Fernanda Manzano Sayeg

Novo arcabouço legal para as avaliações de interesse público em medidas de defesa comercial

Fernanda Manzano Sayeg

A avaliação de interesse público é um mecanismo presente em diversos países, incluindo Brasil, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido, que permite que uma medida antidumping ou compensatória seja suspensa se for verificado que os efeitos da medida na economia são mais prejudiciais do que os benefícios gerados com sua aplicação.

No Brasil, a avaliação de interesse público é um processo administrativo conduzido pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM), da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). O instrumento tornou-se muito popular nos últimos anos. Atualmente, os seguintes direitos antidumping encontram-se suspensos por questões de interesse público: direito antidumping aplicado às importações de aço GNO da China, Coreia do Sul, Taipé Chinês e Alemanha; direito antidumping aplicado às importações de fios texturizados de poliéster da China e da Índia; e direito antidumping aplicado às importações de vidros para eletrodomésticos da linha fria da China.

Em 17 de novembro de 2023, foi publicada a Portaria Secex nº 282, que trouxe novos parâmetros e procedimentos para as avaliações de interesse público no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2024. As alterações são significativas.

O novo arcabouço legislativo limitou o âmbito de aplicação das avaliações de interesse público ao estabelecer que apenas poderá ocorrer a suspensão de medida antidumping ou compensatória, por razões de interesse público nas seguintes situações: (i) se for demonstrado que os efeitos negativos da medida antidumping ou compensatória sobre os agentes econômicos pertencentes à cadeia de produção, distribuição, venda e consumo serão maiores do que os efeitos positivos da medida; ou (ii) se tiver ocorrido a interrupção significativa (total ou parcial) da fabricação e do fornecimento do produto doméstico similar.

Da mesma forma, a Portaria Secex nº 282 limitou o rol de partes que podem solicitar ou participar da avaliação de interesse público. De acordo com o novo arcabouço legislativo, poderão requerer o início de avaliações de interesse público apenas (i) as partes nacionais que foram consideradas como interessadas no último procedimento de defesa comercial; (ii) os setores industriais nacionais usuários do produto sujeito à medida de defesa comercial; (iii) os fornecedores de matérias-primas e insumos para a sua fabricação; e (iv) os usuários nacionais cujos interesses sejam adversamente afetados pela medida. Anteriormente, não havia limitação expressa à participação de empresas e associações de classe estrangeiras.

Uma outra alteração importante consiste no fato de que as avaliações de interesse público passam a ser realizadas a posteriori, isto é, após a publicação da medida de defesa comercial, por solicitação formal das partes interessadas ou por interesse do governo brasileiro. O prazo para o protocolo da petição é de 45 dias após aplicação, prorrogação ou alteração da medida de defesa comercial. Nas situações de interrupção (total ou parcial) da fabricação e do fornecimento por produtora nacional do produto similar, foi estabelecido um novo procedimento expedito, ainda mais simplificado, que poderá ocorrer a qualquer momento durante a vigência da medida de defesa comercial. Note-se que, segundo o regulamento anterior, a investigação de defesa comercial e a análise de interesse público eram concomitantes.

A Portaria Secex nº 282 também reduziu os prazos da avaliação de interesse público para 3 ou 4 meses, tornado esse processo muito mais célere. Na regulação anterior, em regra, uma avaliação durava o mesmo tempo que um processo de defesa comercial, de 12 a 18 meses.

Adicionalmente, foi criada uma nova etapa na qual é realizado o juízo de admissibilidade da petição que requer a abertura da avaliação de interesse público. Ao término do período para apresentação de informações, haverá juízo de sua admissibilidade, que só será positivo caso os dados apresentados pela empresa ou entidade que solicitar a abertura da avaliação de interesse público sejam efetivamente demonstrados ou comprovados. Isso significa que a nova legislação aumentou o rigor em relação às informações apresentadas pelas partes para comprovar o impacto econômico-social da medida de defesa comercial.

Em resumo, observa-se que o novo arcabouço legal busca garantir que a suspensão das medidas de defesa comercial por interesse público ocorra de forma excepcional e equilibrada. Nada mais justo. Afinal, uma investigação para a aplicação de direito antidumping ou de medida compensatória é um processo extremamente complexo e técnico, que dura de 12 a 18 meses a partir de sua abertura (sem contar o período de coleta de dados, preparação e análise da petição), no qual as partes interessadas podem exaustivamente exercer o direito ao contraditório e apresentar documentos comprobatórios e evidências.

