Leandro Oliveira Leite

Destaques do último Relatório de Economia Bancária – REB do BC

Leandro Oliveira Leite

O Relatório de Economia Bancária (REB)[1] trouxe uma série de pontos cruciais que refletem o desempenho e a evolução do Sistema Financeiro Nacional (SFN) ao longo do ano. Os principais destaques abordam a maior concorrência, a desaceleração do crescimento do crédito, a evolução da portabilidade, as inovações no setor financeiro e a incorporação do risco climático na análise do SFN.

O REB, publicação anual do Banco Central (BC), analisa diversos aspectos do SFN e as relações entre instituições financeiras e seus clientes. A última edição do REB, publicado em 06 de junho de 2024, vem adotando uma forma de comunicação mais moderna e direta, resumindo o conteúdo principal de cada parágrafo nas primeiras frases, seguido de detalhes subsequentes.

O relatório é composto por cinco capítulos principais, além de boxes temáticos que abordam questões específicas do SFN. Veja os principais capítulos abordados no REB neste ano:

  • Concorrência no SFN: Evolução dos indicadores de concentração e concorrência no SFN, inovações no setor e a atuação do Banco Central para fomentar um ambiente financeiro mais competitivo e inovador.
  • Evolução do Crédito no SFN: Análise do comportamento dos agregados de crédito, características das operações e dos tomadores, portabilidade de crédito e crédito para financiamento de importação e exportação.
  • Captações do Sistema Financeiro: Exame da composição e evolução das captações do sistema financeiro, detalhando os diferentes instrumentos e seus desempenhos ao longo do ano.
  • ICC e Spread: Decomposição do Índice de Custo de Crédito (ICC) e seu spread, analisando fatores como custo de captação, inadimplência, despesas administrativas, tributos e Fundo Garantidor de Créditos (FGC), além da margem financeira.
  • Rentabilidade das Instituições Financeiras: Análise da rentabilidade das instituições financeiras, abordando a performance financeira e os desafios enfrentados no ano.

Em 2023, observou-se uma desaceleração no crescimento do crédito no Sistema Financeiro Nacional, em grande parte devido à política monetária restritiva adotada pelo Banco Central. Esse contexto desafiador foi agravado pelo aumento da inadimplência, refletindo um ambiente econômico mais difícil para tomadores de crédito. O relatório detalha como essas condições impactaram os diferentes tipos de crédito, desde o crédito para consumo até o crédito para empresas, e analisa as características dos tomadores de crédito nesse período.

A evolução da portabilidade de crédito foi outro ponto de destaque. Essa funcionalidade permite aos consumidores transferirem suas dívidas entre instituições financeiras em busca de melhores condições, como taxas de juros mais baixas ou prazos mais vantajosos. O relatório sublinha o crescimento significativo dessa prática, que se tornou uma ferramenta importante para aumentar a competitividade no mercado de crédito, beneficiando os consumidores e incentivando as instituições financeiras a oferecerem condições mais atrativas.

O Banco Central do Brasil tem promovido várias inovações no setor financeiro, buscando modernizar e otimizar as operações financeiras no país. Entre as iniciativas destacadas no REB, estão o projeto Drex e as “Finanças Programáveis”.

  • Projeto Drex: Visa a modernização do sistema financeiro por meio de novas tecnologias, como o uso de blockchain e contratos inteligentes, que prometem tornar as transações mais seguras, rápidas e transparentes.
  • Finanças Programáveis: Envolvem a automatização de processos financeiros, permitindo a criação de produtos financeiros mais personalizados e eficientes. Essas inovações têm o potencial de transformar profundamente a forma como os serviços financeiros são oferecidos e consumidos no Brasil.

Já os boxes temáticos do Relatório são seções especiais dedicadas a estudos e pesquisas específicas sobre diversos aspectos do SFN. Esses boxes oferecem uma análise detalhada de temas emergentes e relevantes, proporcionando uma compreensão mais profunda das dinâmicas e dos desafios enfrentados pelo setor financeiro. A seguir, destacam-se alguns dos principais boxes temáticos abordados.

O primeiro dos boxes temáticos do REB examina a eficiência do sistema financeiro brasileiro. Esse estudo avalia a performance das instituições financeiras em termos de custos operacionais, produtividade e qualidade dos serviços oferecidos. O objetivo é identificar áreas onde há potencial para melhorias, bem como reconhecer as melhores práticas que podem ser replicadas para aumentar a eficiência do sistema como um todo. A análise inclui comparações internacionais, proporcionando um contexto mais amplo para entender como o Brasil se posiciona em relação a outros mercados.

A concentração nos mercados de cartões de pagamento é outro tema explorado em um dos boxes do REB. Esse estudo avalia a estrutura do mercado de cartões de crédito e débito no Brasil, avaliando o grau de concentração e suas implicações para a concorrência e os consumidores. O relatório examina as barreiras à entrada para novos competidores e as estratégias das instituições financeiras estabelecidas para manter sua participação de mercado. As conclusões destacam a necessidade de políticas que incentivem a concorrência e reduzam os custos para os consumidores.

Outro boxe temático relevante trata dos custos das remessas internacionais. As transferências de dinheiro entre países são cruciais para muitas famílias e pequenos negócios, especialmente aqueles que dependem de remessas enviadas por trabalhadores no exterior. O relatório analisa os custos associados a essas transferências, destacando as iniciativas que têm sido implementadas para reduzir essas despesas e tornar as remessas mais acessíveis e eficientes.

A expansão dos serviços financeiros é um tópico crucial abordado em um dos boxes temáticos. Este estudo foca na inclusão financeira e nas estratégias para ampliar o acesso aos serviços bancários e financeiros em regiões menos atendidas. O relatório analisa iniciativas como a digitalização dos serviços financeiros, a expansão das cooperativas de crédito e o papel das fintechs na promoção de um maior acesso ao crédito e a outros serviços financeiros. Essas iniciativas são fundamentais para promover a inclusão financeira e garantir que mais brasileiros tenham acesso às ferramentas necessárias para melhorar sua condição econômica.

Os programas educação financeira, também boxe temático, é vital para capacitar os consumidores a tomar decisões informadas sobre suas finanças pessoais. O relatório avalia a eficácia dos programas existentes, destacando as melhores práticas e identificando áreas onde há necessidade de aprimoramento. Os resultados mostram que uma maior educação financeira está correlacionada com uma melhor gestão do crédito e maior resiliência financeira, sublinhando a importância de continuar a investir nesses programas.

Finalmente, um dos mais inovadores, aborda o risco climático e sua relação com o Sistema Financeiro Nacional. Este estudo propõe a introdução de indicadores para avaliar e mitigar os impactos ambientais no setor financeiro. O relatório discute como as mudanças climáticas podem afetar a estabilidade financeira e a importância de integrar considerações ambientais na gestão de riscos das instituições financeiras. A proposta é que o SFN adote práticas sustentáveis e se prepare para os desafios futuros impostos pelas mudanças climáticas.

Ressalta-se que as impressões do mercado financeiro em relação ao REB foram, em geral, positivas e otimistas. Vários pontos específicos foram destacados pelos analistas e participantes do mercado:

  1. Aumento da Concorrência no Mercado de Crédito: O mercado financeiro viu com bons olhos o aumento da concorrência no mercado de crédito, especialmente nos segmentos bancário e cooperativo. O Indicador de Lerner, utilizado para medir a concorrência, mostrou uma redução significativa, indicando um aumento na competitividade. Este aumento foi atribuído ao maior custo marginal em relação ao aumento dos preços, refletindo uma pressão competitiva saudável.
  2. Estabilidade na Concorrência de Serviços Financeiros: A concorrência no mercado de serviços financeiros permaneceu relativamente estável. O indicador de Lerner para os serviços financeiros do segmento bancário manteve-se em níveis semelhantes desde a pandemia, com pequenas oscilações, o que foi interpretado como um sinal de estabilidade e maturidade do mercado.
  3. Redução da Concentração no SFN: A redução do nível de concentração no Sistema Financeiro Nacional (SFN) foi destacada como um avanço significativo. A diminuição da concentração ocorreu em vários agregados contábeis, incluindo ativos totais, depósitos totais e operações de crédito. Esta redução foi vista como um reflexo positivo das iniciativas do BCB para aumentar a diversidade e a competitividade no setor financeiro.
  4. Inovações Financeiras: As inovações financeiras e a atuação proativa do BCB foram amplamente elogiadas. Resoluções como a BCB 308[2], que disciplina o registro e o depósito centralizado de recebíveis imobiliários, foram vistas como medidas que conferem maior segurança às operações de financiamento, beneficiando especialmente construtores e incorporadores de menor porte.
  5. Desafios Contínuos: Apesar dos avanços, o mercado também reconhece os desafios contínuos na implementação de políticas que promovam uma concorrência ainda maior e a necessidade de adaptação às novas regulações. As expectativas são de que o BCB continue a atuar de maneira eficaz para manter a estabilidade e incentivar a inovação no sistema financeiro.

