Ronan Santos

A importância do contrato de vesting na retenção de colaboradores estratégicos

André Santa Cruz & Ronan Santos

Com a garantia gradual aos empregados da propriedade de ações ou quotas da sociedade empresária, o contrato de opção de compra de participação societária promove o comprometimento e a visão de sócio do colaborador.

1. Por que o Vesting é importante para as empresas inovadoras?

As dificuldades em contratar e treinar colaboradores para uma empresa são amplamente conhecidas. Os empreendedores brasileiros sofrem, há muito tempo, com a escassez de mão de obra qualificada.

No âmbito das startups, essa caça aos talentos é ainda mais difícil, dado que ideias disruptivas costumam demandar alta capacidade técnica para saírem do papel. Ao mesmo tempo, pessoas competentes costumam aceitar uma proposta de trabalho cuja remuneração pareça atrativa.

Além disso, há uma prospecção de talentos feita, inclusive, a profissionais que já estão empregados. Portanto, é necessário montar a equipe com critério. Ao detectar um profissional de extrema importância e compatível com a visão dos sócios da empresa, é possível se utilizar o contrato de vesting para manter o colaborador-chave nela.

Trata-se de uma prática antes restrita a grandes companhias, mas que agora está se difundindo por todo o ambiente empresarial. Neste artigo, explicaremos o papel do vesting na atração e retenção de colaboradores estratégicos.

2. O que é o contrato de vesting?

O vesting consiste na venda de participação societária ao colaborador ao longo de determinado prazo, condicionada ao cumprimento de determinadas metas. Confere-se ao colaborador a opção de comprar as ações ou quotas por determinado preço, sob condições de desempenho e de tempo[1]. As partes acordam que haverá uma venda das quotas/ações da sociedade empresária, de maneira gradual e progressiva, com base em critérios específicos de produtividade[2].

No contrato de vesting, o empresário oferece a perspectiva de crescimento, e o funcionário faz jus a essa confiança, com um trabalho que se torna mais estratégico, uma vez que a visão de sócio, tão desejada pelos empreendedores em seus times, já se faz presente. Trata-se de uma relação de ganhos mútuos.

A previsão legal das chamadas stock options está no art. 168, §3°, da Lei das Sociedades Anônimas, que versa sobre o “plano de opção de compra de ações”, que pode ser implementado desde que a companhia o faça dentro dos limites do capital autorizado. Apesar de o plano de stock options estar previsto na Lei das S/A, não há impedimento à sua aplicação nas sociedades limitadas, desde que se observem as peculiaridades de cada tipo societário.

Isso porque o art. 1.055, §2°, do Código Civil veda a contribuição realizada diretamente em serviços. Contudo, nada impede que os créditos decorrentes da prestação desses serviços sejam usados para integralização de capital.

Existem duas formas de vesting: o tradicional (em que a participação aumenta de acordo com o tempo e as metas) e o invertido (em que a participação começa cheia e pode ser recomprada pela startup se os objetivos não forem alcançados). O primeiro tipo costuma ser mais utilizado, já que tende a dar mais incentivo ao colaborador, cujo esforço terá de ser contínuo e crescente para a obtenção de maiores recompensas. Aqui entra a importância de um mecanismo fundamental: a cláusula Cliff.

3. Cláusula Cliff

Um dos maiores problemas do contrato de vesting diz respeito ao interesse do colaborador em atender às expectativas e prestar um serviço de qualidade satisfatória. Para garantir que os objetivos acima sejam cumpridos, a cláusula Cliff estabelece um período de carência (1 ano, em geral) depois do qual o colaborador, cumpridas as condições estipuladas no contrato, terá o direito de iniciar a aquisição das ações/quotas[3].

Se o funcionário for demitido nesse período, ele não terá direito ao pagamento das quotas/ações, uma vez que detinha apenas expectativa de direito à aquisição das quotas (como explicaremos logo mais à frente). Esse período de teste é crucial para sanar os possíveis erros de percepção dos sócios sobre o colaborador.

4. Diferença entre vesting e stock option

As stock options são opções de compra de ações ou quotas. Nesse sentido, podem ser oferecidas a qualquer um que queira se tornar sócio e, por algum motivo, não possa adquirir a participação imediatamente. A stock option, portanto, é mais ampla e tem suas condições negociadas entre as partes. Já o vesting é uma espécie de stock option. Leva esse nome por causa da aquisição gradual das quotas ou ações, que são “vestidas” pelo colaborador. Está inserido dentro de uma relação de emprego ou de trabalho, especificamente.