Observa-se, ainda, que a nova regulação sobre avaliações de interesse público tenta diminuir o ônus das partes interessadas ao instituir uma análise ex post. Nesse sentido, só haverá dispêndio de recursos em uma avaliação de interesse público ser houver efetivamente a aplicação da medida de defesa comercial e o se juízo de admissibilidade da avaliação de interesse público for positivo. Sem uma avaliação de admissibilidade, muitas avaliações de interesse público não possuíam sequer mérito preliminar o uso pouco racional de recursos humanos, haja vista que as medidas de defesa comercial poderiam sequer ser aplicadas. Com as alterações adotadas, as partes poderão concentrar melhor seus esforços em cada processo. Essa situação mostrou-se ainda mais danosa no passado, quando as avaliações de interesse público eram obrigatórias em todas as investigações antidumping e de subsídios.

Embora as alterações propostas tenham sido bem fundamentadas e resultem no aprimoramento da avaliação de interesse público, resta saber se, na prática, será possível ter uma análise mais adequada dos possíveis efeitos negativos e positivos da medida de defesa comercial na economia.


Fernanda Manzano Sayeg. Doutora e Mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (2014 e 2009). Especialista em Direito do Comércio Internacional pela Faculdade de Direito pela Universidade de Buenos Aires (2006). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (2003).


Acordo Mercosul-UE: o que deu errado no maior acordo comercial da história?

Fernanda Manzano Sayeg

O acordo comercial negociado entre Mercosul e União Europeia desde 1999 e concluído 20 anos depois, em junho de 2019, passa por uma crise que dificilmente será superada.

O maior acordo comercial da história abrange um mercado de 780 milhões de pessoas e engloba 25% do PIB mundial. Se implementado, o Acordo eliminará 93% das tarifas aplicáveis às exportações do Mercosul para a UE, oferecendo tratamento preferencial para os 7% restantes. Da mesma forma, o acordo eliminaria o imposto de importação ou criaria cotas tarifárias para as principais exportações agrícolas da UE para o Mercosul.

Desde sua assinatura, o texto do Acordo passou por revisão legal e foi traduzido para todos os idiomas oficiais da UE. No entanto, o encaminhamento do documento para votação no Conselho da União Europeia e no Parlamento Europeu, contudo, depende não apenas de questões técnicas, mas também de alinhamentos políticos.  

Não é novidade que o Acordo sempre enfrentou a oposição de políticos europeus, que desconfiam de potenciais impactos ambientais com aumento do comércio com o Mercosul. Além de constantes declarações negativas do presidente francês, Emmanuel Macron, o Parlamento Europeu chegou a aprovar, em 2020, uma menção simbólica contra o tratado, sinalizando que o texto não seria ratificado sem alterações. Os parlamentares alegaram que o capítulo de sustentabilidade deveria ser revisto, pois careceria de mecanismos de sanção, caso uma das partes não cumpra os compromissos assumidos no Acordo de Paris.

Uma possibilidade aventada foi a reabertura do texto negociado durante 20 anos, que logo foi descartada. Para solucionar o impasse, a Comissão Europeia tem debatido sobre a implementação de algum mecanismo adicional ao acordo, que incremente as garantias ambientais, sem alterar o texto já negociado. Do lado do Mercosul, autoridades do bloco já se declararam favoráveis ao aprofundamento dos compromissos de sustentabilidade, desde que as medidas adicionais sejam aplicáveis a ambas as partes.

Além dos esforços para avanço do acordo dentro da Comissão Europeia, um grupo de nove países autointitulados “novos amigos do comércio” reforçou o apoio à parceria com o Mercosul. No final de 2020, representantes de Dinamarca, Estônia, Espanha, Finlândia, Itália, Letônia, Portugal, República Tcheca e Suécia defenderam a ratificação do tratado, ressaltando sua importância para a consolidação da autonomia estratégica do bloco, uma vez que fortaleceria a posição europeia na América do Sul, à frente de concorrentes como EUA e China, que ainda não possuem acordo com os países do bloco sul americano.

