Defesa da Concorrência

CADE comunica suspensão de prazos processuais

Devido ao término do mandato do conselheiro Luis Henrique Bertolino Braido em 4 de novembro de 2023, o Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) passa a contar com três membros a partir dessa data. Não será possível a realização de sessões de julgamento até que novos conselheiros sejam nomeados pelo presidente da República e tomem posse, conforme previsto no artigo 9º, § 1º da Lei 12.529/11.

De acordo com o §5º do artigo 6º da Lei nº 12.529/11, §5º do artigo 12 e artigo 63 do Regimento Interno do Cade, a tramitação de processos que estiverem em análise no Tribunal Administrativo fica suspensa, assim como todos os prazos estabelecidos na Lei nº 12.529/11. A contagem dos prazos será retomada imediatamente após a recomposição do quórum do colegiado. 

Essa suspensão de prazos processuais tem sido pauta de discussão nos principais veículos de comunicação nas últimas semanas, já que existe uma pressão para que o chefe do Executivo escolha o próximo conselheiro segundo a agenda político-partidária do Governo atual. Segundo fontes, dos nomes considerados destacam-se dois candidatos: Diogo Thompson, atual superintendente-adjunto e o único nome interno entre os cotados, e Silvia Fagá, diretora da LCA Consultores e docente na Fundação Getulio Vargas (FGV).

É importante ressaltar que a apresentação dos atos de concentração econômica, conforme disposto no artigo 88 da Lei nº 12.529/11, não sofre suspensão ou interrupção. Os processos administrativos relacionados à análise de atos de concentração econômica continuarão seu trâmite internamente na Superintendência-Geral. A suspensão se aplica apenas aos casos em que os autos forem encaminhados ao Tribunal Administrativo e aos prazos para avocação desses processos.

O futuro do CADE permanece no centro das atenções, e a sociedade aguarda com expectativa a recomposição do órgão e as decisões que moldarão o cenário da concorrência econômica no Brasil.

A Competitividade Brasileira do Hidrogênio Verde e de Produtos Power-to-X1 

Katia Rocha e Nelson Siffert

Estudo recente da Fundação Fraunhofer analisa a competitividade de diversos países nas exportações de hidrogênio verde e seus derivados para o mercado alemão.  Apresenta resultados que podem servir de pontos de atenção ao formulador de política pública no desenvolvimento do mercado Brasileiro de hidrogênio verde.  

Um total de 39 regiões distribuídas globalmente entre 12 países desenvolvidos e emergentes foram analisados ​​em termos de suas energias renováveis e potencial de custo de produção e fornecimento de produtos Power-to-X1 (PtX). Através de abordagens de simulação e otimização, o estudo identifica regiões promissoras de produção e fornecimento de hidrogênio verde e derivados para cada um dos os locais identificados2

O Brasil foi selecionado para compor a amostra do estudo tomando como referência os custos de produção em três localidades situadas nos estados do Rio Grande do Norte, Bahia e Rio Grande do Sul.  

Os resultados estabelecem indicadores técnicos e operacionais úteis à modelagem econômico-financeira de futuros projetos de hidrogênio verde e derivados, destinados ao mercado externo, como os recentes Leilão H2Global e o Leilão Europeu. Também possibilita identificação de parâmetros críticos que impactam a competitividade do Brasil em relação a países peers no desenvolvimento da indústria de hidrogênio de baixo carbono, um dos objetivos do Programa Nacional de Hidrogênio.  

O Brasil aparece com posição de destaque na amostra, com maior competitividade na produção e exportação de alguns produtos PtX, em especial, do hidrogênio líquido e da amônia verde, com um preço CIF3 de EUR 5,71/kg para o hidrogênio verde líquido (LH2) e EUR 886/ton para amônia verde (NH3). Revela-se o mais competitivo (menor intervalo de custo nivelado LCoPtX) nesses produtos na amostra de 12 países como ilustra a Figura 1. 

