Maria Augusta Sampaio Ferraz

O limite da atuação dos tribunais superiores na formação de teses

Maria Augusta Sampaio Ferraz

A normatividade dos precedentes no direito brasileiro

No contexto jurídico atual, o destaque dos precedentes é evidente. Sua introdução no sistema jurídico brasileiro tem como fundamento desempenhar um papel crucial na promoção da isonomia na aplicação do direito, assegurando que casos semelhantes sejam tratados de maneira uniforme e previsível. Este mecanismo busca contribuir significativamente para a segurança jurídica e para a confiança dos cidadãos no judiciário.

As Cortes Superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, são fundamentais na formação de teses que orientam a aplicação do direito pelos demais tribunais. As decisões proferidas por estas instâncias superiores estabelecem, em determinados casos, precedentes obrigatórios, que devem ser seguidos pelos tribunais inferiores, garantindo assim a coerência e a integridade do ordenamento jurídico.

A partir do momento em que os precedentes são adotados como fontes do direito no sentido de formarem uma regra de conduta, as decisões judiciais deixam de ser apenas resoluções de casos concretos para assumirem um papel normativo. Esta transformação é evidenciada pela relevância conferida aos acórdãos das Cortes Superiores, especialmente o STF e o STJ.

Nesse sentido, o papel das Cortes Superiores é de grande destaque, pois certas decisões proferidas nessas jurisdições constituem precedentes com efeito vinculante tanto horizontalmente, entre os próprios ministros e turmas desses tribunais, quanto verticalmente, obrigando os tribunais inferiores a seguirem essas orientações. A adoção dessa prática visa assegurar a uniformidade e a previsibilidade das decisões judiciais, promovendo a segurança jurídica e a isonomia.

A normatividade dos precedentes é vista como um mecanismo indispensável para garantir a uniformidade, a estabilidade e a previsibilidade das decisões judiciais. A adoção do CPC/2015 e a valorização dos precedentes pelas Cortes Superiores evidenciam uma transformação significativa no sistema jurídico brasileiro, que busca conciliar a tradição do civil law com a prática dos precedentes, tradicionalmente associada ao common law.

Quando falamos em precedentes no âmbito do Supremo Tribunal Federal, podemos falar das decisões proferidas em sede de Repercussão Geral, que, após o julgamento, são formados “temas”, que nada mais são o dispositivo da decisão que deve ser observado para posterior aplicação em casos idênticos ou semelhantes, com o devido dever de adequação.

A formação de teses e os limites que devem ser observados pelos tribunais

A decisão judicial é, de maneira simples, o resultado da subsunção de um fato a determinada norma. Para Kelsen, a subsunção é um processo técnico-jurídico que assegura a objetividade e a previsibilidade do direito.[1] Contudo, há algum tempo, a tarefa dos juízes não é vista, exclusivamente, como só a de aplicar a lei dedutivamente[2], seja pela necessidade de completude do sistema, que muitas vezes contêm lacunas ou termos vagos que precisem de interpretação, seja pelo crescente papel dos Tribunais Superiores na interpretação dessas normas. Soma-se a isso a importância dos precedentes, conforme já abordado.

O julgamento de recursos extraordinários e formação de teses pelo STF e pelo STJ tem um papel fundamental na uniformização da interpretação da Constituição Federal e das Leis Federais, além da promoção da segurança jurídica. Contudo, é imperativo que estes Tribunais, ao proferirem decisão em determinado recurso de aplicação vinculante, observem estritamente os limites do caso concreto, evitando extrapolar ou modificar a questão originalmente discutida e decidida nas instâncias inferiores. Esse cuidado é essencial para garantir que a tese fixada reflita exatamente o que foi decidido, sem ir além ou aquém do que foi solicitado e debatido.

A necessidade de observância dos limites do caso concreto se fundamenta nos artigos 102, inciso III e 105, inciso III, da Constituição Federal, que estabelecem a competência do STF e do STJ, respectivamente, para “julgar, mediante recurso extraordinário/especial, as causas decididas em única ou última instância”. Este dispositivo implica que a tese a ser fixada deve corresponder precisamente ao que foi objeto de discussão no caso concreto, não podendo divergir do que foi pedido e debatido nas instâncias inferiores. Ao exceder esses limites, estes Tribunais correm o risco de criarem novas normas jurídicas sem a devida participação das partes envolvidas, o que contraria os princípios do devido processo legal e do contraditório. Isso ocorre porque as teses não podem, de maneira arbitrária, abordar temas que não foram incluídos no pedido inicial e sobre os quais não houve um debate amplo e exaustivo.