Assim, o REB joga luz a um cenário de crescente concorrência no mercado de crédito e uma estabilização na concorrência de serviços financeiros, com uma redução geral da concentração no SFN. As ações do Banco Central têm sido fundamentais para promover um ambiente financeiro mais competitivo e seguro, refletindo sua dedicação em melhorar a eficiência e a equidade no mercado financeiro brasileiro.

Em suma, o Relatório de Economia Bancária – REB foi recebido como um relatório que sinaliza avanços importantes na regulação e na promoção da concorrência, com medidas que contribuem para um ambiente financeiro mais competitivo e seguro.


[1] https://www.bcb.gov.br/publicacoes/relatorioeconomiabancaria

[2] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=308


LEANDRO OLIVEIRA LEITE. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


Prioridades regulatórias do Banco Central em 2024

Leandro Oliveira Leite

O Banco Central do Brasil (BCB) pretende regulamentar três grandes temas neste ano, o mercado interbancário, os investimentos de não residentes em portfólio e os ativos virtuais.

Em 2024, o BCB traçou um roteiro ambicioso para o futuro do sistema financeiro nacional. A agenda regulatória, focada em temas como Open Finance, tokenização, inteligência artificial, sustentabilidade e inovação financeira, demonstra o compromisso em construir um ambiente mais eficiente, inclusivo e resiliente, alinhado às tendências globais e às demandas da sociedade brasileira.

Avanços concretos

O BCB já deu os primeiros passos em sua jornada regulatória, com ações como:

  • Aprimoramento do Bureau de Crédito Rural: novas funcionalidades para consulta pelas instituições financeiras e pelos produtores rurais, facilitando o acesso ao crédito e a gestão de riscos.
  • Inclusão de informações quantitativas na divulgação do GRSAC: Gerenciamento de Riscos Sociais, Ambientais e Climáticos pelas instituições financeiras, promovendo maior transparência e responsabilidade socioambiental.

Em busca de equilíbrio

Diversas iniciativas estão em andamento, buscando um equilíbrio entre a promoção da inovação e a proteção do consumidor:

  • Consulta pública sobre o uso de criptoativos em operações cambiais e para transferências de capitais internacionais: busca-se uma regulamentação abrangente e equilibrada para garantir a segurança e a transparência das transações com criptomoedas.
  • Estudo sobre a necessidade de regulação da tokenização: visa garantir a segurança e a transparência dos processos de emissão, escrituração e negociação de ativos tokenizados, impulsionando o desenvolvimento dessa tecnologia inovadora.
  • Estudo sobre os riscos e impactos do uso da inteligência artificial pelas instituições financeiras: busca mitigar riscos como o de conduta e o de modelo, garantindo que a IA seja utilizada de forma ética e responsável.
  • Implementação do IFRS 9: novos padrões internacionais de contabilidade para instrumentos financeiros, promovendo maior comparabilidade e confiabilidade das informações financeiras.

Ajustando o rumo

Algumas iniciativas tiveram seus prazos de entrega ajustados para garantir uma regulamentação mais robusta e eficaz:

  • Regulamentação do Banking-as-a-Service (BaaS): norma que visa regulamentar a relação de parcerias entre instituições financeiras e não financeiras para oferta de produtos e serviços financeiros. A entrega foi adiada para 2025 devido à complexidade do tema e à necessidade de um diálogo aprofundado com o setor.
  • Regulamentação dos prestadores de serviços de ativos virtuais (PSAV): norma que visa regulamentar a atividade de empresas que intermediam a compra e venda de criptoativos. A entrega também foi adiada para 2025 para garantir uma regulamentação abrangente e adequada às características únicas desse mercado.

Outras prioridades em foco

O BC também está focado em outras iniciativas importantes:

  • Definição da estrutura de governança do Open Finance: visa garantir a governança eficiente e eficaz da plataforma Open Finance, promovendo a abertura de dados e a inovação no setor financeiro.
  • Regulamentação da jornada de inicialização sem redirecionamento: busca simplificar o processo de abertura de contas em instituições financeiras, facilitando o acesso aos serviços financeiros.
  • Aprimoramento do funcionamento do Proagro: visa aperfeiçoar a cobrança do adicional, o modelo de cobertura, a participação do Tesouro Nacional e do Agente, bem como a definição do público-alvo, garantindo maior segurança e eficiência na proteção da produção rural.
  • Instituição de nova modalidade de boleto para liquidação de ativos financeiros: visa facilitar a liquidação de ativos financeiros como duplicata e recebíveis, otimizando os processos de pagamento.
  • Definição da forma de organização e funcionamento das cooperativas: busca modernizar o marco legal das cooperativas de crédito, alinhando-o às melhores práticas internacionais.
  • Disciplinar a edição e aprovação de catálogos de ativos financeiros pelas instituições financeiras: visa garantir maior padronização e transparência nos processos de autorização, facilitando o acesso ao crédito e o investimento em ativos financeiros.

Desafios e perspectivas

O Banco Central reconhece os desafios que enfrenta na implementação de sua agenda regulatória para 2024. O principal deles é acompanhar a rápida evolução das tecnologias, especialmente no campo da inteligência artificial e dos ativos virtuais. É crucial que o BC seja ágil e adaptável para garantir que a regulação acompanhe o ritmo da inovação, sem sufocar o potencial transformador dessas novas tecnologias.

Outro desafio importante é encontrar um equilíbrio entre a proteção do consumidor e a promoção da inovação. O BCB precisa garantir que a regulação proteja os consumidores de riscos, como fraudes e manipulações de mercado, sem, no entanto, criar obstáculos excessivos à inovação e à competitividade do setor financeiro.

A inclusão financeira também é uma prioridade para o BCB. É necessário buscar soluções que facilitem o acesso da população aos serviços financeiros, especialmente para os segmentos mais vulneráveis da sociedade. Isso pode ser feito através da simplificação de produtos e serviços, da expansão da oferta de crédito e da promoção da educação financeira.

Apesar dos desafios, o BCB está confiante de que sua agenda regulatória contribuirá para a construção de um sistema financeiro nacional mais moderno, seguro, inclusivo e resiliente. As ações do BCB visam impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país, garantindo que o Brasil esteja preparado para enfrentar os desafios globais e locais com eficiência e responsabilidade.

Perspectivas:

Assim, a expectativa é que as ações do BCB contribuam para um sistema financeiro nacional mais moderno, seguro e inclusivo, impulsionando o desenvolvimento econômico e social do país.

Tabela – Lista de Prioridades de Regulação do BC em 2024

Fonte: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/regulacao?modalAberto=regulacao_bc   Acessado em28/05/2024.


Leandro Oliveira Leite. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


Inflação global em 2024: desafios e perspectivas para o Brasil

Leandro Oliveira Leite

O Comitê Federal de Mercado Aberto dos EUA (FOMC, na sigla em inglês)[1], do Federal Reserve, está programado para realizar sua próxima reunião de política monetária neste 1º de maio de 2024. O mercado aguarda ansioso, que acontece justamente no dia de folga do Ibovespa. Pode acontecer que o FOMC aumente a taxa de juros pela quinta vez em 2024, em um esforço para combater a alta inflação. Essa decisão terá implicações significativas para a economia global, incluindo o Brasil.

No cenário atual, a inflação global permanece elevada, impulsionada por diversos fatores, incluindo:

  • Aumento dos preços das commodities devido à guerra na Ucrânia e às sanções à Rússia;
  • Desafios nas cadeias de suprimentos globais;
  • Demanda reprimida por bens e serviços.

O FOMC já elevou a taxa de juros em 0,25% em cada uma das suas últimas quatro reuniões, levando a taxa dos fundos federais para uma faixa entre 0,75% e 1%. Um aumento da taxa de juros nos EUA pode levar a um aumento das taxas de juros no Brasil. Isso porque os investidores tendem a buscar ativos em países com taxas de juros mais altas, o que pode levar à valorização do dólar americano e à depreciação do real brasileiro.

Uma depreciação do Real pode encarecer as importações, o que pode contribuir para a inflação doméstica. Além disso, um aumento das taxas de juros pode desacelerar o crescimento econômico, pois torna o crédito mais caro para empresas e consumidores.

As perspectivas indicam que deve continuar aumentando a taxa de juros nos próximos meses, até que a inflação esteja sob controle. O cenário global permanece incerto, com riscos como a guerra na Ucrânia e a desaceleração da economia chinesa.

A decisão do FOMC terá um impacto significativo no mercado financeiro global, incluindo o mercado de ações, o mercado de títulos e o mercado de câmbio. É importante acompanhar os comunicados do FOMC e as análises de especialistas para entender as implicações das decisões de política monetária para a economia global e brasileira. A resposta do Banco Central do Brasil (BCB) dependerá da evolução da inflação doméstica e das condições da economia brasileira.