Figura 1: Ranking de Competitividade H2V – LCoPtX para a amostra de países 

Fonte: Hank et al (2023)Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE 

O resultado é significativo, uma vez que, estão previstos volumes expressivos de investimentos no desenvolvimento da economia do hidrogênio verde nos próximos anos. Estima-se cifras da ordem de US$ 9,4 trilhões até 2050, sendo US$ 3,1 trilhões direcionados para países em desenvolvimento. Desse total, 49% serão destinados ao segmento upstream (geração de energia solar e eólica); 25% no midstream (eletrolisadores) e o restante no segmento downstream (transportes e conversão)4

Ao Brasil, caberá uma parcela maior ou menor deste bolo, a depender da capacidade que tivermos de transformar a oportunidade aberta pela Transição Energética em algo realmente transformador, capaz de mobilizar decisões de investimentos. Para tal, o desafio consiste em formular políticas públicas que permitam nos valer das vantagens comparativas, transformando-as em verdadeiras vantagens competitivas. Sempre bom lembrar que a matriz elétrica Brasileira apresenta 83% de participação de fontes renováveis enquanto a média mundial é de apenas 28%5. Claramente uma vantagem comparativa que deve ser explorada.  

Variáveis Chaves para a Competitividade dos Produtos PtX no Brasil 

Boa parte da posição de destaque do Brasil decorre do baixo custo de produção de energia renovável, cujos LCOE’s alcançados foram de EUR  29/MWh e EUR 41/MWh, para energia solar PV e eólica, respectivamente.  

A elevada competitividade do Brasil nestas fontes é  decorrência de quatro fatores: i) boa performance dos ventos e da insolação em algumas regiões do nosso país, que se traduz em fatores de capacidade ou eficiência entre os mais elevados de toda a amostra; iii) complementariedade das fontes híbridas de geração solar e eólica viabilizando operar o eletrolisador com elevados fatores operacionais em sistemas offgrid (76-82%); iii) adensamento local da cadeia produtiva, proporcionando um ambiente com várias alternativas de provedores de equipamentos e serviços de engenharia e montagens voltadas para indústria de energias renováveis, viabilizando  valores para o Capex e Opex, abaixo daqueles observados nos países peers; e iv) estimativa de custo de capital relativamente baixo entre os países emergentes, da ordem 6,5% a.a6

Verifica-se que, no tocante ao hidrogênio verde na forma líquida e amônia verde, o Brasil seria capaz de apresentar-se como o mais competitivo entre os 12 países examinados. Essa posição decorre, em boa medida, dos indicadores relativos ao custo nivelado de produção da energia (LCOE) solar PV e eólica, bem como de sua complementariedade horária em sistemas offgrid

Foram considerados também as condições da infraestrutura portuária, de conexão à rede transmissão e ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento de projetos, levando-se em conta a estimativa do custo de capital, específica para cada país. 

Tomando-se apenas o exemplo do produto amônia verde no Rio Grande do Norte, os investimentos totais estimados somam EUR 5,4 bilhões, sendo: EUR 3 bilhões voltados para o parque gerador de 3 GW de capacidade, sendo 1,8 GW eólico e 1,2 GW solar PV; EUR 750 milhões para 1 GW de eletrólise PEM; EUR 644 milhões para o sistema de transmissão; EUR 572 milhões para estocagem de hidrogênio; EUR 336 milhões para a unidade síntese e liquefação da amônia e EUR 84 milhões para a unidade de ASU. 

Ainda segundo o estudo, dada a alta complementariedade horária da geração solar e eólica observada no Rio Grande do Norte7 torna-se possível operar o eletrolisador com fator de capacidade de 76%, podendo alcançar 82%. Neste caso, a complementariedade horária da geração de energia entre as fontes eólica e solar torna-se relevante para a competitividade. A produção estimada de amônia verde alcança um volume de 560 mil ton/ano. 

Todavia, em que pese a aparente competitividade do Brasil, em termos globais, na economia do hidrogênio verde, alguns pontos merecem atenção. 

Quando se relaxa a hipótese de geração dedicada (offgrid), e se considera o custo de aquisição da energia por meio da rede básica, o Brasil apresenta um custo de aquisição de energia da ordem de EUR 150/MWh8. Este valor é cerca de 3 a 5 vezes maior que o custo de geração da energia eólica e solar PV. Sob esta ótica, que leva em conta o diferencial entre o preço marginal de geração e a tarifa, nossa posição cai para a 10ª posição entre os 12 países examinados.  

