Os caminhos estratégicos do Banco Central do Brasil (BCB) no horizonte 2026-2029: o que esperar da nova agenda regulatória e concorrencial
Leandro Oliveira Leite
O Banco Central do Brasil (BCB) iniciou oficialmente a construção de seu Planejamento Estratégico Institucional para o ciclo 2026-2029, em um momento em que o sistema financeiro global enfrenta mudanças aceleradas impulsionadas por tecnologias disruptivas, mudanças climáticas e a crescente demanda por regulação adaptativa. Esse novo ciclo é precedido por conquistas relevantes do BCB nos últimos anos, como o Pix, o Open Finance, o sandbox regulatório e os avanços na regulação prudencial. Agora, o desafio é desenhar uma nova agenda estratégica que mantenha o protagonismo da instituição no cenário internacional, sem perder de vista a estabilidade monetária, a inclusão financeira e a competitividade de mercado.
O processo de planejamento estratégico do BCB é conduzido com ampla participação interna. A Secretaria Executiva de Governança Institucional (Segov) lidera a fase diagnóstica com entrevistas, oficinas e aplicação de pesquisas com servidores. O objetivo é identificar os principais desafios que o Banco enfrentará nos próximos anos e, a partir disso, propor orientações estratégicas consistentes com sua missão institucional. O processo contempla três fases: diagnóstico (até julho de 2025), formulação de diretrizes (até novembro de 2025) e desdobramento em ações e indicadores (conclusão até junho de 2026).
A formulação desse novo ciclo tem como pano de fundo o acúmulo técnico da instituição e o aprendizado institucional obtido em iniciativas passadas. Segundo o Secretário-Executivo do BCB, Rogério Lucca, o engajamento dos servidores é central para que as diretrizes reflitam uma visão coesa e realista sobre o futuro do BC. O envolvimento transversal das unidades do Banco e a escuta ativa da liderança têm possibilitado a identificação de prioridades como resiliência institucional, adaptação tecnológica, estabilidade financeira e fortalecimento do papel do BC como regulador da concorrência.
A partir desse processo participativo, temas centrais para a agenda regulatória e concorrencial têm emergido com destaque. Um dos fóruns mais significativos nesse debate foi o 22º Encontro de Multiplicação do Conhecimento, ocorrido em maio de 2025, que integrou a iniciativa “Câmbio de Ideias”[1]. O evento reuniu técnicos e especialistas do BCB e de outras instituições para discutir temas emergentes com forte potencial de impacto regulatório.
A Teoria do Transporte Ótimo foi um dos temas mais inovadores discutidos, especialmente por suas aplicações em aprendizado de máquina e na precificação de ativos financeiros. Trata-se de um campo matemático sofisticado que permite reconfigurar modelos tradicionais de avaliação de risco e retorno. O uso dessa teoria para aprimorar algoritmos de inteligência artificial poderá tornar os modelos regulatórios mais eficientes, automatizados e sensíveis a padrões dinâmicos do mercado.
Outro tema de grande relevância foi o estudo sobre choques macroeconômicos e a forma como o mercado os interpreta. A construção de uma política monetária responsiva e bem calibrada depende, em grande parte, da capacidade do BCB de antecipar reações do mercado a eventos externos e internos. Incorporar elementos da teoria das expectativas adaptativas e utilizar big data para captar tendências de comportamento dos agentes pode ampliar a eficácia da política econômica.
A discussão sobre a regulação internacional de pagamentos e transferências aprofundou o debate sobre os desafios de integrar o Brasil a um ecossistema financeiro global interoperável. A crescente digitalização dos fluxos de capitais e a introdução de moedas digitais por bancos centrais (CBDCs) demandam uma regulação coordenada, capaz de garantir segurança jurídica, transparência, proteção ao consumidor e promoção de concorrência em serviços transfronteiriços.
Na dimensão prudencial, a relação entre governança corporativa e perdas com crédito também foi analisada sob uma perspectiva regulatória. O aprimoramento da governança de instituições financeiras permite maior resiliência frente a ciclos de crédito e melhora os processos de compliance. O BCB, por meio da supervisão baseada em risco, tem incentivado práticas mais sólidas de governança, que permitam antecipar deteriorações de carteira e reduzir os impactos sistêmicos de crises bancárias.