Nesse sentido foi o posicionamento do STJ no julgamento do Recurso Especial 1798374, de relatoria do Ministro Mauro Campbell. No caso, o Tribunal discutiu se seria possível a interposição de recurso especial contra decisão de segunda instância que fixa tese em abstrato em incidente de resolução de demanda repetitiva (IRDR). A decisão foi que o recurso não seria cabível pela ausência do requisito constitucional de necessidade de causa decidida.[3]

RATIO DECIDENDI, OBITER DICTUM e tese

No contexto dos precedentes, alguns conceitos jurídicos do direito anglo-saxão são inerentes ao tema, tais como ratio decidendi e obiter dictum. Desse modo, o jurista brasileiro tem o ônus de enquadrá-los no âmbito jurisdicional constitucional para aplicá-los no ordenamento jurídico nacional.

Inicialmente, cabe destacar que observamos, em especial com a valorização dos precedentes e com o dever de observância dos provimentos jurisdicionais vinculantes, que os Tribunais, em especial o STF e o STJ, tentam, de alguma forma, universalizar tanto quanto possível a amplitude de suas teses para que mais casos sejam abarcados na aplicação de seus precedentes.

A conduta ocorre, em certa medida, como uma tentativa de diminuição de acervo e de recebimento de processos por essas Cortes, tendo em vista que após um pronunciamento vinculante, seja através de repercussão geral ou de recursos repetitivos, os Tribunais de segunda instância podem obstar o processamento dos recursos que estejam em consonância com as teses proferidas pelas Cortes Superiores, inviabilizando a sua subida e assim diminuindo o acervo desses Tribunais.

Contudo, tal medida se mostra temerária e quiçá contra legem. Condutas que simplifiquem ou tentem buscar atalhos para problemas estruturais não se mostram efetivas, como podemos perceber nas últimas décadas.

Assim, para que seja possível definir a generalidade de uma tese é necessária a distinção entre ratio decidendi e obiter dictum. Comecemos pela ratio, que, para é o fundamento essencial da decisão judicial, ou seja, o ponto central de onde se extrai a regra jurídica aplicável ao caso concreto. A ratio decidendi é a parte da decisão que contém a norma geral, que serve de base para o julgamento e que pode ser utilizada em futuros casos semelhantes. É a essência do raciocínio judicial que determina o resultado do caso e que pode ser replicada em situações análogas para garantir a uniformidade e a previsibilidade das decisões judiciais.[4]

Já tudo aquilo que não foi identificado como razão principal para decisão é obiter dictum. Ou seja, tudo aquilo que não é ratio decidendi, e que não é essencial ou fundamental para o resultado de um caso.

O grave problema a ser enfrentado é que as Cortes Superiores brasileiras têm como costume se referir à ratio decidendi como teses, e por isso a relação entre os termos é de extrema importância. Se a tese deve refletir o(s) principal(is) fundamento(s) do julgamento do caso concreto, e ela não reflete, há, no mínimo, um problema de falta de coerência ou de lógica entre teoria (lei) e prática (julgamento).

O raciocínio sistemático pensado de acordo com o nosso sistema legal, portanto, nos leva à conclusão de que uma tese formada por fundamentos tidos como obiter dicta não refletem a discussão jurídica trazida no caso concreto e posta em julgamento. Nesse sentido, se os artigos da Constituição acima citados dispõem que o STF e o STJ devem julgar, mediante recursos extraordinário e especial, as causas decididas em única ou última instância, e se não existe causa decidida, é possível que possamos falar em inconstitucionalidade da tese formada em determinado precedente, por descumprimento de norma constitucional.

Essa é uma discussão traz reflexões necessárias de aplicação prática, em especial no sistema judicial brasileiro, onde institutos importados encontram-se cada vez mais presentes no ordenamento jurídico.