Porque a tarifa de energia do Brasil apresenta valores tão elevados para o MWh a despeito da nossa competitividade? Como a competitividade do hidrogênio verde e seus derivados pode ser afetada? 

A resposta passa pelo exame da composição da tarifa e dos diversos encargos setoriais do sistema elétrico. O MWh ao sair do parque gerador ao custo do LCOE, incorre, na partida, com a TUST-g, caso a unidade de geração seja conectada diretamente com a rede9. Nesta tarifa, que representa a potência contratada para injeção de energia na rede, está incorporado parte dos custos relativos aos encargos setoriais. Também em sua jornada até o uso final, antes de ser consumido pela eletrólise, o MWh incide o pagamento da TUST-c, relativa à potência contratada pelo consumidor da energia. Sendo assim, o uso do sistema de rede básica, implica em arcar com custos relativos às diversas políticas públicas incorporadas nas tarifas. 

A modelagem apresentada assume a hipótese de que o parque gerador se localizará a uma distância não maior que 100 km da unidade de produção de hidrogênio verde e seus derivados. Como a produção de PtX é destinada às exportações, faz sentido que sua localização ótima seja próxima aos portos10. Todavia, no caso brasileiro, é provável que um parque gerador do tamanho previsto para atender um eletrolisador de 1GW, venha se situar a uma distância maior que definida nos estudos, implicado em transitar pela rede básica, e, incorrendo nos custos relativos à TUST e respectivos encargos setoriais.  

Estudo do ICT RESEL aponta que os gastos com a TUST podem provocar um acréscimo no custo nivelado (LCOH) da ordem de até EUR 0,60/kg H2. Implicaria em uma diminuição da competitividade dos derivados de hidrogênio verde – PtX. Uma queda da primeira posição para posições ao final do ranking.  

Outras variáveis também poderiam ser analisadas, como por exemplo, o custo de capital atribuído ao Brasil de 6,5% a.a. É preciso cotejar este indicador com as práticas observadas no mercado brasileiro, que sinaliza percentuais mais elevados. A competitividade observada para o Brasil pode também sofrer alguns percalços neste quesito. 

Concluindo, o estudo da Fundação Fraunhofer, a despeito de colocar o Brasil em uma posição de destaque, retrata uma posição estática, como uma fotografia. Competitividade, por seu turno, é algo dinâmico, envolvendo a interação de múltiplas variáveis, inclusive de caráter institucional e regulatório. Não podemos nos “deitar em berço esplêndido” e perder o foco, pois nossos competidores na nascente indústria do hidrogênio verde estão mobilizados, dando curso às suas respectivas estratégias nacionais, cada vez mais ambiciosas, agressivas.


Katia Rocha. Pesquisadora do Ipea. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br 

Nelson Siffert. Diretor ICT – Resel. E-mail: nelson.siffert@ictresel.org.br 


Disclaimer. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy.


Referências 

Arbache, J.; Esteves, L. (2023). Resiliência com eficiência: como o powershoring pode colaborar para a descarbonização e o desenvolvimento econômico da américa latina e caribe. WebAdvocacy. Disponível em: https://webadvocacy.com.br/2023/04/18/resiliencia-com-eficiencia-como-o-powershoring-pode-colaborar-para-a-descarbonizacao-e-o-desenvolvimento-economico-da-america-latina-e-caribe/ 

Deloitte (2023). Green hydrogen: Energizing the path to net zero. Deloitte’s 2023 global green hydrogen outlook. Disponível em: https://www.deloitte.com/global/en/issues/climate/green-hydrogen.html 

Hank et al (2023). Site-specific, Comparative Analysis for Suitable Power-to-X Pathways and Products in Developing and Emerging Countries. A cost analysis study on behalf of H2Global. Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE. Disponível em: https://www.ise.fraunhofer.de/en/publications/studies/power-to-x-country-analyses.html 