Outros países também se mostraram contrários ao acordo, por receio de perderem mercado no continente europeu. Para os parceiros tradicionais da região, a maior presença comercial da União Europeia no Mercosul e vice versa pode ter consequências nos fluxos de exportação existentes. Nesse sentido, cumpre mencionar o estudo publicado pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA)[1], em janeiro de 2021, que alerta que as exportações dos EUA para a UE poderiam ser “potencialmente ameaçadas” pelo acordo do Mercosul, pois poderiam ser substituídas por produtos sul-americanos, com impacto de até US$ 4 bilhões. O USDA também alertou que o acordo estenderia o alcance dos padrões da UE para a América do Sul, criando uma vantagem para os produtos europeus em relação às exportações dos EUA no continente.

Se o ambiente político já não era favorável ao acordo, ficou ainda mais preocupante após a adoção de dois importantes regulamentos sobre mudanças climáticas que impactarão as exportações do Mercosul para o bloco europeu, a saber: o Regulamento que cria o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM) e o Regulamento Anti-desmatamento. Para os sul americanos, os novos regulamentos, aprovados em 2023, nada mais são do que medidas unilaterais protecionistas, impostas sob o pretexto da sustentabilidade, que prejudicariam ainda mais o equilíbrio das obrigações das partes no acordo aprovado em 2019 em questões ambientais.

Recentemente houve esforços mútuos para que o acordo fosse, de fato, concluído. Do lado do Mercosul, o presidente Lula se mostrou favorável ao acordo desde que houvesse um maior equilíbrio em questões ambientais. Foi proposta a criação de um fundo de 12 bilhões de euros (cerca de R$ 65 mil) para ajudar países do bloco a implementarem políticas ambientais e de redução do desmatamento. Já do lado europeu, foram apresentadas demandas em questões como compras governamentais, as quais teriam sido atendidas.

Não obstante os avanços obtidos nos últimos meses, as reuniões marcadas para o final de novembro e início de dezembro, que eram decisivas para o futuro do acordo, mostraram que o consenso é bastante improvável.

Um dos problemas enfrentados é a posse do novo presidente da Argentina, Javier Milei, que assume o país em 10 de dezembro. Os delegados argentinos que participavam das negociações foram mais duros nas conversas realizadas em novembro, alegando que o acordo estava desequilibrado e, se fosse fechado, os europeus teriam mais vantagens que o Mercosul. Trata-se de um recado de que o presidente derrotado Alberto Fernandez, que se recusou a dar esse acordo de presente para Milei, que é favorável à liberalização econômica. 

A declaração de Macron na COP28 ajudou a sepultar o acordo. O presidente francês que notoriamente é contrário ao tratado, reiterou sua posição na COP28 ao dizer “Sou contra o acordo Mercosul-UE, porque acho que é um acordo completamente contraditório com o que ele está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo, porque é um acordo que foi negociado há 20 anos, e que tentamos remendar e está mal remendado”. O presidente Lula, por sua vez, mostrou sua habilidade política em assumir crises e transformá-las em oportunidades para seu próprio governo, responsabilizando os europeus por um eventual fracasso das negociações.

Se o ano de 2023 for encerrado sem um acordo, perde-se a janela de oportunidade e, possivelmente, o tratado comercial entre UE e Mercosul será finalmente enterrado.

A pergunta que surge é: o que deu errado nesse acordo? Que lições podemos aprender para as futuras negociações comerciais?

Entendo que três fatores levaram ao fracasso dessa negociação: a falta de vontade política, a estrutura ambiciosa do acordo e o elevado número de partes.

O Acordo Mercosul-UE é mais abrangente que os demais acordos celebrados pelo bloco sul americano. Há compromissos em temas como defesa da concorrência, comércio e desenvolvimento sustentável e compras governamentais, que são sensíveis para diversos países, como o Brasil. Excluir os temas sensíveis da pauta certamente facilitaria um acordo entre os blocos. No entanto, resta saber se esse acordo ainda seria interessante para ambas as partes, o que não me parece ser o caso.

As negociações com os europeus denotam a dificuldade de se negociar um acordo desse porte com mais de 30 países, cada qual com a sua história, perspectiva e prioridades. Os interesses dentro do mesmo bloco são distintos. Basta comparar Brasil e Paraguai. Ambos são membros do Mercosul, mas Brasil é um país com forte agronegócio, indústrias, que ao mesmo tempo de vê oportunidades no acordo com os europeus, também teme pela concorrência. Paraguai, por sua vez, é um país muito mais dependente de importações, que está interessado em abrir seu mercado para os europeus.

