Gabriela Pimenta R. Lima

STJ definirá se cabe multa em agravo interno que trata sobre a aplicação incorreta de precedente qualificado

Gabriela Pimenta R. Lima

Está pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça o Tema Repetitivo 1201, que trata sobre importante controvérsia que se ampara no artigo 1.021, §4º, do CPC, o qual estabelece que “Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa”.

Antes de chegar ao STJ, a vice-presidência do TJSC admitiu o REsp 2.043.826, o REsp 2.043.887, o REsp 2.044.040, o REsp 2.043.860 e o REsp 2.044.143 como representativos da controvérsia, com fundamento no artigo 1.036, §1º, do CPC, por discutirem a aplicação do entendimento firmado no Tema Repetitivo 434/STJ, “O agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário, não é manifestamente inadmissível ou infundado, o que torna inaplicável a multa prevista no art. 557, §2º, do Código de Processo Civil”.

Por se tratar de recursos selecionados como representativos da controvérsia na origem, quando chegaram ao STJ, o então Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, determinou a aplicação do rito previsto nos artigos 256[i] ao 256-D do RISTJ[ii].

A Procuradoria-Geral da República posicionou-se favoravelmente à afetação. As partes, apesar de intimadas, não se manifestaram, e os autos retornaram ao Ministro Sanseverino, que concluiu pela submissão do recurso à sistemática dos repetitivos, salvo entendimento diverso pelo relator, sob o fundamento de que se trata de controvérsia jurídica multitudinária ainda não submetida ao rito qualificado, com relevante impacto jurídico, visto que busca a correta interpretação de norma processual passível de atingir milhares de processos em fase recursal, além de impactar diretamente na efetividade das teses fixadas em sede de precedentes qualificados.

O Ministro Sanseverino ressaltou que o Tema Repetitivo 434/STJ, de relatoria do Ministro Campbell, se deu durante a vigência do CPC de 1973, por essa razão, seria necessário esclarecimento acerca da sua aplicação, considerando-se as disposições do CPC de 2015, consideravelmente importante para a concretização do princípio da segurança jurídica.

Em razão da prevenção, o caso foi distribuído ao Ministro Campbell, para análise da Corte Especial, que em sessão virtual realizada entre os dias 07/06/2023 a 13/06/2023, por maioria de votos, decidiu por afetar o REsp 2.043.826 ao rito dos recursos repetitivos, cuja controvérsia ampara-se no artigo 1.021, §4º, do CPC. Também por maioria, a Corte suspendeu a tramitação de processos com recurso especial e/ou agravo em recurso especial interposto que tratam sobre os temas, em tramitação na segunda instância e/ou no STJ.

Para o relator, a proposta de afetação constitui desdobramento do Tema Repetitivo 434/STJ, mas que tem como peculiaridade a aplicação ou não da tese referida quando o acórdão recorrido se baseia em precedente qualificado. Além disso, que se impõe a ponderação acerca do cabimento da multa quando se alega, em sede de agravo interno, a indevida ou incorreta aplicação da tese firmada em sede de precedente qualificado.

Segundo o Ministro Campbell, é certo que os juízes e tribunais devem observar os precedentes qualificados, especialmente, os acórdãos proferidos em incidente de assunção de competência (IAC) ou de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, conforme previsto no artigo 927, III, do CPC, no entanto, ponderou que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial (seja ela interlocutória, sentença ou acórdão) que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos, nos termos do artigo 489, §1º, V, do CPC.

Nesse contexto, concluiu que a questão jurídica central deve ser cindida em duas partes, as quais delimitou da seguinte forma:

1) Aplicabilidade da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando o acórdão recorrido baseia-se em precedente qualificado (art. 927, III, do CPC);

2) Possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.

É fundamental compreender os aspectos gerais da discussão acerca do Tema Repetitivo 1201/STJ, e é esse o objetivo do presente artigo.

O §4º do artigo 1.021 prevê que quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.

De acordo com o dispositivo para que a multa seja aplicada, deve-se observar o preenchimento cumulativo dos requisitos previstos, (1) o recurso ser manifestamente inadmissível ou improcedente; (2) por votação unânime; e (3) a necessidade de decisão fundamentada sobre a aplicação da multa.

