Rutelly Marques da Silva e Márcio de Oliveira Junior
Em junho de 2019, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Petrobras firmaram um Termo de Compromisso de Cessão de Prática (TCC)[1] com o objetivo de “propiciar condições concorrenciais, incentivando a entrada de novos agentes econômicos no mercado de refino” e suspender, desde que cumpridas as obrigações previstas no TCC, o Inquérito Administrativo que investigava condutas anticoncorrenciais da estatal no mercado de refino[2].
Em cumprimento ao TCC, a Petrobras vendeu três refinarias, entre elas Isaac Sabbá e Landulfo Alves (atualmente Refinarias do Amazonas e de Mataripe, respectivamente). Entretanto, em novembro de 2023, a Petrobras pediu ao Cade a renegociação do TCC[3] e posteriormente, em maio de 2024, propôs a readequação dos compromissos[4]. Desde 2023, quando a Petrobras pediu a renegociação do TCC, circulavam notícias na imprensa de que a estatal desejava revisar o TCC para deixar de vender refinarias e até mesmo recomprar as já vendidas. A Superintendência Geral do Cade, também em maio de 2024, recomendou ao Tribunal do Cade aceitar os novos termos[5], o que ocorreu com a homologação de despacho do Presidente do Cade em 22 de maio de 2024.
O movimento de revisão do TCC levantou questionamentos sobre possíveis retrocessos nas ações para fomentar a concorrência no setor de combustíveis. Entretanto, acreditamos que parte desses questionamentos pode ser respondida se observarmos que a concorrência no segmento de refino depende não somente da venda de refinarias, mas também da política de preços da Petrobras e da competição na exploração e produção de petróleo.
Vale observar que o TCC não determinou que a Petrobras vendesse todas as suas refinarias, nem estipulou obrigações para a estatal em relação à importação de petróleo e derivados ou à sua política de preços de combustíveis. Outro aspecto relevante é que, na época em que o TCC foi firmado e as refinarias começaram a ser vendidas, a política de preços de combustíveis da Petrobras seguia a paridade de importação. Ocorre que a estatal alterou essa política em 2023, o que, em associação com a concentração no segmento de exploração e produção de petróleo, impactou o TCC, tornando-o pouco efetivo para fomentar a concorrência no segmento de refino. Vejamos por que isso ocorreu.
As refinarias privadas não operam no segmento de exploração de petróleo, o que significa que devem adquirir petróleo para refino de petroleiras no mercado nacional ou internacional. No mercado nacional, a Petrobras ainda é a concessionária com maior participação na exploração (64,5% em 2023, pelo menos), seguida pela Shell (11,4% em 2023). Nesse cenário, a Petrobras tenderia a vender petróleo para as refinarias privadas com base no preço internacional, uma vez que as demais petroleiras não venderiam no mercado doméstico a um preço abaixo do internacional e eventual importação pelas refinarias privadas também ocorreria ao preço do mercado internacional.
O fato de as refinarias privadas comprarem petróleo com base nos preços internacionais leva à conclusão de que os combustíveis comercializados por elas também seguirão esses preços. Em outras palavras, os preços dos combustíveis das refinarias privadas obedecerão à lógica da paridade de importação, antiga política de preços da Petrobras.
Contudo, para as refinarias da Petrobras, a realidade pode ser diferente. Como a estatal[6] é verticalmente integrada, o preço do petróleo transacionado entre suas unidades de produção e de refino pode não ter como referência os preços internacionais, mas sim outro parâmetro mais alinhado com a política de preços de combustíveis que a estatal considera adequada para os objetivos do seu controlador, que pode implicar a defasagem dos preços dos combustíveis comercializados pela Petrobras em relação aos preços do mercado internacional.
Essa eventual defasagem impacta as refinarias privadas, principalmente em um cenário em que a Petrobras tem a capacidade de usar o lucro da exploração e produção doméstica de petróleo para subsidiar eventuais prejuízos que ela teria ao importar petróleo para refiná-lo no Brasil, onde o preço do combustível pode estar defasado em função da sua própria política de preços. Nesse caso, a Petrobras poderia cobrir uma possível margem operacional negativa na atividade de refino com uma margem positiva na exploração e produção de petróleo. A maior parte das refinarias privadas não tem essa opção, pois não é verticalizada.
Nesse contexto em que a Petrobras continuou verticalmente integrada após a celebração do TCC, com alta participação no mercado de exploração e produção de petróleo, a aquisição das suas refinarias por investidores privados tinha como base as seguintes premissas, de forma combinada ou isolada: (i) a política de preços da Petrobras seguiria a paridade de importação; (ii) a Petrobras venderia praticamente todas as suas refinarias antes de qualquer mudança na política de preços dos combustíveis ou as refinarias privadas não estariam nos mesmos mercados relevantes daquelas que a Petrobras manteria; e (iii) haveria instrumentos regulatórios para impedir a Petrobras de abusar de sua posição dominante no segmento de exploração e produção de petróleo.
Caso essas premissas não fossem observadas, o fomento à concorrência no mercado de refino por meio da entrada de investidores privados não verticalizados estaria em risco, pois a margem operacional das refinarias privadas ficaria vulnerável às mudanças na política de preços dos combustíveis e ao abuso de posição dominante pela Petrobras. Em outras palavras, nas hipóteses (i) de a Petrobras vender o petróleo para as refinarias privadas pelo preço internacional, porventura acima do preço transacionado entre suas unidades de exploração e de refino, e (ii) de o preço dos combustíveis no mercado doméstico estar defasado em relação ao preço internacional, a margem de lucro das refinarias privatizadas seria comprimida e elas eventualmente teriam prejuízos. Isso colocaria em risco o objetivo de mudar a estrutura do mercado de refino para fomentar a concorrência, um dos objetivos do TCC.
Portanto, dada a estrutura de mercado de exploração e produção de petróleo, a antiga política de preços da Petrobras de paridade de preços de importação era fundamental para fomentar a concorrência no mercado de refino. Como essa política foi alterada pela estatal, o TCC ficou vulnerável, pois a defasagem do preço do combustível doméstico em relação ao internacional aumenta o risco de compressão das margens das refinarias privadas. Com isso, a continuidade da expansão dessas refinarias, seja de forma orgânica ou por meio da aquisição das refinarias que estavam à venda pela Petrobras, ficaria prejudicada e poderia ocasionar a reversão da pequena mudança estrutural no mercado de refino gerada pelo TCC.
Uma evidência dessa dificuldade de expansão de refinarias privadas foi o fato relevante divulgado pela Petrobras em 22 de maio de 2024, quando ela afirmou ter enfrentado obstáculos “que impediram a conclusão da alienação das demais refinarias que constavam do objeto original do TCC”[7]. Em uma situação de risco como a apontada acima, era de se esperar que a Petrobras tivesse dificuldades para vender as refinarias, ou seja, o TCC perdeu efetividade.
Essa conclusão nos leva a outra questão relevante: era factível buscar implementar concorrência no refino sem alterar a estrutura de mercado na exploração de petróleo, reduzindo sua concentração? Como se depreende dos argumentos apresentados neste artigo, é pouco provável. Devido à concentração na exploração e produção, a dependência das refinarias privadas não verticalizadas da Petrobras como fornecedora de petróleo é alta. Portanto, dados os riscos apontados, seria preciso reduzir a concentração do mercado de exploração e produção para atenuar essa dependência. Com isso, o risco das refinarias privadas diminuiria, pois uma eventual decisão da Petrobras de “descolar” os preços domésticos dos internacionais para viabilizar a defasagem dos preços dos combustíveis no mercado doméstico teria menor impacto sobre elas. Sem a mitigação desse risco, é pouco provável que as refinarias privatizadas façam investimentos em expansão de capacidade de produção e que haja novas entradas no mercado de refino. Na verdade, pode ser interessante para as refinarias privatizadas até mesmo a sua revenda para a Petrobras.
Sem dúvida, a desconcentração na exploração de petróleo não é trivial, pois significa reduzir da participação da Petrobras no segmento provavelmente mais rentável da cadeia produtiva do petróleo. Além disso, é um processo demorado, que depende de mudanças na orientação do governo federal para a cadeia de produção de combustíveis.
Isso não significa, todavia, que a manutenção da estrutura de mercado de exploração e produção e a mudança da política de preços da estatal justificariam o encerramento do TCC. Mas a decisão envolvendo a revisão do TCC deveria considerar (i) os impactos da mudança da política de preços dos combustíveis, (ii) as limitações que a concentração na exploração e produção de petróleo representam para a concorrência no refino e (iii) a utilização de instrumentos estruturais e comportamentais que tornem mais fácil a detecção de eventual discriminação de preços pela Petrobras na venda de petróleo para as refinarias privadas vis-à-vis o preço do usado nas transações entre suas unidades de exploração e de refino.
O posicionamento externado pela Superintendência Geral e seguido pelo Tribunal do Cade considera alguns dos elementos abordados no parágrafo anterior. Quando o TCC foi firmado, as partes entenderam que a venda de refinarias que representavam cerca de 50% da capacidade doméstica de refino era suficiente para fomentar a concorrência no refino. Ainda, à época da celebração do TCC, a Petrobras adotava a paridade de preços de importação. Mas o abandono dessa política de preços em 2023 comprometeu a efetividade do TCC, ou seja, dificilmente investidores privados comprariam as cinco refinarias que ainda não tinham sido vendidas.