A próxima reunião de juros nos EUA será um evento crucial para a economia global. A decisão do comitê sobre a taxa de juros terá um impacto significativo no Brasil, afetando a inflação, o crescimento econômico e o mercado financeiro. É importante acompanhar os desenvolvimentos de perto e tomar decisões informadas com base em análises confiáveis.

O Fórum Econômico Mundial (FEM) já havia lançado um relatório[2] alertando para a persistência da pressão inflacionária na economia global em 2024. Apesar das projeções de moderação gradual, a inflação ainda deve representar um desafio significativo para muitos países, incluindo o Brasil.

A inflação global se configura como um dos principais desafios da economia mundial em 2024, e seus efeitos se fazem sentir de forma significativa no Brasil. O Relatório de Riscos Globais 2023 do Fórum Econômico Mundial (WEF) também aponta a inflação como um dos principais riscos globais para o presente ano e além. Diversos fatores contribuem para o aumento da inflação global, como:

  • Aumento dos preços das commodities: A guerra na Ucrânia, as sanções à Rússia e os gargalos nas cadeias de suprimentos globais pressionam os preços de commodities essenciais como energia, alimentos e metais;
  • Problemas na cadeia de suprimentos: A pandemia de COVID-19 causou interrupções nas cadeias de suprimentos globais, elevando custos e pressionando preços;
  • Flexibilização monetária: Políticas monetárias expansionistas, com baixas taxas de juros e programas de compra de ativos, podem ter contribuído para o aumento da inflação em alguns países.

O Brasil, como parte da economia global, não está imune aos efeitos da inflação internacional. Para mitigar os impactos da inflação global e garantir a estabilidade da economia brasileira, o BC e o governo federal têm adotado algumas medidas, como investir na modernização da infraestrutura, na otimização da logística e na diversificação das fontes de fornecimento para reduzir os gargalos nas cadeias de suprimentos e aliviar as pressões inflacionárias. Adicionalmente, o governo tem implementado políticas de apoio social para ajudar os grupos mais vulneráveis a lidar com os impactos da inflação, como programas de transferência de renda ou subsídios para alimentos e energia.

Segundo o relatório, as perspectivas para a inflação global em 2024 são de moderação gradual, com projeções de recuo para 4,8%, em comparação aos 5,9% de 2023 e 9,2% de 2022. No entanto, o ritmo da desaceleração e os níveis finais da inflação podem variar consideravelmente entre as diferentes regiões.

Já o recente Relatório Integrado do Banco Central do Brasil (RIG) 2023, publicado em dezembro de 2023, oferece uma análise abrangente da conjuntura econômica global e brasileira, com foco especial na questão da inflação.

A inflação global afetou o Brasil através do aumento dos preços das importações e do encarecimento do crédito externo. A inflação doméstica também foi pressionada por fatores internos, como:

  • Aumento dos custos de produção, incluindo energia e alimentos.
  • Desaceleração da atividade econômica, que reduziu a oferta de bens e serviços.
  • Expectativas inflacionárias elevadas, que podem alimentar um ciclo autorrealizável da inflação.

Os Relatórios de Riscos Globais do FEM e de Integrado do Banco Central do Brasil (RIG) 2023 oferecem uma visão abrangente da conjuntura econômica global e brasileira, com foco especial na questão da inflação. Tais relatórios destacam os desafios e as perspectivas para a economia brasileira em 2024 e reiteram o compromisso do BC com a estabilidade da economia e o crescimento sustentável.

No Brasil, as projeções do FMI indicam que a economia brasileira deve crescer 2,2% em 2024, alcançando a 8ª posição entre as maiores economias do mundo, bem como, as expectativas para a inflação no país são de 3,90% em 2024 e 3,50% em 2025, respectivamente.

Apesar das perspectivas positivas, o cenário global incerto e as vulnerabilidades domésticas requerem cautela e atenção contínua. O BC e o governo federal precisarão monitorar de perto a evolução da inflação e tomar medidas adicionais, caso necessário, para garantir a estabilidade da economia brasileira. A inflação global é um desafio complexo com múltiplas causas e exige soluções abrangentes que combinem políticas monetárias e fiscais.


[1] Esse comitê, vinculado ao Federal Reserve, exerce uma função vital na economia dos Estados Unidos por meio de suas decisões sobre as taxas de juros básicas.

[2] https://www.weforum.org/reports/global-risks-report-2023/


Leandro Oliveira Leite. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


Banco Central do Brasil no G20 e o reconhecimento internacional por sua atuação

Leandro Oliveira Leite

O Banco Central do Brasil (BCB) foi recentemente premiado com o título de “Autoridade Monetária do Ano” pelo Central Banking Awards 2024, uma honra concedida pelo renomado site Central Banking. Esse reconhecimento destaca as notáveis conquistas e contribuições do BCB para o cenário financeiro nacional e internacional, destacando sua liderança em várias áreas-chave.

Segundo o Central Banking, o BCB foi agraciado com este prêmio devido à sua melhoria na transparência e comunicação, bem como suas reformas nas intervenções cambiais e apoio à estabilidade financeira. O Banco Central brasileiro também foi elogiado por sua transformação digital interna e por seus esforços na inclusão ambiental e financeira. Além disso, foi ressaltado o trabalho do BCB na atualização do ecossistema de pagamentos instantâneos, incluindo iniciativas para incorporar um ‘real digital’ em sua estrutura, mostrando um compromisso com a modernização do sistema financeiro.

A avaliação internacional destaca que o BCB mantém um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, promovendo a estabilidade econômica e financeira do Brasil. O prêmio também reconhece o importante papel desempenhado pelo Banco Central na sociedade brasileira, especialmente desde a aprovação de sua autonomia em 2021.

Com a autonomia técnica e operacional garantida pela Lei Complementar 179/2021, o BCB possui a proteção legal necessária para garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, promovendo um sistema financeiro sólido e competitivo, e promovendo o bem-estar econômico da sociedade.

Durante a pandemia de COVID-19, o BCB desempenhou um papel crucial na mitigação dos impactos econômicos, conduzindo operações nos mercados de títulos públicos e de ativos privados para mitigar os danos causados pela crise. Além disso, o banco central implementou importantes ações para mitigar os efeitos das mudanças climáticas no sistema financeiro, destacando-se como líder na promoção da sustentabilidade.

A comunicação do BCB também evoluiu, com abordagens simplificadas sobre temas como política monetária, pagamentos instantâneos, educação financeira e CBDC (‘drex’ é o real brasileiro em formato digital). Isso fortaleceu a credibilidade do banco central e aumentou a confiança dos brasileiros no sistema financeiro e na instituição. O BCB também ampliou seu alcance nas redes sociais, mantendo contato direto com os cidadãos por meio de sete redes sociais e criando um canal direto com o público por meio de transmissões ao vivo.

Embora algumas críticas locais tenham sido levantadas sobre a taxa de juros e a velocidade na redução da Selic, o reconhecimento internacional do BCB é inegável. O Banco Central brasileiro já recebeu diversos prêmios internacionais, incluindo o Beacon of Innovation Award[1] em outubro de 2023, em reconhecimento ao lançamento bem-sucedido do Pix. Além disso, o BCB foi homenageado como o melhor gestor de reservas em março de 2023, pelo Central Banking Awards 2023, devido à sua gestão exemplar de mais de US$ 300 bilhões em reservas durante a pandemia. Em 2022, o presidente do BCB foi reconhecido como o melhor do ano de bancos centrais pelo LatinFinance Banks of the Year Awards.

O Papel do Banco Central do Brasil na Presidência do G20

Recentemente, o Banco Central do Brasil (BCB) teve a privilégio de sediar a reunião de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20 em São Paulo, sob a presidência do Brasil. Nesse importante encontro, foram discutidos temas cruciais para a economia global, incluindo inclusão financeira, governança global, combate à inflação, estabilidade financeira e renegociação de dívidas.

Para Paulo Picchetti, diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do BCB, a pandemia da COVID-19 trouxe à tona a necessidade urgente de promover um crescimento econômico mais inclusivo. Durante uma coletiva de imprensa realizada no âmbito do G20, em São Paulo, Picchetti destacou o consenso entre os países membros do G20 sobre a importância de garantir melhores condições de igualdade no processo de recuperação econômica pós-pandemia.

Uma das contribuições fundamentais dos bancos centrais para a redução das desigualdades é a promoção da inclusão financeira. Ressalta-se que o Brasil tem sido um exemplo nesse sentido, sendo estudado por países avançados. Ele citou o sucesso do Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Brasil, como um caso exemplar que não só facilita transações financeiras, mas também amplia o acesso ao mercado financeiro e às condições de crédito, possibilitando negócios que anteriormente não eram viáveis. O diretor enfatizou que dar às pessoas acesso ao crédito é um passo crucial para melhorar suas condições de vida de maneira sustentável, impulsionando-as em direção a uma trajetória de crescimento econômico. Ele destacou que a inclusão financeira não deve se limitar apenas à quantidade, mas também à qualidade dos serviços financeiros oferecidos.