Portanto, a postura das Cortes Superiores em buscar a universalização de suas teses, visando reduzir o acervo de processos, deve ser ponderada com cautela. Simplificações ou atalhos para resolver problemas estruturais do sistema judiciário podem levar a soluções inadequadas e contrárias aos princípios fundamentais do direito. É crucial que as teses fixadas reflitam fielmente os fundamentos discutidos e decididos no caso concreto, garantindo assim a legitimidade e a eficácia dos precedentes.

Referências

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento, Recursos, Precedentes – 18. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 208.

ARRUDA ALVIM, Teresa. O novo CPC: o que importa? 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 78.


[1] Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 78.

[2] ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento, Recursos, Precedentes – 18. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 208.

[3] A tese fixada pelo STJ no REsp 1798374 foi a seguinte: Não cabe recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento do IRDR, por ausência do requisito constitucional de cabimento de “causa decidida”, mas apenas naquele que aplique a tese fixada, que resolve a lide, desde que observados os demais requisitos constitucionais do art. 105, III, da Constituição Federal e dos dispositivos do Código de Processo Civil que regem o tema.

[4] ALVIM, Teresa Arruda. O novo CPC: o que importa? 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.


MARIA AUGUSTA SAMPAIO FERRAZ. Advogada especialista em processo civil e em processos nas Cortes Superiores. Mestranda em processo civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Atua há 15 anos perante as Cortes Superiores (STF e STJ), com larga experiência e expertise na área.


Colegialidade e formação de precedentes na busca por segurança jurídica

Maria Augusta Sampaio Ferraz

Antes de falarmos sobre o tema principal do presente artigo, qual seja, colegialidade e precedentes, faz-se necessário um breve resumo histórico do sistema jurídico brasileiro, que tem sua origem na tradição romano-germânica, também denominado como civil law. O referido sistema tem origem na Europa continental, no século XIII e, durante sua evolução, podemos dividi-lo em períodos.

O primeiro período tem início com o estudo do direito romano nas universidades, que durante os séculos foi se adaptando às necessidades da sociedade, tornando-se um direito sistematizado. Posteriormente, nos séculos XVII e XVIII, há uma renovação da ciência do direito, onde a legislação se torna a principal fonte do direito romano e do sistema civil law.

Anos mais tarde, a Revolução Francesa representa um marco histórico para consolidação do civil law, na medida em que, com a ascensão da burguesia ao poder, houve a ruptura com o Estado absolutista e a criação de um sistema que limitasse a atuação dos juízes, ainda aliados ao regime monárquico.

Na França, o juiz era proibido de interpretar a norma, pois imaginava-se que a legislação seria tão clara que não haveria margem para interpretação. O responsável por criar o direito (leis) seria o Parlamento, o que se mantem até os dias atuais.

Nesse sentido, o positivismo decorreu da Revolução Francesa e a lei tornou-se a principal fonte do direito, com o objetivo de garantir segurança jurídica e previsibilidade nas decisões judiciais.

O direito brasileiro, que tem como ascendência o direito português, também se filia, em sua origem, ao sistema civil law, e, portanto, adotou como lei sua principal fonte. Contudo, com o passar dos séculos, a evolução da sociedade e o aumento desenfreado de conflitos, percebeu-se que a lei já não era mais capaz de prever soluções para todas as situações apresentadas ao Judiciário.

Após séculos de um direito positivista, o direito brasileiro começou a introduzir ao seu sistema – até então fortemente positivista – alguns institutos originários de outro sistema jurídico (common law, que será tratado posteriormente), como os precedentes.

Assim, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o papel dos precedentes no direito brasileiro ganhou mais importância. A criação de um sistema de precedentes no cenário jurídico reforça a necessidade e o objetivo de uma prestação jurisdicional que entregue segurança jurídica, estabilidade e previsibilidade nas decisões judiciais, de forma que haja redução na judicialização e uma melhor e mais célere prestação jurisdicional.

Nesse sentido, o CPC de 2015 dispõe expressamente sobre a importância dos precedentes, no sentido de que os tribunais devem manter seus entendimentos uniformes para o alcance da almejada segurança jurídica, conforme disposto no seu artigo 926:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Apesar de o direito brasileiro ser oriundo do sistema civil law, ou seja, de um sistema que tem como principal fonte do direito a lei, percebemos que, diante de toda evolução, a busca pela estabilização de entendimentos sobre questões constitucionais e federais traz o precedente como novo elemento. Ainda que o sistema brasileiro de precedentes seja próprio e não uma mera cópia do sistema common law, é importante entender a origem do instituto e suas principais características.