Dessa forma, considerando que a política de preços da Petrobras é parte de sua estratégia empresarial, que o Cade não poderia determinar qual deve ser a política de preços, que ele não poderia ampliar o escopo do TCC para desconcentrar o segmento de exploração e produção de Petróleo, a solução estrutural que constava no TCC ficou prejudicada, como reconheceu a Superintendência Geral do Cade. Desse modo, restaram as soluções comportamentais que constam na revisão do acordo.
Dado que o Cade não controla a estrutura de mercado no segmento de produção e a política de preços da Petrobras, não entendemos essas soluções como um completo retrocesso, pois elas podem ser úteis para proteger as refinarias privadas do abuso da Petrobras e assim garantir que a pequena mudança estrutural alcançada durante a vigência do TCC original seja preservada. No entanto, é pouco provável que a mudança estrutural no refino almejada quando o TCC foi firmado seja atingida.
Adicionalmente, a atual política de preços de combustíveis da Petrobras, que implica a defasagem dos preços domésticos em relação aos internacionais, gera incentivos para que ela discrimine as refinarias privadas. Como a Petrobras tem a capacidade para a discriminação devido à sua posição dominante no mercado de produção e exploração de petróleo, o monitoramento dos remédios para evitar abuso de posição dominante pela Petrobras deverá ser constante e, por isso, terá um custo alto para o Cade. Além disso, é preciso que os remédios comportamentais sejam detalhados e que as refinarias privadas, alvos de eventuais abusos, tenham acesso ao detalhamento, os acompanhem e possam informar eventuais descumprimentos ao Cade, ajudando-o no monitoramento.
Por último, é importante não permitir a recompra das Refinarias do Amazonas e de Mataripe pela Petrobras. Isso tem como base o entendimento da Superintendência Geral do Cade de que, devido à venda das refinarias ocorridas sob a vigência do TCC, “é esperado que haja movimentação dos agentes tanto demandantes como ofertantes de petróleo em razão do surgimento de uma demanda de petróleo externa à Petrobras” [8]. Essa afirmação parece decorrer principalmente da perspectiva de que, como as refinarias vendidas (do Amazonas e de Mataripe) representam cerca de 18% da capacidade de refino doméstica, sua demanda por petróleo pode gerar uma desconcentração no segmento de exploração e produção, o que teria efeitos positivos sobre a concorrência no segmento de refino. Nesse sentido, seria contraditório permitir sua recompra pela Petrobras, já que, seguindo o raciocínio da Superintendência Geral, o “surgimento de uma demanda de petróleo externa a Petrobras” seria perdido com a recompra.
[6] Apesar de a Petrobras ser uma empresa de capital aberto, a maioria de suas ações com direito a voto pertence ao Governo Federa, o que lhe confere controle sobre a empresa. Por isso, qualificamos a Petrobras como empresa estatal. Informação disponível em: https://www.investidorpetrobras.com.br/visao-geral/composicao-acionaria/ . Acesso em 25 de maio de 2024.
Rutelly Marques da Silva e Marcio de Oliveira Júnior são Consultores Sêniores da Charles River Associates (www.crai.com). As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente dos autores e não refletem necessariamente as opiniões da instituição à qual estão vinculados.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou o Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar[1] no dia 18 de abril de 2024. Nele, verifica-se que o prejuízo operacional acumulado das Operadoras de Plano de Saúde (OPS) foi de R$ 18 bilhões de 2021 a 2023. O prejuízo operacional diminuiu em 2023, mas, segundo a ANS, as OPS tiveram um prejuízo operacional de R$ 5,92 bilhões na modalidade médico-hospitalar.
Esse prejuízo operacional preocupa e deverá ser enfrentado por meio de estratégias das OPS para aumentar suas receitas e diminuir seus custos, por exemplo, por meio da verticalização. Embora legítima, a verticalização pode ter impactos anticoncorrenciais. Por isso, é preciso que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a autoridade de concorrência brasileira, esteja atento para os impactos dessa estratégia. É preciso também que os provedores de serviços para as OPS colaborem com o Cade quando a autoridade de concorrência brasileira analisar os atos de concentração relativos a essas verticalizações.
A fim de fundamentar a perspectiva apresentada, será feita a seguir uma análise dos resultados do Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar. Essa análise será seguida pela discussão sobre a verticalização como estratégia a ser adotada pelas OPS para reverter o prejuízo operacional e sobre os possíveis impactos concorrenciais e sobre os consumidores associados.
Principais Resultados do Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar
Em primeiro lugar, o prejuízo operacional não significa que as OPS tenham tido resultado final negativo, pois as receitas financeiras são importantes para as OPS pela própria natureza do seu negócio, ou seja, elas recebem a contraprestação dos beneficiários (mensalidades) e há um intervalo de tempo até que as despesas assistenciais sejam pagas. Na modalidade médico-hospitalar, as receitas financeiras das OPS foram de R$ 11,15 bilhões em 2023, segundo a ANS, o que possibilitou a elas terem um resultado positivo em 2023.
No entanto, o resultado operacional é importante para a sustentabilidade das OPS, principalmente porque a taxa de juros tende a cair e, por isso, as receitas financeiras tendem a diminuir. A sustentabilidade das OPS é importante para o setor de saúde no Brasil. Corrobora essa afirmação o fato de, na modalidade médico-hospitalar, as despesas assistenciais (eventos indenizáveis) terem sido de R$ 239 bilhões em 2023, segundo a ANS. Para se ter uma ordem de grandeza, esse valor é maior do que a dotação orçamentária de R$ 232 bilhões planejada para o Ministério da Saúde para 2024[2].
Os dados do Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar da ANS permitem verificar que, na modalidade médico-hospitalar, 47,2% das OPS tiveram resultado operacional negativo em 2023. Adicionalmente, na mesma modalidade, a maior parte do prejuízo operacional em 2023 ficou concentrado em algumas OPS, como, por exemplo, Bradesco Saúde (-R$ 1,43 bilhão), Sul America (-R$ 454 milhões) e Amil (-R$ 2,80 bilhões)[3].
Como a receita financeira tende a cair devido à redução da taxa de juros, as OPS devem ajustar suas estratégias para reverter os prejuízos operacionais. Para isso, elas terão que alterar suas políticas em relação à contraprestação (mensalidades) e às despesas assistenciais.
Receitas com Contraprestação
Em relação às mensalidades, para a modalidade médico-hospitalar, segundo a ANS, a contraprestação per capita das grandes OPS no último trimestre de 2022 foi de R$ 337,37, valor que passou para R$ 387,44 no último trimestre de 2023, um reajuste de 14,84% em termos nominais. Como a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 4,62%, houve um reajuste real de 9,77%. Em termos reais, vê-se no Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar que o valor per capita do quarto trimestre de 2023 é inferior ao do segundo semestre de 2020: R$ 425,26, quando ajustado pelo IPCA. Tomando-se esse valor como teto, as OPS teriam pouca margem para aumentar a mensalidade per capita em termos reais (cerca de 10%).
Despesas com Custo Assistencial
Em relação às despesas, matéria publicada no Valor Econômico em 15 de abril de 2024[4] traz uma série de possíveis estratégias das OPS para reduzir o custo assistencial. De acordo com a matéria do Valor, as OPS já começaram a desenhar e a comercializar planos de saúde mais restritos, ou seja, com rede referenciada menos ampla e com coparticipação e reembolso cobrindo uma parte limitada dos procedimentos médicos.
A mudança de estratégia em relação às despesas também pode ser notada pelo “Percentual de Eventos por Forma de Pagamento” que consta no Painel da ANS. Os pagamentos por procedimentos na modalidade médico-hospitalar (“fee-for-service”) passaram de 83,7% do total em 2019 para 64,8% em 2023 (não há grandes diferenças quando se considera o porte das OPS). Já os pagamentos por pacotes passaram de 3,8% do total em 2019 para 12% em 2023. O Rateio de Custo de Recursos Próprios passou de 6,9% do total em 2019 para 13,2% em 2023. Esses resultados mostram que as operadoras de saúde têm migrado seus modelos de pagamento para opções que permitem maior controle de custos e previsibilidade, como o pagamento por pacotes, em que se contrata um conjunto de procedimentos a um valor preestabelecido, e a internalização de serviços.
Verticalização e Impactos sobre a Concorrência
Uma das estratégias das OPS mencionada na matéria do Valor Econômico é a verticalização, que significa a integração entre agentes que atuam em diferentes etapas da cadeia de produção de serviços de saúde. De acordo com o documento Cadernos do Cade – Mercado de Saúde Complementar: Condutas[5], de 2021, “esse movimento tem se dado pela aquisição de administradoras de benefícios; serviços de medicina diagnóstica, o que inclui laboratórios; clínicas; centros médicos ambulatoriais e hospitais por operadoras de planos de saúde”.
Segundo o documento do Cade, a verticalização pode trazer algumas eficiências, como a “redução de custos de transação, melhor coordenação de serviços dentro da empresa, economias de escopo e o alinhamento de incentivos entre os elos da cadeia vertical, diminuindo os problemas decorrentes de assimetria de informação”. Entretanto, ainda de acordo com o documento do Cade, “considerando as características do mercado de saúde suplementar abordadas anteriormente – assimetria de informação, barreiras à entrada, tendência à concentração –, que facilitam o efetivo exercício do poder de mercado por uma empresa dominante, não se pode desconsiderar a possibilidade de efeitos concorrenciais negativos derivados de uma integração vertical nesse mercado”[6].