Notas de rodapé

  1. Power-to-X (PtX) é a tecnologia que converte energia renovável gerada por centrais fotovoltaicas ou eólicas em outras fontes de energia, ou carregadores de energia, como como hidrogênio verde, metanol verde, amônia verde e SAF, que podem ser utilizados como substitutos de combustíveis fósseis. ↩︎
  2. Algumas hipóteses comuns a todos países da amostra são estabelecidas, como um sistema de produção de 1 GW de capacidade de eletrólise com tecnologia PEM, para a produção de hidrogênio verde, associado a um parque gerador híbrido, eólico e solar PV, de uso exclusivo, cujo tamanho e performance de geração alcançada, depende das características específicas de cada localidade em termos de insolação e ventos. Outra hipótese importante recai no sistema de produção offgrid, ou seja, projetos de geração dedicada, que evita tratar as questões regulatórias de cada país, associadas ao uso do sistema de transmissão e respectivas tarifas.  ↩︎
  3. Cost, Insurance and Freight – CIF no porto de Brunsbüttel – Alemanha. ↩︎
  4. 7 Ver Deloitte (2023).  ↩︎
  5. Ver em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2023 ↩︎
  6.  No estudo, Austrália e Espanha são apresentadas com um custo de capital de 5,75%. A Ucrânia, antes da guerra com a Rússia, teve o custo de capital estimado em 6,00%. Colômbia, Marrocos, Tunísia, África do Sul, Namíbia tem o WACC estimado em 7,00%. O México em 6,75% e a Índia em 8,00% ↩︎
  7. Embora o Rio Grande do Norte tenha tido melhor performance, a Bahia e o Rio Grande do Sul, também se destacam entre os resultados. Na produção de hidrogênio gasoso, por exemplo, apenas sites na Austrália e Colômbia apresentaram resultados melhores que os observados na Bahia e Rio Grande do Sul.  ↩︎
  8. Tarifa média ponderada residencial no Brasil é cerca de BRL 726 MWh antes de tributos segundo Aneel. ↩︎
  9. A TUST e TUSD são pagas pelos consumidores livres, regulados, e pelos geradores de energia elétrica que necessitam usar as redes de transmissão e distribuição, ou seja, são tarifas pagas pela prestação de um serviço.  ↩︎
  10. Arbache e Esteves (2023) já discutem a tendência de que o powershoring venha a ser nos próximos anos um vetor relevante na determinação da localização de plantas industrial, ou seja, que novos investimentos em produtos intensivos em energia venham se situar em áreas com disponibilidade de energias renováveis. ↩︎

Onde reside o conhecimento do Cade? 

Maxwell de Alencar Meneses

No tempo da sociedade do conhecimento, com busca incessante por informação, essa pergunta se faz imperiosa. Ao invés de responde-la diretamente a intenção é perscrutar o tema e estimular o pensamento crítico a respeito de questões conexas. De antemão ressalvando que considerações aqui expressadas não constituem opinião de nenhuma instituição em particular, nem tampouco daquele que as escreve.  

Trata-se apenas de cogitações e testes de cenários a fim de compreender e explorar realidades complexas, como as associadas ao tema “conhecimento”. Mais do que nunca, o “tudo que sei é que nada sei” de Sócrates se faz mister. 

Para que seja possível minimamente tentar endereçar a pergunta que intitula o artigo, que faz menção a uma busca por algo, no caso o conhecimento do Cade, é necessário tecer um retrato falado de quem se busca, para que seja então possível seu reconhecimento, sendo assim, cabe aqui uma pequena digressão com disposições preliminares, no sentido de conceituar alguns elementos essenciais associados ao termo “conhecimento” no âmbito desse escrito.  

Começando pelo elemento básico do conhecimento, que aqui se chamará “dado”.  Define-se como partícula elementar capaz de carregar atributo único acerca de algo ou de si mesmo. Informação, por sua vez, seria um objeto composto construído cumulativamente pela agregação organizada de um conjunto de dados, até o limite de sua transmutação à condição de um ente portador de valor utilizável.  

De maneira semelhante, o conhecimento advém do agregado de informações sistematizadas a respeito de um determinado tema, que envolve necessariamente o processo de interação íntima com essas informações por uma pessoa humana ou, de modo emulado por um robô, até o ponto de constituírem parte indissociável dessa pessoa natural ou artificial. 

Em uma escala bem mais elevada, seria definida a “sabedoria” como a absorção, por meio de um contato experimental, de conhecimentos múltiplos em um período abrangente o suficiente para habilitar a capacidade de produzir outros conhecimentos inéditos e de desfazer conhecimentos errôneos. 

