Kemil Raje Jarude

Um novo paradigma para o mercado de crédito de carbono

Kemil Raje Jarude

Contexto

Velho como o fogo, mercados surgem estimulados pela existência e impulsionamento de uma determinada demanda. E demandas são oriundas de necessidades humanas, sejam elas fisiológicas ou determinadas por circunstâncias morais. É fácil perceber que comer é necessidade básica do ser humano, mas o que comer varia de acordo com o contexto em que o indivíduo se insere. Mover-se também é uma necessidade facilmente perceptível, mas como o indivíduo se transporta é que varia de acordo com o contexto e com as possibilidades disponíveis.

Algo semelhante é o que se vislumbra acerca do debate ambiental. Preservar uma área de floresta pode ser importante por um dado motivo para uma determinada etnia indígena, no contexto da sua preservação da forma como a própria natureza a criou. Já para ingleses e franceses da era pré-industrial, preservar a natureza poderia significar a construção de um jardim. E sabemos como jardins ingleses e franceses são completamente distintos. O que há em comum neles é a interferência humana.

Tudo isso para dizer que a necessidade de preservar o meio ambiente se torna uma necessidade básica na medida em que a sua destruição leva a consequências que ameaçam a nossa segurança. Se, por muitos séculos, destruir era sinônimo de progresso e possibilidade de controle humano sobre ambiente em prol de suas necessidades, as atuais mudanças climáticas têm levado a reflexão de que a escala de intervenção humana sobre a natureza nos trouxe a tal ponto que nos tornamos perigo para si próprios.

Portanto, se, antes, a nossa inócua busca por controle da natureza era sinônimo de destruição, hoje, essa busca só se mostra viável por meio da preservação. Assim, se antes comer carne todos os dias respondia a uma necessidade por alimentação; hoje, o vegetarianismo e o veganismo têm se tornado uma alternativa para que se congregue alimentação e preservação. Se, antes, usar combustíveis fósseis atendia a uma demanda básica por transporte; hoje, usar biocombustíveis surge como caminho para conciliar transporte e preservação do meio ambiente.

Ou seja, aos poucos e conforme as catástrofes ambientais passam não só a matar aquela pessoa de um local distante, mas também um amigo, um familiar ou alguém mais próximo, as condicionantes que colmatam as nossas necessidades são direcionadas centripetamente para alternativas que levem em conta mecanismos de produção que preservem ou destruam o meio ambiente em escala inferior aos modelos com os quais as gerações anteriores bem como atual foram acostumadas.

Preservação ambiental: uma indústria nascente

A construção de uma resposta ao desafio das mudanças climáticas, intensificadas pelo modelo econômico industrial e pós-industrial, passa, ao meu modo de ver, pela própria indústria e pelos mecanismos de mercado da economia capitalista. Mas, não apenas isso, o desenvolvimento de uma solução viável e perene precisa incluir a atuação do Estado em sua equação.

A demanda existente por novas formas de produção ambientalmente sustentáveis precisará criar incentivos para que a demanda ainda preponderante por produtos do antigo modelo se desloque para os produtos do novo modelo. Ademais, vê-se como necessário a emergência de novos entrantes que possam ampliar a oferta nesse novo modelo de mercado.

Ora, se discutimos o surgimento de produtos substitutos que sejam capazes de absorver uma demanda a tal ponto que tenhamos uma redução da distância entre receita marginal e custo marginal, então é preciso que se sinalize aos possíveis agentes de mercado com possibilidade de se tornarem entrantes que o seu risco será pelo menos igual ou menor do que o risco de quem opera nisso que estamos a chamar de antigo modelo de mercado.

Nesse cenário, nada de novo sob o sol. A figura do Estado, agente de mercado cuja receita tende a ser a mais previsível e estável, precisa se valer dessas características para criar diferenciações temporárias no sentido de reduzir o risco daqueles agentes que almejem ofertar os produtos substitutos.

Dentro de um quadro teórico, pode-se fazer uma aproximação desse debate às contribuições acadêmicas de Mariana Mazzucato, sobretudo reunidas em sua obra “O Estado Empreendedor”[1]. Nesse sentido, a autora acredita que o Estado teria não apenas o papel de corrigir falhas de mercado, mas também seria responsável pela criação de mercados.

Embora a autora acredite que o Estado devesse ter participação mais significativa na participação dos resultados privados que contam com o patrocínio estatal, é preciso que se tenha em mente que as externalidades positivas decorrentes da viabilização na criação de produtos com características tecnológicas ou vantagens de preço que levam a uma mudança no modo de produção, incluindo efeitos sustentáveis, já seria bastante significativo em vista do alto custo que as catástrofes climáticas vêm trazendo a economia mundial[2].

Nesse mesmo sentido, poder-se-ia retomar as ideias de Michael Porter acerca dos ciclos de vida da indústria quando observa que os altos custos de entrada e os riscos associados quando se trata de indústrias nascentes requerem apoio institucional bem como investimento significativo[3].

Assim, seria possível observar que mudanças necessárias em nosso modelo industrial estão menos associadas a inovações típica de uma competição de mercado, como poderia ser ilustrada pelo Iphone no mercado de celulares ou da Netflix no mercado cinematográfico, e mais próximas de uma indução exigida pelo agravamento de um contexto de catástrofes e mudanças climáticas severas ameaçadoras da segurança humana.

A criação de um mercado de créditos de carbono

Dentro do contexto de mudanças climáticas, a emissão dos denominados Gases de Efeito Estufa tem representado a causa principal dos problemas ambientais que vivemos. Com isso, a solução poderia ser considerada simples: fazer com que a quantidade excessiva de carbono na atmosfera retorne para o solo por processos naturais.

O grande problema é que todo nosso modo de vida depende de processos industriais que emitem em quantidade muito maior do que aquilo que a natureza é capaz de reabsorver. Não bastasse isso, o desmatamento e a poluição dos oceanos reduzem ainda mais a taxa de reabsorção.