As eventuais verticalizações, cumpridos os limites de faturamento do art. 88 da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529, de 2011) e da Portaria Interministerial nº 994, de 2012, devem ser notificadas ao Cade, que analisará potenciais eficiências e efeitos negativos da verticalização, considerando os impactos sobre os mercados relevantes envolvidos em cada transação.
Um desses efeitos negativos da integração vertical entre OPS e, principalmente, hospitais, é a possível alavancagem de poder de barganha das operadoras em relação aos agentes com os quais contratam, como médicos, laboratórios, clínicas, centros médicos ambulatoriais e hospitais.
O atual modelo de remuneração entre hospitais e planos de saúde ocorre principalmente pela maneira conhecida como “fee-for-service”, ou seja, hospitais, clínicas, laboratórios e médicos atendem um determinado paciente de acordo com suas necessidades e repassam para a operadora uma fatura detalhada de todos os recursos humanos e materiais utilizados durante a assistência. A remuneração desses prestadores de serviços segue tabelas que predefinem valores para cada procedimento ou material[7]. Esses valores pré-definidos são objeto de barganha entre as OPS e os prestadores de serviços.
Nessa barganha, o objetivo da OPS é fazer com que os preços constantes nas tabelas, pagos aos provedores de serviços, se aproximem o máximo possível daquilo que os economistas chamam de seu custo marginal. Já os prestadores, como hospitais e clínicas, tentarão cobrar um preço acima do custo marginal. Desse modo, quanto maior o poder de barganha dos agentes envolvidos nessa negociação, maior a parte do excedente gerado na transação que eles conseguirão apropriar. É por isso que as OPS têm incentivo para aumentar seu poder de barganha por meio da verticalização.
Para refletir como o processo de barganha entre OPS e prestadores de serviços ocorre, Kate Ho e Robin Lee usam um modelo chamado “Nash-in-Nash with Threat of Replacement”[8]. Nesse modelo, para aproximar o preço que paga aos prestadores de serviços de seus custos marginais e assim aumentar sua participação no excedente, uma OPS pode ameaçar retirá-los de sua rede referenciada e substituí-los por outros. Quanto mais crível for a ameaça de retirada da rede referenciada, maiores o poder de barganha da OPS e sua participação no excedente[9].
A credibilidade da ameaça de descredenciamento, que influencia o poder de barganha, depende da existência de prestadores de serviços substitutos dentro do mesmo mercado relevante onde atua o referenciado “ameaçado”, que está barganhando com a OPS. A verticalização dá à OPS esse substituto e, por isso, torna mais crível a ameaça de descredenciamento, aumentando seu poder de barganha.
Um exemplo hipotético ajuda a entender esse ponto: imagine que haja dois hospitais infantis A e B em um determinado mercado relevante em que uma OPS tenha posição dominante. Para levá-los a aceitar preços menores, a OPS com quem eles negociam ameaça descredenciá-los. A ameaça não seria crível, pois, dada a regulação, a OPS teria dificuldade para proceder ao descredenciamento por não haver um hospital infantil substituto naquele mesmo mercado relevante. Portanto, sua ameaça de descredenciar esses hospitais infantis é pouco crível. Consequentemente, a OPS não terá poder de barganha suficiente para aproximar o preço pago a esses hospitais de seus custos marginais e assim se apropriar de uma maior parte do excedente gerado nessas transações com os hospitais infantis.
Suponha agora que a OPS em questão adquira o hospital infantil B. Com isso, sua ameaça de descredenciar A fica crível, pois ela pode substituí-lo por B, que, após a verticalização, faz parte do seu grupo econômico. Nesse caso, A teria que aceitar preços menores para continuar na rede referenciada da OPS em questão. A OPS se apropriaria então de uma parte maior do excedente gerado na transação com o hospital A. Não é sem razão que, na matéria do Valor Econômico citada acima, menciona-se que uma das prioridades de uma OPS é “aumentar a verticalização, em especial, em praças como São Paulo e Rio, onde a rede própria de hospitais é menor”.
Por isso, verticalizações que alavanquem o poder de barganha das OPS devem ser objeto de atenção do Cade, pois há probabilidade de que, diante da menor remuneração aos prestadores de serviços decorrente do maior poder de barganha das OPS, os membros das redes referenciadas reajam reduzindo a qualidade dos seus serviços, com prejuízos para os consumidores[10] (trataremos dessa consequência negativa para os consumidores de forma mais detalhada a seguir).
As OPS poderiam argumentar que a alavancagem do poder de barganha pode se traduzir em redução de custos e que, por isso, seria uma eficiência da verticalização. Esse argumento, todavia, deve ser relativizado porque o exercício do poder de monopsônio[11] pode ser tão nocivo para a concorrência quanto o do poder de monopólio, sendo que uma eficiência não pode resultar de efeitos anticompetitivos. Foi o que decidiu a “The United States Court of Appeals for the District of Columbia Circuit” quando analisou um recurso do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) que decorreu de um argumento de duas OPS (Anthem e Cigna) que eram partes em ato de concentração e que argumentaram que a aquisição da Cigna pela Anthem levaria a uma redução dos valores pagos a provedores de serviços, como médicos e hospitais[12].
Verticalização, autonomia médica e consumidor.
Há, de fato, um aumento da inflação médica que pressiona os custos operacionais. Essa inflação decorre da flexibilização do rol de procedimentos de cobertura obrigatória e da inflação dos medicamentos, sobretudo de medicamentos de alto custo[13].
Entretanto, mesmo no modelo atual de produtos e serviços autorizados pela Lei nº 9.656, de 1998, os planos de saúde poderiam reduzir esse prejuízo operacional no médio prazo ampliando o número de consumidores com acesso aos seus serviços. Aumentando a escala, aumenta o mutualismo e todos ganham: operadoras, prestadores e consumidores. Em exposição sobre os problemas no setor, o Presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados, ANAHP, Antônio Britto, apontou a seguinte constatação: “temos que sair do patamar dos 50 milhões de usuários, estamos há muito tempo rodeando esse número. O que nos impede de termos 70 milhões se a maioria dos brasileiros quer ter um plano? Precisamos pensar nisso e agir”[14].
Não resta dúvida que o setor, incluindo aqui a própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reguladora desse sistema, precisa pensar em oferecer ao mercado produtos e serviços mais flexíveis para atingir novos consumidores que desejam a contratação de um plano de saúde, mas que não conseguem fazê-lo devido à insuficiência de renda. Portanto, é necessário fazer ajustes na Lei dos Planos de Saúde; projetos nesse sentido estão em tramitação no Congresso há mais de dez anos. O atual modelo da oferta de planos de saúde previsto na Lei nº 9.656, de 1998, é muito rígido e acaba funcionando como uma grande barreira a entrada para consumidores que gostariam de ter acesso a serviços simples, como a marcação de consultas, um item importante para tratamento e prevenção dos problemas de saúde.
Entretanto, enquanto esse modelo rígido de oferta de planos de saúde imposto pela Lei nº 9.656, de 1998, vai sobrevivendo por aparelhos, com alto índice de judicialização, os fornecedores desse mercado, ao invés de esforçarem para buscar um novo marco legal, acabam por buscar aumentar seu poder de barganha, o que ocorre com a verticalização, espremendo a margem de ganho de agentes como as pequenas clínicas e os médicos profissionais liberais, os elos mais fracos da cadeia de produção dos serviços de saúde.
Do ponto de vista econômico, a verticalização da saúde e a busca por menores custos por parte das OPS, que, legitimamente, se preocupam a sustentabilidade do seu negócio podem deixar em segundo plano a qualidade dos serviços e o próprio interesse dos consumidores. Sob o olhar do ordenamento jurídico, entretanto, sobretudo em consonância com o que determina Lei nº 12.529, de 2011, algumas perguntas não estão sendo respondidas com a verticalização: i- como os consumidores, nos termos do artigo 88, II, da Lei 12529/2011, receberão parte relevante dos benefícios decorrentes da verticalização? e ii- nos termos do mesmo dispositivo, haverá queda na qualidade dos serviços ofertados aos consumidores?
Para que os consumidores se beneficiassem da verticalização, impõe-se não apenas, a médio prazo, uma redução no valor dos planos, como uma melhoria na qualidade dos serviços. Nessa última questão reside o grande problema da verticalização: o respeito à autonomia do médico e/ou do prestador, que, uma vez comprometida, pode sacrificar a qualidade dos serviços prestados. Com a verticalização, são criadas redes próprias de atendimento e pode haver um gradual esvaziamento dos hospitais credenciados, que não pertencem a um mesmo grupo econômico verticalizado, com o objetivo de garantir maior controle dos custos pelas OPS. Mas, nesse cenário, a autonomia dos prestadores de serviços, como hospitais e médicos, pode ser comprometida. Neste particular, na ânsia por redução de custos, reflexamente, reside um risco sério de afetação da qualidade do serviço, afetando diretamente o melhor interesse dos consumidores.
Conclusão
Há no Brasil aproximadamente 51 milhões de beneficiários de planos de assistência médica ofertados por Operadoras de Planos de Saúde[15], o que mostra sua importância para a assistência à saúde no Brasil e a necessidade de manter a higidez econômico-financeira das OPS.