O item 1 da questão submetida a julgamento apresenta uma nova hipótese para o cabimento da multa, que é quando o acórdão recorrido se basear em precedente qualificado, nos termos do artigo 927, III, do CPC, contudo, não estão claros os parâmetros para a aplicação dessa nova modalidade.

Em uma primeira leitura, pode-se dizer que bastaria que o acórdão recorrido apenas se baseasse em precedente qualificado para que a multa seja aplicada de forma automática.

E o item 2 apresenta a possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente, ainda que em votação unânime, o agravo interno que apontar como razão de seu recurso a discordância da aplicação de precedente qualificado.

Da leitura desse item, poderia se dizer que quando a decisão recorrida se basear em precedente qualificado, o agravo interno por si só já seria manifestamente inadmissível ou improcedente.

Ocorre que o advento do artigo 932 do CPC, as decisões monocráticas passaram a ter mais especificações legais, entre elas, as previstas nos incisos  IV e V, nas quais cabe ao relator julgar monocraticamente com base no enquadramento da situação fático-jurídica recursal em uma matéria anteriormente já julgada em sede de precedente qualificado, como súmula do STF, do STJ ou do próprio tribunal, acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos e entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. Essas decisões são classificadas como definitivas ou resolutivas, pois o relator ultrapassa os requisitos de admissibilidade, passando à análise do mérito para negar (inciso IV) ou dar provimento (inciso V) ao recurso[iii].

Apesar de o próprio artigo 932 ter ampliado os poderes do relator, dispensando a análise do órgão colegiado em hipóteses específicas previstas em seus incisos, é direito do jurisdicionado recorrer de qualquer decisão monocrática da qual não concorde por meio do agravo interno, conforme o princípio do acesso à Justiça, garantindo-se a possibilidade de análise recursal pelo colegiado[iv].

Presentes os requisitos indispensáveis à admissibilidade do agravo interno, passa-se a análise do mérito. Nesse ponto, é importante delimitar os termos manifestamente inadmissível e manifestamente improcedente.

Com relação à admissibilidade, o agravo interno não pode ser inadmitido de pronto apenas em razão do argumento da existência de precedente qualificado. A inadmissibilidade somente ocorrerá pelo não preenchimento dos requisitos intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e dos requisitos extrínsecos (tempestividade, regularidade formal, preparo). Além desses, no caso do agravo interno é pressuposto de admissibilidade a impugnação específica de todos os fundamentos da decisão agravada.

Observa-se que os requisitos de admissibilidade não se relacionam à aplicação de precedente qualificado. Por isso, não seria correto presumir como manifestamente inadmissível o agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.

Superada a parte de admissibilidade, passa-se ao mérito do agravo interno, no qual se analisa sua procedência ou improcedência. Penso que no mérito do agravo interno é que se analisaria a aplicação de precedente qualificado ao caso concreto, sendo manifestamente improcedente aquele que sustenta tese contrária a enunciado de súmula ou precedente jurisprudencial qualificado que demonstrar adequadamente as peculiaridades do caso concreto que justifiquem o distinguishing, ou sem evidenciar o overruling.

Portanto, o agravo interno, como mecanismo recursal, ao afastar precedente qualificado aplicado de forma equivocada ao caso concreto não pode ser “manifestamente inadmissível”, em razão da técnica processual, conforme explicado anteriormente, e nem “manifestamente improcedente”, pois é necessário que o julgador analise os argumentos apresentados pelo agravante para depois concluir se aquele precedente se aplica ou não ao caso concreto.

 O fato de existir precedente qualificado não é argumento suficiente para se concluir pela inadmissibilidade ou improcedência do agravo interno, aplicando-se a multa de forma automática.

Sobre esse ponto, esta Corte já proferiu entendimento segundo o qual “a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC⁄2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime”, concluindo que a “condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória”[v].

Inclusive, a análise de novos argumentos que apontem para a incorreta aplicação de precedente qualificado é fundamental para o desenvolvimento do sistema de precedentes, garantindo a segurança jurídica a partir do fortalecimento de teses jurídicas firmadas em precedentes qualificados em razão da devida análise da ratio decidendi.