Os precedentes têm sua origem no sistema common law, onde vigora a doutrina da observância das decisões judiciais tais como postas nos casos pretéritos (doctrine of stare decisis), isto é, as decisões são proferidas observando o que já foi decidido em um caso anterior que tenha semelhanças com o caso a ser julgado.

Mesmo com origens e fonte do direito distintas, percebe-se que há uma aproximação entre os sistemas, de modo que a lei passa a ter maior importância no commom law e os precedentes maior importância no civil law.

As disposições trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, além de darem grande importância e força normativa às decisões proferidas pelos tribunais, mostram que, apenas a Lei como fonte de decisão (civil law), não é suficiente para garantir estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica ao sistema. Luiz Guilherme Marinoni diz nesse sentido:

[…] Se no civil law imaginou-se que a segurança e a previsibilidade poderiam ser alcançadas por meio da lei e da sua estrita aplicação pelos juízes, no common law, por nunca ter existido dúvida de que os juízes podem proferir decisões diferentes, enxergou-se na força vinculante dos precedentes o instrumento capaz de garantir a segurança de que a sociedade precisa para se desenvolver.[1]

Diante deste cenário, a introdução dos precedentes judiciais no sistema brasileiro tem como objetivo a garantia de maior estabilidade do que é decidido pelo Judiciário. No Brasil, a força do precedente decorre de Lei. O exemplo principal do dispositivo legal que traz tal determinação é o artigo 927 do CPC, que dispõem sobre a necessidade de observância às decisões das Cortes Supremas.

Apesar dessa diferença, a matriz ideológica dos precedentes, em ambos os sistemas, é a busca por isonomia, segurança jurídica, estabilidade e previsibilidade das decisões judiciais.

Os precedentes reforçam o papel das Cortes Supremas (STF e STJ) de determinar como deve se dar a interpretação da legislação constitucional e federal, e, nesse sentido, é de extrema importância essas Cortes exercerem a sua colegialidade, que desempenha um papel crucial na garantia da segurança jurídica e refere-se à prática de tomar decisões judiciais por um grupo de magistrados. Essa abordagem colaborativa promove a discussão, a troca de ideias e a revisão cuidadosa dos casos, garantindo uma maior qualidade e consistência nas decisões.

Um órgão colegiado requer que cada membro aja de forma coordenada. Em outras palavras, é necessário que cada membro leve em consideração o trabalho dos outros membros, e o resultado final depende diretamente dessa abordagem. A colegialidade compartilha semelhanças com o trabalho em equipe, uma vez que ambos envolvem colaboração e deliberação entre seus integrantes. Essa interação é de extrema importância, já que o resultado obtido é o produto resultante desse processo.

Nesse contexto, uma decisão proferida como sendo do Tribunal, e não de um de seus membros, enfatiza a natureza impessoal, independente e imparcial dos julgadores, com o propósito de evitar a atribuição de responsabilidade a um único magistrado (despersonalização). Além disso, a colegialidade atua como um mecanismo de contenção do arbítrio individual, ou seja, como uma forma de impedir a concentração excessiva de poder em um único indivíduo – o próprio julgador. Portanto, a contenção do arbítrio individual visa, sobretudo, proteger os interesses das partes envolvidas no processo judicial e a qualidade das decisões judiciais, uma vez que incentiva o magistrado a adotar uma postura neutra, contribuindo assim para a uniformidade das decisões tomadas por todos os julgadores.

Nas Cortes Supremas brasileiras, como o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, a colegialidade é um princípio fundamental. Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, discutiu a possibilidade do Plenário da Corte passar a construir decisões que condensem um voto majoritário e dessa forma reflitam a opinião da Corte como um todo.

Assim, a colegialidade contribui para a formação de precedentes sólidos e consistentes, uma vez que as decisões são tomadas por um coletivo de juízes com base em debates e argumentações e reflitam a posição do Tribunal. Isso reforça a previsibilidade e a uniformidade no direito, fortalecendo a confiança dos cidadãos no sistema judicial.