Assumir a presidência do G20 é uma oportunidade única para o Brasil colocar em pauta questões prioritárias para a economia global. Desde 1º de dezembro, o Brasil tem liderado esse fórum de cooperação econômica internacional, que reúne dezenove das principais economias do mundo, além da União Europeia, da União Africana e países convidados pelo membro que ocupa a presidência a cada ano.

Durante o mandato brasileiro, o BCB desempenhará um papel de liderança na condução dos trabalhos da Trilha de Finanças do G20, buscando promover a estabilidade monetária como um meio eficaz de combater a desigualdade e impulsionar o crescimento econômico sustentável em todo o mundo.

Em suma, o reconhecimento internacional do Banco Central do Brasil é um testemunho de sua liderança, inovação e compromisso com a estabilidade econômica e financeira. Durante a condução dos trabalhos da Trilha de Finanças do G20, busca-se promover a estabilidade monetária como um meio eficaz de combater a desigualdade e impulsionar o crescimento econômico sustentável e social, consolidando sua posição como um dos principais bancos centrais do mundo.


[1] É prêmio dado pelo Council of the Americas (COA), uma organização internacional que representa uma série de segmentos, como bancos e finanças, serviços de consultoria, consumo de produtos, minas e energia, setor manufatureiro, mídia, tecnologia e transporte.


Leandro Oliveira Leite. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


Mercado de crédito privado: financiando o crescimento do agronegócio brasileiro

Leandro Oliveira Leite

O ano de 2023 ficou marcado pelo notável crescimento e avanço do setor agrícola brasileiro, destacando sua robustez e importância para a economia nacional. Em meio aos desafios enfrentados, os resultados expressivos na balança comercial evidenciaram o papel fundamental desempenhado pelo agronegócio, representando 49% da receita cambial do Brasil, com mais de US$166 milhões em exportações.

Um dos principais impulsionadores desse crescimento foi o recorde na safra nacional de cereais, fibras e oleaginosas, que alcançou um volume impressionante de 319,8 milhões de toneladas durante o período de 2022/2023. Essa produção em larga escala não apenas fortaleceu a segurança alimentar do país, mas também contribuiu significativamente para o abastecimento global de alimentos.

Além disso, o setor de proteínas animais apresentou um desempenho sólido, com aumentos na produção de carne bovina, de frango e suína nos nove primeiros meses de 2023 em comparação com o ano anterior. Esses números refletem a eficiência e a competitividade do setor pecuário brasileiro, que continua a expandir sua presença nos mercados nacional e internacional, contribuindo para a balança comercial do país.

O Crescimento do Mercado de Títulos de Crédito Privado no Agronegócio

Diante desse contexto favorável, é importante analisar o papel crescente do mercado de títulos de crédito privado no financiamento do agronegócio brasileiro. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), esse mercado tem experimentado um crescimento significativo nos últimos anos, representando uma alternativa importante para o financiamento do setor.

Os títulos de crédito privado permitem que produtores rurais e empresas do agronegócio acessem recursos financeiros de forma ágil e eficiente, especialmente em um cenário em que os recursos oficiais subsidiados do crédito rural estão se tornando mais seletivos e direcionados. Isso contribui para o desenvolvimento e a expansão das atividades agrícolas e agroindustriais, promovendo o crescimento econômico e a geração de empregos e renda no país.

Tabela 1. Valor do Estoque de títulos e Patrimônio dos Fiagro

Fonte: B3, CERC, CRDC, CVM e Anbima

Elaboração: Boletim de Finanças Privadas do Agro[1] (jan/2024) do MAPA/SPA/DEFIN/CGMF

Segundo dados do Boletim de Finanças Privadas do Agro de janeiro de 2024, os principais instrumentos de captação privada de recursos para o financiamento das cadeias produtivas do agronegócio (CPR[2], LCA[3], CDCA[4], CRA[5] e Fiagro[6]) vêm tendo bons e significativos desempenhos nos últimos anos, movimentando ao todo quase R$ 1 trilhão.

Regulação e Atuação governamental

O Banco Central e o Ministério da Agricultura desempenham papéis fundamentais na garantia da estabilidade e do desenvolvimento do mercado de títulos de crédito privado no agronegócio brasileiro. O Banco Central atua como regulador e supervisor do sistema financeiro nacional, estabelecendo normas e diretrizes para as operações financeiras, incluindo as relacionadas ao mercado de capitais e aos títulos de crédito privado. Já o Ministério da Agricultura formula e implementa políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do agronegócio, promovendo programas e incentivos que estimulam investimentos no setor.

Benefícios e Atrativos dos Títulos de Crédito Privado

Uma das vantagens dos títulos de crédito privado é a diversificação de fontes de financiamento que proporcionam, reduzindo a dependência do crédito rural oficial e permitindo uma alocação mais eficiente de recursos. Além disso, esses títulos oferecem flexibilidade em termos de prazos, taxas de juros e garantias, permitindo que os produtores escolham a modalidade de financiamento mais adequada às suas necessidades e características específicas de cada projeto ou atividade agrícola.

A participação crescente das Agtechs[7] e AgFintechs[8] tem impulsionado ainda mais o mercado de títulos de crédito privado, oferecendo soluções inovadoras e tecnológicas para o setor agrícola. Essas empresas facilitam o acesso ao crédito e otimizam os processos relacionados ao financiamento no campo, contribuindo para a modernização e a competitividade do agronegócio brasileiro.

Perspectivas Futuras

Diante do cenário promissor, é fundamental que as políticas públicas e regulatórias acompanhem o crescimento do mercado de títulos de crédito privado, criando um ambiente propício ao seu desenvolvimento. Regulações claras e incentivos adequados são essenciais para garantir a sustentabilidade e a segurança das operações de financiamento no agronegócio, promovendo assim o crescimento econômico e a competitividade do setor.

Em suma, o mercado de títulos de crédito privado tem se consolidado como uma importante fonte de financiamento para o agronegócio brasileiro, contribuindo para o fortalecimento e a expansão das atividades agrícolas e agroindustriais. Com sua crescente relevância e potencial de crescimento, esse mercado desempenha um papel fundamental no apoio ao desenvolvimento econômico e social do país.


[1] O Boletim de Finanças Privadas do Agro, com publicação mensal, é desenvolvido pela Coordenação-Geral de Instrumentos de Mercado e Financiamento, do Departamento de Política de Financiamento ao Setor Agropecuário, da Secretaria de Política Agrícola, do Ministério da Agricultura e Pecuária.
https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/politica-agricola/boletim-de-financas-privadas-do-agro acesso em 19/02/2024.

[2] Cédula de produtor rural

[3] Letra de Crédito do Agronegócio

[4] Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio

[5] Certificados de Recebíveis do Agronegócio

[6] Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais

[7] AgTechs, ou Agricultural Technologies, são empresas que utilizam tecnologia para desenvolver soluções inovadoras no setor agrícola, combinando conhecimentos em agricultura, Ciência de dados, Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IoT) para melhorar a eficiência, a produtividade e a sustentabilidade nas atividades agropecuárias

[8] Agfintech é um termo que representa a convergência entre a agricultura e a tecnologia financeira (fintech). Essa combinação busca aplicar soluções financeiras inovadoras e tecnologicamente avançadas para atender às necessidades do setor agrícola

O Mercado Financeiro: Uma Visão Abrangente 

Leandro Oliveira Leite

O ano de 2023 testemunhou uma série de transformações notáveis no cenário financeiro brasileiro, impulsionadas pela evolução tecnológica do próprio mercado e pelas ações regulatórias. Além disso, diversos eventos e estudos apresentados por entidades de destaque, como o Banco Central (BC), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e associações de classe, oferecem uma visão abrangente das mudanças e desafios que moldaram o setor.  

Desde 1º de dezembro de 2023, em uma oportunidade de o país colocar em pauta assuntos que considera prioritários, o Brasil passou a presidir o G20, fórum de cooperação econômica internacional que reúne dezenove das principais economias do mundo, além da União Europeia e alguns convidados eventuais. A presidência do G20 representa uma plataforma única para o Brasil influenciar e contribuir para decisões econômicas globais, refletindo o comprometimento com a sustentabilidade socioambiental e a estabilidade financeira. Nesse ínterim, o BC tem destacado o seu compromisso em sempre estar inovando e manter a inflação controlada para impulsionar o crescimento econômico sustentável e melhorar a qualidade de vida do cidadão. 

O Papel do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) na Evolução Financeira 

Primeiramente, no âmago dessa evolução está o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), uma criação do BC. Esta infraestrutura vital possibilita uma variedade de operações financeiras, desde transações cotidianas, como o Pix, até operações mais complexas, como investimentos e comércio exterior. A reestruturação do SPB, realizada duas décadas atrás, foi revolucionária para o sistema financeiro brasileiro, introduzindo segurança e eficiência às operações, reduzindo riscos sistêmicos e tornando-se um modelo referencial internacional. 