Um acordo que exige unanimidade entre partes acaba sendo extremamente difícil quando estas são tão numerosas. Pelo mesmo motivo, a Organização Mundial do Comércio (OMC) está há 10 anos sem um novo acordo multilateral. O primeiro e único acordo multilateral celebrado no âmbito da OMC desde sua criação, em 1999, foi o Acordo sobre Facilitação de Comércio, que entrou em vigor em 22 fevereiro de 2017, com a assinatura de 112 dos então 164 membros da OMC.

Por fim, não observamos a vontade política de celebrar o acordo por parte de todos os atores envolvidos. Pelo contrário, parece que muitos países ficam aliviados sempre que a concretização do acordo é adiada. Transição de governo e processos eleitorais, sobretudo para presidência da república, costumam ser utilizados como desculpas para não assumir compromissos. É o que vemos neste momento com a Argentina.

O resultado final dessa longa negociação entre Mercosul e União Europeia certamente será decisivo para modular o modelo e o nível de ambição dos futuros acordos de livre comércio a serem celebrados pelo Mercosul.


[1] https://www.fas.usda.gov/data/eu-mercosur-trade-agreement-preliminary-analysis.

Normas sobre mudanças climáticas podem impedir o ingresso de produtos brasileiros na União Europeia

Fernanda Manzano Sayeg

Recentemente, foram publicados dois importantes Regulamentos na União Europeia no âmbito da nova política comercial de sustentabilidade do bloco, a saber: (i) o Regulamento UE n.º 2023/956, publicado em 16 de maio de 2023, que institui o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira – “CBAM”; e (ii) o Regulamento UE n.º 2023/1115, publicado em 9 de junho de 2023, que proíbe a comercialização, importação e exportação de determinados produtos derivados de áreas de desmatamento e/ou degradação ambiental nos países do bloco, também conhecido como “lei anti desmatamento”.

Tanto o CBAM quanto a lei anti desmatamento integram o “Green Deal”, conjunto de políticas da União Europeia apresentado em dezembro de 2019 que objetiva zerar as emissões de gases de efeito estufa nos países do bloco até 2050.

Embora o objetivo dessas medidas seja nobre, não há dúvidas que terão consequências econômicas avassaladoras para países como o Brasil, já que essas medidas poderão afetar as exportações brasileiras e de outros países para o mercado europeu.

O CBAM tem como objetivo diminuir as emissões de carbono pelos países da União Europeia. Para tanto, estabelece regras para as importações de mercadorias, com o objetivo de equiparar o tratamento dos produtos fabricados na União Europeia aos países com políticas ambientais menos rígidas, como o Brasil.

A União Europeia determinou que apenas as seguintes indústrias intensivas em energia estão sujeitas ao CBAM, a saber: cimento, ferro, aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. Acredita-se que, progressivamente, novas indústrias serão incluídas nessa lista.

Para que os produtos importados ingressem na União Europeia, será necessário adquirir Certificados em uma plataforma estabelecida pelos países da União Europeia. Os preços desses certificados serão baseados no fechamento médio semanal das negociações das licenças de emissões (preço médio semanal do leilão de permissões do ETS, expresso em €/tonelada de CO2 emitido).

O CBAM não entrará em vigor imediatamente. Foi estabelecido um período de transição visando garantir uma transição mais efetiva e suave para o novo sistema. As obrigações de reportar informações sobre as emissões de carbono terá início em 1º de outubro de 2023, mas o pagamento das taxas de carbono (emissão dos Certificados) começará apenas em 1º de janeiro de 2026.

A partir de outubro deste ano, será necessário reportar apenas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) incorporados em suas importações (emissões diretas e indiretas), sem a necessidade de realizar pagamentos ou ajustes financeiros. Ou seja, os exportadores deverão rastrear as emissões de carbono na cadeia produtiva de determinada mercadoria e calcular essa emissão, nos termos do regulamento europeu. No entanto, a partir de 2026, os importadores terão que declarar anualmente a quantidade de bens importados para a União Europeia no ano anterior e as emissões de GEE incorporadas a eles, além de entregar o número correspondente de certificados CBAM.

Uma grande questão que ainda está longe de ser resolvida é o funcionamento do sistema e as regras para o cálculo do carbono em produtos com emissão indireta (relacionadas às emissões produzidas pela eletricidade consumida na produção de determinado bem) serão oportunamente definidas pela Comissão Europeia.

Já a lei anti desmatamento foi apresentada como uma importante contribuição da União Europeia – que é essencialmente consumidora de commodities – para a interrupção do desmatamento global e da degradação florestal, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade.