Assim, o julgamento colegiado que resulte em um posicionamento da Corte desempenha um papel fundamental no fortalecimento dessas instituições e na garantia da segurança jurídica. Algumas características demonstram a importância da colegialidade:

  1. Maior Consistência e Uniformidade Jurídica: A colegialidade ajuda a promover a consistência e a uniformidade nas decisões judiciais. Isso é crucial para garantir que casos semelhantes sejam tratados de maneira semelhante, o que é um princípio fundamental para a segurança jurídica. A aplicação consistente do direito constrói bons precedentes, evita arbitrariedades e garante que as decisões judiciais sejam previsíveis.
  2. Evita Concentração de Poder em um Único Juiz: Ao tomar decisões colegialmente, as Cortes Supremas evitam a concentração de poder em um único juiz. Isso é especialmente relevante em questões de grande importância, como as que são decididas pelo STF e STJ e formam precedentes. A dispersão do poder entre os juízes contribui para a proteção contra decisões unilaterais e subjetivas que podem ser influenciadas por preferências pessoais.
  3. Legitimidade e Aceitação Pública: A colegialidade também fortalece a legitimidade das decisões das Cortes Supremas. Quando um grupo de juízes chega a um consenso ou votação majoritária sobre um caso, isso aumenta a aceitação pública das decisões. Os cidadãos têm mais confiança nas decisões tomadas de maneira transparente e democrática do que em decisões individuais.
  4. Resistência a Pressões Externas: A colegialidade pode ajudar a proteger os tribunais de pressões políticas ou externas. Quando os juízes decidem em conjunto, é mais difícil influenciar um tribunal por meio de influências indevidas. A independência judicial é fortalecida pela tomada de decisões colegiais.
  5. Desenvolvimento do Direito: Os debates e discussões durante o processo colegial podem levar a um desenvolvimento mais rico do direito, o que é fundamental para a formação de precedentes. A jurisprudência resultante de tais debates tende a ser mais abrangente e aprofundada, contribuindo para a evolução do sistema jurídico.

Em suma, tanto os precedentes judiciais quanto a colegialidade nos tribunais superiores são elementos essenciais para a segurança jurídica no sistema jurídico. Eles trabalham em conjunto para garantir que o direito seja aplicado de maneira consistente e previsível, promovendo a estabilidade, confiabilidade e razoável duração do processo.


[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016, p. 53.


MARIA AUGUSTA SAMPAIO FERRAZ. Advogada especialista em processo civil e em processos nas Cortes Superiores. Mestranda em processo civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Atua há 15 anos perante as Cortes Superiores (STF e STJ), com larga experiência e expertise na área.


A necessidade de regulamentação do Filtro de Relevância do Recurso Especial

Maria Augusta Sampaio Ferraz

O problema da massificação de demandas judiciais não é novidade no Brasil. Desde a promulgação da Constituição de 1988 e da garantia do livre acesso à justiça, o número de demandas judiciais no país aumentou de forma exponencial.

Segundo dados do CNJ[1], havia 81 milhões de processos em tramitação no Brasil até dezembro de 2022. Nesse mesmo ano, foram distribuídas 31 milhões de novas ações.

Tais números, que representam o volume de demandas nos tribunais, tornou o sistema processual brasileiro desafiador para o alcance de garantias constitucionais, dentre elas, a segurança jurídica, celeridade e eficiência da prestação jurisdicional.

Nesse contexto, a efetivação das funções das Cortes Superiores, quais sejam, Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, se mostram urgentes e necessárias.

A extrema judicialização no Brasil, em conjunto com a facilidade de recorrer da parte litigante que perde a demanda, tornou-se cenário perfeito para que as Cortes Superiores se transformassem em meros tribunais recursais, onde, em grande parte, os litigantes recorrem apenas para ganhar tempo e protelar uma decisão final.

Em 2022, o STJ recebeu 399.455 processos, o equivalente a três processos a cada quatro minutos durante todos os dias do ano. No mesmo período, o mesmo tribunal atingiu a marca de 577.707 julgamentos. É como se cada ministro tivesse julgado 17.506 processos no ano, ou 48 processos por dia, caso trabalhasse todos os dias do ano.

Tais dados refletem um sistema ineficiente, no qual o cidadão que aguarda uma análise minimamente cautelosa do seu caso, não recebe a devida prestação jurisdicional.

O papel das Cortes Superiores

Diante do cenário apresentado, faz-se necessária uma reflexão do real papel das Cortes Superiores. E nesse contexto surge a figura dos precedentes, cada vez mais presente no cenário jurídico brasileiro.

