Eduardo Molan Gaban

Muito Prazer, Regulação!

Juliana Oliveira Domingues & Eduardo Molan Gaban

 “What Is Regulation?” Barak Orbach foi explícito sobre o foco do seu paper com esse título[1].

Quando trazemos esse tema, em 2023, muitos ainda podem ficar surpresos com o fato de haver uma recorrente confusão terminológica. Quando falamos, então, de “coarregulação”, “autorregulação”, “regulação responsiva”, “análise de impacto regulatório”, “autorregulação regulada”, grandes e repetidas interrogações surgem para boa parte da comunidade jurídica.

Não deixa de ser um alento e – até mesmo – um sopro de esperança, observar que no berço do capitalismo persistam essas dúvidas.

Afinal, o que todos sabem sobre regulação?

A natureza evasiva do termo “regulação” é, em grande parte, produto de confusão. Obviamente, estamos tratando de mais um conceito abstrato. Não sem motivos, vemos opiniões sobre o que seria o “escopo desejável” de poderes regulatórios ou de políticas regulatórias.

Da mesma forma, há quem veja a regulação puramente como uma intervenção indesejável do Estado. Dentro de referido grupo, encontramos os que entendem “regulação” como “intervenção na liberdade e nas escolhas”. Há quem defenda que a regulação tem o poder de definir as opções disponíveis e manipular os incentivos.

Porém, haveria uma espécie de regulação desejável?

No Brasil, de um lado, identificamos aqueles que querem sempre “mais regulação” e que desejam ver com frequência “as mãos” do Estado. De outro, também temos crenças e percepções críticas sobre a forma de intervenção (por meio da regulação) que coloca em xeque a necessidade de haver intervenções regulatórias.

E, não podemos nos esquecer do comportamento free-rider dos poucos (ou nada) preocupados com o adequado emprego da regulação: ora a sugerem, ora a repelem, ao sabor de seus interesses ou agendas[1].

Estudiosos no mundo que já se debruçaram sobre o significado do termo “regulação” produziram várias definições. Em boa parte dos estudos, o termo “intervenção” aparece.  Outro caminho, baseia-se em crenças pessoais para explicar o conceito, o que acaba por criar definições informais.

Em nosso cenário regulatório, há destaque à atuação das agências reguladoras, uma vez que os debates se centraram nelas, ao longo dos últimos anos, tal como nos EUA.[2] Outra referência popular que atrai críticas à regulação se refere ao seu uso para atendimento aos grupos de interesse.[3]

De acordo com George Stigler, a regulação, “[…] é adquirida pela indústria e é projetada e operada principalmente para seu benefício.”[4] Já Richard Posner, tal como estaca Orbach, trouxe uma versão mais “refinada” dessa percepção: “[…] regulação [é] um produto alocado de acordo com princípios básicos de oferta e demanda […] podemos esperar que um produto seja entendimento intuitivo da palavra “regulação”: intervenção governamental no domínio privado ou norma jurídica que implementa tal intervenção. A regra de implementação é uma norma jurídica obrigatória criada por um órgão do Estado que pretende moldar a conduta de indivíduos e empresas.[5]

Vale destacar que o “órgão do Estado”, isto é, o regulador, pode ser qualquer órgão legislativo, executivo, administrativo ou judicial que tenha o poder de criar uma norma jurídica vinculante. Essa definição geral é bem mais ampla do que “restrições”, “regras de agências administrativas / reguladoras”, ou “leis que atendem a grupos de interesse”.

Nesse sentido, Orbach foi muito feliz em resgatar esse debate para centrar a definição na “intervenção no domínio privado”, em vez de “intervenção nas escolhas”. O ponto essencial é observar que, teoricamente, pode-se considerar qualquer influência na conduta como interferência nas escolhas. No entanto, o significado “da interferência nas escolhas” é de difícil consenso. Seja como for, não podemos fugir do fato que regulação tem ligação com a intervenção no domínio privado.

Em resgate ao tema, cabe rememorar a definição de regulação como intervenção no domínio privado trazida, em meados do século XIX, por John Stuart Mill quando descreveu a intervenção governamental nos assuntos da sociedade[6].

Mill argumentou que a fonte da controvérsia era, em grande parte, uma divisão ideológica entre dois grupos na sociedade: 1) […] os defensores da interferência [i. e. que acreditam que o governo deve agir] onde quer que sua intervenção seja útil” e; 2) os que restringem a atuação do governo “[…] à proteção da pessoa e da propriedade contra a força e a contra a fraude.”[7]

O resgate de Mill pode iluminar como as pessoas combinam suas visões de políticas regulatórias desejáveis. Veja-se essa passagem: “[se] os venenos nunca foram comprados ou usados ​​para qualquer finalidade, exceto a prática de assassinato, seria correto proibir sua fabricação e venda”. Por exemplo, os venenos podem “ser procurados não apenas para propósitos indecentes, mas também para fins úteis, e restrições não podem ser impostas em um caso sem operar no outro”. No exemplo acima, Mill recomenda como precaução rotular com alguma palavra (ou se fazer alguma referência) o potencial perigo do produto, sem violação da liberdade, uma vez que “o comprador deve saber que a coisa que possui tem qualidades venenosas.”[8]

Ora, a intervenção do Estado no domínio privado – subproduto de nossa realidade imperfeita e limitações humanas – por meio da regulação apenas ocorre porque existem “venenos” e os atos de regulação podem ter “efeitos venenosos” quando mal utilizados.