A transferência eletrônica instantânea, notadamente através do Pix, trouxe mudanças perceptíveis para os usuários. Além disso, a reestruturação impulsionou a competitividade no mercado financeiro, reduzindo concentrações no Sistema Financeiro Nacional (SFN) e ampliando a concorrência. Inovações como o Open Finance e Drex refletem a busca contínua por segurança, eficiência e novas possibilidades no mercado financeiro brasileiro. 

Maior número de pessoas bancarizadas 

Durante a pandemia do Covid-19, ampliou-se o número de cidadãos com relacionamento com o SFN, tanto pela concessão de auxílio emergencial quanto pela expansão das instituições financeiras ditas digitais.  

Segundo o BC, após o fim do pagamento do Auxílio, o Brasil viu crescer o número de tomadores de crédito e o percentual de endividados de risco desde o segundo semestre de 2021, principalmente em decorrência do maior comprometimento de renda com dívidas e da maior inadimplência por parte dos brasileiros.  

O BC atualizou os números sobre o endividamento de risco no Brasil, conforme divulgado na nova edição da “Série Cidadania Financeira”. Em março de 2023, o número de tomadores de crédito atingiu 105 milhões de pessoas, um aumento de 20 milhões desde março de 2021.  

Bancarização Aumentada e Desafios Pós-Covid-19 

O período da pandemia de Covid-19 trouxe uma maior bancarização, com mais cidadãos se envolvendo com o SFN, impulsionados tanto pelo Auxílio Emergencial quanto pela ascensão das instituições financeiras digitais. No entanto, após o término do Auxílio, observou-se um aumento no número de tomadores de crédito e no percentual de endividados de risco desde o segundo semestre de 2021, atribuído ao maior comprometimento de renda e à inadimplência. 

De acordo com o BC, em março de 2023, o número de tomadores de crédito atingiu 105 milhões de pessoas, um aumento notável de 20 milhões desde março de 2021. O endividamento de risco, caracterizado por critérios como inadimplência e comprometimento mensal de renda acima de 50%, cresceu, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, entre a população feminina, idosos e pessoas de menor renda. 

A “Série Cidadania Financeira” do BC, iniciada em 2020, é uma parte crucial dos esforços para promover o gerenciamento adequado de recursos financeiros pelos cidadãos, abordando temas como inclusão financeira, educação financeira e proteção do consumidor de serviços financeiros. 

Inovações do Banco Central e Empoderamento Financeiro 

O Banco Central introduziu mudanças significativas, incluindo uma versão unificada do Relatório de Empréstimos e Financiamentos (SCR). Essa atualização simplifica a apresentação de informações, tornando-as mais acessíveis para os cidadãos, e está disponível gratuitamente no site do BC. 

Outra contribuição notável à sociedade é o Sistema de Valores a Receber, permitindo que cidadãos e empresas verifiquem se têm dinheiro esquecido em bancos e instituições fiscalizadas pelo BC. Além disso, o Registrato, parte integrante desse movimento, agora requer acesso exclusivamente por meio da conta gov.br, fortalecendo a segurança das informações pessoais. 

Cade e a Análise Profunda do Mercado Bancário e de Seguros 

No âmbito da concorrência, o Cade lançou a vigésima edição da série “Cadernos do Cade”1, focando no estudo dos mercados de serviços bancários e seguros. Esse estudo, dividido em quatro seções, analisa detalhadamente diversos segmentos, incluindo concessão de crédito, gestão de recursos, câmbio, distribuição de títulos, seguros, entre outros. Reconhecendo a importância econômica desses mercados, o estudo destaca o papel crucial dos bancos e seguradoras para a economia do país, fornecendo condições para investimentos, consumo e poupança. O avanço da economia digital, com o surgimento de fintechs e insurtechs, tem gerado desafios que exigem uma abordagem conjunta das autoridades regulatórias e de defesa da concorrência. 

O ambiente de inovação desafia as autoridades regulatórias e de defesa da concorrência, evidenciando a necessidade de cooperação entre entidades como Banco Central do Brasil e Cade. A série “Cadernos do Cade” tem o objetivo de consolidar, sistematizar e divulgar a jurisprudência do Cade em mercados específicos, contribuindo para o conhecimento técnico e acadêmico em temas relacionados à defesa da concorrência. O estudo também destaca a importância dos seguros e a variedade de serviços prestados por bancos e seguradoras, com foco na concentração nesses setores e nas análises de atos de concentração e condutas anticompetitivas. 

Competição e Inovação na Economia Digital 

A Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (ABIPAG) desempenha um papel ativo na promoção da competição e inovação. O evento “Concorrência no Mercado Financeiro: Desafios da Nova Economia Digital” destaca os esforços do setor para abordar tanto os aspectos regulatórios quanto os concorrenciais. Medidas governamentais, notadamente do BCB e Cade, ao encerrar relações de exclusividade, abriu espaço para a entrada de novos participantes, fomentando a competição, incentivaram o setor de meios eletrônicos de pagamento, proporcionando maior diversidade de modelos de negócios e atendendo às necessidades dos usuários finais. 

Presidência do G20 e Compromissos Globais 

Por fim, é importante destaca que o Brasil organizará mais de cem reuniões e conferências que culminarão na 19ª Cúpula em novembro de 2024. A Trilha de Finanças, liderada pelo BC, desempenhará um papel crucial, abordando temas macroeconômicos estratégicos em colaboração com o Ministério da Fazenda. O G20 está organizado em duas trilhas, a de financeira2 e a de Sherpas3, cada uma com grupos técnicos temáticos. 

Durante as reuniões do G20, o BC abordará também questões de inovação e avanços nos sistemas de pagamentos rápidos, mas o principal papel do Brasil no G20, desde sua participação em 2008 e, nos planos do Banco Central para 2024, estará focando na luta contra a pobreza e desigualdade como centrais para a estabilidade financeira.  

Assim, a parceria entre o Ministério da Fazenda e o BC no G20 visa melhorar a coordenação entre as trilhas financeira e de Sherpas. O compromisso com a sustentabilidade socioambiental é destacado, com o BC sendo reconhecido por implementar medidas alinhadas à agenda global de sustentabilidade. 

A agenda do BC no G20 terá oportunidade de abordar os impactos das inovações digitais no sistema financeiro, priorizando discussões sobre a tokenização de ativos, solução de finanças descentralizada (DeFi) e Inteligência Artificial (IA). Segundo o BC, será destacada a importância de compreender tanto os benefícios quanto os riscos das inovações digitais. 

Perspectivas e Desafios Futuros 

A evolução notável do mercado financeiro brasileiro em 2023 reflete não apenas avanços tecnológicos, mas também uma adaptação a um ambiente dinâmico e competitivo. A convergência contínua de tecnologias, como Pix, Drex e Open Finance, continuará a moldar o setor, posicionando o Brasil na vanguarda dos sistemas de pagamento. No entanto, desafios persistem, especialmente na gestão das complexidades da economia digital e na garantia de uma concorrência saudável para o benefício dos consumidores. 

O diálogo contínuo entre entidades reguladoras, instituições financeiras e outros stakeholders será crucial para enfrentar esses desafios e promover uma evolução positiva e sustentável no mercado financeiro brasileiro. A cooperação entre o Banco Central do Brasil, Cade e outros órgãos demonstra a importância da abordagem conjunta para garantir a estabilidade e a inovação nesse setor vital para a economia nacional. 

Convergência às melhores práticas internacionais pela autoridade monetária brasileira

Leandro Oliveira Leite

O Banco Central do Brasil (BCB), como autoridade monetária, tem desempenhado um papel fundamental na busca pela excelência e estabilidade do sistema financeiro. A convergência às melhores práticas internacionais é uma meta que reflete o compromisso do BCB em alinhar suas políticas e regulamentações aos padrões globais. Neste artigo, exploraremos como essa convergência se desdobra em diversas áreas-chave, delineando os progressos notáveis ​​em termos regulatórios, concorrência, supervisão do Sistema Financeiro Nacional (SFN), aspectos contábeis, sustentabilidade e gestão de riscos.

O processo de globalização exige que as instituições financeiras nacionais estejam homologadas com as melhores práticas internacionais para garantir a estabilidade e a eficiência do sistema financeiro e o BCB tem desempenhado um papel crucial nessa jornada de convergência.

Regulação

O BCB tem demonstrado um esforço contínuo para alinhar suas estruturas regulatórias com os padrões internacionais, a adoção de normas e diretrizes recomendadas por instituições como o Comitê de Supervisão Bancária da Basileia[1] tem sido uma prioridade. A implementação de acordos internacionais, como o arcabouço das recomendações conhecidas como “Basileia III”, fortaleceu a solidez do sistema bancário brasileiro, tornando-o mais resiliente a choques financeiros a partir da crise internacional de 2007/2008.

A participação ativa em fóruns internacionais tem permitido ao BCB contribuir para a formação de políticas globais, enquanto adapta esses princípios à realidade local. Esse diálogo contínuo promove uma convergência dinâmica que beneficia não apenas o Brasil, mas também a estabilidade financeira mundial.