A legislação europeia determina que apenas poderão ingressar livremente nos países do bloco produtos originários de terras que não tenham sido desmatadas após 31 de dezembro de 2020, os quais serão denominados “produtos livres de desmatamento”.

Desse modo, produtos originários de áreas desmatadas terão sua comercialização proibida no bloco, incluindo aqueles que são fabricados a partir desses produtos.

As medidas de combate ao desmatamento devem incluir a criação de incentivos para uma transição para um uso mais sustentável dos recursos naturais, contribuindo para preservar mais florestas intactas, aumentando as oportunidades de mercado para produtos sustentáveis e eliminando a concorrência desleal de produtores não sustentáveis que exportam para o mercado comum europeu. Também será dada atenção à situação das comunidades locais e dos povos indígenas.

O próprio Regulamento UE n.º 2023/1115 traz algumas definições importantes, como os conceitos de desmatamento[1], floresta[2], plantações agrícolas[3] e degradação florestal[4]. A definição de “livre de desmatamento” é uma das maiores inovações da regulamentação, na medida em que é conceituada com base no parâmetro de que as commodities e produtos relevantes – incluindo aqueles usados ou contidos em produtos relevantes – foram produzidos em terras que não foram sujeitas a desmatamento ou degradação florestal após 31 de dezembro de 2020.  

Com relação às exportações, será estabelecido um sistema de benchmarking baseado em países com uma classificação escalonada que imporia tratamentos diferentes aos países, de acordo com critérios estabelecidos unilateralmente. A Comissão Europeia determinará o nível de risco dos países, que serão classificados como “risco alto”, “risco médio” ou “risco baixo” em razão do grau de desmatamento e degradação florestal, da expansão do uso de terras nas principais comodities e das tendências observadas, com base nos dados disponíveis, alertas de ONGs e outras de fontes internacionalmente reconhecidas.

Inicialmente, os seguintes produtos foram apontados como sendo presumidamente originários de áreas de desmatamento terão seu ingresso proibido na União Europeia: óleo de palma, madeira, café, cacau, carne bovina, borracha e soja. Produtos fabricados com tais commodities (pro exemplo, móveis, cosméticos e chocolates) também não poderão ser exportados para a União Europeia. A lista de commodities cuja entrada será proibida será revisada e atualizada regularmente, levando em consideração novos dados, como mudanças nos padrões de desmatamento.

A lei anti desmatamento entrará em vigor no dia 29 de junho de 2023. A proibição de importação e algumas obrigações de prestar informações terão início em 30 de dezembro de 2024 para as empresas em geral e em 30 de junho de 2025 para os operadores estabelecidos até 31 de dezembro de 2020 como micro e pequenas empresas, nos termos da Diretiva 2013/34/EU.

Esses dois regulamentos terão um grande impacto nas exportações brasileiras para a União Europeia, já que a pauta das exportações brasileiras para o bloco inclui várias das commodities mencionadas como proibidas. Estima-se que apenas a lei anti desmatamento tenha potencial de impactar em 80% das exportações do agronegócio brasileiro ou 40% do total das exportações para a UE, somando US$ 14,5 bilhões de vendas em 2021 para o bloco[5].

As empresas que utilizam em sua cadeia produtiva os commodities cuja entrada será proibida deverão demonstrar que os mesmos não são fabricados em áreas desmatadas ou com degradação ambiental. Empresas que já estão alinhadas com a agenda de compliance ambiental certamente terão maior facilidade de continuar exportando para a União Europeia.

As empresas que ainda não são sustentáveis devem adotar medidas para contribuir com as políticas públicas para evitar o desmatamento e a degradação florestal o mais rapidamente possível, além de mapear e registrar todos os insumos e todas as etapas de sua cadeia de produção.

Algumas restrições já foram, inclusive, anunciadas. Em 30 de maio, grandes bancos brasileiros anunciaram um protocolo de autorregulação para a concessão de crédito a frigoríficos e matadouros, com o objetivo de combater o desmatamento na Amazônia. A partir de 2025, os bancos passarão a exigir de seus clientes o rastreamento total da cadeia, para que seja comprovada a não aquisição de gado proveniente de áreas de desmatamento, tanto de fornecedores diretos quanto de fornecedores indiretos[6].

Não há dúvidas que esse processo será financeiramente oneroso e de difícil implementação. Não obstante, representará uma grande vantagem competitiva em relação aos concorrentes em outros países não conseguirem cumprir com as exigências estabelecidas na região europeia.