O Acordo de Paris, integrado ao nosso ordenamento pelo Decreto nº 9.073/2017, deu avanço à implementação do mercado de crédito de carbono internacionalmente, ideia essa que era aventada desde a década de 1960, tendo maior impulso a partir da COP 3, com a criação do Protocolo de Kyoto por meio do Mercado de Desenvolvimento Limpo. Em novembro de 2024, foi finalmente aprovado no Congresso o Projeto de Lei que visa estabelecer o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

Nesse sentido, a criação de um mercado de carbono busca incentivar estados e empresas financiarem suas iniciativas de redução de emissão e aumento de absorção por meio do estabelecimento de limites de emissão. Dessa forma, quem se viabiliza de forma a emitir menos CO2, pode vender esse “excedente” aos países e empresas que emitiram para além desse limite. Da mesma forma, quem pode criar condições de reabsorção pode vender essa “compensação” para quem emite além do limite.

Dessa forma, tem-se a formação duas espécies de mercado de crédito de carbono: mercado regulado e o mercado voluntário, conforme explicado no parágrafo anterior. O mercado regulado trata das metas de redução dentro do conceito de Contribuição Nacionalmente Determinada (Nationally Determined Contribution em inglês), no qual as empresas têm metas de redução e as diferenças de redução podem ser negociadas, ou seja, quem emitiu abaixo da meta pode vender essa diferença, em relação à meta, para quem emitiu acima da meta. Já o mercado voluntário trata de ações, promovidas por diferentes agentes de mercado, para a reabsorção de carbono da atmosfera. Essa redução pode ser negociada com agentes que tenham emitido acima de suas metas de modo que estas cumpram o seu objetivo de redução. Assim, os mercados regulados e voluntário atuam em simbiose, para usar uma qualificação da biologia.

Da perspectiva concorrencial, o mercado relevante na sua dimensão produto parece ter mais facilidade para ser classificado como gás carbônico atmosférico, ou o seu equivalente, uma vez que o mercado de carbono aborda outros gases, mas sempre equivalentes ao CO2. A discussão que apresentaria maiores debates poderia ocorrer em relação ao mercado relevante na dimensão geográfica. Se por um lado, o Acordo de Paris foi assinado por 195 países, o que, em tese, permitiria a negociação de créditos de forma amplamente global, sabe-se também que, por outro lado, cada país deverá promover regulações internas que viabilizem tais trocas de forma mais detalhada e fazendo com que autoridades de concorrência possam avaliar limitações quanto a extensão geográfica desse mercado relevante.

De toda forma, o artigo 6º do Acordo baliza 2 situações de transação envolvendo créditos de carbono. O item 6.2 viabiliza a transação diretamente entre países, enquanto o item 6.4 permite a troca entre países e empresas por meio de um mecanismo internacional.

O item 6.2 é o chamado Internationally Transferrable Mitigation Outcomes (ITMOs) e é o mecanismo de acordo bilateral que permite que países troquem créditos de carbono. Os países podem comprar créditos de carbono na modalidade ITMOs de um outro país que tenha reduzido emissões para além da sua NDC, desde que o acordo cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 6.2. Cada país é responsável pela elaboração das suas próprias políticas e pela execução das suas próprias transações, permitindo flexibilidade ao utilizar critérios próprios, requisitos de qualidade e salvaguardas.

Na COP 27, Gana foi o primeiro país a autorizar a exportação de créditos de carbono utilizando ITMO para a Suíça[4]. Em maio de 2024, Gana e Suécia estabeleceram um acordo bilateral para o intercâmbio de créditos de carbono via ITMO[5]. Nesse caso, a Suécia, por exemplo, está viabilizando a instalação de painéis solares em telhados residenciais em Gana. A medida tem o potencial de reduzir em 165 mil toneladas de CO2 até 2030[6].

Ainda no âmbito da COP 27, Suíça e Vanuatu estabeleceram um acordo ITMO para a produção de energia elétrica por meio de placas fotovoltaicas[7].

Além disso, na COP 28, Cingapura e Papua Nova Guiné estabeleceram um acordo para o desenvolvimento e troca de créditos de carbono sob o mesmo mecanismo[8]. Isso tudo apenas para ilustrar, pois há diversos outros acordos em desenvolvimento, como o item 6.2 do Acordo de Paris já é uma realidade em termos de novos acordos bilaterais com foco na redução das emissões de CO2 no planeta.

O item 6.4 do acordo cria um mecanismo global de crédito de carbono e foi denominado Paris Agreement Crediting Mechanism (PACM). O mecanismo é conduzido por um órgão de supervisão, que aprova metodologias, registra projetos e gerência os créditos emitidos. Esse órgão é composto por 2 membros de cada uma das regiões da ONU mais um representante de um país menos desenvolvido bem como de um país insular em desenvolvimento. Nesse contexto, o crédito de carbono ganha a denominação de Article 6.4 Emission Reductions Units (A6.4ERs). A ideia é que países e empresas possam submeter projetos e metodologias de redução de emissão de CO2 ao órgão de supervisão e, caso aceitos, possam terem contabilizadas tais reduções para suas metas, além da possibilidade de negociação de eventuais excedentes de captura de CO2 transformados em créditos de carbono.  

Durante a COP 29, dois documentos foram estabelecidos e que permitirão um melhor desenvolvimento do PACM, (i) o padrão sobre requisitos de metodologia, que cria requisitos para o desenvolvimento e avaliação de projetos no âmbito do Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris; e (ii) o padrão sobre atividades que envolvem remoções, que cria requisitos para projetos que removem gases de efeito estufa da atmosfera[9].

Outro ponto que vale a pena incluir nesse panorama trata acerca dos conceitos de Share of Proceeds (SOP) e do Overall Mitigation of Global Emissions (OMGE), que são dois mecanismos importantes incorporados no Artigo 6.4 do Acordo de Paris, cujo foco é promoção da justiça climática e das melhorias globais na mitigação das mudanças climáticas.