A condenação do agravante ao pagamento da multa deve ser analisada em cada caso concreto e por meio de decisão fundamentada, nos termos do artigo 489, §1º, V, do CPC, segundo o qual não se considera fundamentada qualquer decisão judicial (seja ela interlocutória, sentença ou acórdão) que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.

Por um lado, é ônus o agravante apresentar em seu recurso a adequada dialeticidade entre o caso concreto e o precedente qualificado, como um pleito de revisão de tese e/ou superação de precedente utilizado. Por outro, é ônus do julgador analisar tal distinção e proferir decisão fundamentada quanto a aplicação do precedente qualificado, e não simplesmente aplicar a multa porque no mérito do agravo interno se discute a (in)aplicabilidade de precedente qualificado.

É inegável a importância da discussão do Tema Repetitivo 1201/STJ, haja vista que o STJ precisará definir a forma como se dará a aplicação da multa prevista no §4º do art. 1.021 do CPC, quando o acórdão recorrido se basear em precedente qualificado, pois pode se tratar de limitação ao direito recursal do jurisdicionado de boa-fé de acesso à decisão colegiada. Também não podemos deixar de mencionar que se trata de uma importante ferramenta para o aprimoramento do sistema de precedentes, quanto à distinção e superação de precedentes, evitando-se o engessamento do direito e garantindo-se a segurança jurídica.


1 Art. 256. Havendo multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, caberá ao presidente ou ao vice-presidente dos Tribunais de origem (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal), conforme o caso, admitir dois ou mais recursos especiais representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando os demais processos, individuais ou coletivos, suspensos até o pronunciamento do STJ.

2 Art. 256-D. Caso o Presidente do STJ admita o recurso especial, determinará a distribuição dos autos nos seguintes termos: I – por dependência, para os recursos especiais representativos da controvérsia que contiverem a mesma questão de direito; II – de forma livre, mediante sorteio automático, para as demais hipóteses.

3 LEMOS. Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais. 5 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 448-449.

4 LEMOS. Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais. 5 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 450.

5 STJ, AgInt nos EREsp n. 1.120.356/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 24/8/2016, DJe de 29/8/2016.

A gradativa consolidação de uma Corte Digital no STJ – Parte II

Gabriela Pimenta R. Lima

No artigo anterior tratei brevemente sobre a evolução do Plenário Virtual (PV) do STF, que desde a sua criação, em 2007, passou por dois momentos marcantes de crescimento, o primeiro com a Emenda Regimental 51/2016, que incluiu os agravos internos e os embargos de declaração nas competências do PV, e o segundo com a Emenda Regimental 53/2020, que na época da pandemia causada pelo Covid-19, ampliou ainda mais a competência do PV, permitindo que todos os processos de competência da Corte fossem submetidos a julgamento em listas, no ambiente presencial ou no eletrônico, equiparando o plenário virtual ao físico.

Também falei sobre a importância que o PV adquiriu no modelo decisório do STF nos últimos 16 anos, mostrando-se como mecanismo importante e necessário para a redução do acervo de processos, que hoje ultrapassa 24 mil processos, contra 129.623, em 2007, segundo dados do programa “Corte Aberta”[1] do STF.

Em que pese os avançado do PV, abordei algumas críticas feitas a nova sistemática, principalmente, no tocante às violações ao devido processo legal, ao contraditório e ao direito de defesa, bem como do art. 7º, X, XI e XII, do Estatuto da OAB, que prevê garantias quanto ao uso da palavra, indispensável ao exercício do direito de defesa.

No artigo de hoje, vamos tratar dos julgamentos virtuais no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, previsto pela ER 27/2016 que incluiu dispositivos no Regimento Interno para disciplinar o julgamento virtual de embargos de declaração, agravos internos e agravos regimentais.

À época, o STJ não possuía amparo tecnológico para julgar em ambiente virtual os processos com sustentação oral, razão pela qual o então presidente, ministro Humberto Martins, resolveu que, transitoriamente, os pedidos de sustentação em agravos implicariam a retirada da pauta virtual dos respectivos processos.

Posteriormente, em 2020, com a decretação da pandemia, o STJ editou a Resolução STJ/GP n. 9/2020 para disciplinar a realização das sessões presenciais da Corte Especial, das Seções e das Turmas, ordinárias e extraordinárias por videoconferência. E com a ER 41/2022, o STJ, dessa vez com amparo tecnológico, permitiu que as sustentações orais fossem encaminhadas por meio eletrônico, após a publicação da pauta e em até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.