As Cortes de Precedentes, como deveríamos chamar o STF e o STJ, são cortes cuja função é de interpretação do direito constitucional e direito federal, a partir do julgamento de um caso concreto, para que aquela decisão proferida sirva de modelo para aplicação do direito pelas instâncias inferiores.

Nesse sentido, com o volume processual já citado e um sistema jurídico processual onde existem decisões distintas sobre o mesmo fato, os precedentes tem extrema importância para a uniformização da intepretação legal e logo, para segurança jurídica.

O STF, com a criação da Repercussão Geral, em 2004, através da Emenda Constitucional 45, conseguiu, ao longo dos anos, diminuir consideravelmente o número de processos que chegassem a Corte, uma vez que a parte que deseje ter o seu recurso apreciado pelo referido tribunal, deve demonstrar que o seu caso possui relevância jurídica, política, social ou econômica. Ou seja, o STF forma Teses de Repercussão Geral sobre matéria constitucional que devem ser observados por todos os juízes e tribunais. 

E o STJ, estando em situação crítica em volume processual, também precisou de um instrumento que concretize o seu papel como Corte de formação de teses sobre matéria federal.

O Superior Tribunal de Justiça e o Filtro da Relevância

Na tentativa de efetivação do STJ como uma Corte de Precedentes para consequente diminuição no número de demandas e melhora na prestação jurisdicional, a Câmara dos Deputados aprovou em julho de 2022 a Proposta de Emenda à Constituição 39/2021, denominada “PEC da Relevância”, a qual altera a redação do artigo 105 da Constituição, para inserir um novo requisito intrínseco de admissibilidade do recurso especial, tanto na esfera civil quanto na criminal.

A partir da promulgação da referida emenda, a nova regra impõe ao recorrente o ônus de demonstrar a relevância da questão ou questões federais deduzidas como fundamento do recurso especial, ou seja, o litigante tem o ônus de evidenciar que a questão jurídica a ser decidida pelo Superior Tribunal de Justiça ostenta uma relevância que ultrapassa o interesse subjetivo das partes. Essa relevância deve ser comprovada pelas perspectivas jurídica, econômica e social.

Além disso, o STJ julgará temas relevantes para formação de teses sobre lei federal, as quais deverão ser aplicadas pelos juízes e tribunais, como ocorre com a Repercussão Geral, no âmbito do STF.

Em recente entrevista, o ministro Gurgel de Faria, do STJ, faz a comparação entre os institutos e ressalta a necessidade do filtro para a formação de precedentes pelo STJ. Para o ministro, no STF, foi possível perceber a importância da fixação de precedentes para reduzir o número de processos e dar uma maior atenção a eles.

“Quanto mais processos, por óbvio você vai ter que julgar mais rápido e ali muitas vezes a rapidez faz com que você não dê atenção a temas que são importantes.”

A inclusão dos incisos 2º e 3º ao artigo 105 da Constituição Federal tem como principal objetivo a concretização do papel do Superior Tribunal de Justiça não como uma mera corte de cassação ou de controle, mas sim como uma corte de precedentes no que se refere à matéria de legislação federal.

Para a aplicação do “filtro da relevância”, é necessária uma lei que o regulamente. Nesse sentido, o STJ entregou, no dia 05 de dezembro de 2022, ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, uma sugestão de anteprojeto para a regulamentação do filtro de relevância do recurso especial. Contudo, até o momento não houve movimentação do órgão para prosseguimento do feito.

Diante do cenário exposto, em que o volume processual se torna cada ano maior e a insegurança jurídica se encontra presente em razão de decisões distintas acerca do mesmo fato, a regulamentação do Filtro de Relevância se mostra urgente.

As Cortes Superiores precisam exercer suas funções de forma plena para que possamos caminhar no sentido de prover a devida prestação jurisdicional, com segurança jurídica e razoável duração do processo, conforme determina a Constituição Federal.


[1] Disponível em: justica-em-numeros-2023-010923.pdf (cnj.jus.br)


Maria Augusta Sampaio Ferraz. Advogada especialista em processo civil e em processos nas Cortes Superiores. Mestranda em processo civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Atua há 15 anos perante as Cortes Superiores (STF e STJ), com larga experiência e expertise na área.