O que justificaria o quão arriscado são as nomeações de pessoas sem a sabedoria necessária. Talvez isso tenha ocorrido com Lina Khan, que, depois de assumir o FTC, sofreu internamente uma queda da satisfação geral de um terço do seu próprio pessoal. Em pesquisa realizada na agência americana, que antes apontava que 83% dos seus colaboradores detinham elevado nível de respeito pelos líderes seniores, após a chegada de Lina, esse índice caiu para 49%i.  

Em outras palavras, “it’s all about people” (é tudo a respeito de gente), o que traz à lembrança de que não é nada segura a comida de restaurantes em que os funcionários estão insatisfeitos. Além disso, explica a menção a muitas pessoas feita aqui, a começar por Sócrates, oferecendo sugestões antecipadas para os possíveis rumos da resposta à discussão central do artigo. 

Em relação ao Cade, que foi eleito em 2022 como um dos melhores lugares para trabalhar, sendo o único na Administração Pública, é possível notar um verdadeiro progresso nos conceitos estilizados de conhecimento aqui experimentados, especialmente considerando a contínua maturação institucional à qual o Conselho está submetido, oferecendo uma infinidade de oportunidades para a construção de novos conhecimentos.  

Nesse contexto, o que efetivamente estimulou a abordagem desse tema foi uma dessas experiências inefáveis de geração de conhecimento enfrentadas pelo Cade. Tudo se iniciou pelo fim, quando recentemente foi concluído o caso Nestlé Garoto, fruto de belíssimo trabalho da atual Procuradora Geral do Cade, Dra. Juliana Domingues, colunista do WebAdvocacy. Tema rico merecedor de muitos estudos, mas que foi apenas o gatilho para algumas reflexões visitadas nesse texto.  

Na sessão de julgamento em que foi apresentada a proposta de acordo para encerramento do caso iniciado em 2002, pretérito à atual lei de defesa da concorrência, algo da história do caso foi lembrado tanto pelo Cade quanto por representantes das partes. De modo emotivo e, para além da sessão, foi inevitável pensar em quantos advogados, economistas, autoridades, técnicos, procuradores, profissionais de variadas áreas e composições do conselho vieram e partiram, deixando alguma parcela de contribuição durante esse tempo. 

Despertando aos nascidos no século passado, que mais conscientemente vivenciaram esse período, divagações a respeito de quanto conhecimento foi empregado, gerado e para onde teria ido esse conhecimento. As fotos de ex-autoridades do Cade hoje existentes na sede do órgão apontam também nesse sentido.  

Mesmo quem não tem sua foto na parede, mas passou pelo Cade, lembra com saudosismo e alguma dose de nostalgia pelas experiências, contribuições e aprendizado. Ainda assim, se essas fotos falassem e pudessem compartilhar seus conhecimentos acumulados, se pudessem ser entrevistadas e responder a dúvidas de quem chegou por agora, talvez muitas rodas não precisariam ser reinventadas. 

De fato, já seria possível fazê-lo. A exemplo de museus que se utilizam de realidade aumentada para propiciar interatividade, ou pela aplicação da ubiquidade da internet das coisas, que habilita que objetos sejam emissores de sinais digitais. Tecnologias perfeitamente capazes de tornar possível essa entrevista com os “pais” do antitruste.  

A quantidade de informação hoje disponível é notadamente muito grande e de certo modo suficiente para suprir de assunto esse diálogo. Até pelo contrário, essa magnitude de informação pode ser na realidade um obstáculo para seu real aproveitamento. 

Esse volume estupendo torna-se uma benção e uma maldição. O malogro está na condição de que muito conteúdo é um modo de não se ter nenhum. O overload de informações é bem conhecido como forma de atrapalhar investigações, por intermédio do fornecimento de uma quantidade massiva de documentos.  

As máquinas também sofrem, visto que o flooding, o Distributed Denial of Service (DDoS) são técnicas clássicas de causar indisponibilidade de serviços ou servidores, por intermédio da sobrecarga das interfaces com acessos distribuídos, ou com uma grande quantidade de dados. 