Decretado o fim da pandemia, em maio de 2023, o STJ, assim como todos os tribunais do país, continuou realizando alguns julgamentos de forma virtual, principalmente, em razão da celeridade que essa modalidade de julgamento possibilita.

Entre 1º de janeiro e 28 de junho de 2023, foram julgados 221.185 processos (306.213 se considerar o julgamento dos agravos internos, agravos regimentais e embargos de declaração) e no âmbito da Presidência do STJ foram proferidas 109.228 decisões e despachos entre os meses de janeiro e junho de 2023[2].

Em 30 de junho de 2023, durante a sessão da Corte Especial que marcou o encerramento do semestre forense, a atual Presidente da Corte Superior, ministra Maria Thereza de Assis Moura, mostra-se preocupada com a crescente demanda processual. Ela comentou que o STJ, nos últimos anos, vem investindo na ampliação de sua capacidade produtiva, “por meio de iniciativas que visaram adequar recursos humanos e financeiros, modernizar estruturas e incrementar sobremaneira o uso da tecnologia para racionalizar e agilizar diversas etapas do processo de julgamento”[3] [3].

A tecnologia aplicada aos julgamentos virtuais se mostra como uma forma eficaz de ajudar o Tribunal a diminuir seu acervo, no entanto, alguns pontos precisam ser revistos.

Os relatórios e votos não são disponibilizados no início do julgamento às partes, nem a seus advogados, o que obviamente afeta o exercício do direito da ampla defesa e do contraditório, ante a impossibilidade de esclarecimentos de fatos ou do levantamento de questões de ordem, que são prerrogativas legais de todo e qualquer julgamento presencial/videoconferência ou virtual. Diferentemente do que ocorre no STF, que disponibiliza o relatório e o voto assim que o julgamento virtual é iniciado, na aba “sessão virtual” do andamento do processo. Extraoficialmente, ministros do STJ comentaram que futuramente o sistema vai permitir o acompanhamento em tempo real de todos os julgamentos.

É imprescindível que a sistemática seja aperfeiçoada para que se cumpra a exigência de que as partes tenham conhecimento de forma clara e expressa do posicionamento de cada membro do colegiado, sob pena de violação ao art. 93, IX, da CF, que estabelece a obrigatoriedade da publicidade e fundamentação de todas as decisões, sob pena de nulidade, ressaltando-se que a limitação da presença dos advogados nas sessões de julgamento deve ser feita mediante lei, e não por meio de regimento interno.

Essa situação viola o princípio da colegialidade e o princípio da transparência, pois nos julgamentos virtuais do STJ, não é possível saber se houve debate entre os Ministros e nem como cada Ministro votou. Concluído o julgamento, o resultado é lançado no andamento processual e as partes e advogados apenas têm acesso à decisão quando da publicação do acórdão. Nesse ponto, o STF adota uma sistemática mais transparente, pois além de disponibilizar o relatório e o voto do relator quando iniciado o julgamento virtual, os votos dos demais Ministros também são disponibilizados na aba “sessão virtual” do andamento do processo.

Também há o problema das sustentações orais gravadas. Apesar de a Corte possibilitar o envio da gravação para ser juntada ao sistema, não é possível apresentar eventuais esclarecimentos fático-jurídicos, que podem ser essenciais ao deslinde do caso, e as partes não sabem se o vídeo de fato foi assistido pelos julgadores. No STF ocorre o mesmo problema, não é possível confirmar se os Ministros assistiram a sustentação, mas, ao menos os vídeos das sustentações também são disponibilizados na aba “sessão virtual” do andamento do processo. Então, a simples previsão do art. 184-B, §1º, do RISTJ, que permite o envio da gravação da sustentação, não garante o mais importante, que os julgadores assistam e que haja um diálogo entre julgadores e advogados.

O uso da palavra constitui a principal prerrogativa da advocacia desde a sua origem, tornando-se o advogado indispensável à administração da justiça, conforme previsão do art. 133 da CF. As garantias de (i) “usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal, judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam na decisão”; (ii) “reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento”; e (iii) “falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo”, expressamente estabelecidas pelo Estatuto da OAB (artigo 7º, X, XI e XII), significam não apenas prerrogativas profissionais, mas são indispensáveis ao exercício do direito de defesa, como bem pontua Aury Lopes Jr.[4].