A Share of Proceeds (SOP) é uma contribuição gerada a partir das atividades e créditos de carbono gerados no contexto da PACM com o intuito de financiar a mitigação das mudanças climáticas. A SOP estabelece que uma parte dos recursos provenientes dessas atividades deve ser usada para despesas administrativas e adaptação.

A contribuição da SOP é mensurada em 5% do volume de créditos de carbonos criados somado a um adicional de 3%, pago de forma monetária, pela geração de crédito submetida PACM. Esse somatório na forma de créditos de carbono e de recursos financeiro são revertidos para o Fundo de Adaptação. O repasse desse montante é de responsabilidade do país que hospeda o projeto de geração de créditos.

O Overall Mitigation of Global Emissions (OMGE) é um mecanismo de desconto do montante de créditos de carbono quando da sua emissão ou transferência, devendo ser concedido para o órgão de supervisão como forma de contribuir para uma redução global de emissões de carbono para além das compensações entre países e empresas.  

Ambos o SOP e o OMGE estão ainda em debate acerca do detalhamento da sua configuração. Os dois mecanismos são obrigatórios no âmbito do PACM, mas opcionais no contexto do ITMOs. Esse fato levanta o debate de que os países poderiam preferir mover suas ações de geração de créditos de carbono por meio do ITMOs em detrimento do PACM, fazendo com que possa haver um esforço menor para em torno da redução de emissões de gases de efeito estufa. Para os críticos, seria importante que os mecanismos SOP e OMGE se tornem obrigatórios nos acordos de ITMOs firmados com base no item 6.2 do Acordo de Paris[10].  

Tanto com relação ao item 6.2 quanto ao item 6.4, ainda há questionamentos sobretudo acerca dos parâmetros de registro dos créditos de carbono. Esse é um ponto central para que tais mercados possam adquirir confiança das partes interessadas (stakeholders). Alguns países, como os Estados Unidos, têm se colocado contra a proposta de um registro único internacional de modo que tenham restritas as possibilidades de estabelecerem critérios próprios de registro. Já países menos desenvolvidos são a favor de um registro internacional unificado, por conta do custo que teriam caso tivessem que desenvolver processos próprios de registro. Por fim, no âmbito da COP 29, chegou-se ao acordo de que o registro não será determinante para indicar a qualidade do crédito gerado ou para endossar um emissor como forma de fazer esse tema avançar com algum consenso.

Esse é um ponto crucial para o desenvolvimento do mercado de créditos de carbono, pois impactará no grau de confiança necessário para que as partes interessadas sejam incentivadas a realizarem trocas nesse mercado. Confiança, aliás é um elemento central na determinação da capacidade de engajamento dos agentes face às instituições. Acemoglu, recentemente laureado como um dos Prêmio Nobel de Economia, investigou como a confiança de cortes paquistanesas era negativamente impactada por conta das “evidências de fraqueza, inefetividade e corrupção” que acabavam por carrear a um afastamento da busca da população por instituições estatais[11]. Assim, o debate em torno da regulamentação do item 6.4 do Acordo de Paris precisa caminhar na direção de regras que permitam transparência nas relações de troca, plenas de condições de acesso aos agentes bem como minimize ao máximo as possibilidades de comportamento amoral por parte desses participantes.

Nesse contexto, na COP 29 houve avanços. 13 países lideraram a iniciativa de publicarem seus Relatórios Bienais de Transparência (BTR), cuja publicação será obrigatória para todos os países signatários do Acordo de Paris até o final de 2024[12]. Esses relatórios compõe o chamado Enhanced Transparency Framework (ETF). Os países desenvolvidos contêm a obrigação de publicar os seus inventários de gases de efeito estufa bem como se submeter a Avaliação e Revisão Internacional (International Assessment and Review – IAR), composta por uma revisão técnica de cada BTR dos países desenvolvidos além de uma avaliação multilateral quantos aos objetivos desses países frente às suas metas. Já os países em desenvolvimento passam pela denominada Análise e Consultoria Internacional (International Consultation and Analysis – ICA), que consiste em uma avaliação do BTR por um time de especialistas além do compartilhamento de visões pelo Órgão Subsidiário de Implementação na forma de oficinas.

Outro ponto importante em relação a transparência no mercado de crédito de carbono é a atuação da iniciativa #Together4Transparency, que promove o diálogo entre partes interessadas tanto dos signatários do acordo de pais quanto de instituições não signatárias. 

Caminhando para o fim, a permissão ao Órgão de Supervisão para o estabelecimento de metodologias e critérios para os projetos a serem apresentados sob o item 6.4 do Acordo de Paris[13] permitirá o avanço na formação de oferta de créditos, de modo que a demanda gerada pelos crescentes desastres climáticos possa ser atendida. Além disso, é preciso citar o avanço quanto ao desenvolvimento de parâmetros em termos de direitos humanos, sobretudo quanto a prevenção de violações na implementação de projetos de geração de créditos de carbono. Foi possível verificar ainda o avanço quanto a implementação do item 6.8 do acordo, por meio do qual se estabelece medidas não mercadológicas em que países podem designar projetos ou áreas de atenção para o recebimento de apoio de outros países quanto a redução de emissões ou remoção de gases de efeito estufa.

Importante observar que a criação dessa nascente indústria do mercado de carbono passa necessariamente por uma atuação estatal, em que as dimensões nacionais tomam protagonismo, não apenas no estabelecimento de regras que viabilizem as interações de mercado, mas também na destinação de seus orçamentos públicos para a geração do que se denomina créditos de carbono. Essa é uma transformação de paradigmas, onde a irrefreada liberdade econômica encontra o seu próprio limite na reação da natureza e se exige um comportamento cooperativo onde se costuma imperar a competição. Mesmo com tais transformações, ainda é possível vislumbrar possibilidades de incentivo econômico para um modelo produtivo dentro do que se convenciona chamar de regras de mercado. Contudo, tais regras parecem se afastar em certa medida da ideia de axiomas econômicos, aproximando-se da ideia de uma ética jurídica.