5. Pontos de atenção na hora de elaborar o contrato de vesting

Na elaboração e execução do vesting, alguns pontos de atenção precisam ser considerados. Trataremos, nos tópicos a seguir, de cada um deles. É importante analisá-los não apenas antes da formação do contrato de vesting, mas principalmente durante o prazo de aquisição das ações ou quotas e depois dele (haja vista a futura relação societária).

5.1. Aspecto Trabalhista

O primeiro ponto de atenção envolve a parte trabalhista. É preciso que haja a efetiva compra das quotas/ações, isto é, que se assuma efetivamente o risco da atividade econômica[4]. Caso contrário, haverá a caracterização salarial da quantia, com o pagamento dos respectivos consectários legais. O preço tem de ser mais vantajoso do que o valor de mercado, mas não deve ser ínfimo, sob risco de ser tido por fraude à lei[5].

Ainda dentro do âmbito trabalhista, a questão da extinção do contrato de trabalho ou de prestação de serviços precisa estar detalhada no vesting. É preciso determinar o que ocorre quando o colaborador é demitido ou pede para sair antes de obter as primeiras ações/quotas.

O Tribunal Superior do Trabalho entende que, se ainda não houve a aquisição, não será devida indenização. Ou seja, a cláusula que prevê a perda do direito de adquirir as quotas ou ações pelo empregado demitido antes do fim do prazo de carência é lícita[6]. Isso porque ainda se trata de mera expectativa de direito.

É importante atentar também para os fundamentos da demissão quando o fim do período de carência está próximo. Isso porque os tribunais podem interpretar que houve má-fé do empresário. Em outras palavras: pode-se entender que o empreendedor estaria burlando o vesting, frustrando o implemento da condição para que o colaborador adquira as quotas ou ações[7].

O empregador ou contratante deve fundamentar, mesmo que de forma mínima, a dispensa do colaborador. Primeiro, tem-se que deixar claro no contrato de vesting os deveres daquele que vai adquirir as quotas ou ações e estabelecer penalidades pelo descumprimento – a demissão pode ser uma delas. Por fim, cabe documentar as razões para o desligamento daquele funcionário.

Convém prever, ainda, a dissolução parcial da sociedade em caso de demissão do colaborador após o período de carência. Deve-se computar, no cálculo dos haveres, os valores a título de rescisão ou de indenização, a depender do que motivou a saída[8].

Por fim, a determinação das metas também precisa de cuidado, para que não se atribua natureza trabalhista à opção de compra. As metas devem vincular-se não ao desempenho individual do colaborador, mas ao faturamento, expansão da carteira de clientes, captação de investimentos etc.

5.2. Aspecto Tributário

Outro ponto de atenção está no campo tributário. Caso a quota/ação seja adquirida a custo zero, sua natureza será remuneratória e incidirão as alíquotas do IRPF, até 27,5%. Caso sua natureza seja mercantil, a opção de compra será tributada nas alíquotas entre 15% e 22,5%. Ademais, uma vez que a sua natureza seja mercantil, não haverá a incidência de contribuição previdenciária. Esse é o entendimento do Judiciário[9] e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais[10].

5.3. Aspecto societário

Por último, mas não menos importante, o aspecto societário. É preciso saber o quanto do percentual será destinado para o vesting, de forma que não haja uma diluição prejudicial aos sócios fundadores. Também se deve analisar o perfil da pessoa que será beneficiada pelo vesting, a fim de evitar problemas.

A redação de um bom acordo de sócios, com a previsão de cláusulas para resolução de conflitos societários, proibição de venda a terceiros e opção de compra (call option) no caso de demissão. Nesse caso, você também pode variar os critérios, conforme a dispensa tenha sido com justa causa ou sem justa causa.

Aliás, é importante que o contrato de vesting contenha cláusula que vincule o colaborador ao acordo existente ou futuro. Desse modo, as expectativas de todos os envolvidos estarão alinhadas. Por exemplo, caso seja estabelecida uma cláusula de não concorrência, será necessário estabelecer a sua abrangência em termos de segmento de mercado, duração, territórios (em negócios que dependam de uma base geográfica). Caso contrário, há um grande risco de esse dispositivo ser afastado pelo Poder Judiciário[11].