Vale ressaltar que o próprio RISTJ, em seu art. 184-D, II, garantia de oposição ao julgamento virtual, prevendo que “as partes, por meio de advogado devidamente constituído, bem como o Ministério Público e os defensores públicos poderão apresentar memoriais e, de forma fundamentada, manifestar oposição ao julgamento virtual ou solicitar sustentação oral, observado o disposto no art. 159″, no entanto, tal dispositivo foi revogado pela ER 41/2022, que regulamentou as sustentações orais em agravo interno/regimental.

A sistemática do julgamento virtual está em sintonia com os tempos atuais, e deve sim ser utilizada, o problema, porém, é a forma como o julgamento virtual vem sendo realizado pelo STJ. A advocacia espera que em breve o Tribunal da Cidadania possa aprimorar o formato de seus julgamentos virtuais para que o STJ também se desenvolva como uma “Corte Digital”.


[1] O programa Corte Aberta, instituído pela Resolução 774/2022, foi idealizado para tornar o STF cada vez mais transparente e próximo da sociedade. O objetivo da iniciativa é garantir que os dados da Corte sejam disponibilizados a todos os cidadãos de maneira mais acessível, precisa, confiável e íntegra – observando-se os pilares da proteção de dados pessoais e da segurança cibernética. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Corte Aberta [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/hotsites/corteaberta/. Acesso em: 01 nov. 2023.

[2] STJ encerra primeiro semestre de 2023 com mais de 306 mil julgamentos. Superior Tribunal de Justiça, 2023. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas /Comunicacao/Noticias/2023/30062023-STJ-encerra-primeiro-semestre-de-2023-com-mais-de-306-mil-julgamentos.aspx. Acesso em: 05 nov. 2023.

[3] STJ encerra primeiro semestre de 2023 com mais de 306 mil julgamentos. Superior Tribunal de Justiça, 2023. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas /Comunicacao/Noticias/2023/30062023-STJ-encerra-primeiro-semestre-de-2023-com-mais-de-306-mil-julgamentos.aspx. Acesso em: 05 nov. 2023.

[4] LOPES Jr, Aury. RITTER, Ruiz. O silêncio da advocacia nos tribunais só aumenta a injustiça. CONJUR, 2023. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2023-fev-24/limite-penal-silencio-advocacia-tribunais-aumenta-injustica/. Acesso em: 05 nov. 2023. Acesso em: 05 nov. 2023.


Gabriela Pimenta R. Lima. Advogada desde 2012, graduada pelo UniCEUB. Especialista em Direito Tributário pelo IBET (2014) e Pós graduada em Direito Tributário pelo IDP (2014), matéria na qual se especializou e atuou por quase 10 anos. Desde sua formação também atua no STF e no STJ. Em 2021, concluiu o Mestrado em Direito Constitucional pelo IDP, e na mesma época passou a se dedicar exclusivamente a processos em trâmite perante as Cortes Superiores. Está concluindo LLM de recursos nos Tribunais Superiores pelo IDP. É membro da Associação Brasiliense de Processo Civil (ABPC) e da Comissão de Tribunais Superiores da OAB/DF.


A gradativa consolidação de uma Corte Digital no STJ – Parte I

Gabriela Pimenta R. Lima

Em 2007, quando o Supremo Tribunal Federal estava sob a presidência da Ministra Ellen Gracie, foi publicada a Emenda Regimental (ER) 21, que incluiu a possibilidade de o relator submeter a análise da repercussão geral (RG) de processos por meio eletrônico, podendo os demais ministros encaminhar, também por meio eletrônico, manifestação sobre a RG, criando-se, assim, o plenário virtual (PV), que desde então vem contribuindo significativamente para o aprimoramento do STF como uma Corte Constitucional Digital.

A criação do PV está diretamente ligada à RG, introduzida no ordenamento jurídico pela EC 45/2004, disciplinada pela Lei 11.418/2006, e efetivamente implementada pela referida ER 21/2007. À época de sua criação, um dos principais objetivos da RG era reduzir o acervo de processos, bem como garantir a segurança jurídica, garantindo que casos semelhantes tenham a mesma solução.