[1] MAZZUCATO, Mariana. O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público x setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.

[2] Cf. BENNETT, Paige. Climate change is costing the world $16 million per hour: study. Disponível em: https://www.weforum.org/stories/2023/10/climate-loss-and-damage-cost-16-million-per-hour/. Acesso em 12/11/2024.

[3] Porter, M. E. (1980). Competitive Strategy: Techniques for Analyzing Industries and Competitors. The Free Press.

[4] Cf. Republic of Ghana. Ghana’s framework on international carbon markets and non-market approaches. Disponível em: https://cmo.epa.gov.gh/wp-content/uploads/2022/12/Ghana-Carbon-Market-Framework-For-Public-Release_15122022.pdf. Acesso em 28/11/2024.

[5] Cf. Republic of Ghana and Kingdom of Sweden. Bilateral Agreement for Engagement in Cooperative Approaches Involving Internationally Transferred Mitigation Outcomes Disponível em: https://www.energimyndigheten.se/globalassets/webb-en/cooperation/international-climate-cooperation/bilateral-framework-agreement-article-6.2-between-sweden-and-ghana.pdf Acesso em 28/11/2024.

[6] Cf. Swedish Energy Agency. Sweden finances project in Ghana to accelerate the energy transition. Disponível em: https://www.energimyndigheten.se/en/news/2023/sweden-finances-project-in-ghana-to-accelerate-the-energy-transition/ Acesso em 28/11/2024.

[7] Republic of Vanuatu. Department of Energy. Vanuatu’s first carbon credit market signed. Disponível em: https://doe.gov.vu/index.php/news-events/news/163-vanuatu-s-first-carbon-credit-market-signed Acesso em 28/11/2024

[8] Cf. Ministry of Trade and Industry of Singapore.Singapore signs first Implementation Agreement with Papua New Guinea to collaborate on carbon credits under Article 6 of the Paris Agreement. Disponível em: https://www.mti.gov.sg/Newsroom/Press-Releases/2023/12/Singapore-signs-first-Implementation-Agreement-with-Papua-New-Guinea. Acesso em 28/11/2024.

[9] Cf. United Nations Framework Convention on Climate Change. Key Standards for UN Carbon Market Finalized Ahead of COP29. Disponível em: https://unfccc.int/news/key-standards-for-un-carbon-market-finalized-ahead-of-cop29 Acesso em 29/11/2024.

[10] Cf. Least Developed Countries Group on Climate Change. Submission to the SBSTA Chair by the Kingdom of Bhutan on behalf of the Least Developed Countries Group. Disponível em: https://www4.unfccc.int/sites/SubmissionsStaging/Documents/202104211416—Financing%20for%20adaptation%20Share%20of%20Proceeds%20(Article%206.2%20and%20Article%206.4).pdf Acesso em 29/11/2024.

[11] ACEMOGLU et al. Trust in State and Nonstate Actors: Evidence from Dispute Resolution in Pakistan. Journal of Political Economy, 2020, vol. 128, no. 8. Disponível em: https://economics.mit.edu/sites/default/files/publications/Trust%20in%20State%20and%20Non-State%20Actors%20-%20Evidence%20fro.pdf Acesso em 29/11/2024.

[12] Cf. United Nations Framework Convention on Climate Change. First Biennial Transparency Reports. Disponível em: https://unfccc.int/first-biennial-transparency-reports Acesso em 29/11/2024.

[13] Cf. United Nations Framework Convention on Climate Change. 14th meeting of the Article 6.4 Supervisory Body (SBM 014). Disponível em: https://unfccc.int/event/Supervisory-Body-14 Acesso em 29/11/2024.

Quando uma atuação concertada entre concorrentes não é considerada cartel

Kemil Raje Jarude

Como se sabe, o Cartel é considerado a conduta mais nociva em termos concorrenciais e que pressupõe o acordo entre rivais para o controle da oferta por meio de acordo de preços. Entretanto, nem todo acordo entre rivais pode ser considerado prejudicial à concorrência. Por exemplo, consórcios são um mecanismo importante para a consecução de projetos de grande monta ou complexidade, permitindo a oferta de produtos ou serviços em maior escala ou com preços mais competitivos por conta do aumento de eficiências.

Além disso, a criação de associações permite o desenvolvimento de tecnologias que dão condições de interoperabilidade que ajudam a reduzir custos e ampliar o acesso a tecnologias. Exemplo disso é o Bluetooth, administrado pelo Bluetooth Special Interest Group e que conta com mais de 35 mil empresas associadas.

Todavia, há casos em que empresas que estejam agindo licitamente em conjunto acabem por incorrer em condutas que possam ter efeitos negativos à concorrência. Tais condutas decorrem do comportamento ilícito desse agente econômico que age sob bases lícitas, ocasionando prejuízos ao mercado.

No ano de 2022, o CADE julgou dois casos interessantes que exemplificam esse tipo de situação. O intuito do artigo é mostrar como o fato de ter a permissão legal para agir economicamente com outros concorrentes não mitiga, por si só, o risco de eventual conduta ilícita do ponto de vista concorrencial. Os dois casos a seguir são complexos e exigiram fôlego de nossa competente autoridade antitruste, no que buscarei focar nos elementos que levaram aos problemas debatidos e os principais critérios de análise do CADE para a tomada de decisão.

Caso British Telecom – Correios: Processo Administrativo nº 08700.011835/2015-02

O caso

Na 196ª Sessão Ordinária de Julgamento foi apreciado o caso oriundo de uma representação da British Telecom (BT) em face de Claro, Oi e Telefônica. Em linhas gerais, o imbróglio envolvia a concorrência pelo Pregão nº 144/2015 que tinha por objeto a contratação de serviços de telecomunicação na modalidade SCM (Serviços de Comunicação Multimídia) para interligar diversas agências dos Correios por todo o país pelo prazo de 5 anos.