Em nome dessa higidez, é esperado que as OPS adotem estratégias de redução de custos e que haja um movimento de verticalização, que exigirá atuação do Cade para garantir que a concorrência seja preservada, pois a manutenção da higidez econômico-financeira das OPS não significa isenção concorrencial para as estratégias que tenham como objetivo reverter perdas operacionais. Vale mencionar, nesse sentido, que segundo o documento Cadernos do Cade – Mercado de Saúde Complementar: Condutas, o mercado de saúde suplementar “possui certas características que impedem que o mecanismo de preços ajuste oferta e demanda, tais como falhas de mercado e externalidades, e outras que podem comprometer a livre concorrência entre os agentes: custos crescentes, barreiras à entrada, tendência à concentração e à integração vertical”. Por essas razões, o próprio documento do Cade reconhece que, mesmo que o setor de saúde suplementar fique ao encargo da iniciativa privada, ele deve ficar sob a supervisão do Estado, seja da agência reguladora ou do órgão de defesa da concorrência (ANS e Cade, respectivamente), que devem prezar pela livre concorrência e pela defesa do bem-estar dos consumidores.
[3] No Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar da ANS, Bradesco Saúde e Sul America são classificadas na modalidade Seguradora Especializada em Saúde e a Amil na modalidade Medicina de Grupo. Também chama a atenção o prejuízo operacional de R$ 1,06 bilhão da Unimed-Rio, classificada na modalidade Cooperativa Médica.
[6] Cade (2021), apud Leandro, Tainá. Defesa da concorrência e saúde suplementar: a integração vertical entre planos de saúde e hospitais e seus efeitos no mercado. Dissertação (Mestrado em Economia). Universidade de Brasília, Brasília, 2010.
[8] Ho, Kate e Lee, Robin. Equilibrium Provider Networks: Bargaining and Exclusion in Health Care Markets. Chicago: Becker Friedman Institute for Research in Economics, Setembro de 2017 (Working Paper Series nº 2017-13).
[9] Há normas que regulam a substituição de prestadores de serviços. O art. 17 da Lei nº 9.656, de 1998, autoriza a substituição desde que por outro prestador equivalente. Para o caso de redimensionamento da rede hospitalar de uma OPS, o § 4º do art. 17 prevê a necessidade de autorização da ANS.
A substituição de prestadores de serviços não hospitalares é regulada pela Resolução Normativa (RN) nº 365, de 2014 da ANS. Por suposto, a substituição de um prestador de serviços deve ser feita por outro equivalente, que pode ser algum prestador já pertencente à rede da OPS, desde que comprovada a capacidade de atendimento. O art. 6º da RN estabelece as condições de equivalência. É interessante observar que, em relação ao critério geográfico, o inciso III do art. 6º fala em localização no mesmo município ou, em caso de indisponibilidade ou inexistência, localização em municípios limítrofes ou na mesma Região de Saúde. Esse dispositivo dá poder de barganha às OPS, pois aumenta suas opções externas quando negocia preços com os prestadores de serviços.
A substituição de entidades hospitalares e o redimensionamento da rede por redução são regulados pela Instrução Normativa nº 46, de 2014 da ANS. Segundo o inciso II do art. 2º, a substituição é a “troca de uma unidade hospitalar por outra equivalente que não se encontra na rede do produto”. Já de acordo com o inciso III do mesmo artigo, o redimensionamento por redução é a “supressão de um estabelecimento hospitalar da rede do produto, cabendo às unidades restantes a absorção da demanda”. A rede de hospitais pode ser própria ou contratualizada, de modo que, assim como no caso de prestadores de serviços não hospitalares, não há vedação para que um hospital contratado seja substituído por outro do grupo da OPS. Também não há vedação para o descredenciamento do hospital contratado e o consequente redimensionamento da rede, desde que o hospital do grupo da OPS tenha capacidade para absorver a demanda. Portanto, dada a regulação, a verticalização leva ao aumento do poder de barganha das OPS, pois, ao terem hospitais no mesmo grupo, elas terão opções externas adicionais para substituir ou redimensionar suas redes de hospitais. Esse raciocínio e essa conclusão também se aplicam aos prestadores de serviços de cuidados à saúde não hospitalares.
[10] As OPS poderiam argumentar que, como há concorrência entre elas, no caso de perda de qualidade da rede referenciada de uma OPS, os consumidores (beneficiários) poderiam desviar sua demanda para OPS concorrentes. No entanto, é sabido que há grande assimetria de informação na área de saúde. Por isso, os consumidores têm dificuldade de perceber as diferenças de qualidade entre hospitais e clínicas, por exemplo. Desse modo, na média, os consumidores não se aterão tanto ao descredenciamento de determinados provedores de serviços médico-hospitalares. Assim sendo, não se deve esperar que os consumidores migrem imediatamente para OPS concorrentes em função da substituição, por exemplo, de hospitais e clínicas referenciados, mesmo que os substitutos tenham qualidade inferior à dos que foram substituídos.
[11] De acordo com o dicionário da revista Concurrences, “Monopsony power describes the situation in which the supply side of a market is perfectly competitive, represented by an upward-sloping supply curve, and in which a sole buyer is present. The buyer will exercise its market power by withholding purchases (i.e., buying less) to decrease the purchasing price it pays for a good/service below the level that would emerge in a competitive market. The price is set by the buyer fixing a purchasing price it is willing to pay for the input, in a take-it or leave-it offer, or by refusing to negotiate on price. In such a setting, the monopsonist becomes a price-maker. This approach to buyer (monopsony) power is essentially the reverse or mirror image of monopoly power”. Disponível em: https://www.concurrences.com/en/dictionary/buyer-power#:~:text=Monopsony%20power%20describes%20the%20situation,a%20sole%20buyer%20is%20present. Acesso em 21 de abril de 2024.
[12] Ver Rose, Nancy e Sallet, Jonathan (2020). The Dichotomous Treatment of Efficiencies in Horizontal Mergers: Too Much? Too Little? Getting it Right. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3639184. Acesso em 21 de abril de 2024.
[14]https://www.jota.info/casa-jota/apos-crise-saude-suplementar-mira-em-ampliar-populacao-coberta-por-planos-22022024?non-beta=1 Veja esse exemplo do que poderia ser ampliado citado pelo próprio Presidente da ANAHP: O Consumidor poderia aderir a um plano ambulatorial com cobertura apenas para consultas e exames, por exemplo. “Quando você olha para os usuários do SUS, o principal gargalo está nas consultas e nos exames. Uma mamografia, por exemplo, pode demorar muitos meses para ser marcada. Poderíamos entrar nesse espaço, mas a comunicação de venda tem que ser muito bem-feita para que a pessoa saiba que esse plano não cobre tudo.’
Marcio de Oliveira Junior é Doutor em Economia, professor do Mestrado em Administração Pública do IDP e Consultor Sênior da Charles River Associates (www.crai.com).
Paulo Roque Khouri é Doutor em Direito, professor do IDP e Sócio do Roque Khouri & Pinheiro Advogados (https://khouriadvocacia.com.br).
Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.
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Segundo a SportsValue (2022)[ii], a receita dos vinte maiores clubes de futebol brasileiros em 2021 foi de US$ 1,25 bilhão (R$ 6,75 bilhões usando a taxa de câmbio média de 2021 para conversão). A receita obtida com direitos de transmissão das partidas foi de US$ 644 milhões (R$ 3,48 bilhões), ou seja, esses direitos correspondem a cerca de 51% das receitas dos vinte maiores clubes brasileiros. Recentemente, houve duas mudanças legislativas importantes que podem impactar a forma de venda dos direitos de transmissão das partidas, a principal fonte de receita dos maiores clubes brasileiros.
Uma das mudanças foi a Lei nº 14.205, de 2021, que alterou a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé). Segundo a regra do art. 42 da Lei Pelé, o direito de transmissão de uma partida de futebol (direito de arena) pertencia conjuntamente aos clubes que a disputavam. Portanto, esses clubes tinham que chegar a um acordo sobre para qual comprador (por exemplo, uma emissora de televisão) deveria ser vendido o direito de transmissão de cada um dos jogos. Se esses clubes negociassem seus direitos de transmissão com emissoras diferentes, elas teriam que concordar com a transmissão da partida nas grades de programação uma da outra. Caso contrário, a partida não era transmitida e ocorria o “apagão”.
A Lei nº 14.205, de 2021, alterou a disciplina do direito de arena por meio da inclusão do art. 42-A na Lei Pelé. Segundo esse dispositivo, “pertence à entidade de prática desportiva de futebol mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo”, ou seja, o direito de comercializar os direitos de transmissão de cada partida pertence ao clube mandante. Uma das consequências dessa nova regra seria evitar as situações de “apagão”. Além disso, os clubes mandantes terão mais liberdade para comercializar os direitos de transmissão com diferentes plataformas, como serviços de “streaming”. De acordo com os que defendem a alteração da Lei Pelé, além de ter o potencial de aumentar as receitas dos clubes, a mudança introduzida pelo art. 42-A beneficia os consumidores, que terão mais opções para assistir às partidas. Entretanto, há quem aponte que, por si só, essa nova regra para a comercialização dos direitos de transmissão não trará esses benefícios e que ela teria que ser combinada com outras mudanças, como a venda coletiva dos direitos de transmissão das partidas.