De lá para cá, o plenário virtual teve suas competências ampliadas. Em 2010, a ER 42/2010 permitiu o julgamento do mérito de questões com RG, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, por meio eletrônico. Em 2016, a ER 51 incluiu os agravos internos e os embargos de declaração no PV. Em 2019, a ER 52 possibilitou o uso do PV para o julgamento de agravos regimentais, medidas cautelares em ações de controle concentrado, referendo de medidas cautelares e de tutelas provisórias, desde que a matéria tivesse jurisprudência dominante na Corte.

Em março de 2020, com a decretação da pandemia causada pela Covid-19, as sessões presenciais de julgamento do STF foram suspensas, e para dar andamento aos julgamentos, a ER 53/2020 ampliou ainda mais a competência do PV, permitindo que todos os processos de competência da Corte fossem submetidos a julgamento em listas, no ambiente presencial ou no eletrônico, equiparando o plenário virtual ao físico.

Após a ER 53/2020 foram publicadas as Resoluções 669/2020 e 675/2020, que possibilitaram a disponibilização dos votos e a apresentação de sustentação oral e de esclarecimento fáticos, por meio de gravação de vídeo, enviada antes do início da sessão virtual.

As alterações normativas refletiram na proporção de decisões proferidas no PV. Conforme dados da pesquisa científica “O plenário virtual na pandemia da Covid-19”[1], desenvolvida pela Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF, em 2019, o Tribunal proferiu 81,9% de decisões colegiadas em ambiente virtual; em 2020, 95,5%; e, até junho/2021, 98,4%.

Segundo a pesquisa, o primeiro aumento significativo de decisões virtuais está diretamente ligado à expansão da competência do PV, implementada pela ER 51/2016. E o segundo aumento significativo ocorreu em 2020, por causa da pandemia, quando ocorreram 17.400 julgamento virtuais, enquanto 10 anos antes, ocorreram apenas 112.

É inegável a importância que o PV adquiriu no modelo decisório do STF nos últimos 16 anos, mostrando-se como mecanismo importante para a redução do acervo de processos, que na presente data é de 24.361, contra 129.623, em 2007, segundo dados do programa “Corte Aberta”[2] do STF.

Em que pese seus avanços, o PV ainda sofre muitas críticas. Após a publicação da ER 53, advogados manifestavam preocupação quanto à limitação ao direito de defesa[3]. À época, mais de 100 advogados, incluindo ministros aposentados do STF, como Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Francisco Rezek, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Cezar Peluso, assinaram abaixo-assinado apresentado ao então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, pedindo a revogação da ampliação do PV, em razão da violação aos princípios da ampla defesa, do devido processo legal, do contraditório e da publicidade, bem como do art. 133, da CF, que prevê a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, e do art. 93, X, da CF, que determina a publicidade de todos os julgamentos do Poder Judiciário[4].

Diante de muitas manifestações contrárias à ampliação do PV, o STF anunciou algumas mudanças, como i) a inclusão das sustentações e votos no andamento processual; ii) a possibilidade dos advogados encaminharem memoriais durante a sessão virtual; e iii) a obrigatoriedade de os ministros passarem pelas sustentações orais para ter acesso ao campo de votação.

De fato, hoje, todas essas medidas foram adotadas, mas não foram suficientes para dirimir a questão. Sob uma ótica menos positivista, podemos reconhecer que o direito de apresentar a defesa oral está sendo assegurado, afinal, o advogado pode encaminhar o vídeo de sua sustentação, mas o problema está na forma como o direito vem sendo assegurado, pois desconsidera-se o interesse do advogado em sustentar de forma presencial/telepresencial, isto é, em tempo real na presença dos julgadores, impossibilitando o acompanhamento do julgamento e de eventuais discussões, bem como da apresentação de eventuais esclarecimentos fático durante o julgamento.

O tema segue em discussão. Mais recentemente, em 19/09/2023, após a retirada de processos relacionados aos atos antidemocráticos do 8 de janeiro da pauta presencial do Plenário[5], o Conselho Federal da OAB enviou ofício[6] à Corte propondo que o envio de julgamentos para o PV seja feito somente se houver a anuência do advogado do processo, sob pena de violação do devido processo legal, do contraditório e do direito de defesa do direito de defesa, bem como do art. 7º, X, XI e XII, do Estatuto da OAB, que prevê garantias quanto ao uso da palavra, indispensável ao exercício do direito de defesa.

