.

[38] Defesa comercial (antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas), licenças de importação, regimes de origem, financiamento e garantia às exportações e tarifas.

[39] Sistema Financeiro Nacional (BACEN); valores mobiliários e mercado de capitais (CVM); energia elétrica (ANEEL); telecomunicações (ANATEL); petróleo, gás natural e biocombustíveis (ANP); recursos hídricos (ANA); mineração (ANM – antigo DNPM); mercado audiovisual (ANCINE); saúde suplementar (ANS); fármacos e vigilância sanitária (ANVISA); aviação civil (ANAC); transportes terrestres (ANTT) e aquaviários (ANTAQ).

[40] Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem.

[41] Lei nº 13.129, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a possibilidade de a administração pública direta e indireta utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

[42] Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

[43] Concorrência, regulação, comércio exterior, arbitragem e mediação e proteção do consumidor.

[44] UNAH, Isaac. Op. cit., p. 11.

[45] LEGOMSKY, Stephen H. Op. cit., p. 43.

[46] Defesa comercial (antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas), licenças de importação, regimes de origem, financiamento e garantia às exportações e tarifas.

[47] Sistema Financeiro Nacional (BACEN); valores mobiliários e mercado de capitais (CVM); energia elétrica (ANEEL); telecomunicações (ANATEL); petróleo, gás natural e biocombustíveis (ANP); recursos hídricos (ANA); mineração (ANM – antigo DNPM); mercado audiovisual (ANCINE); saúde suplementar (ANS); fármacos e vigilância sanitária (ANVISA); aviação civil (ANAC); transportes terrestres (ANTT) e aquaviários (ANTAQ).

[48] Lei nº 9.307, de 23 de setembro de1996. Dispõe sobre a arbitragem.

[49] Lei nº 13.129, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a possibilidade de a administração pública direta e indireta utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

[50] Lei nº 13.140, de 26 de junho 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

[51] ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). A Resolução de Casos de Concorrência por Cortes Especializadas e Generalistas (The Resolution of Competition Cases by Specialised and Generalist Courts), 2016.

[52] BOTCH. Deborah A. Court System Strategic Planning. Encyclopedia of Public Administration and Public Policy, Third Edition DOI: 10.1081/E-EPAP3-120011040, 2015, p. 691.


[1] Excerto do livro “Especialização Judicial: uma Solução Econômica Para a Administrativo da Justiça”. FURLAN, Fernando de M. 1ª ed. Ed. Singular, São Paulo, 2017. ISBN-13: 9788586626951.

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