6. Conclusão

Reter talentos é fundamental. Num contexto de ascensão das startups, cujas soluções disruptivas exigem alta competência técnica, o empresário não pode se dar ao luxo de perder uma peça-chave. Por isso, o contrato de vesting se torna um mecanismo imprescindível para atrair e reter talentos para todas as sociedades empresárias. Atendidas as peculiaridades que envolvem essa modalidade contratual, ambas as partes só têm a ganhar.


[1] OLIVEIRA, Fabricio Vasconcelos de; RAMALHO, Amanda Maia. O Contrato de Vesting. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 69, pp. 183  200, Jul/Dec. 2016

[2] OLIVEIRA, Fabricio Vasconcelos de; RAMALHO, Amanda Maia. O Contrato de Vesting. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 69, pp. 183  200, Jul/Dec. 2016, p.184.

[3] POLLI, Marina. Vesting: Inovação Contratual Popularizada pelas Startups. In: MORETTI, Eduardo; OLIVEIRA, Leandro Antônio Godoy. Startups: aspectos jurídicos relevantes. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2019, p. 130

[4] CLT, Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

[5] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade – 22. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019 p.108 e seguintes.

[6] ARR-2843-80.2011.5.02.0030, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 20/11/2015

[7] Código Civil, Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.

[8] OLIVEIRA, Fabricio Vasconcelos de; RAMALHO, Amanda Maia. O Contrato de Vesting. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 69, pp. 183  200, Jul/Dec. 2016, p.194.

[9] Processo: ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL / SP 5009539-20.2017.4.03.6100, Relator(a) Desembargador Federal OTÁVIO PEIXOTO JÚNIOR, Órgão Julgador: 2ª Turma, Data do Julgamento: 10/01/2023, Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 17/01/2023

[10] Acórdão nº 2402-011.012  –  2ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária.

[11] TJSP;  Apelação Cível 1005903-92.2020.8.26.0100; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 16/06/2021; Data de Registro: 16/06/2021


André Santa Cruz é advogado inscrito na OAB/DF, sócio do escritório Agi e Santa Cruz Advocacia, doutor em Direito Comercial pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial do Centro Universitário IESB, em Brasília, e ex-diretor do DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração.

Ronan Santos é advogado inscrito na OAB/DF, sócio do escritório Agi e Santa Cruz Advocacia, graduado em Direito pelo Centro Universitário IESB, em Brasília, e pós-graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.


Principais aspectos jurídicos do mútuo conversível em participação societária

Conheça um dos principais contratos utilizados no financiamento de startups, que se revela uma excelente opção para negócios em estágio inicial ou intermediário de crescimento.

André Santa Cruz, Ronan Santos & Matheus Ferraz

1.    Introdução

O tema do financiamento é um dos mais sensíveis para qualquer sociedade empresária. No começo, quando as despesas superam em muito as receitas, a palavra de ordem é sobrevivência. Nesse cenário, até que se atinja o ponto de equilíbrio (também chamado de breakeven[1]), o capital de terceiros garante a entrada e a manutenção de muitos novos empreendimentos no mercado.

Para a busca desse capital existem, basicamente, duas modalidades de captação de investimento: debt (dívida) ou equity (participação societária). Pensemos no processo de montagem de uma cafeteria, por exemplo. Para fazê-la funcionar, é preciso investir dinheiro. Pode-se tomar um empréstimo no banco (debt) ou convidar uma pessoa para ser sócia (equity).

Cada uma dessas formas tem um risco: se a escolha recair sobre a tomada de empréstimos, os obstáculos serão os juros altos e o risco das dívidas bancárias, sem contar os problemas com possíveis garantias, que em estágios iniciais de qualquer empresa costumam ser raras. Por outro lado, a entrada de um sócio logo no começo pode ocasionar dificuldades na tomada de decisões.

Com base na experiência estrangeira, entretanto, outras formas de obter capital para a estruturação de um negócio surgiram. A dívida conversível em participação é a principal delas.

As debêntures conversíveis em ações representam o exemplo mais emblemático. Ocorre que as sociedades limitadas (maioria esmagadora das sociedades empresárias constituídas no Brasil) não podem emiti-las. Diante disso, outra modalidade de contrato se popularizou: o mútuo conversível, um tipo de empréstimo que, cumpridas certas condições, faz do credor sócio.

2.            O que é o mútuo conversível?

A autonomia privada, princípio basilar do direito empresarial, permite que os agentes econômicos possam agir dentro da esfera que a lei não lhes proíbe. Nesse universo estão contidos os contratos atípicos, autorizados pelo art.425 do Código Civil[2]. Em geral, esses negócios jurídicos são misturas de outros negócios típicos, a exemplo do leasing, que combina locação com promessa de venda[3].