A segunda mudança relevante foi a Lei nº 14.193, de 2021, que, entre outros pontos, instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (“SAF”). Segundo a Lei, os clubes de futebol brasileiros que disputam campeonatos profissionais, que, de acordo com a Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), são organizados sob a forma de associação civil, poderão se organizar como SAF (conhecida como “clube empresa”). No caso de direitos de transmissão de partidas de futebol, caberá às SAFs comercializá-los, pois, segundo o art. 42-A da Lei Pelé, o direito de arena pertence à entidade de prática desportiva mandante. O § 4º do art. 1º da Lei nº 14.193, de 2021, estabelece que, para os efeitos da Lei Pelé, “a Sociedade Anônima do Futebol é uma entidade de prática desportiva”. Portanto, os direitos de transmissão pertencerão às SAFs que sucederem os clubes e lhes caberá comercializá-los.
Paralelamente a essas duas mudanças legais, voltou a ser discutida a criação de uma liga de futebol nacional que seria liderada pelos clubes e SAFs, e não pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Há duas ligas em discussão. Uma delas é a Liga do Futebol Brasileiro (“Libra”), que, segundo Pooler (2023)[iii], tem o apoio de dezesseis clubes que disputam as séries A e B do Campeonato Brasileiro e é assessorada pelo BTG Pactual, que tenta atrair uma injeção de R$ 4,75 bilhões no empreendimento pelo Fundo Mubadala. A outra é a Liga Forte Futebol, que tem o apoio de 26 clubes e, de acordo com o mesmo autor, é assessorada pela XP e pela Alvarez & Marsal, que buscam a injeção de recursos por um grupo de investidores dos EUA[iv].
As duas alterações legais e a criação de uma liga podem ter um impacto positivo para promover o campeonato brasileiro, levando-o a competir com os campeonatos promovidos por ligas europeias, como a alemã, a espanhola, a francesa, a inglesa e a italiana. Para isso, os clubes e as SAFs brasileiros têm que aumentar suas receitas, inclusive com a venda dos direitos de transmissão de suas partidas. Um dos meios para fazer isso é com a venda coletiva desses direitos por meio de uma liga.
Para mostrar como a negociação coletiva desses direitos pode aumentar a receita dos clubes e SAFs, impactando a qualidade e a competitividade do campeonato brasileiro de futebol, este artigo foi organizado em cinco seções além desta introdução. Na seção 2, explica-se por que a venda coletiva dos direitos de transmissão tem o potencial de aumentar as receitas dos maiores clubes brasileiros. Na terceira seção, são expostas as opiniões de alguns desses clubes sobre a negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas. A seção 4 apresenta uma discussão sobre o funcionamento dos mercados de atenção, o quadro analítico adequado para a discussão sobre a concorrência entre os diferentes campeonatos de futebol (objeto da quinta seção). A seção 6 contém as conclusões.
2. Impactos da negociação coletiva na receita com direitos de transmissão das partidas.
A criação de uma liga liderada pelos maiores clubes e SAFs é importante para que eles negociem os direitos de transmissão da forma mais lucrativa possível. A liga poderia desenhar mecanismos para vender os direitos de transmissão das partidas de forma coletiva, por meio de leilões, aumentando seu valor em comparação com o que seria obtido em negociações individuais, o modelo usado pelos clubes brasileiros atualmente[v]. Seria um modelo de negociação coletiva parecido com os das principais ligas europeias[vi].
A venda coletiva pela liga tem o potencial de aumentar as receitas por diversas razões. Entre elas, porque o mercado para a aquisição de direitos de transmissão de partidas de futebol mudou. Os canais de televisão aberta e fechada não são mais os únicos compradores. Há empresas capazes de transmitir as partidas via “streaming”, como Facebook, Amazon e DAZN. Essas empresas têm bases de clientes grandes e entraram na disputa pela aquisição de direitos de transmissão de eventos esportivos, o que tende a pressionar os preços desses direitos para cima, pois a maior base de clientes aumenta as receitas potenciais com publicidade e a avaliação (“valuation”) dos direitos de transmissão, possibilitando que esses compradores potenciais se disponham a pagar mais por eles.
Em função dessas mudanças, a liga brasileira, titular dos direitos de transmissão, poderia especificar as “regras do jogo” para os leilões de venda dos direitos, fomentando a competição pela sua aquisição e, dessa forma, maximizando as receitas. Por exemplo, a liga poderia organizar diferentes leilões para licenciar seus direitos de transmissão para todas as plataformas (TV aberta, TV paga e “streaming”). Outra opção é licenciar o conteúdo para cada plataforma separadamente. Ela também poderia licenciar os direitos de transmissão em pacotes de jogos (por exemplo, partidas de quarta-feira, partidas de domingo, semifinais ou finais, partidas passadas).
O aumento do valor arrecadado com os direitos de transmissão teria um impacto positivo sobre as receitas dos membros da liga, possibilitando que eles tenham condições de arcar com o custo mais alto de um elenco mais qualificado, o que, por sua vez, aumentaria o valor dos direitos de transmissão. Isso ocorreria porque o mercado de trabalho dos jogadores, principalmente dos mais talentosos, é internacional. Desse modo, se os salários nos clubes e SAFs brasileiros forem mais baixos que os pagos em outros países, os jogadores mais talentosos deixarão o Brasil, sendo que a experiência mostra que, quanto mais talentoso for o jogador, mais cedo ele deixa o Brasil e mais tarde ele volta para o País. Por isso, o campeonato nacional não conta com os principais jogadores brasileiros durante as melhores fases de suas carreiras. Seria difícil pensar em salários no Brasil competitivos, por exemplo, com os da Premier League inglesa, mas, se os salários subirem no Brasil, os principais jogadores poderiam sair do País mais tarde ou voltar mais cedo, com efeito positivo sobre a qualidade do campeonato nacional, beneficiando os consumidores (torcedores) brasileiros. Além disso, a melhora da qualidade do campeonato nacional permitirá que a liga brasileira concorra com as europeias na venda de direitos de transmissão.
Apesar desses benefícios potenciais, a negociação coletiva por intermédio de uma liga não é consenso entre os principais clubes brasileiros, como será visto na seção seguinte.
3. A visão dos principais clubes sobre negociação coletiva.
Os benefícios da comercialização coletiva dos direitos de transmissão por uma liga não são consenso entre os clubes brasileiros. Essa afirmação decorre da análise das respostas de clubes[vii] a ofícios que lhes foram enviados pela Superintendência Geral do CADE (“SG”) no âmbito do Inquérito Administrativo 08700.004453/2019-48[viii]. A SG fez a seguinte pergunta aos clubes: “informar qual modelo de negociação – direta ou coletiva, individual ou consensual – mostra-se mais rentável para o clube e se o clube acredita que existam modelos mais vantajosos, inclusive adotados internacionalmente, para a negociação do direito de transmissão dos jogos”. As respostas podem ser divididas em três grupos: clubes que preferem a negociação coletiva, os que preferem a negociação individual e os que são indiferentes.
O Internacional respondeu que acredita no fortalecimento do modelo de negociação coletiva. O Atlético Mineiro afirmou que prefere a negociação coletiva e que “a negociação individual desvaloriza o valor do produto (competição)”. O Palmeiras também é favorável à negociação coletiva. Segundo sua resposta ao ofício, “o direito de mandante é a norma vigente nas grandes ligas do mundo e, conjugada com modelos de negociação coletiva, representa a melhor prática para negociação de direitos nas ligas mais desenvolvidas do mundo”.
O Flamengo expressou preferência pelo modelo de negociação individual: “parece ser mais rentável aos Clubes o modelo de negociação direta, ou seja, aquele em que o Clube possui liberdade e autonomia para negociar diretamente os seus direitos com empresas interessadas em transmitir os seus jogos, e de forma individual, no qual o mandante da partida negocia por si os seus direitos”.
O São Paulo respondeu que “há dificuldade de informar qual dos modelos é mais rentável, pois temos pouco histórico com cada um dos modelos sugeridos que permita essa comparação”, o que indica que não há uma preferência clara por um dos modelos de negociação. Na mesma linha, o Grêmio afirmou que “entende que não há necessariamente um modelo de negociação mais vantajoso para transacionar o direito de transmissão dos jogos” e que “as diferentes formas de negociação a que o Clube participou até hoje se apresentaram adequadas ao Clube”. O Botafogo também não expressou uma preferência clara, mas respondeu que “é fundamental que os interesses dos Clubes sejam representados em bloco único”.
Embora o Corinthians não tenha manifestado uma clara preferência entre os modelos de negociação individual e coletiva, ele respondeu que “os modelos de negociação coletiva tendem a valorizar o produto como um todo, possibilitando uma melhor negociação comercial e uma distribuição mais equilibrada das receitas do próprio produto”. O Corinthians afirmou ainda que “os modelos de negociação individual tendem a privilegiar os clubes com maior apelo popular e, consequentemente, de maior audiência”.
A resposta do Corinthians é interessante e ajuda a compreender a resposta do Flamengo, pois mostra que, para os clubes de maior torcida, as duas formas de negociação não são muito diferentes no curto prazo. A razão é que, como seus jogos têm grande audiência, eles têm poder de barganha para conseguir bons preços pelos direitos de transmissão em negociações individuais. Porém, isso aumenta a assimetria entre os clubes no longo prazo e torna o campeonato menos competitivo, o que prejudica o próprio campeonato.
Por outro lado, uma liga negociando os direitos de transmissão coletivamente sem os clubes de maior torcida não faz sentido. Portanto, para convencê-los a aderir a uma liga que irá negociar os direitos de transmissão coletivamente, algum mecanismo de compensação aos times de maior torcida seria necessário, muito embora haja o risco de, com isso, manter a assimetria entre os clubes e tornar o campeonato menos competitivo, o que desvalorizaria o valor dos direitos de transmissão.