Até o momento, o STF não se manifestou sobre o ofício. Contudo, observamos uma importante mudança implementada pelo novo presidente da Corte, ministro Barroso, que tomou posse em 28/09/2023.

A fim de promover o diálogo entre os julgadores, o ministro Barroso adotou um novo formato de julgamento presencial, no qual são realizadas duas sessões de julgamento. Na primeira, é lido o relatório e são feitas as sustentações orais. Após, a sessão é suspensa, sendo marcada uma nova data apenas para os ministros proferirem seus votos. Segundo o ministro Barroso, o novo modelo atenderia a um pleito antigo dos advogados, que alegam que por vezes a sustentação oral é mera formalidade porque os votos já estão prontos antes do julgamento e são proferidos logo após a sustentação, impossibilitando que os julgadores tenham tempo para analisar os argumentos expostos nas sustentações.

A mudança já foi colocada em prática, no julgamento do ARE 1309642, que ocorreu em 18/10/2023, exclusivamente, para leitura do relatório e realização das sustentações orais. Após, o julgamento foi suspenso para aguardar o agendamento de nova sessão para os ministros apresentarem seus votos.

Pensando em aplicar o novo formato de julgamento presencial aos julgamentos virtuais, quando o caso for incluído na pauta do PV, os advogados teriam duas opções, 1) seguir o caminho que temos hoje, isto é, enviar o vídeo da sustentação no prazo regimental, ou 2) no mesmo prazo, manifestar o interesse na realização de sustentação oral de forma presencial, então, o caso seria retirado do PV para que seja agendada nova data para inclusão em sessão presencial apenas para a realização da sustentação, em seguida, 2.1) ou o caso voltaria para o PV e seguiria o rito que já é adotado hoje, 2.2) ou se for do interesse do relator e/ou de algum dos ministros, o caso seria destacado do PV para seguir no julgamento presencial.

Certamente a discussão sobre as sustentações no PV ainda dará muito “pano para a manga”, mas o debate é uma importante ferramenta para aprimorar o funcionamento desse mecanismo decisório, eficaz pelo número de processos que são julgados, adequado para apreciação de demandas de diversas complexidades e fundamental para o desenvolvimento do STF como uma “Corte Constitucional Digital”.


[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário virtual na pandemia da Covid-19 [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022, p. 31.Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/codi/anexo/Pesquisa_Plenario_virtual

.pdf. Acesso em: 01 nov. 2023.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário virtual na pandemia da Covid-19 [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022, p. 15.Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/codi/anexo/Pesquisa_Plenario_virtual

.pdf. Acesso em: 01 nov. 2023.

[3] POMPEU, Ana. Sessões virtuais do STF preocupam advogados e geram críticas de partes das ações. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/sessoes-virtuais-do-stf-preocupam-advogados-e-geram-criticas-de-partes-das-acoes-28042020. Acesso em: 06 nov. 2023.

[4] Advogados, dentre os quais 6 ex-ministros do STF, peticionam contra plenário virtual. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/advogados-dentre-os-quais-6-ex-ministros-do-stf-peticionam-contra-plenario-virtual-16042020. Acesso em: 06 nov. 2023.

[5] Ação penal dos atos antidemocráticos será julgada no Plenário Virtual. Supremo Tribunal Federal, 2023.  Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514341&ori=1. Acesso em: 06 nov. 2023.

[6] Em audiência com Alexandre de Moraes, OAB requer respeito à prerrogativa de sustentação oral. OAB Nacional, 2023.  Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/61445/em-audiencia-com-alexandre-de-moraes-oab-requer-respeito-a-prerrogativa-de-sustentacao-oral. Acesso em: 06 nov. 2023.


GABRIELA PIMENTA R. LIMA. Cursando o LL.M. em Processo e Recursos nos Tribunais no IDP. Mestre em D. Constitucional pelo IDP (2021). Pós-graduada em D. Tributário pelo IDP (2014). Especialista em D. Tributário pelo IBET (2014). Graduada em Direito pelo CEUB (2011).