[1] Definido como “Conversão de florestas para uso agrícola, que tenha origem humana ou não”. Engloba as ideias de desmatamento ilegal, mas também de desmatamento legal.

[2] “Um terreno de uma extensão superior a 0,5 hectares, com árvores de mais de cinco metros de altura e um grau de cobertura arbórea de mais de 10 %, ou árvores que possam alcançar esses limiares in situ, excluindo as terras predominantemente consagradas a uso agrícola ou urbano”.

[3] “Terreno com povoamentos arbóreos integrados em sistemas de produção agrícola, nomeadamente plantações de árvores de frutos, plantações de palmeira-dendém ou olivais, e em sistemas agroflorestais, quando as culturas são plantadas sob coberto arbóreo. Incluem todas as plantações dos produtos de base em causa, com exceção da madeira; as plantações agrícolas estão excluídas da definição de floresta”.

[4] “Alterações estruturais da cobertura vegetal, sob a forma de conversão de Florestas primárias, ou de florestas em regeneração natural, em plantações florestais ou noutros terrenos arborizados; ou Florestas primárias em florestas plantadas”.

[5] Vide https://valor.globo.com/google/amp/opiniao/assis-moreira/coluna/brasil-critica-na-omc-medidas-unilaterais-da-uniao-europeia.ghtml.

[6] https://exame.com/esg/bancos-apertam-cerco-a-desmatamento-com-o-que-e-mais-importante-no-esg-criterio/?utm_source=crm&utm_medium=email&utm_campaign=newsletter-esg_conteudo-news_bancos-apertam-cerco-a-desmatamento-com-o-que-e-mais-importante-no-esg-criterio/&utm_term=n/a&utm_content=n/a.

Equívocos e polêmicas na taxação das compras internacionais

Fernanda Manzano Sayeg

Nos últimos dias, foi divulgada a informação de que a isenção de impostos sobre encomendas postais de até US$ 50 (aproximadamente R$ 247) entre pessoas físicas, o que afetará as compras efetuadas em marketplaces internacionais como AliExpress, Shein e Shopee.

O suposto “encarecimento” das compras internacionais se deve à cobrança do imposto de importação, que é um tributo federal que incide sobre a entrada de mercadoria estrangeira em território nacional.

Trata-se de uma questão bem mais complexa do que a maioria das notícias e artigos vem expondo, pois reflete a incapacidade do arcabouço jurídico internacional existente em lidar com o comércio eletrônico.

O imposto de importação é um imposto federal que incide sobre as mercadorias importadas, por via aérea, terrestre, fluvial ou marítima. Sua base legal é o artigo 153, inciso I, da Constituição Federal (CF/88). na Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN), no Decreto-Lei nº 37/1966 (DL 37/66) e no Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro).

O fato gerador do imposto de importação é o ingresso da mercadoria estrangeira em território nacional de maneira definitiva. A importação ocorre quando (i) uma empresa efetua seu transporte do país de origem o país de destino; (ii) um viajante adquire e traz mercadorias importadas em sua bagagem; e (iii) pessoas físicas ou jurídicas recebem produtos importados em remessas postais.

Por remessas postais internacionais, entende-se os presentes, bens, produtos ou mercadorias provenientes de outros países que são transportados ao Brasil pelos Correios oficiais dos países ou por empresas de transporte expresso internacional, também denominadas empresas de courier.

Em mercadoria importada em uma operação comercial regular, considera-se ocorrido o fato gerador do Imposto de Importação na data de registro da Declaração de Importação (DI) e o recolhimento do imposto é efetuado no ato de registro da DI pela empresa importadora.  No caso das remessas postais, antes de a encomenda ser despachada em território nacional, ela deve ser apresentada à fiscalização aduaneira. A empresa de courier irá providenciar o desembaraço da encomenda, junto à RFB, e cobrará, posteriormente, os tributos pagos juntamente com o valor do serviço prestado. Já os correios não possuem essa incumbência, cabendo ao destinatário da remessa postal o recolhimento do tributo.

O sujeito ativo do imposto de importação é a União federal, que detém o direito de cobrá-lo. O sujeito passivo do imposto de importação é o importador ou o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo remetente.