O temor de que a assimetria possa levar à perda de valor do campeonato parece ter ocorrido na Espanha. Segundo a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE[ix], até 2015 os direitos de transmissão eram negociados de forma individual, o que beneficiava Barcelona e Real Madrid. De fato, segundo o Statista[x], em 91 anos de Campeonato Espanhol, os dois maiores clubes ganharam 61 vezes. Segundo a Nota Técnica, “desde 2015, o modelo de negociação na Espanha foi alterado para tentar corrigir a situação de desequilíbrio”. Ainda de acordo com a Nota do CADE, “atualmente, a liga de clubes espanhola (LaLiga) centraliza a negociação e redistribui os valores arrecadados com base em critérios equitativos pré-fixados”. Essa alteração ainda não surtiu efeito, pois, desde 2016, o Barcelona ganhou quatro campeonatos, o Real Madrid dois e o Atlético de Madrid um. A expectativa é que uma divisão equitativa dos recursos possibilite aos times com menor torcida ter mais recursos para arcar com os custos de melhores elencos, tornando o campeonato mais competitivo e aumentando o valor dos direitos de transmissão.
Campeonatos equilibrados e disputados são importantes para atrair a atenção dos telespectadores, o que impacta a receita com publicidade das empresas que transmitem as partidas e, consequentemente, o preço dos direitos de transmissão. Para entender melhor essas relações, é útil compreender como funcionam os mercados de atenção, objeto da próxima seção.
Antes de passar à próxima seção, e embora a discussão sobre as receitas com publicidade dos clubes e SAFs brasileiros não sejam o foco deste trabalho, deve-se destacar que há potencial para aumentá-las. De acordo com a SportsValue (2022, op. cit.), os clubes brasileiros exploram pouco as receitas de patrocínio e de licenciamento de marca, que a publicação chama de receitas comerciais. Segundo esse estudo, o Brasil é o quinto maior mercado de publicidade do mundo, mas, somadas, as receitas comerciais dos nossos vinte maiores clubes estão em 14º lugar quando comparadas às de outras ligas. As receitas comerciais dos 20 maiores clubes brasileiros (US$ 170 milhões em 2021) ficam abaixo das de ligas como a de Portugal (US$ 172 milhões), Áustria (US$ 176 milhões), México (US$ 250 milhões) e Turquia (US$ 294 milhões). Quando comparadas ao total do mercado de publicidade brasileiro (US$ 12,5 bilhões), as receitas comerciais dos 20 maiores clubes do País representam apenas 1,4%, reforçando a conclusão de que há potencial para aumentá-las.
4. Mercado de atenção
É preciso analisar por que campeonatos mais competitivos e com jogadores talentosos levam ao aumento do valor dos direitos de transmissão das partidas. Para isso, deve-se compreender como funcionam os mercados de atenção. Segundo Newman (2020)[xi], na cadeia de produção desses mercados, os consumidores finais, pessoas físicas, são os fornecedores do insumo, ou seja, os produtores de atenção. Os anunciantes, empresas que querem vender algum bem ou serviço, são os consumidores finais de atenção, pois são eles que pagam pela atenção dos consumidores. Os intermediários, por sua vez, são o equivalente aos distribuidores em uma cadeia de produção “tradicional” – eles são as empresas que compram os direitos de transmissão. São eles que captam a atenção dos consumidores (pessoas físicas) e a vendem aos anunciantes. A cadeia de produção em mercados de atenção tem o seguinte formato:
Figura 1 – Cadeia de Produção em Mercados de Atenção.
Consumidores (Telespectadores)
Atenção ↓
↑ Jogos
Compradores de direitos de transmissão de partidas de futebol (Emissoras de TV aberta e fechada e empresas de “streaming”, por exemplo)
Atenção ↓
↑ Pagamento ($)
Anunciantes
Fonte: elaboração própria a partir de Newman (2020).
Os compradores dos direitos de transmissão de partidas de futebol – emissoras de televisão, por exemplo – os usam para atrair a atenção de seus telespectadores. Quanto maior for a atenção atraída, maior será a demanda dos anunciantes por espaços de publicidade e maior será o preço de venda desses espaços. Isso aumenta a expectativa de receita dos compradores dos direitos [Pagamento ($), na figura acima]. Por isso, eles se dispõem a pagar preços maiores pelos direitos de transmissão. Por último, e este é o cerne da questão, campeonatos mais competitivos e que contam com jogadores talentosos atraem mais atenção dos telespectadores e por isso seus direitos de transmissão são mais caros.
Isso explica por que, segundo a Deloitte (2022)[xii], a Premier League inglesa obteve uma receita com direitos de transmissão de cerca de US$ 4,06 bilhões (€ 3,8 bilhões) na temporada 2020/21. De acordo com a SportsValue (2022), os direitos de transmissão de suas partidas são vendidos para 188 países. Portanto, a atração de atenção é imensa, o que se reflete em um patamar de receitas bem superior aos de outras ligas europeias.
No caso da Espanha, o segundo país que mais arrecada, as receitas com direitos de transmissão foram de US$ 2,14 bilhões (€ 2 bilhões), praticamente metade do valor obtido pela Premier League (Deloitte 2022). Esse valor se deve, segundo a SportsValue (2022), à atenção atraída pelas partidas da dupla Barcelona e Real Madrid. Nesse sentido, há potencial para aumentar a receita se o torneio espanhol se tornar mais competitivo. Portanto, a mudança nas regras de distribuição dos recursos da LaLiga para torná-la mais equitativa pode estar ligada ao objetivo de explorar esse potencial e aumentar as receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas.
Em terceiro e quarto lugares, ainda segundo a Deloitte (2022), vêm Itália e Alemanha, com receitas de, respectivamente, US$ 1,89 bilhão (€ 1,77 bilhão) e US$ 1,77 bilhão (€ 1,66 bilhão). Já a Ligue 1 francesa teve uma receita com direitos de transmissão de US$ 893 milhões (€ 836 milhões). A baixa receita relativa da Ligue 1 com a venda dos direitos de transmissão parece estar ligada ao fato de que, de acordo com o SportsValue (2022), o Paris Saint Germain é a equipe que atrai mais atenção, ou seja, de o campeonato francês ser assimétrico.
As receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas de uma liga de futebol são, portanto, função da atenção que essas partidas conseguem atrair. O desafio de uma liga brasileira para vender os direitos de transmissão de forma mais eficiente é fazer com que suas partidas atraiam mais atenção de telespectadores brasileiros e estrangeiros. Por isso, a criação de duas ligas nacionais, como Pooler (2023), não é uma boa opção, pois elas concorreriam entre si pela atenção dos telespectadores, canibalizando-se. Além disso, assumindo que nenhuma das duas terá os vinte maiores clubes e SAFs brasileiros, a capacidade de atração da atenção de telespectadores de outros países também diminuiria, comprometendo a capacidade de concorrer com ligas de futebol de outros países, objeto da próxima seção.
Note que as partidas da eventual liga de futebol brasileira concorrerão por parte da atenção de telespectadores (brasileiros e estrangeiros) que hoje a dirigem para outras ligas, como as europeias. Portanto, para que os compradores (emissoras de TV, operadoras de TV por assinatura e empresas de “streaming”) se disponham a pagar preços maiores pelos direitos de transmissão dos jogos da nossa liga, a qualidade das nossas partidas deve ser comparável com as europeias. Para isso, deve haver algum investimento inicial para que possamos contratar bons jogadores (reter os nossos jogadores mais talentosos no Brasil por mais tempo ou fazer com que eles voltem a jogar no País durante os anos de auge de suas carreiras). Esse investimento inicial é importante também para oferecer melhor capacitação aos treinadores brasileiros e para contratar treinadores estrangeiros.
A captura de parte da atenção que hoje é dirigida para outros campeonatos aumentará a disposição dos compradores a pagar mais pelos direitos de transmissão das partidas do campeonato brasileiro, pois, como explicado na seção anterior, eles conseguirão vender os espaços de publicidade por preços mais altos. Portanto, parte da receita que as ligas europeias aferem, seja no Brasil ou no exterior, podem ser capturadas pela liga brasileira, que comercializaria os direitos de transmissão de forma coletiva.
Esse esforço para melhorar nosso torneio de futebol também é importante porque estudos publicados pela SportsValue [SportsValue (2021)[xiii] SportsValue (2018)[xiv]] permitem concluir que não nos basta atrair parte da atenção destinada às partidas das ligas europeias. É preciso também minimizar o risco de que parte da atenção que atualmente se dirige às partidas do torneio brasileiro seja desviada para partidas de campeonatos de outros países, como Holanda, Portugal, Turquia e até mesmo para a Major League Soccer dos EUA, que são concorrentes do campeonato brasileiro.
A venda coletiva dos direitos de transmissão poderia enfrentar alguns óbices. Pode ser questionado, por exemplo, se a venda coletiva seria um ilícito concorrencial, uma vez que ela poderia ser interpretada como uma cooperação entre os clubes para maximizar as receitas com a venda dos direitos de transmissão por meio da alavancagem seu poder de barganha na negociação com os compradores. A resposta é não, por várias razões. Em primeiro lugar, em uma eventual negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas de uma liga brasileira de futebol, também interessa a concorrência com partidas de outras ligas pela atenção dos telespectadores. Nesse sentido, os compradores terão à disposição direitos de transmissão de partidas de ligas de outros países para os quais poderão desviar sua demanda caso considerem os preços altos[xv]. Deve também ser considerado o ganho de bem-estar dos consumidores, pois a qualidade das partidas do campeonato brasileiro deverá aumentar.