O mútuo conversível, na prática, é a junção de dois contratos em um só: o empréstimo de capital com a aquisição de participação societária. O credor empresta o dinheiro, com juros, do mesmo modo que uma instituição bancária faria, porém sob condições mais favoráveis, seja pelo fato de não exigir garantias, seja pelo objetivo principal de que a empresa dê certo. 

3.            Como funciona o mútuo conversível?

O mútuo conversível funciona da seguinte maneira: transfere-se o dinheiro a juros com determinado prazo, ao fim do qual o credor pode optar ou por receber o dinheiro de volta (corrigido e com juros) ou por se tornar sócio, transformando o valor do empréstimo em parte do capital social da sociedade empresária.

Trata-se de uma solução boa não só para as startups, que se beneficiam de um aporte associado a expertise (smart money), mas também para os investidores, cujo patrimônio fica a salvo em caso de insucesso. Embora atenda aos interesses das duas partes, a solução não é isenta de problemas.

4.            Pontos de atenção durante a execução do contrato de mútuo conversível

4.1 Fiscalização no mútuo conversível

O primeiro e mais óbvio problema do mútuo conversível é o seguinte: como garantir a correta aplicação dos recursos sem o risco de ser caracterizado como sócio? Enquanto credor, aquele que investe não tem direito de voto, reservado aos sócios. Enquanto investidor, deseja que o seu dinheiro não sirva só como capital de giro ou fique no bolso de algum mal-intencionado.

Para evitar esse problema, o contrato deve prever o chamado voto afirmativo. Ele será restrito àquelas matérias que estejam previstas no contrato de mútuo conversível.  Dessa forma, somente com o consentimento do mutuante aquela matéria será aprovada. Porém, deve-se levar em conta o risco da caracterização de sociedade em comum[4].

Um exemplo disso envolve a transação com partes relacionadas, fato que a jurisprudência já reconheceu como apto a provocar a resolução do mútuo conversível, se houver tal previsão no contrato[5]. O não fornecimento dos balanços solicitados para o acompanhamento da evolução da sociedade empresária também pode ensejar a resolução do negócio jurídico, conforme a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[6].

4.2 Cálculo das participações antes e depois da conversão do mútuo em participação (cap table)

Outro ponto de extrema atenção no mútuo conversível é o cálculo do cap table (tabela com os percentuais de cada sócio, antes e depois da conversão). A elaboração dessa tabela permite calcular a diluição de cada fundador ou mesmo do mutuante, caso haja novas rodadas de investimento. É possível, inclusive, pactuar que o investidor pague um valor para que não seja diluído, sob pena de perder determinados privilégios. De qualquer modo, é importante realizar esses cálculos para evitar surpresas desagradáveis.

4.3 Auditoria da empresa que vai receber o mútuo conversível

A due diligence exerce um papel de destaque dentro da relação de mútuo conversível. Quem coloca o seu dinheiro num negócio quer estar por dentro de todos os riscos, até para decidir se vai ou não prosseguir com o investimento. Para os sócios, é importante estar com todas as informações reunidas, de modo que as respostas sejam precisas e rápidas.

O não fornecimento de balanços solicitados, por exemplo, pode frustrar a realização do contrato, porque o elemento de confiança não estará presente. Ou, se houver alguma contradição entre as informações apresentadas e os dados reais da empresa, é possível a resolução do contrato, inclusive com o pagamento de indenização por parte da empresa mutuária[7].

4.4 “Declarações e garantias” e covenants

À auditoria se seguem as declarações e garantias[8], com as quais os fundadores dão sua palavra de que prestaram informações verdadeiras ao credor e sócio em potencial. Para além do caráter moral (afinal, sem honestidade, a relação societária é impossível), as implicações jurídicas podem pesar no bolso (pagamento de indenização).

É importante haver cláusula expressa de covenant[9], por meio da qual o investidor terá acesso às informações e documentos que julgar necessários e poderá dar diretrizes para contratação de serviços pela sociedade. A clareza precisa presidir a relação desde o princípio.

4.5 Fixação do destino dos valores do mútuo conversível

O emprego dos valores emprestados ocupa posição importante dentro do mútuo conversível. Como dito antes, eles não podem se converter em capital de giro ou cash out. Devem servir para aperfeiçoar o produto ou serviço, isto é, melhorar o empreendimento. Por essa razão, utiliza-se a cláusula use of proceeds[10], que pune a destinação incorreta com o vencimento antecipado do mútuo.