O componente regulatório é a base para a efetivação da operação do sistema financeiro. O BCB tem buscado alinhar suas regulamentações com padrões internacionais para promover a transparência e mitigar riscos, especialmente no que diz respeito aos requisitos mínimos de capital (Pilar 1), aos princípios de supervisão (Pilar 2) e divulgação ampla de informações relacionadas aos riscos assumidos (pilar 3).

Além da regulação prudencial[2], o BCB tem avançado na implementação de regulamentação que promova a inovação responsável, como no caso das fintechs, mantendo um equilíbrio entre a promoção de novos modelos de negócios e a segurança financeira. O Sandbox Regulatório é uma iniciativa que permite que instituições já autorizadas e ainda não autorizadas a funcionar pelo BCB possam testar projetos inovadores (produtos ou serviços experimentais) com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos.

Concorrência

A promoção da concorrência é vital para a eficiência e inovação no setor financeiro, por isso o BCB tem adotado medidas, como vimos acima, para abrir o mercado a novos participantes, incentivando a entrada de fintechs e instituições financeiras inovadoras. Segundo dados de 2023 da Federação Brasileira de Bancos – Febraban, o orçamento de tecnologia dos bancos não ficou para trás e cresceu 128% nos últimos 5 anos.

Outro exemplo evidente aqui é a implementação do Open Banking, uma prática internacional que permite o compartilhamento seguro de dados entre instituições financeiras, fomentando a concorrência e ampliando as opções para os consumidores. Espera-se que, com a evolução do Open Banking, em até dois anos os brasileiros possam ter reunidos em um único aplicativo de celular (super app, como vem sendo chamado) todas as suas contas bancárias e serviços financeiros.

Supervisão do SFN

A supervisão efetiva do Sistema Financeiro Nacional é crucial para garantir a segurança e a integridade do sistema, sendo assim o BCB tem fortalecido seus mecanismos de supervisão, incorporando as melhores práticas indicadas em jurisdições financeiras avançadas. A ênfase na transparência, responsabilidade e comunicação eficaz tem sido notável.

A convergência às melhores práticas de supervisão não se limita apenas às instituições financeiras tradicionais, mas também se estende às fintechs e outras entidades emergentes. Isso reflete a capacidade adaptativa do BCB em um ambiente financeiro em constante evolução.

A integração vanguardeira de tecnologias avançadas na fiscalização, como análise de big data e inteligência artificial – IA, exemplifica o compromisso do BCB em modernizar sua supervisão, alinhando-se com as exigências globais de supervisão bancária.

Contábil

As Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (IFRS, na sigla em inglês) são um conjunto de princípios contábeis e normas de relatórios financeiros que foram desenvolvidos pelo International Accounting Standards Board (IASB) e são amplamente aceitos em todo o mundo.

A convergência contábil financeira também é um componente vital da integração do Brasil às melhores práticas internacionais, a harmonização das normas contábeis nacionais com os padrões internacionais. Isso não apenas facilita a comparação global das projeções financeiras, mas também promove a confiança dos investidores.

O alinhamento contábil contribui para a transparência e a prestação de contas, elementos cruciais para o funcionamento eficiente dos mercados financeiros. A busca pela clareza e comparabilidade é fundamental para atrair investimentos e fortalecer a posição do Brasil nos mercados internacionais.

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC emite pronunciamentos técnicos, orientações e interpretações. A partir destes trabalhos, os órgãos reguladores (BCB é um dos componentes) tem emitido suas regulamentações próprias, permitindo assim a uniformização do processo de produção de normas.

A transição suave para o IFRS representa um passo significativo na direção da convergência contábil internacional, contribuindo para a solidez e transparência do setor. Assim, é possível padronizar a forma como a contabilidade é feita, independente do país de origem da empresa.

Sustentabilidade

O BCB foi uma das primeiras instituições a dar luz ao tema sustentabilidade e economia verde e fazer parte da Network for Greening the Financial System (NGFS), sendo uma rede de 114 bancos centrais e supervisores financeiros que visa acelerar a expansão das finanças verdes e desenvolver recomendações para o papel dos bancos centrais nas mudanças climáticas.

A agenda global tem ganhado cada vez mais ênfase na sustentabilidade financeira, o BCB tem respondido a esse chamado, integrando considerações ambientais, sociais e de governança (Environmental, Social and Governance – ESG) em em suas práticas regulatórias. A convergência às melhores práticas em sustentabilidade não apenas responde às demandas dos investidores conscientes, mas também posiciona o Brasil como uma economia responsável e comprometida com a preservação do meio ambiente.

A introdução de regulamentações que incentivam práticas sustentáveis, como linhas de financiamento verde (Bureau de Crédito Verde[3]) e critérios de divulgação de Relatórios de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (Relatório GRSAC[4]), ilustra o compromisso do BCB com uma abordagem holística da estabilidade financeira.

A adesão às recomendações da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (Task Force on Climate-Related Financial Disclosures – TCFD) destaca o compromisso do BCB em promover a sustentabilidade no sistema financeiro brasileiro.

Além disso, o BCB tem incentivado iniciativas que visam a inclusão financeira e o desenvolvimento sustentável, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.

Gestão de Riscos

A gestão eficaz de riscos é fundamental para a estabilidade financeira, assim o BCB tem buscado aprimorar suas práticas de gestão de riscos, alinhando-se com as normas internacionais, como as condicionantes pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO), uma entidade sem fins lucrativos, dedicada à melhoria dos relatórios financeiros através da ética, efetividade dos controles internos e governança corporativa.

A implementação de práticas robustas de gestão de riscos fortalece a resiliência do sistema financeiro diante de turbulências econômicas. A utilização de tecnologias avançadas, como estatísticas e simulações de cenários, reflete a determinação do BCB em adotar as melhores práticas globais na gestão de riscos.

Aliada aos princípios de Basileia, de forma prudencial, o BCB tem acertadamente segmentada a regulação[5] do mercado na proporção do perfil de risco das instituições financeiras e a sua relevância sistêmica, ou seja, os maiores bancos tem maiores exigências normativas e requerimentos mínimos de capital para fazer face aos riscos decorrentes de suas atividades.

Conclusão

O compromisso do BCB com a convergência às melhores práticas internacionais é evidente em várias dimensões. Desde a esfera regulatória até a gestão de riscos, o BCB tem adotado abordagens inovadoras e tecnologias avançadas para fortalecer o sistema financeiro brasileiro. Esse processo contínuo de aprimoramento não apenas promove a estabilidade, mas também solidifica a posição do Brasil nos mercados financeiros globais, inspirando confiança entre investidores nacionais e internacionais.

A Agenda BC# é um conjunto de iniciativas lançadas pelo BCB para modernizar o sistema financeiro brasileiro. Isso inclui a introdução de novas tecnologias, como blockchain, Drex, Pix e Open Banking para aumentar a eficiência e reduzir os custos das transações financeiras. Essas iniciativas alinham o BCB com esforços internacionais para incorporar inovações tecnológicas e concorrência no setor financeiro.


[1]  Comitê de Supervisão Bancária da Basileia constituiu-se em um fórum de discussão para o melhoramento das práticas de supervisão bancária, buscando aperfeiçoar as ferramentas de fiscalização internacionalmente. Apesar de não ter autoridade para fazer cumprir suas recomendações, a maioria dos países, membros ou não, tendem a implementar as políticas ditadas pelo Comitê. O Comitê de Basileia é constituído por representantes de autoridades de supervisão bancária dos bancos centrais de 27 países, entre os quais: África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, República Popular da China, França, Alemanha, Hong Kong, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Países Baixos, Rússia, Arábia Saudita, Singapura, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, além de Luxemburgo e Espanha.

[2] A regulação prudencial é um tipo de regulação financeira que estabelece requisitos para as instituições financeiras com foco no gerenciamento de riscos e nos requerimentos mínimos de capital para fazer face aos riscos decorrentes de suas atividades.

[3] O Bureau de Crédito Verde, criado pelo Banco Central do Brasil irá reunir as informações do Crédito Rural, concedidas por Bancos Brasileiros, definindo se essas operações estão de acordo com os critérios de sustentabilidade, tomando como exemplo a recuperação de pastagens e uso de energia renovável.

[4]Resolução BCB nº 139 estabelece requisitos para divulgação do Relatório e a Instrução Normativa nº 153 que entrou em vigor em 1º de dezembro de 2022 e define tabelas padronizadas para fins da divulgação.

[5] São cinco segmentos (do S1 ao S5) determinados pelo porte, nível da atividade internacional e perfil de risco das instituições.


LEANDRO OLIVEIRA LEITE. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


Evolução, Inovação e Concorrência no Mercado Financeiro 

Leandro Oliveira Leite

O sistema financeiro é a espinha dorsal de qualquer economia, funcionando como um mecanismo crucial de intermediação entre aqueles com recursos excedentes e aqueles com necessidade de capital. Esse papel fundamental coloca o sistema financeiro no centro do crescimento econômico e da estabilidade. Ao longo do tempo, o sistema financeiro evoluiu e mudanças tecnológicas, institucionais e regulatórias impactaram significativamente a concorrência e a eficiência dos mercados bancários e de pagamentos. 