O próprio CADE indicou na Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE[xvi] que não consideraria a negociação coletiva um ilícito. Segundo essa Nota, “a necessidade de se assegurar o equilíbrio de competições seria justificativa para permitir negociações coletivas entre os competidores no mercado de futebol”. O CADE está correto na sua análise. Em primeiro lugar porque, como analisado anteriormente, o campeonato tende a ser mais competitivo, principalmente se a distribuição de receitas for equitativa. Partidas mais competitivas são de melhor qualidade e beneficiam os consumidores. Além disso, com mais recursos, os clubes terão melhores jogadores e instalações, o que também beneficia os consumidores. Não está dito explicitamente no documento do CADE, mas parece que, com essas afirmações, a autoridade de concorrência considera que o eventual aumento do poder de mercado decorrente da negociação coletiva seria compensado por ganhos de bem-estar.
Sobre notificar a liga como um ato de concentração, Cordeiro e Oliveira Neto (2022)[xvii] afirmam que as operações entre SAFs devem ser notificadas ao CADE, que avaliará se elas suscitam preocupações concorrenciais. Como a liga pode envolver clubes e SAFs, pode haver a interpretação de que a notificação como um ato de concentração é obrigatória. Ainda que seja, há razões para afastar preocupações concorrenciais. De acordo com Shapiro (2002)[xviii], há várias formas de colaboração entre empresas, que vão desde a integração por meio de um ato de concentração até contratos relativos a uma transação comercial. Uma liga entre clubes e empresas (SAFs) estaria entre esses dois extremos. Assim, o ponto a analisar é se essa associação entre clubes e SAFs afeta seus incentivos e sua capacidade para prejudicar a concorrência.
Os clubes e as SAFs não têm incentivos e capacidade para suprimir a concorrência entre eles. Em relação aos incentivos, como já analisado, isso tornaria o campeonato menos competitivo e, com isso, os preços dos direitos de transmissão tenderiam a cair. A ausência de capacidade decorre do disposto no art. 4º da Lei nº 14.193, de 2021, que instituiu as SAFs, que veda participações cruzadas. Nesse sentido, o caput desse artigo estabelece que “o acionista controlador da Sociedade Anônima do Futebol, individual ou integrante de acordo de controle, não poderá deter participação, direta ou indireta, em outra Sociedade Anônima do Futebol”. O parágrafo único do art. 4º adiciona que “o acionista que detiver 10% (dez por cento) ou mais do capital votante ou total da Sociedade Anônima do Futebol, sem a controlar, se participar do capital social de outra Sociedade Anônima do Futebol, não terá direito a voz nem a voto nas assembleias gerais, nem poderá participar da administração dessas companhias, diretamente ou por pessoa por ele indicada”.
Outro risco é uma coordenação entre a liga e algum comprador dos direitos de transmissão para privilegiá-lo. O efeito disso seria o prejuízo a concorrentes desse comprador. Imagine que uma emissora X seja privilegiada por meio de um acordo com a liga e só ela tenha os direitos de transmissão do campeonato nacional de futebol. Com isso, ela excluiria as emissoras concorrentes da transmissão das partidas do campeonato. Outra preocupação seria a emissora X criar uma imagem de que somente ela transmite as partidas do campeonato de futebol nacional e, por isso, fidelizar os telespectadores. Em ambos os casos, isso resultaria em vantagem sobre as emissoras concorrentes nas vendas de espaço de publicidade relativas às partidas. Ainda que essa possa ser uma preocupação legítima, ela deveria ser analisada em sede de conduta, e não como uma razão capaz de levar o CADE a eventualmente recusar a criação da liga, pois isso equivaleria a uma regulação ex ante da venda de direitos de transmissão de partidas de futebol[xix].
Diante dos benefícios potenciais e da ausência de barreiras para a criação da liga e para a negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas, questiona-se por que isso ainda não ocorreu. A resposta mais óbvia é que há equipes que preferem a negociação individual, como é o caso do Flamengo. O clube prefere essa forma de negociação porque o tamanho de sua torcida lhe proporciona poder de barganha para obter bons preços por seus direitos de transmissão. Desse modo, uma partilha equitativa dos direitos não lhe traria vantagem no curto prazo. Como equipes como o Flamengo e o Corinthians são um “must have” em campeonatos nacionais de futebol, é preciso encontrar alguma forma de partilha que os faça aderir à negociação coletiva. Portanto, a forma de partilha é um desafio a ser enfrentado, o que exige cooperação entre os clubes e SAFs que formarão a liga.
Há outros pontos a endereçar para que o campeonato brasileiro melhore e concorra com os torneios organizados por ligas de outros países. Por exemplo, é importante que se tenha um calendário bem-organizado. Também é preciso considerar que há outras fontes de receita com potencial de crescimento, como as de marketing. Itens como o perfil das dívidas também deverão ser endereçados. Ainda, as SAFs tendem a estimular as discussões sobre esses pontos, pois os investidores demandarão um retorno sobre o capital próprio e as SAFs deverão adotar medidas para alcançá-lo. Para lidar com essas questões, é preciso atrair bons administradores.
Mas o fato é que temos o principal insumo para concorrer por parte da atenção hoje destinada às ligas europeias: bons jogadores. Além disso, os horários das partidas também são adequados para a transmissão internacional e as condições dos nossos estádios melhoraram bastante após a Copa de 2014. Mas, para concorrer por parte da atenção que hoje se dirige às partidas das ligas europeias, precisamos manter os jogadores mais talentosos no Brasil mais tempo ou fazê-los voltar mais cedo ao País, o que implica custos mais altos. Para arcar com esses custos, é preciso aumentar as receitas dos clubes, o que implica vender os direitos de transmissão de suas partidas de forma mais eficiente. A negociação coletiva dos direitos de transmissão por meio de uma liga nacional de futebol é importante para isso, pois isso permitirá o desenho de mecanismos apropriados para valorizar esses direitos. Entretanto, isso só será possível se os clubes e as SAFs cooperarem para criar a liga e vender os direitos de transmissão e, ao mesmo tempo, competirem dentro de campo para tornar nosso campeonato nacional competitivo e atrativo o suficiente para captar mais atenção de telespectadores brasileiros e estrangeiros.
[i] Consultor Sênior da Charles River Associates. As opiniões neste artigo são do autor e não necessariamente refletem as opiniões das instituições à qual ele está vinculado.
[iv] Como será discutido na seção 5, a coexistência de duas ligas comprometeria parte dos ganhos com a negociação coletiva, pois elas concorreriam entre si pela atenção dos telespectadores, canibalizando-se. Portanto, para que a negociação coletiva atinja o objetivo de aumentar as receitas com a venda dos direitos de transmissão, os clubes e as SAFs brasileiros devem entrar em acordo para que apenas uma liga seja criada.
[v] Segundo a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE, “cada clube vende, individualmente, os direitos de transmissão de seus jogos e os valores e condições do contrato são negociados diretamente entre a emissora e o clube. É o modelo que prevalece no Campeonato Brasileiro Série A”. Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica (p. 8),
[vi] De acordo com a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE, na Europa, as ligas da Alemanha, Espanha, França, Itália e Inglaterra negociam os direitos de transmissão coletivamente. Em Portugal a negociação é individual, sendo que o direito de transmissão pertence à equipe mandante. Esse modelo beneficia, de acordo com o CADE, os três maiores clubes portugueses: Benfica, Porto e Sporting. Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica.
[vii] As respostas foram dadas antes de alguns clubes se tornarem SAFs. É possível que, com a mudança, o interesse das SAFs tenha mudado. Nesse caso, as respostas provavelmente seriam diferentes.
[xi] Para uma discussão sobre mercados de atenção, ver Newman, John M. Antitrust in Attention Markets: Definition, Power, Harm. University of Miami Legal Studies Research Paper, 2020.
[xv] A possibilidade de esse desvio de demanda ocorrer é tão mais elevada quanto maior for o grau de substituição entre as partidas das diferentes ligas. Essa discussão está ocorrendo na Europa atualmente, pois os preços dos direitos de transmissão das partidas da Premier League inglesa subiram e a possibilidade de os compradores desviarem a demanda para partidas de ligas europeias concorrentes não inibiu o aumento de preços. Isso é uma evidência de que o grau de substituição entre as partidas da Premier League e das outras ligas europeias é baixa. Isso ocorre porque a Premier League tem os melhores jogadores e o campeonato mais equilibrado – por exemplo, cinco equipes ganharam o título inglês nos últimos dez anos. Esse equilíbrio, por sua vez, decorre de uma distribuição equitativa das receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas [ver: English football starting to resemble a European super league | Financial Times (ft.com)].
[xviii] Shapiro, Carl. Competition Policy and Innovation. STI Working Papers 2002/11 OECD, 2002.
[xix] Esse tipo de conduta ocorreu com a Premier League inglesa. Após investigação, a Comissão Europeia concluiu que havia um acordo entre a Premier League e a Sky relativa à venda dos direitos de transmissão das partidas que prejudicava a concorrência no mercado de canais dedicados a esportes em TV por assinatura. A Comissão Europeia então determinou à Premier League que desenhasse mecanismos para evitar que uma só emissora adquirisse todos os jogos. A Premier League passou então a leiloar blocos de partidas ao invés de todas elas, sendo que a Sky não poderia adquirir todos os blocos. Como a British Telecom entrou no mercado de TV paga na mesma época, ela passou a concorrer com a Sky pelos direitos de transmissão, ganhou alguns leilões e passou a transmitir as partidas. Isso levou a um aumento da concorrência no mercado de canais dedicados a esportes em TV por assinatura.