4.6 Aspectos societários da relação pós-mútuo conversível

O objetivo de quem investe quase nunca é permanecer sócio. A meta é comprar as ações ou quotas a um valor baixo e depois revendê-las quando estiverem na alta. Desse modo, a previsão de eventos de liquidez permite que o investidor realize mais rápido o objetivo dele. Alguns exemplos dessas ocasiões são a venda da empresa, a incorporação, a oferta de ações na bolsa etc.

Contudo, uma vez que esse credor passe a compor a sociedade, é necessário redigir um bom acordo de sócios, para que as relações corram com segurança. O voto afirmativo, a eleição em separado de membros do conselho de administração ou a previsão de mecanismos anti-diluição são itens bastante comuns nesses acordos. A cláusula de lock up, vedando por certo período a saída de um sócio, também é usual. Do mesmo modo, merece menção a cláusula de non compete, vedando a concorrência por determinado tempo.

4.5 Aspectos tributários

Normalmente, a emissão de novas ações ou quotas é feita por um valor maior que o nominal (valor total do capital social/n° de quotas). Esse sobrevalor recebe o nome de ágio. Nas sociedades limitadas, essa quantia sofre tributação de 34%, somados IRPJ e CSLL. Considerando o possível custo, tornou-se comum a cláusula de transformação em sociedade anônima no mútuo conversível, já que nas companhias optantes pelo lucro real o ágio está isento de tributação[11].

5.    Conclusão

A busca por fontes de financiamento é fundamental para qualquer negócio, mas sobretudo para aqueles que oferecem produtos ou serviços inovadores, nos quais o mercado tradicional põe pouca confiança. O mútuo conversível foi uma solução para esse problema.

Apesar de trazer enormes vantagens, é necessário atentar-se para os riscos que esse contrato traz consigo, sobretudo no tocante à possibilidade da caracterização da sociedade de fato. Por isso, o instrumento contratual deve amoldar-se às circunstâncias do caso concreto. Dessa forma, a startup alcança a expansão, e os investidores lucram com a venda das participações que adquiriram. Uma mão lava a outra.


[1] https://www.insper.edu.br/noticias/o-que-e-break-even-point-e-como-ele-e-calculado/

[2] Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

[3] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência – 22. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019 p.256

[4] ZIRPOLI, Rodrigo Domingos. Contrato de mútuo conversível em participação societária. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022, p.93-94).

[5] (TJSP;  Apelação Cível 1113983-92.2016.8.26.0100; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 36ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/05/2022; Data de Registro: 01/06/2022)

[6] (TJSP;  Apelação Cível 1012467-48.2018.8.26.0071; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Bauru – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/08/2021; Data de Registro: 25/08/2021)

[7] ZIRPOLI, Rodrigo Domingos. Contrato de mútuo conversível em participação societária. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022, p.90

[8] ZIRPOLI, Rodrigo Domingos. Contrato de mútuo conversível em participação societária. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022, p.89-90.

[9] Por meio dos covenants, a parte investida assume o dever de realizar determinadas obrigações de prestação de informações, de exibição de papéis e documentos da sociedade e de seus negócios, de contratar conforme o use of proceeds, bem como de não contratar senão de acordo com as autorizações dadas pela sociedade investidora/mutuante (ZIRPOLI, Rodrigo Domingos. Contrato de mútuo conversível em participação societária. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022, p.87).

[10] É por meio da cláusula de vinculação do “uso das receitas”, que o mutuante, em acordo de vontades com a mutuária/investida, contrata a destinação do aporte para determinado(s) fim(ns) do planejamento estratégico da sociedade (ZIRPOLI, Rodrigo Domingos. Contrato de mútuo conversível em participação societária. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022, p.82).

[11]ZIRPOLI, Rodrigo Domingos. Contrato de mútuo conversível em participação societária. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2022, p.67-68.


André Santa Cruz é advogado inscrito na OAB/DF, sócio do escritório Agi e Santa Cruz Advocacia, doutor em Direito Comercial pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial do Centro Universitário IESB, em Brasília, e ex-diretor do DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração.

Ronan Santos é advogado inscrito na OAB/DF, sócio do escritório Agi e Santa Cruz Advocacia, graduado em Direito pelo Centro Universitário IESB, em Brasília, e pós-graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Matheus Ferraz é advogado inscrito na OAB/PE, graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, e pós-graduando em Direito Empresarial.