A Importância da Estabilidade 

O sistema financeiro é um pilar de estabilidade econômica, desempenhando um papel crítico na promoção do crescimento e da eficiência. As relações entre agentes econômicos baseiam-se em transações financeiras, tornando a estabilidade financeira essencial para a segurança das interações econômicas. Nesse contexto, as instituições financeiras, em particular, os bancos comerciais, são tradicionalmente os intermediários financeiros. Eles recebem depósitos, efetuam pagamentos, descontam títulos e fornecem crédito. 

Entretanto, para que o sistema financeiro desempenhe seu papel de financiador do consumo e do investimento, é fundamental que exista segurança para os poupadores, instituições financeiras robustas e espaço para inovações em produtos e serviços. 

O Impacto da Inflação no Sistema Financeiro Brasileiro 

Assim como acontece atualmente com a Argentina, até meados da década de 1990, a economia brasileira viveu um período de inflação crônica, com alta indexação. Este cenário, ao contrário de outros contextos históricos, não levou ao colapso do sistema financeiro brasileiro, mas, surpreendentemente, permitiu que o setor financeiro prosperasse. As instituições financeiras brasileiras demonstraram grande habilidade na implementação de inovações financeiras e na exploração de oportunidades regulatórias. Isso não apenas permitiu que sobrevivessem em um ambiente hostil à atividade econômica, mas também garantiu o crescimento, absorvendo uma parte específica do imposto inflacionário. 

Durante esse período, as atividades financeiras foram sustentadas pelos recursos de trânsito (floating)1 e pelo financiamento do desequilíbrio das contas públicas, com foco em operações de curto prazo. A inflação criou um desequilíbrio na distribuição de renda, favorecendo os segmentos mais organizados e, ao mesmo tempo, permitindo que os bancos sobrevivessem independentemente de sua capacidade de competir. A qualidade dos serviços também não era uma prioridade, uma vez que as receitas dependiam da existência de diferentes indexadores de passivos e ativos. 

O Plano Real e as Mudanças no Sistema Financeiro 

Com a implementação do Plano Real em 1994, a economia brasileira passou por uma mudança significativa. Medidas para estabilização e reestruturação econômica foram adotadas, incluindo maior abertura ao comércio internacional, mudanças na política industrial e redução de subsídios para setores produtivos. Essas iniciativas alteraram radicalmente o cenário em que as instituições financeiras atuavam. A estabilidade da moeda criou condições para a desintermediação financeira, levando a uma redução da participação do sistema financeiro no PIB. 

Essa transição revelou a fragilidade de algumas instituições financeiras brasileiras, que não conseguiram se adaptar ao novo ambiente econômico. As autoridades governamentais, por meio do Banco Central do Brasil (BCB), adotaram medidas de reestruturação, criando programas como o PROER e o PROES2 de saneamento e fusões de bancos, bem como criou-se o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) na proteção aos correntistas, poupadores e investidores contra falência ou liquidação de instituições financeiras3

A experiência demonstrou que a presença de bancos estrangeiros no Brasil e a participação acionária do capital externo em instituições financeiras foi benéfica ao sistema financeiro nacional, em especial porque os serviços bancários que prestam ao público têm sido classificados com elevados índices de qualidade. A entrada de capital externo, seja através da constituição de novas instituições ou do reforço de capital das já existentes, contribuiu para preencher uma importante lacuna da economia brasileira, na medida que se apresenta como complemento da disponibilidade interna necessária ao desenvolvimento do País. Outrossim, a presença de capitais externos no sistema financeiro nacional justifica-se pela colaboração que representa ao processo de abertura da economia brasileira no sentido de maior integração do país na economia mundial, com a consequente redução do chamado Risco Brasil4 e maior globalização do setor financeiro. 

A entrada de capitais externos na economia nacional, especialmente no setor bancário, não somente resulta em reforço financeiro para o País, representado pela captação de poupança externa e acréscimo nas reservas internacionais, mas sobretudo, em ganhos econômicos decorrentes da introdução de novas tecnologias de gerenciamento de recursos e inovações de produtos e serviços possibilitando maior eficiência alocativa na economia brasileira. Devido à eficiência operacional e capacidade financeira detida pelos bancos estrangeiros, seu ingresso traz maior concorrência ao sistema, com reflexos positivos nos preços dos serviços e no custo dos recursos oferecidos à sociedade. 

O Papel das Mudanças Tecnológicas 

As mudanças tecnológicas desempenharam um papel crucial na evolução do sistema financeiro. O aprendizado de máquina e o big data5 permitem aprimorar a avaliação de risco, personalizar produtos financeiros e prevenir fraudes. Além disso, a inteligência artificial melhorou o atendimento ao cliente e a análise de dados, tornando os serviços mais eficientes e acessíveis. 

A rápida expansão das fintechs6 está revolucionando o setor, introduzindo novos modelos de negócios e aumentando a competição. Fintechs são ágeis e inovadoras, soluções mais eficientes e inovadoras. No entanto, a entrada de grandes empresas não financeiras nesse mercado exige um acompanhamento atento para garantir a equidade concorrencial. 

Mudanças Regulatórias 

O BCB tem criados incentivos para promover a concorrência, seja com (i) a segmentação regulatória financeira7, (ii) o Sandbox Regulatório8 e (iii) o Laboratório de Inovações Financeiras Tecnológicas (LIFT). Este último tem-se oferecido um ambiente tecnológico controlado para que as empresas testem novas ideias e produtos financeiros. Isso permitiu que novas empresas concorram com os bancos tradicionais e tragam inovação e benefícios para os consumidores. 

Ao mesmo tempo, regulamentações que visam a prevenção de crimes financeiros, como lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, são igualmente importantes. A precisão é encontrar um equilíbrio entre a promoção da inovação e a segurança do sistema financeiro. 

Assim, as mudanças regulatórias desempenharam um papel fundamental na definição do ambiente financeiro. O Open Banking, o Cadastro Positivo e as centrais de informações sobre garantias são exemplos de regulamentações que buscam aumentar a concorrência e melhorar o acesso aos serviços financeiros. 

Conclusão 

A evolução do sistema financeiro brasileiro foi marcada por desafios significativos, incluindo períodos de alta inflação, mudanças macroeconômicas e inovações tecnológicas. Essas mudanças impactaram a concorrência e a eficiência do sistema financeiro, afetando os consumidores e a economia em geral. 

Hoje, o sistema financeiro brasileiro é mais estável e orientado para o consumidor, com entrada de fintechs e novos modelos de negócios. No entanto, a regulamentação continua sendo crucial para garantir a segurança e a concorrência justa no setor. 

Em resumo, as mudanças tecnológicas, institucionais e regulatórias estão remodelando o mercado bancário e de pagamentos. Elas incentivam a concorrência, impulsionam a inovação e melhoram a eficiência dos serviços financeiros, com benefícios para consumidores e empresas.  

REFERÊNCIA: 

– Site do Banco Central do Brasil: Evolução do Sistema Financeiro Nacional 

https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww.bcb.gov.br%2Fhtms%2Fdeorf%2Fr199812%2Ftexto.asp%3Fidpai%3Drevsfn199812  

Open Finance: Transformando o Setor Financeiro Brasileiro

Leandro Oliveira Leite

O Sistema Financeiro Aberto (Open Finance) é uma iniciativa que visa revolucionar o setor financeiro brasileiro por meio do compartilhamento padronizado de dados e serviços entre instituições participantes, todas reguladas pelo Banco Central do Brasil (BCB). Este conceito permite que clientes de produtos e serviços financeiros autorizem o compartilhamento de seus dados com outras instituições para obter ofertas de serviços e até mesmo movimentar suas contas bancárias a partir de diferentes plataformas, de forma segura, ágil e conveniente.

Em 2022, o BCB trabalhou em conjunto com as entidades supervisionadas para resolver os desafios da fase inicial de compartilhamento de dados do Open Finance. Esses desafios estavam principalmente relacionados com a interoperabilidade, o consumo de dados e a qualidade das informações disponíveis. O Open Finance é um dos pilares fundamentais na construção do sistema financeiro do futuro e representa uma mudança paradigmática ao permitir a democratização do acesso à informação sobre serviços financeiros, empoderando o consumidor com maior controle sobre seus próprios dados.

Uma das características mais notáveis do Open Finance é a sua capacidade de fomentar a competição no setor financeiro. Ao possibilitar que as instituições compartilhem dados dos clientes, o Open Finance incentiva a oferta de produtos e serviços mais vantajosos para o consumidor. Esse novo ambiente favorece a criação de soluções inovadoras que facilitam o controle financeiro dos indivíduos. Agora, um cliente pode visualizar todas as suas informações financeiras em um único local, mesmo que tenha contas em diferentes instituições.