O nosso sistema aduaneiro adota alíquotas ad valorem para o imposto de importação. Assim, a base de cálculo do imposto de importação é o valor aduaneiro, que inclui o valor do produto, o frete internacional e o seguro. As alíquotas de Imposto de Importação a serem aplicadas pelos países-membros do Mercosul são padronizadas por meio da Tarifa Externa Comum (TEC), uma tabela que indica a classificação fiscal das mercadorias negociadas internacionalmente, sua descrição e respectiva alíquota de Imposto de Importação, que varia entre 0 e 35%.

Porém, isso não se aplica às remessas postais internacionais, que supostamente possuem um mecanismo de tributação “simplificado”.

O regime de tributação simplificada (RTS) foi instituído pelo Decreto-Lei Nº 1.804, de 3 de setembro de 1980 e regulamentado pela Portaria MF nº 156, de 24 de junho de 1999. As importações nessa modalidade estão limitadas a US$ 3,000.00 ou o equivalente em outra moeda podem ser destinadas a pessoa física ou jurídica, estando sujeitas ao pagamento do Imposto de Importação calculado com a aplicação da alíquota de 60%, independentemente da classificação tarifária dos bens que compõem a remessa ou encomenda.

A legislação em vigor determina claramente que as remessas postais internacionais no valor aduaneiro de até US$ 50,00 ou o equivalente serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação apenas se o remetente e o destinatário forem pessoas físicas.

Qualquer remessa postal postada por jurídica será tributada. Apenas estão imunes à tributação por meio de remessa postal internacional os livros, jornais, revistas e outras publicações são imunes (CF, art. 150, VI, “d”).

O valor de até US$ 50,00 ou o equivalente deve ser acompanhado de documentação comprobatória do preço de aquisição dos bens. Contudo, se houver indícios de falsidade ou adulteração a documentação apresentada, o valor aduaneiro será determinado pela autoridade aduaneira com base no preço de bens idênticos ou similares, originários ou procedentes do país de envio da remessa ou encomenda ou no valor constante de catálogo ou lista de preços emitida por estabelecimento comercial ou industrial, no exterior, ou por seu representante no País.

São muitos os problemas observados nas importações que ocorrem por remessa postal.Segundo a Receita Federal, o imposto de importação não é pago, por duas razões: (i) o remetente declara valores mais baixos que os efetivamente pagos pelo consumidor; (ii) o remetente divide os produtos em mais de uma remessa inferiores a US$ 50,00 deliberadamente, de forma a evitar a incidência do imposto.

Pressionada por empresas nacionais que estão perdendo vendas e receitas para as compras internacionais feitas em aplicativos, a Receita Federal divulgou que pretende fiscalizar e implementar a legislação existente, cobrando do consumidor o imposto devido. Ademais, a Receita Federal pretende cobrar multa de 100% a 37,5% sobre a diferença do valor declarado e o suposto valor da mercadoria, bem como multa equivale a 75% da diferença do imposto supostamente devido se algum produto no pacote não for declarado na nota fiscal pelo remetente, as quais ainda estão pendentes de regulamentação.

Com as alterações pretendidas pela Receita Federal, a importação por remessa postal se tornará economicamente inviável. Quem será penalizado? O consumidor brasileiro e não as varejistas internacionais. Essas empresas não podem ser acusadas de sonegação de tributos, já que o imposto de importação não é devido por elas, mas sim pelos consumidores. Ou seja, a Receita Federal pretende punir o destinatário da remessa postal por atos supostamente praticados pela empresa vendedora da mercadoria. 

A legislação em vigor foi promulgada no século passado, quando o comércio eletrônico não era uma realidade nem em âmbito nacional, muito menos internacionalmente. A realidade do varejo muito e as regras devem mudar também.

A solução para esse problema não é simples e, no meu ponto de vista, passa pela discussão e criação de um novo arcabouço legislativo sobre, em âmbito internacional.  A regulamentação internacional do comercio eletrônico é imprescindível e deve ser discutida com urgência em organizações como OMC e OCDE.

A função extrafiscal do Imposto de Exportação e do Imposto de Importação

Fernanda Manzano Sayeg

No dia 28 de fevereiro de 2023, o Governo Federal anunciou que pretende tributar com o Imposto de Exportação (IE) as exportações brasileiras de óleo bruto, durante quatro meses. A alíquota do imposto será de 9,2% e a expectativa de arrecadação é de R$ 6 bilhões.

Nesse contexto, faz-se necessário analisar qual a é a função desse tributo, bem como qual suas principais características e quais as diferenças em relação ao imposto de importação.