A BT era a então fornecedora desse serviço para os Correios, mas diante do encerramento do prazo do contrato anterior, um novo certame foi realizado por meio do Pregão nº 144/2015. Porém, nessa concorrência viu a formação de um competidor composto de Claro e uma de suas subsidiárias, Oi e Telefônica.

Análise da SG/CADE

Conforme indica o anexo da Nota Técnica nº 33/2017[1], de forma resumida, Claro, Oi e Telefônica detinham a infraestrutura necessária para o oferecimento do serviço objeto do Pregão 144/2015. A BT ao buscar contratar tal infraestrutura para participar do certame enfrentou as seguintes situações:

Claro: A empresa não teria respondido aos pedidos de orçamento enviados pela BT[2], dando indício de recusa de contratar.

Telefônica: Esta não teria permitido a contratação de sua “rede especializada”, ofertando acesso apenas a sua “rede regular”[3]. O que se demonstrou é que a “rede regular” tinha um valor 7 vezes maior que o preço da “rede especializada”, reduzindo o poder competitivo da BT.

Oi: A empresa não teria mantido a linearidade da relação preço/volume do que fora oferecido ao Consórcio em comparação ao oferecido à BT[4], reduzindo a capacidade competitiva da BT no certame.

Em resumo, segundo apurado pela Superintendência-Geral do CADE, a Claro teria praticado recusa de contratar na medida em que era detentora de um insumo considerado essencial para que a BT pudesse ter condições de competitividade no certame. Além disso, Telefônica e Oi, também detentoras de tal estrutura considerada essencial, ofereceram preços para a BT a maior do que os ofertados para o consórcio em que elas mesmo integravam de modo a favorecerem a si mesmas em detrimento da BT na disputa pela prestação de serviços aos Correios no certâmen em questão. Ou seja, as condutas identificadas foram (i) recusa de contratar e (ii) discriminação de preços com intuito de excluir concorrentes.

Quanto a essas duas condutas, é interessante notar que o Anexo da Nota Técnica nº 33/2017 conclui que tais condutas foram praticadas tanto de forma unilateral quanto de forma coordenada.

Nesse sentido, para análise da ilicitude de uma dada conduta, seja ela unilateral ou coordenada, é preciso que se verifique a existência de 3 elementos[5]:

  • Detenção de poder de mercado por parte da investigada;
  • Potencialidade de danos significativos à concorrência no mercado da representante e;
  • Existência ou não de justificativas objetivas.

Ainda, interessante notar também o enquadramento legal dado para as condutas unilaterais e coordenadas do caso em questão de acordo com o rol expostos nos incisos da Lei 12529/11, Art. 36, §3º.

Condutas unilaterais:

Inciso III – Limitar ou impedir o acesso de novas empresas no mercado;

Inciso IV – Criar dificuldades à constituição, ao funcionamento, ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

Inciso V – Impedir acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuições

Inciso X – Discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços e condições operacionais de venda ou prestação de serviço;

Inciso XI – Recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais.

Condutas coordenadas:

Inciso I – Acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a – preços de bens ou serviços ofertados individualmente, d – preços, condições, vantagens ou abstenção em licitações pública;

Inciso III – Limitar ou impedir o acesso de novas empresas no mercado.

Opinião do Tribunal

O caso foi encaminhado para o Tribunal do Cade pelo Despacho de encerramento da SG de 05 de março de 2021. A Conselheira Paula Farani foi sorteada relatora do caso e o tribunal acompanhou por unanimidade a sua decisão de condenação de Claro, Oi e Telefônica pelas condutas unilaterais e coordenadas.

No voto da Conselheira Farani, há uma distinção importante entre conduta coordenada e cartel, dissipando a confusão entre os dois tipos que acompanhou o processo, como transcrito a seguir:

“Trata-se, portanto, de uma conduta com efeitos semelhantes a um cartel, uma vez que restringe a concorrência horizontal e os rivais agem de forma coordenada, embora com este não se confunda. Para esclarecer a diferença deste tipo de conduta concertada em relação a carteis, ao mesmo tempo que se ressalta os riscos concorrenciais que lhes são associados, transcrevo trecho de guia elaborado pela Federal Trade Commission, dos Estados Unidos: 

‘A fim de competir em mercados modernos, os concorrentes por vezes precisam de colaboração. As forças competitivas estão guiando as empresas em direção a colaborações complexas para alcançar objetivos tais como a expansão para mercados estrangeiros, o financiamento de dispendiosos esforços de inovação, e a redução dos custos de produção e outros.

No ambiente de mercado atual, os concorrentes interagem de muitas maneiras, através de associações comerciais, grupos profissionais, joint ventures, organizações que estabelecem padrões, e outros grupos industriais. Tais relações são frequentemente não apenas competitivamente benignas, mas também pró-competitivos. Mas existem riscos concorrenciais quando concorrentes interagem a tal ponto que já não agem independentemente, ou quando a colaboração dá aos concorrentes a capacidade de exercer o poder de mercado em conjunto.

Para os acordos de não competição, tais como fixação de preços, manipulação de propostas em licitações e divisão de mercado, as regras são claras. Os tribunais decidiram há muitos anos que essas práticas são tão intrinsecamente prejudiciais para os consumidores, que elas serão sempre ilegais, as chamadas violações per se. Para outros acordos entre concorrentes, as regras não são tão claras e definidas e frequentemente exigem uma investigação intensiva sobre o propósito e os efeitos da colaboração, incluindo quaisquer justificativas comerciais. Os aplicadores da lei devem perguntar: qual é a finalidade e o efeito dos acordos entre concorrentes? Eles restringem a concorrência ou promovem eficiência?’[6](Grifou-se)”

Dois elementos chamam a atenção nesse trecho. Primeiro, o critério da institucionalidade como diferenciador de um cartel clássico e de condutas coordenadas. Além disso, o exercício de poder de mercado decorrente da colaboração com bases lícitas parece também auxiliar nessa distinção, pois no cartel clássico o exercício de poder de mercado seria decorrente de uma colaboração ilícita. Em outras palavras, fazer um consórcio para participação em uma licitação é lícito, embora tenha que se tomar o devido cuidado para que sua atuação não incorra em eventual abuso de poder de mercado, que pode ou não se originar do consórcio. Já em um cartel, o conluio é per se ilícito, caso se comprove a sua existência.