É importante destacar que o Brasil lidera o mundo em termos de Open Finance, tanto em escopo quanto em quantidade de instituições e consentimentos de consumidores. Até o final de 2022, foram registrados mais de 2 bilhões de chamadas de APIs (interfaces de programação de aplicativos) e 5,6 milhões de registros ativos no sistema.

Open Finance vs. Open Banking: Uma Expansão Notável

O Open Finance não é apenas uma expansão do conceito de Open Banking; ele vai muito além. O projeto evoluiu para abranger não apenas informações sobre produtos e serviços financeiros tradicionais, como contas e operações de crédito, mas também dados relacionados a produtos e serviços de câmbio, credenciamento, investimentos, seguros e previdência. Isso significa que, num futuro próximo, os consumidores poderão utilizar as suas informações financeiras de um banco para contratar seguros ou planos de previdência com melhores condições em outras instituições participantes. Além disso, terão acesso a opções mais diversificadas de investimentos. O nome mudou, mas os requisitos de segurança permaneceram, com os consumidores mantendo o controle sobre o compartilhamento de suas informações.

O Open Finance também abre caminhos para futuras inovações, como a interoperabilidade com o Open Insurance (Sistema de Seguros Aberto), promovendo uma maior portabilidade de dados entre instituições autorizadas pelo Banco Central e corretoras e seguradoras supervisionadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Isso ampliará ainda mais os benefícios para os consumidores, oferecendo opções mais diversificadas no mercado de seguros e previdência.

Promovendo uma Experiência Financeira Melhorada

Além de estimular a competição e promover inovações no setor, o Open Finance oferece benefícios tangíveis aos consumidores. A possibilidade de comparar diferentes ofertas de produtos e serviços financeiros, como tarifas bancárias, tipos de contas e cartões de crédito, torna mais fácil para as pessoas escolherem as opções mais específicas às suas necessidades e perfil financeiro. Também é possível solicitar o compartilhamento de dados cadastrais, informações sobre transações e produtos de crédito, todos os protegidos por solicitação prévia e específica do cliente.

Além disso, o Open Finance já permite realizar pagamentos no ambiente financeiro, sendo o Pix a primeira modalidade disponibilizada. Isso torna os pagamentos mais rápidos e convenientes, oferecendo aos consumidores uma experiência de pagamento aprimorada em lojas virtuais e outras plataformas.

O Open Finance é parte integrante da visão de um sistema financeiro mais aberto, competitivo, eficiente e inclusivo. À medida que o Brasil lidera o caminho nesse setor, os consumidores brasileiros podem esperar uma experiência financeira cada vez mais conveniente, transparente e adaptada às suas necessidades. À medida que o Open Finance continua a evoluir, mais inovações e benefícios estão no caminho.

Em suma, o Open Finance do Banco Central do Brasil (BCB) tem o potencial de aumentar significativamente a concorrência no mercado financeiro de diversas maneiras:

  1. Acesso a Dados de Clientes: O Open Finance permite que instituições financeiras autorizadas acessem dados de clientes de outras instituições, desde que esses clientes concedam permissão. Isso significa que, por exemplo, uma fintech pode oferecer serviços personalizados com base em dados financeiros de um cliente de um grande banco. Essa competição impulsionada pelos dados pode levar a ofertas mais interessantes para os consumidores.
  2. Desenvolvimento de Produtos Inovadores: Com acesso aos dados dos clientes, as instituições financeiras podem desenvolver produtos e serviços financeiros inovadores que atendam às necessidades específicas dos consumidores. Isso incentiva a criação de soluções financeiras mais eficazes e convenientes.
  3. Comparação de Ofertas: O Open Finance permite que os consumidores comparem facilmente as ofertas de produtos e serviços financeiros de diversas instituições. Isso cria um ambiente mais transparente em que os consumidores podem escolher as opções que melhor se adequam às suas necessidades e orçamento.
  4. Redução de Custos: Cria um cenário em que as empresas são incentivadas a melhorarem suas ofertas, proporcionando aos consumidores tarifas mais baixas e melhores condições de prazo. Assim, a competição resultante do Open Finance pode levar à redução de custos para os consumidores.

LEANDRO OLIVEIRA LEITE. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.

Drex: A Moeda Digital que Promete Revolucionar o Mercado Financeiro Brasileiro

Leandro Oliveira Leite

A cada passo na jornada da digitalização, a vida cotidiana dos brasileiros se transforma. Em mais um movimento ousado, o Banco Central do Brasil (BC) está se preparando para lançar uma moeda digital que pode remodelar a maneira como realizamos transações e administramos nossos recursos financeiros. Batizada como Drex[1], essa moeda tem o potencial de trazer agilidade, eficiência e menor custo para uma variedade de transações contratuais e financeiras que hoje fazem parte do nosso dia a dia.

A evolução tecnológica tem desencadeado uma série de mudanças no modo como realizamos negócios e interagimos com as finanças. O Drex, uma representação eletrônica do real, não é apenas mais uma inovação, mas um passo significativo em direção à democratização do acesso aos serviços financeiros. Ao simplificar a comunicação, o BC optou por um nome próprio para essa nova moeda digital, abandonando a nomenclatura anterior “Real Digital”. A ideia é que o Drex seja mais do que uma moeda, seja um facilitador para negócios e um equalizador de oportunidades.

O Drex não é apenas uma moeda, é uma plataforma que utiliza tecnologias de registros distribuídos, o que permite a automação de transações financeiras através de “smart contracts[2]. Imagine comprar um veículo ou um imóvel, por exemplo. O Drex permite que essa transação seja concluída com a segurança de que tanto o dinheiro quanto a propriedade serão transferidos simultaneamente. Essa função é possível graças à programabilidade do Drex, que garante que a transação só seja finalizada quando ambas as partes compram com suas obrigações.

Esse novo modelo também tem o potencial de revolucionar setores como o de investimentos, créditos e benefícios sociais. Além disso, o Drex pode trazer maior eficiência para a administração pública ao agilizar processos de arrecadação e distribuição de recursos.

O Drex e a Vida Cotidiana do Brasileiro

O Drex está projetado para se tornar parte integrante da vida cotidiana dos brasileiros. A exemplo do sucesso estrondoso do Pix, o BC planeja utilizar as lições aprendidas para fazer do Drex uma moeda amplamente utilizada. A facilidade de uso e a agilidade fornecidas pelo Drex têm o potencial de transformar nossos hábitos financeiros. Em breve, assim como hoje falamos em “fazer um Pix”, o Drex também fará parte do nosso planejamento financeiro, refletindo a sua integração em nosso cotidiano.

Concorrência no Mercado Financeiro

A introdução do Drex não apenas modernizará a economia brasileira, mas também espera desafios no cenário competitivo do mercado financeiro. Com a promessa de eficiência e democratização financeira, o Drex pode obter uma competição acirrada entre as instituições financeiras tradicionais e as fintechs, estimulando a busca por inovações e aprimoramentos nos serviços oferecidos. Essa pode ser um motor para apoiar a qualidade e reduzir os custos dos serviços financeiros, beneficiando diretamente os consumidores.

Tokenização da Economia: Um Novo Paradigma Financeiro

A ascensão do Drex também abre as portas para a discussão sobre a tokenização da economia. A possibilidade de representar ativos reais, como imóveis e commodities, por meio de tokens digitais pode revolucionar a forma como investimos e acessamos o mercado financeiro. Isso não apenas tornaria os investimentos mais acessíveis, mas também mais transparentes e seguros. A tokenização pode democratizar ainda mais o acesso a oportunidades de investimento, permitindo que um espectro mais amplo da população participe de setores antes restritos a poucos.

Em um cenário onde a tecnologia continua a moldar a maneira como vivemos e fazemos negócios, o Drex surge como uma resposta do Brasil à crescente digitalização do mundo financeiro. Enquanto se prepara para entrar em cena, o Drex promete democratizar, agilizar e simplificar, assim como foi o Pix, tornando-se não apenas uma moeda, mas um símbolo da transformação da economia brasileira para uma nova era digital.

Referências:

BC te Explica:

https://www.youtube.com/watch?v=hAE-LC7Kczk https://www.youtube.com/watch?v=DJOcTvZC3zc

LiveBC: 

Nota à imprensa: 

https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/17946/nota


[1] A palavra Drex surgiu da seguinte ideia: “d” e “r” fazem alusão ao Real Digital; o “e” vem de eletrônico e o “x” passa a ideia de modernidade e de conexão, do uso de tecnologia de registro distribuído (Distributed Ledger Tecnology – DLT), tecnologia adotada para o Drex, dando continuidade à família de soluções do BC iniciada com o Pix.

[2] Smart contracts: um contrato inteligente é um protocolo de computador autoexecutável criado com a popularização das criptomoedas e feito para facilitar e reforçar a negociação ou desempenho de um contrato, proporcionando confiabilidade em transações online.