O Rei Salomão, renomado como o mais sábio e abastado, possivelmente um dos raros estudiosos a combinar esses dois elementos – conhecimento e riqueza – antecipou algo semelhante há milhares de anos, quando aconselhou: “Meu filho, cuidado, pois não há limite para a quantidade de livros que se produz; o estudo excessivo sobrecarrega o corpo”.  

Os livros são exemplos de documentos contenedores de informações, das quais especula-se aqui, e também são um meio de comunicação com as pessoas de outrora e da atualidade. No entanto, quando em uma quantidade e finalidade não adequadamente sistematizada, são um método de sobrecarga de informação, à semelhança dos ataques cibernéticos citados, mas que também significam outras sobrecargas preocupantes, como peso e espaço, que até explicaria em parte o sucesso do Kindle da Amazon.  

Dentro desse contexto, é compreensível que o Cade tenha implementado um sistema de gestão de biblioteca moderno, utilizando a tecnologia de RFID (identificação por radiofrequência), que pode ser associada à mencionada internet das coisas. Fruto do belíssimo trabalho da Bibliotecária Deborah Lins, que também contribuiu para a criação da própria Biblioteca Agamenon Magalhães, que possui o nome do pai do Antitruste no Brasil, alguém outrora tão combatido pelo consórcio de mídia de seu próprio tempo.  

Delineando a esse ponto de modo mais direto onde está o conhecimento do Cade, destaca-se do acervo da Biblioteca, livro de Ednei Silva, Coordenador-Geral de Análise Antitruste, que versa sobre controle de concentrações envolvendo fundo de investimento no Brasil, que como diz Vinicius de Carvalho, ex-presidente do Cade, trata-se de um dos temas mais polêmicos e difíceis da política de defesa da concorrência. 

A questão a respeito de onde está o conhecimento aponta também para a relevância da organização da informação e da habilidade de localizar o conhecimento necessário tempestivamente. Com a recente pane no sistema elétrico, torna-se interessante reforçar esse conceito em contextos como o do ONS, o Operador Nacional do Sistema Elétrico.  

Apesar de toda a tecnologia à disposição em seu centro de controle sito no SIA, em Brasília, semelhante aos centros de controle retratados em filmes sobre a NASA, o ONS ainda recorre a manuais de procedimentos de rede, volumes de considerável tamanho, que precisam ser mantidos constantemente atualizados e são de vital importância em situações de instabilidade. De tal forma que, esses manuais seriam inúteis se não estivessem impressos e acessíveis em momentos de crise. 

Ainda acerca do acesso ao conhecimento, é interessante notar ser possível hoje alimentar algumas ferramentas na nuvem com arquivos pdf e fazer perguntas a respeito do conteúdo, como na entrevista imaginada. No entanto, essa facilidade de nada adianta se não for possível localizar o livro ou o arquivo. Tal é a importância dessa questão, que levou a criação do Google Search Appliance, que foi um investimento da gigante de buscas no sentido de fornecer para as organizações uma forma de indexar automaticamente seus documentos.  

Tratava-se de um servidor com tecnologia Google embarcada, que era montado no Data Center do interessado e passava a indexar milhões de documentos corporativos. O problema passou a ser achar até o que não devia. Provavelmente, o motivo do produto vir a ser descontinuado brevemente, um indicativo da necessidade da intervenção humana na produção de conhecimento. 

Nesse sentido, O Departamento de Estudos Econômicos do Cade, proativo como de costume, produziu em 2020 o documento de trabalho nº 006/2020 com o subtítulo “Passado, Presente e Futuro”. Em síntese, trata-se de uma apresentação da história do Departamento, compilando em forma de conhecimento os anos de produção de estudos, pesquisas e pareceres de alto nível.  

Conhecimento responsável por definir rumos do antitruste no Brasil, dos quais destacam-se a Resolução nº 24/2019 do Cade, que trata do Gun Jumping, e o desenvolvimento de filtros econômicos para a detecção de cartéis já aplicados no mercado de venda de combustíveis. Com destaque a atuação do Economista-Chefe Luiz Esteves, colunista da Webadvocay, bastante profícuo na produção de notas técnicas durante sua gestão (2014-2016). 