Para analisar se o consórcio formado teria ou não uma justificativa no sentido de fomentar a competição, a Conselheira Farani se valeu do critério apresentado pela OCDE para a aferição do caráter concorrencial de um consórcio em licitações.

De acordo com tal critério, consórcios em licitações teriam efeitos pró-competitivos quando:

“(i) Os fornecedores são ativos em mercados distintos;

(ii) Os participantes de um consórcio oferecem um serviço integrado único que não poderia ser oferecido de maneira independente;

(iii) Dois ou mais fornecedores ativos em diferentes áreas geográficas apresentam propostas que atendem a todo o território contratual, gerando eficiências;

(iv) Dois ou mais fornecedores combinam capacidades para atender a contratos amplos que não poderiam ser atendidos individualmente;[7]

Ao contrário, consórcios podem ter efeitos concorrenciais quando observadas os seguintes elementos:

“(i) Cada uma das empresas possui recursos econômicos, financeiros e técnicos para atender ao contrato individualmente;

(ii) O consórcio é formado pelos maiores concorrentes no mercado relevante;

(iii) O consórcio não gera eficiências ou as eficiências não são repassadas para os compradores em termos de redução de preços, maior qualidade ou melhor entrega;

(iv) O consórcio permite que os membros troquem informações entre si que pode prejudicar a concorrência em contratações futuras.[8]

Partindo dessas referências, então ao Conselheira Farani extrai a seguinte regra para analisar a eventual natureza competitiva do consórcio em análise, que seria: “(i) a complementariedade de atuação, seja de produto ou geográfico; ou (ii) capacidade insuficiente para atender integralmente o contrato.[9]” (grifos nossos)

Nesse sentido, o que a Conselheira conclui é que Claro e Oi teriam condições de atender praticamente todo o território nacional, apresentando uma sobreposição quase completa em termos de oferta de serviço SCM. Dessa forma, haveria complementariedade apenas entre as redes da Telefônica com a da Oi ou Claro. Assim, Oi e Claro teriam capacidade para atender o contrato de forma isolada, não havendo justificativa para a formação do consórcio[10]. Assim, diante das práticas de recusa de contratar e de discriminação de preços com intuito anticompetitivo e da ausência de justificativa economicamente plausível para o consórcio analisado, então é que se conclui pela existência de infração à ordem econômica.

Caso GranPetro – Processo Administrativo nº 08700.001831/2014-27

O caso

Na 205ª Sessão Ordinária de Julgamento foi apreciado o caso oriundo de uma representação da GranPetro em face das empresas que integravam o pool de abastecimento de aeronaves do aeroporto internacional de Guarulhos – SP bem como a própria concessionária que hoje administra o aeroporto.

Tal pool de abastecimento é formado pelas empresas Air BP Brasil Ltda., BR Distribuidora S.A. (hoje denominada Vibra) e Raízen Combustíveis S.A. A controvérsia se dava por conta do interesse da GranPetro em integrar o pool, o que era questionado pelas demais empresas bem como a concessionária do aeroporto.

Análise da SG/CADE

De acordo com a Nota Técnica nº 11/2019, seriam duas as condutas analisadas em concreto:

“a) Recusa de contratar, associada à imposição de dificuldade de acesso à infraestrutura essencial, no Pool de Paulínia/SP, por parte da Raízen; e

b) Imposição de barreiras artificias à entrada e de dificuldades no acesso a infraestrutura essencial no mercado de QAv no Aeroporto de Guarulhos, por parte das distribuidoras BR, Raízen e Air BP e do GRU Airport.[11]

Essas acabam sendo as duas condutas levadas a julgamento pelo Tribunal do CADE posteriormente. De todo modo, a Nota Técnica nº 31/2020 traz um maior detalhamento quanto o objeto de investigação. Nesse sentido, indica a NT que 3 seriam os temas de análise da investigação: (i) recusa de contratação, (ii) fechamento de mercado e a (iii) existência de uma essential facility[12].

Muito embora a recusa de contratar não seja um conduta anticompetitiva por si só, é importante observar o critério indicado pela NT nº 31/2020 de quando tal comportamento pode ser nocivo: “A conduta é especialmente preocupante quando um agente verticalizado com posição dominante em alguma das etapas da cadeia produtiva se recusa: (i) a ofertar um insumo essencial a um agente no mercado à jusante; ou (ii) a adquirir produtos de um agente no mercado à montante de modo a eliminar a concorrência nesse mercado.[13]

A seguir, analisando a questão em torno do conceito de essential facility, a SG indica o caso MCI Telecommunications Corp. vs AT&T Co.United States, julgado pela Corte de Apelação do Distrito de Columbia, como referência. Desse caso, “(i) controle da infraestrutura essencial por um monopolista; (ii) impossibilidade de um concorrente duplicar, de modo fático ou razoável, a infraestrutura; (iii) recusa de acesso a um concorrente; e (iv) existência de condições técnicas e econômicas para fornecimento de acesso a concorrentes[14]” seriam fatores para determinar a existência de uma essential facility.

Observando esses dois pontos, pode-se perceber que eles se tornam problemáticos na medida em que levam a exclusão de um concorrente, reduzindo a possibilidade de ofertas de bens/serviços no mercado relevante em questão.