É interessante que a concorrência entre Sky e British Telecom beneficiou a própria Premier League, pois os preços dos direitos de transmissão subiram. Isso mostra que, ao alterarem as regras dos leilões para a venda dos direitos de transmissão de partidas de futebol, as ligas podem estimular a concorrência entre os participantes desses leilões (compradores) e, com isso, obter preços mais altos pelos direitos.
Ver: Charles River Associates. Economic Regulation in the Broadcasting Sector: An International Study. 2017.
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Exclusive Dealings in Multisided Platform Markets: The Case of Gympass in Brazil
Marcio de Oliveira Junior & Fernando Boarato Meneguin[i].
Introduction.
In 2020, the wellness platform Totalpass filed a complaint before the Brazilian antitrust authority (CADE) claiming that a competitor, Gympass, had imposed exclusivity agreements to more than 80% of the gyms in Brazil, which hindered the entry of new competitors and maintained its dominant position[i].
Totalpass submitted evidence to CADE that it had been investing to enter into the wellness platforms market for years. However, due to Gympass’s exclusivity dealings with gyms, Totalpass was unable to sign up a sufficient number of gyms to make the platform attractive for corporate clients to join[ii]. Consequently, Totalpass could not reach a critical mass of gyms and corporate clients which would enable it to gain traction and rival Gympass.
Following a request from Totalpass, on February 2022, CADE issued an injunction which ordered Gympass to suppress exclusivity and most favorable nation clauses of the contracts with the gyms on its platform until CADE could reach a final decision on the matter. CADE also ordered Gympass to suspend all exclusivity clauses with corporate clients until its final ruling[iii].
To assess CADE’s interim decision, we apply an exclusive dealings analytical framework to multisided markets. Following this framework, we present a theory of harm to show that Gympass has both the incentive and the ability to use exclusive dealings to prevent competing platforms from rivaling it in order to maintain its dominant position.
Analytical Framework.
Exclusivity clauses in contracts between producers and their distributors are vertical restraints. They are often business strategies that can mutually benefit the parties. Also, consumers can benefit from lower prices due to the elimination of double margins, and from lower transaction costs.
Also, not only can exclusivity clauses stimulate investments in brands and technologies by reducing the risk of competitors free riding on these investments, but they also allow greater control of the quality of goods, as well as stimulate the training of distributors. The direct consequence is that better products and services can be delivered to consumers.
Nevertheless, should exclusivity dealings hinder entry or force competitors to exit the market, they are considered anticompetitive. However, exclusivity clauses should not be seen as anticompetitive based solely on the slice of the market they cover, that is, on the degree of market foreclosure. There must also be an assessment of whether the slice of the market not covered by exclusivity enables competitors or potential entrants to operate above the minimum efficient scale (MES). If this is the case, the market remains contestable[iv]. Consequently, there is no anticompetitive effect and exclusivity clauses should not raise competitive concerns.
This framework is useful to assess the effects of exclusive dealings in the case of multisided platforms, which connect two or more markets. This is the case of wellness platforms, which connect companies (corporate clients), their employees, and gyms. To enjoy indirect network effects, these platforms must attract as many gyms as possible. Should they succeed, they will become more valuable to the corporate clients and their employees, who will be willing to join them as well. Therefore, a platform creates value primarily by enabling direct interactions between gyms and companies (and, of course, their staff).
David Evans (2010)[v] explains that multisided platforms must secure enough customers on both sides, and in the right proportions, to provide enough value to either group of customers, and to achieve sustainable growth. This right proportion is called critical mass. In this sense, if a platform does not reach such critical mass, not only do members who have already joined tend to leave it, but new members will not join it.
In this way, a connection can be made between the critical mass and the minimum efficient scale concepts. Platforms must reach critical mass to be able to operate above minimum efficient scale and stay afloat. Therefore, in case exclusive dealings between an incumbent wellness platform and gyms prevent competitors from reaching critical mass and, consequently, rivaling it, these dealings should be considered an antitrust violation.
The Theory of Harm.
This is the case of the wellness platform market assessed by CADE. Gympass, the first mover, has approximately 80% of Brazilian gyms (approximately 24 thousand gyms) on its platform. These gyms cannot be on competing platforms due to exclusivity clauses, which result from their standard form – take it or leave it – contracts with Gympass. Therefore, competing platforms have only 20% of the gyms in Brazil (6 thousand gyms) available to try to reach critical mass. According to financial records provided by Totalpass, this slice of the market is not enough for an average competing platform to reach critical mass, gain traction and, as a result, become a rival of Gympass. Consequently, Gympass’s exclusive dealings with gyms raise competition concerns, as it can artificially create a monopoly.
As a justification for its exclusive dealings with gyms, Gympass claims that they were important for stimulating investments that benefited gyms, companies and consumers. However, our view is that Gympass was unable to show evidence of these benefits. According to the literature, exclusivity dealings can be justified in order to prevent competitors from free riding on investments. Even so, the exclusivity would have to have a well-defined duration, enough for the investment pay-back. An arrangement like the one made by Gympass, in which the exclusivity has an unlimited duration, can be seen as a sole protection of its dominant position, as they lock-in nearly all of the gyms in the market. Consequently, rival platforms cannot grow and will eventually exit the market.
Regarding the ability to use exclusive dealings to prevent competition, Gympass was the first mover in this market. Such an advantage has allowed it to reach a critical mass of gyms. Due to this, it was able to attract a significant number of corporate clients to its platform. This raised the opportunity cost for a gym to stay out of Gympass’s platform. As a result, so did its bargaining power over gyms, which made it possible for Gympass to impose exclusivity on them.
On the other hand, these exclusive dealings prevented competing platforms from attracting enough gyms and from reaching critical mass. Hence, these competing platforms will either exit the market or stagnate, imposing little challenge to Gympass’s dominant position.
Feng Zhu and Marco Iansiti (2012)[vi] shed light on the reasons why the dominance of first movers may be undermined by entrants and, consequently, why incumbents have an incentive to adopt strategies to preserve their dominance. The likelihood of an entrant platform being successful when it competes with an incumbent depends on the “relative importance of indirect network effects, platform quality, and consumer expectations in such markets”.
Should a new entrant be able to have a lead in either side of the market, it can benefit from indirect network effects and challenge the first mover. Additionally, if an innovative entrant offers a higher quality service, it can outsell the first mover. Last, “consumers often form rational expectation with respect to each platform’s market size”. Consequently, if consumers expect an entrant platform’s market share to grow, they will join it and so will service providers. In this case, an entrant will be able to challenge the first mover and competition will prevail.
Therefore, incumbent platforms must understand the importance of indirect network effects, quality, and consumer expectations when formulating their strategies to deal with entrants, as successful entries depend on these parameters. For example, if indirect networks effects are not strong enough to prevent a higher quality platform to have a lead in either side of the market, the incumbent’s dominance can be eroded. If consumers expect an entrant’s market share to grow, it can also eventually become the market leader. So, there is a risk for the incumbent, who has incentives to adopt strategies to minimize it.
If there is uncertainty about the strength of indirect network effects, the first mover has an incentive to prevent competing platforms from benefiting from these effects. Nevertheless, these strategies may harm competition, as does Gympass’s exclusive dealings with gyms. Not only do they prevent competitors from benefiting from indirect network effects, but they also limit their access to premium gyms, which hinders quality. So, consumers do not expect a competitor’s market share to grow and do not join it. Also, gyms will not join, and the competing platforms will not be able to reach critical mass. So, they either exit the market, or remain unable to effectively rival Gympass.
Conclusion
The analytical framework and the theory of harm show that Gympass has the ability and the incentive to use exclusive dealings to artificially maintain its dominant position. They also lead to the conclusion that CADE’s interim decision is correct. By issuing it, CADE has made it possible for the defendant’s rivals to compete for gyms and corporate clients. Such competition enables these rivals to try to reach critical mass and operate above their minimum efficient scales. Should they succeed, there will be more competitors in the market, which benefits consumers.
[i] Totalpass also presented evidence to CADE that Gympass had imposed most-favorable nation clauses (MFN) to gyms, and exclusivity clauses to corporate clients.
[ii] According to Totalpass, gym owners were usually unaware that they had signed an exclusivity agreement until they were notified by Gympass after joining a competing platform.
[iii] CADE allowed Gympass to maintain exclusivity clauses when it can show beyond any reasonable doubt that it has invested in a gym, and as long as exclusivity clauses last only for the period necessary to ensure the pay-back on the investment.
[v] Evans, D. S. How Catalysts Ignite: The Economics of Platform-Based Start-Ups. In: Gawer, A. Platforms, Markets and Innovation. US: Edward Elgar, 2010.
[vi] Zhu, F. e Iansiti, M. Entry into Platform-Based Markets. Strategic Management Journal, Vol. 33, N. 1 (January 2012), pp. 88-106.
[i] Marcio de Oliveira Junior (mdeoliveirajr@crai.com) and Fernando Boarato Meneguin (fmeneguin@crai.com) were consultants for Totalpass. The opinions expressed in this article are those of the authors.
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