  1. Imposto de Exportação

O Imposto de Exportação está definido no artigo 153, inciso II e § 1º, da CF/88, e no artigo 23 a 28 do CTN. Trata-se de um tributo que visa a tributar a saída definitiva determinadas mercadorias do território brasileiro. Sua função é precipuamente extrafiscal, ou seja, deveria ser um instrumento da atuação da União no controle do comércio exterior.

Ao contrário de diversos outros tributos, a função principal do IE não é arrecadar, mas desestimular a exportação de determinados produtos, pois será mais vantajoso efetuar as vendas no mercado interno, o que aumentará a oferta e, consequentemente, reduzirá o valor de venda do referido produto.

Para exercer essa função regulatória e proporcionar ao governo federal maior flexibilidade e agilidade em relação ao controle do comércio exterior, o IE não está sujeito ao princípio da anterioridade, de modo que suas alíquotas e/ou bases de cálculo podem ser alteradas pelo Poder Executivo, com eficácia imediata a partir da publicação no Diário Oficial da União.

Como regra, o Brasil evita a utilização do IE em razão de seus efeitos negativos sobre eficiência econômica, estrutura de incentivos, alocação de recursos e desempenho exportador. Por essas razões, o imposto de exportação é, atualmente, aplicado apenas em dois casos excepcionais, e por razões não-econômicas, a saber:

(i) Cigarros que contenham tabaco: IE de 150% quando destinadas à países da América do Sul e América Central, inclusive Caribe; e

(ii) Armas e munições, suas partes e acessório: IE de 150% quando destinadas à países da América do Sul (exceto Argentina, Chile e Equador) e América Central, inclusive Caribe.

É importante ressaltar que quando falamos de cigarro, armas e munições, o IE visa a prevenir e evitar que estas mercadorias saiam legalmente do país e depois retornem de forma clandestina.

2. Imposto de Importação

O Imposto de Importação (II) é um tributo federal que incide sobre a entrada de mercadoria estrangeira em território nacional. Esse imposto está previsto no artigo 153, inciso I, da CF/88, e foi regulamentado no CTN, no Decreto-Lei nº 37/1966 e no Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro).

Assim como ocorre com o IE, o II é um imposto com função extrafiscal. Isso significa que o imposto funciona como um instrumento de regulação do comércio internacional, que visa estimular ou desestimular certas condutas ou proteger a indústria nacional da concorrência com produtos importados. Por esse motivo, a sua regulamentação leva em consideração questões políticas, econômicas e cambiais.

Esse imposto tampouco se sujeita ao princípio da anterioridade. Logo, o Poder Executivo pode alterar as alíquotas e/ou bases de a qualquer momento e a vigência tem início com a publicação da alteração no Diário Oficial da União.

Ao se tornar membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil realizou uma série de concessões tarifárias, que constam na denominada “lista de concessões”. Essa lista reflete as tarifas consolidadas do Brasil, ou seja, as alíquotas máximas do II que podem ser aplicadas pelo país em relação a todo o universo tarifário, que é de 35%.

Por ser um membro do Mercosul, o Brasil adota a Tarifa Externa Comum (TEC), que padroniza as alíquotas de II no bloco. As alíquotas são definidas para cada item da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que é a classificação fiscal oficial das mercadorias no Mercosul. As alíquotas do II na TEC variam entre 0 e 35%.

O Brasil adota a tarifa prevista na TEC para todos os códigos NCM, exceto aqueles inseridos em instrumentos ou mecanismos de exceção, a saber: (i) Lista de Exceções à TEC (LETEC); (ii) Reduções tarifárias por razões de abastecimento ao amparo da Resolução Grupo Mercado Comum do Mercosul nº 49/2019; (iii) Lista de Exceções de Bens de Informática e Telecomunicações e Bens de Capital – LEBIT/BK; e (iv) Lista de redução temporária das alíquotas do Imposto de Importação tendo por objetivo facilitar o combate à pandemia do Corona Vírus/Covid-19.

Nos últimos meses, o governo federal promoveu cortes unilaterais nas tarifas de 87% das mercadorias importadas pelo Brasil. A redução das alíquotas do Imposto de Importação chegou a 20% para alguns produtos. Essa medida, que teve como justificativa reduzir os impactos econômicos negativos decorrentes da pandemia da Covid-19 e da guerra na Ucrânia, permanecerá vigente até 31 de dezembro de 2023.