A NT nº 31/2020 indicou os seguintes elementos como característicos de uma situação em que há a possibilidade de fechamento de mercado:

  • Participação de mercado da empresa integrada à montante;
  • Essencialidade do insumo;
  • Representatividade do valor do insumo no custo total de produção;
  • Nível de diferenciação propiciado pelo insumo; e,
  • Custos de troca para recorrer a um fornecedor alternativo – presença de relações de exclusividade ou nível de verticalização de mercado.

Além disso, importante observar a existência de mitigadores:

  • Presença de competidores no mercado;
  • Capacidade ociosa por parte dos concorrentes;
  • Nível de qualidade dos insumos alternativos;
  • Baixos custos de troca; e
  • Baixa representatividade dos insumos no valor do bem final[15].

Em paralelo, a NT nº 31/2020 também elenca características em termos econômicos que funcionariam como incentivos para um comportamento de fechamento de mercado por um agente econômico:

  • Rentabilidade da estratégia;
  • Existência de um trade-off – abre-se mão de receitas em um mercado na expectativa de recuperação em outro mercado;
  • Custo de oportunidade da estratégia – a depender da margem de receitas à montante;
  • Grau de retorno em caso de sucesso da estratégia – a depender da margem de receitas à jusante; e
  • Capacidade de promover um desvio da demanda dos concorrentes para a empresa integrada.

Também aqui deve-se considerar os mitigadores:

  • Margem elevada à montante – alto custo de oportunidade das vendas recusadas;
  • Baixa margem de lucro à jusante – vale a pena manter vendas para concorrentes; e
  • Baixa capacidade de desviar a demanda para a empresa integrada – custo do insumo for pequeno frente ao total do produto ou baixa for a substituibilidade entre os concorrentes[16].

No caso em questão, a investigação dividiu a análise em duas condutas que viriam a ser analisadas. Dada a complexidade das duas condutas, vamos apenas nos ater a sua denominação genérica, muito embora com as informações aqui dispostas seja possível encontrá-las a posteriori nos autos indicados.

Quanto a Conduta 1, do ponto de vista de critério para analisar a eventual existência de dano, a SG tomou por base os seguintes parâmetros:

  • Posição dominante no mercado a montante;
  • Existência de justificativas objetivas e plausíveis para a recusa por parte do fornecedor;
  • Se o objeto da recusa possui substitutos próximos e;
  • Se a recusa de fato é capaz de prejudicar a concorrência no mercado a jusante[17].

Quanto a tais pontos, a NT nº31/2020 conclui que (i) havia posição dominante das empresas que compunham o pool; (ii) as justificativas apresentadas para a recusa não seriam plausíveis se não pelo argumento da livre negociação, embora não estivesse alinhado com os termos estabelecidos no Termo de Regulação de Conduta quando da criação da Raízen; (iii) haveria substitutibilidade do objeto da recusa apresentada pela Raízen uma vez que a GranPetro poderia contratar cessão de espaço junto a BR Distribuidora, hoje Vibra. (iv) a SG conclui que a recusa realizada pela Raízen, de todo modo, não teria sido capaz de prejudicar a concorrência no mercado de distribuição de QAv. Portanto, entendeu a SG que não teria havia dano concorrencial em relação a a Conduta 1, sobretudo pela existência de substitutos ao pleito da GranPetro bem como a identificação de que não teria havido prejuízo à concorrência decorrente da recusa da Raízen.

Quanto a Conduta 2, do ponto de vista de critério para analisar a eventual existência de dano, a SG tomou por base os seguintes questionamentos:

  • A infraestrutura do Pool de Guarulhos caracteriza-se como uma essential facility?;
  • O controle da infraestrutura do Pool de Guarulhos à montante concede capacidade aos incumbentes para fechamento do mercado de operações into plane das distribuidoras de combustíveis de aviação no Aeroporto de Guarulhos à jusante?
  • A Cláusula 2.2.2 do Contrato CCAIG (Central de Combustíveis do Aeroporto Internacional de Guarulhos – vulgo “pool”) tem conteúdo discriminatório e anticoncorrencial?
  • A aplicação da Cláusula 2.2.2 no Contrato CCAIG pelas distribuidoras Representadas à Gran Petro configurou uma barreira artificial à entrada?[18]

A Cláusula 2.2.2 do Contrato CCAIG (pool) dizia o seguinte:

“2.2.2. Fica acordado entre as partes que, em função dos investimentos a serem feitos pelo CCAIG descritos na cláusula 10.8 e no Anexo II a este contrato, a utilização do Queroduto por terceiros durante a vigência deste contrato dependerá da concordância e autorização das Partes. A autorização do CCAIG será dada mediante (i) disponibilidade de capacidade do Queroduto e (ii) atendimento por parte do terceiro aos requisitos mínimos de natureza operacional, técnica e financeira que permitam a plena utilização do Queroduto conforme os padrões de segurança estabelecido nos padrões nacionais e internacionais.[19]

Pois bem, quanto a Conduta 2 e as premissas estabelecidas como critério para a existência de eventual dano, a SG conclui pelo seguinte:

  • Conduta anticompetitiva identificada: imposição artificial de barreiras à entrada no mercado relevante de comercialização de QAv no Aeroporto de Guarulhos, especificamente na atividade de operação into plane;
  • Forma de implementação: o estabelecimento da Cláusula 2.2.2 no Contrato CCAIG, celebrado em 30/04/2013;
  • Período: a partir da celebração do Contrato CCAIG até o momento;
  • Elemento probatório: Contrato CCAIG e análise realizada na presente manifestação pela regra da razão; e
  • Autores: GRU Airport, de um lado, e partícipes do CCAIG – Air BP, BR, e Raízen – de outro[20].

A conclusão geral que se findou a SG é a de que os critérios abstratos estabelecidos pela cláusula 2.2.2 do CCAIG serviram para um retardamento do ingresso da GranPetro, elevando as barreiras à entrada para a ampliação de concorrentes neste mercado.