Outra fonte de conhecimento para o Cade é a atuação dos advogados das partes, como bem ilustrado no recente artigo do ex-conselheiro do Cade, Mauro Grinberg, publicado no WebAdvocacy. Nesse artigo, ele destaca a significativa relevância da participação dos advogados perante o Cade, visto que desempenham um papel fundamental no processo de elaboração das decisões administrativas, cumprindo um compromisso público de contribuir para a construção dessas resoluções. 

As decisões que ao longo do tempo vêm moldando a jurisprudência do Cade, contribuindo para a formação de um conhecimento coletivo sobre diversos mercados, estavam, até recentemente, disponíveis em volumes intermináveis em papel. Como discutido anteriormente, devido às características inerentes desse formato, tais volumes apresentavam barreiras naturais de acesso, como as dificuldades e custos associados ao compartilhamento.  

No entanto, essa questão foi solucionada por meio da bem-sucedida iniciativa do Cade sem papel, que foi liderada por Mariana Rosa. Esse avanço se mostrou crucial durante a recente pandemia e, quando comparado com instituições governamentais de países como os EUA, coloca-nos em uma posição vantajosa, já que tais instituições não possuem a digitalização presente no caso do Cade. 

Além disso, à semelhança da natureza cumulativa do conhecimento mencionada no início, durante a gestão do ex-presidente Alexandre Barreto, o Cade implementou um sistema moderno de consulta de jurisprudência. Esse sistema é de importância fundamental para abordar as questões de acesso e garantir a previsibilidade das decisões da autarquia, um compromisso atentamente perseguido pelo corpo técnico do Conselho. 

A transparência e a participatividade que caracterizam a formação do conhecimento do Cade foram bem representadas durante a época da abertura de um inquérito administrativo para investigar possíveis práticas anticompetitivas no mercado financeiro e nos meios de pagamento eletrônico. Especificamente, o enfoque estava nos efeitos resultantes da verticalização dentro desse setor. Uma audiência pública, organizada pelo Cade e intitulada “Estrutura do Setor Financeiro Nacional: Impacto da Verticalização sobre a Concorrência”, proporcionou uma plataforma para uma ampla gama de perspectivas sobre as razões subjacentes ao custo elevado da intermediação financeira e dos serviços bancários e de pagamento no país. 

Nessa audiência pública, variadas visões foram apresentadas, abordando as possíveis causas da onerosidade associada aos serviços financeiros. Isso destacou a importância de analisar profundamente os efeitos da verticalização sobre a concorrência no setor financeiro, considerando a diversidade de opiniões e contribuições. Através desse processo participativo, o Cade demonstrou seu comprometimento com a transparência e a inclusão, permitindo que múltiplos pontos de vista fossem considerados na análise das práticas anticompetitivas e de suas implicações para os consumidores e para a economia em geral. 

A diversidade de pensamento e conhecimento, está presente em projeto de Elvino Mendonça, ex-conselheiro do Cade, pai da Webadvocacy, esta plataforma online que se destaca por produzir e disseminar conteúdo de excelente qualidade relacionado às áreas de direito e economia. Essa iniciativa representa de maneira notável outro âmbito de conhecimento do Cade: as comunidades online dedicadas à difusão de cursos, estudos e discussões. Muitos colunistas que fazem ou fizeram parte do Cade participam ativamente dessas comunidades, contribuindo para a manutenção de um ambiente de troca de conhecimentos. 

A presença de ex-membros do Cade nesses fóruns oferece uma oportunidade única para a comunidade antitruste. Ao compartilharem suas perspectivas e experiências, essas autoridades continuam a enriquecer o conjunto de conhecimentos disponíveis. Isso não apenas sustenta o nível atual de entendimento, mas também expande as perspectivas para abranger outras realidades e contextos. 

Dr. Elvino, como um ex-conselheiro do Cade, exemplifica a importância de indivíduos que, após ocuparem posições relevantes no campo antitruste, continuam a contribuir ativamente para a educação e o diálogo construtivo. A Webadvocacy e outras iniciativas semelhantes desempenham um papel vital na disseminação do conhecimento, na promoção do debate e na capacitação contínua de profissionais e estudantes interessados em direito e economia, proporcionando um ambiente de aprendizado rico e dinâmico, demonstrando o caráter de um ecossistema de defesa da concorrência que o Cade construiu ao logo dos anos. 