A pauta de sustentabilidade se consolidou como vetor estrutural da nova agenda estratégica. A análise dos impactos dos subsídios ao setor limpo, por exemplo, insere-se na preocupação do BCB com a transição ecológica e com o desenvolvimento de uma taxonomia verde robusta. O estímulo ao crédito verde e aos investimentos sustentáveis faz parte do compromisso da autoridade monetária com a Agenda BC#, que visa a integrar fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) na supervisão e regulação financeira.
Além dos temas técnicos, o BCB também tem enfrentado desafios em relação à concorrência no sistema financeiro. A abertura de mercado promovida pelo Open Finance, as discussões sobre interoperabilidade de plataformas e a supervisão de grandes conglomerados tecnológicos que atuam no setor financeiro (os chamados “Big Techs”) exigem do BC instrumentos regulatórios modernos, alinhados às melhores práticas internacionais e sensíveis ao risco de concentração de mercado.
A agenda regulatória, portanto, caminha para uma atuação mais responsiva, centrada na análise de dados em tempo real, em modelos preditivos de supervisão e em mecanismos de resposta rápida a ineficiências concorrenciais. O papel do BC como promotor da concorrência se reforça com o uso de benchmarks internacionais e com a colaboração interinstitucional com entidades como o Cade, a CVM e o Tesouro Nacional.
A integração entre inovação e estabilidade também é vista como um dos principais eixos estratégicos. Iniciativas como o Drex (a moeda digital do BCB), o sistema de liquidação instantânea (Pix), a expansão do Open Finance e o avanço da tokenização de ativos têm potencial para mudar a estrutura do mercado financeiro nos próximos anos. O BC tem buscado garantir que essa transição seja segura, interoperável e pautada por princípios de proteção ao consumidor e fomento à concorrência.
No horizonte 2026-2029, espera-se também que o BC avance na agenda de educação financeira, inclusão digital e descentralização de serviços bancários. O fortalecimento do ambiente de inovação exige que as políticas públicas sejam acompanhadas por programas de capacitação e letramento digital, de modo a reduzir as desigualdades no acesso ao sistema financeiro.
Os avanços tecnológicos trazem oportunidades, mas também impõem riscos, como o uso indevido de dados, discriminação algorítmica e ampliação de assimetrias informacionais. Nesse sentido, a governança de dados, a proteção da privacidade e a supervisão de algoritmos se tornam temas centrais na agenda de supervisão tecnológica do BC.
O uso de inteligência artificial (IA) nos processos de regulação e supervisão tem crescido. O recém-criado Centro de Excelência em Ciência de Dados e IA do BCB visa desenvolver competências internas e diretrizes éticas para o uso seguro dessas tecnologias. A IA poderá ser utilizada para prever anomalias em comportamento financeiro, mapear riscos emergentes e calibrar políticas macroprudenciais.
Outro eixo importante será a internacionalização das políticas monetária e regulatória do Brasil. A presidência brasileira do G20 em 2024 reforçou o papel do BC em fóruns globais, ampliando o diálogo com outros bancos centrais sobre estabilidade macroeconômica, inclusão financeira e riscos climáticos. Essa projeção internacional deve continuar a ser prioridade no próximo ciclo estratégico.
A integração dos objetivos estratégicos com instrumentos regulatórios efetivos exige ainda uma governança institucional robusta. A adoção de métricas de desempenho, indicadores de impacto regulatório e mecanismos de accountability[2] são pilares que permitirão ao BC entregar valor público com maior transparência e eficiência.
A sustentabilidade fiscal e o controle da inflação seguirão sendo objetivos centrais, mas, diante das mudanças estruturais da economia, temas como finanças verdes, regulação da economia de dados e fomento à inovação financeira ganharão relevância na missão institucional do BC. A estabilidade do sistema financeiro agora depende também da sua capacidade de se adaptar às transições tecnológicas e ambientais.
Diante do exposto, os caminhos estratégicos do Banco Central do Brasil para 2026-2029 apontam para uma instituição cada vez mais integrada aos desafios do século XXI. A capacidade de equilibrar estabilidade, concorrência e inovação será decisiva para garantir um sistema financeiro robusto, inclusivo e sustentável, à altura das demandas de uma sociedade em constante transformação.
[1]Câmbio de Ideias é um evento interno para disseminação de conhecimentos adquiridos em soluções formais de aprendizagem.
[2] A palavra “accountability” vem do inglês e, embora possa ser traduzida como “responsabilidade” ou “prestação de contas”, seu significado vai além. Ela implica um compromisso mais amplo com a transparência, a responsabilização e a gestão dos resultados.
Leandro Oliveira Leite. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.