Opinião do Tribunal

No Tribunal, o caso foi sorteado para a relatoria do Conselheiro Hoffmann. Dada a complexidade do caso, os próprios órgãos do CADE apresentaram visões divergentes quanto a licitude ou não das condutas investigadas, como é possível observar do quadro extraído do voto do Relator Hoffmann[21]:

Ademais, o Conselheiro Relator votou pelo arquivo quanto a acusação indicada tanto para a Conduta 1 quanto para a Conduta 2, no que foi acompanhado pela Conselheira Lenisa Prado. Entretanto, o voto do Conselheiro Braido divergiu do apresentado pelo relator sob o argumento de que o impedimento do acesso pela GranPetro ao pool poderia fazer com que a alternativa que lhe restaria, abastecimento por meio de caminhões tanque, colocasse a GranPetro em situação de custo médio mais elevado, causando uma distorção concorrencial a longo prazo, o que desincentivaria a ampliação da competição ocasionado pela abstração da Cláusula 2.2.2 do CCAIG já apresentado acima:

“Em resumo, a indefinição das condições de acesso de novas empresas no condomínio administrador do CCAIG tem como efeito principal impedir a livre entrada de empresas distribuidoras de combustível de aviação. Ainda que se considere a situação hipotética apresentada pelas Representadas, na qual o ingresso de empresa sem acesso à rede de hidrantes seria financeiramente viável, isso dependeria de um aumento nos volumes abastecidos por meio de CTAs no aeroporto, algo que distorceria a alocação ótima de fatores de produção, gerando ineficiência técnica, aumento de custos e subutilização da infraestrutura instalada.

Concluo, dessa forma, que a conduta aqui analisada limita a livre concorrência e a livre iniciativa (art. 36, I). Adicionalmente, no caso das distribuidoras Representadas, esse ato também gera dominância de mercado relevante (art. 36, II) e constitui abuso de posição dominante (art. 36, IV).[22]

Por fim, todos os demais, com exceção dos Conselheiros Hoffmann e Prado, votaram pela condenação das representadas empresas do pool e da GRU Airport em decorrência da opinião de que haveria “imposição de barreiras artificias à entrada e de dificuldades no acesso a infraestrutura essencial no mercado de QAv no Aeroporto de Guarulhos” ocasionada pelo comportamento das representadas usando por base a Cláusula 2.2.2 do CCAIG.

Avaliando os três primeiros critérios indicados para análise do caso (recusa de contratar, fechamento de mercado e essential facility), o que se percebe é que o critério final de decisão (imposição de barreiras artificiais à entrada) foi trazido a uma análise mais aprofundada quando o caso já estava em estágio avançado de análise, o que só reforça a complexidade do caso.

Conclusões

Muitas vezes a chave de análise Conduta Unilateral x Cartel pode dar a impressão (errônea, como vimos) de que a primeira só pode ser realizada por agentes de forma isolada enquanto o segundo apenas por agentes em conjunto. Obviamente, Cartéis exigem mais de uma agente econômico para a sua prática. Entretanto, agentes econômicos quando atuam conjuntamente também podem incorrer nas hipóteses daquilo que se denomina por Condutas Unilaterais, sendo denominadas, como indicado acima, Condutas Concertadas. Em ambos os casos analisados observamos o envolvimento de bens públicos, no conceito jurídico (como no caso BT), ou vinculados a equipamentos públicos (como é o caso GranPetro vinculado a estrutura do aeroporto de Guarulhos). O que se pode levantar de lição é que nesse tipo de situação o cuidado quanto a condições plenas de concorrência deve ser redobrado, sobretudo no que condiz a entrada de novos agentes ou quando se está de posse de estruturas ou insumos que possam influenciar os custos de seus concorrentes. A beleza do Direito da Concorrência está justamente no exercício de ver com as lentes da economia para se tomar decisões de caráter jurídico e é disso que decorre a necessidade de medir o máximo possível os efeitos das estratégias empresariais de modo que o ótimo não vire inimigo do bom. 


[1] Vide SEI 0378893 no PA nº 08700.011835/2015-02

[2] Idem. p.35.

[3] Idem. p.37.

[4] Idem. p. 50.

[5] Idem p. 31.

[6] Disponível em: https://www.ftc.gov/tips-advice/competition-guidance/guide-antitrust-laws/dealings-competitors. Acesso em 15 de fevereiro de 2022. Apud Voto Conselheira Paula Farani no PA nº 08700.011835/2015-02. (SEI 1024583)

[7] Vide OCDE (2021), Combate a cartéis em licitações no Brasil: Uma revisão das Compras Públicas Federais. p. 62. Disponível em: < https://www.oecd.org/competition/fighting-bid-rigging-in-brazil-a-review-of-federal-publicprocurement. Htm > Apud idem.

[8] Idem.

[9] Idem.

[10] Idem.

[11] Vide SEI 0597389 no PA nº 08700.001831/2014-27.

[12] Idem.

[13] Idem.

[14] Idem.

[15] Idem.

[16] Idem.

[17] Idem.

[18] Idem.

[19] Idem. Nota de Rodapé 32.

[20] Idem.

[21] Vide Voto Conselheiro Luiz Hoffmann no PA nº 08700.001831/2014-27 (SEI 1136025)

[22] Voto do Conselheiro Luis Braido no PA nº 08700.001831/2014-27 (SEI 1149523)


KEMIL RAJE JARUDE. Advogado e vice-presidente da Câmara Júnior Brasil-Alemanha. Bacharel pela FDUSP e especialista em Direito Alemão pela Ludwig-Maximilians-Universität de Munique (Alemanha). Alumni do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) e do PET (Programa Especial de Treinamento) do Ministério da Educação do Brasil. Foi professor convidado na I Escola Internacional de Verão em Direito Internacional dos Investimentos da Georg-August-Universität (Alemanha). É pós-graduando em direito concorrencial e regulatório pela FGV-SP.