Em fechamento, nesse ponto, percebe-se claramente que o Cade, mesmo sofrendo com o turnover de pessoal como qualquer organização moderna, conseguiu elaborar uma série de instâncias e repositórios distribuídos e autogerenciáveis. Esses repositórios se retroalimentam de conhecimento antitruste, ventilando e engrandecendo o próprio conhecimento do Órgão. Esse conhecimento não se dissipa facilmente. Ao contrário das estruturas feudais de conhecimento acadêmico em que os nobres, detentores de títulos, se encastelam, como ocorria nos mosteiros do século XIV, o Cade empoderou cada servidor, colaborador, autoridade e a sociedade a ser um produtor de conteúdo. Esse conteúdo, ao ser continuamente produzido, não se permite ser esquecido. O conhecimento do Cade está hoje em toda parte. 


Disclaimer. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy.

Agora é verdade!! Aeroporto Santos Dumont somente para voos com distância máxima de 400 km de seu destino ou origem. 

Editorial

Neste editorial não atacaremos a medida com extremismos ideológicos. Isso por si só já está dito e não nos ateremos a questões que são de natureza político-ideológica e que devem ser debatidas em outros fóruns. Nos ateremos aqui àquilo que é muito caro a WebAdvocacy que é a área de defesa da concorrência. Fiquemos em discussão técnica para não perdermos o fio da meada. 

A RESOLUÇÃO CONAC-MPOR Nº 1, DE 10 DE AGOSTO DE 2023 traz o cerne da questão já no seu primeiro artigo, in verbis

Art. 1° A partir do dia 02 de janeiro de 2024, as operações regulares no Aeroporto do Rio de Janeiro – Santos Dumont deverão ser planejadas observando: 

I – a distância máxima de 400 km (quatrocentros quilômetros) de seu destino ou origem; e 

II – as ligações com aeroportos de operação regular doméstica. 

O inciso primeiro impõe uma restrição geográfica de 400 km para os voos no Santos Dumont a partir do seu destino ou origem e o inciso segundo crava o aeroporto como sendo unicamente de natureza doméstica. Deixemos o inciso II para um outro editorial e foquemos apenas no inciso I, que já dá muitos “panos para manga”. 

O que significa a restrição imposta no inciso I?   

Portanto, pela restrição imposta no inciso I no mercado relevante geográfico do aeroporto Santos Dumont estão incluídos os aeroportos de Congonhas/SP e Viracopos em Campinas/SP e excluídos os aeroportos de Brasília, de Vitória e de Curitiba, além de todos os demais aeroportos do Brasil que estão a mais que 400 km de distância.  

Uma observação importante!! Não está claro se o aeroporto de Guarulhos em SP está fora do mercado relevante do Santos Dumont, pois este está localizado a menos de 400 km e tem operação regular internacional e doméstica. 

Não fosse a “estranheza” de permitir que alguns aeroportos importantes no cenário nacional estejam no raio de alcance do aeroporto carioca e de excluir outros tantos de relevância não menos importante deste mesmo mercado, a questão fundamental é a de porque afrontar o consagrado princípio da liberdade de iniciativa por meio de uma prática tão danosa à concorrência como é a restrição territorial, que aliás é escrita em “verso e prosa” nos importantes manuais de defesa da concorrencial afora como uma danosa infração à ordem econômica. 

Tá bem!! É o Estado que está impondo a restrição territorial. É para o bem da economia Fluminense etc etc…. Barbaridade!!  

Difícil acreditar que a medida gerará benefícios para a economia fluminense e para a sua gente e a explicação está no “assassinato” do conceito de mercado relevante geográfico, que é o locus geográfico onde a concorrência acontece. 

Alguns dirão que em certas circunstâncias não é preciso definir mercado relevante. Talvez!! Mas entendemos que este não é seguramente o caso. Por que limitar algo que é economicamente viável? Apesar das respostas dadas pelas autoridades fluminenses, não nos convencemos que agredir o conceito de mercado relevante geográfico seja uma solução sustentável.  

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos!!!