Nosso mundo é complexo, possui recursos finitos e as interações sociais estão mergulhadas nas mais diversas assimetrias. É verdadeira a premissa da análise econômica de que o indivíduo, portador de limitada racionalidade e informações incompletas, comporta-se procurando sempre maximizar o seu bem-estar. Certo também é que, não raras vezes, o mercado falha, ou seja, o subproduto da comunicação entre demanda e oferta pode causar danos para muitos e riqueza para poucos.

É justamente em resposta a essas imperfeições, limitações, ou mesmo falhas que se estruturou a ideia de regulação econômica. Reconhece-se o problema e, então, procura-se enfrentá-lo de maneira propositiva visando mitigá-lo e converter as toxinas naturalmente resultantes das falhas em promoção de eficiência econômica e, até mesmo, do bem-estar geral (em alusão à ideia de equilíbrio geral).

Numa perspectiva metalinguística, vale dizer, as mesmas imperfeições e limitações, porém, garantem o caráter imperfeito e limitado da regulação. Nossas falhas humanas permitem, por exemplo, regulações excessivas e redundantes, e permitem – sim! – a adoção de regulações que atendam aos grupos de interesse (em sua mais ampla conceituação) em linha com James M. Buchanan.[9]

O desafio, portanto, é lidar com o fato de que há imperfeições e limitações imanentes à sociedade e, portanto, imanentes também à atividade estatal. Ambas prejudicam a tomada de decisões tanto no plano dos agentes econômicos em si, quanto no plano da atividade estatal de regulação econômica.

Nesse sentido, em linha com George Stigler, nada resta a ser feito?

Negativo. A ênfase de Stigler às limitações da regulação e sua tendência de captura, posteriormente temperada com o realismo de Buchanan ao escancarar a fragilidade humana de raramente conseguir sacrificar o interesse pessoal em favor do coletivo, conforme determina o mandato estatal, leva-nos a escolher o caminho inevitável da moderna ideia de regulação econômica baseada em dados empíricos, apresentada por Cass R. Sunstein, o mesmo que recentemente relembrou a importância de se compreender as motivações dos próprios reguladores [10].

Em suma, é seguro utilizar as instituições normativas adequadas da Regulação com a devida parcimônia. Em outras palavras, devemos aceitar o fato de que a regulação é uma ferramenta valiosa a serviço da atividade estatal que veio para ficar. Assim, tanto melhor será atribuirmos foco em compreendê-la bem e trabalharmos para maximizar seus benefícios e minimizar seus custos.


[1] Exemplo disso vimos com a alegação de que o PIX prescindiria de AIR (tema tratado em outra oportunidade neste portal). Cf. DOMINGUES, Juliana O. Pix e Air – quando a liberdade econômica desperta o ilusionismo e levanta cortina de fumaça. Disponível em: <https://webadvocacy.com.br/2022/09/26/pix-e-air-quando-a-liberdade-economica-desperta-o-ilusionismo-e-levanta-cortina-de-fumaca1/> Acesso em: 01 jun. 2023.

[2] Em adição, Orbach cita as leis criadas pelas cortes – common law – como uma forma tradicional de regulação. Veja-se: ANDREW P. MORRISS et. al.., Regulation by Litigation (2008); Regulation Through Litigation (W. Kip Viscusi ed., 2002); POSNER, Richard A. Regulation (Agencies) Versus Litigation (Courts): An Analytical Framework, in Regulation Vs. Litigation 11 (Daniel P. Kessler ed., 2010).

[3] Veja-se, também: ORBACH, Barak. Invisible Lawmaking, 79 Uni. Chi. L. Rev. Dialogues 1 (2012).

[4] No mesmo sentido: PELZMAN, Sam. Toward a More General Theory of Regulation, 19 J. L. & ECON. 211 (1976).

[5] Tradução Livre. POSNER, Richard A. Theories of Economic Regulation, 5 Bell J. Econ. & Mgm’t Sci. 335, 344 (1974). As visões de Richard Posner sobre regulação evoluíram, neste texto:  RICHARD A. Posner, The Crisis of Capitalist Democracy 1-2 (2010), p. 12: “From a normative economic standpoint […] the goal of regulation, whether by courts or by agencies, is to solve economic problems that cannot be left to the market to solve.”.

[6] MILL; John Stuart, 2 Principles of Political Economy 525-71 (1848).

[7] Id. Ibid.

[8] MILL, John Stuart. On Liberty, p. 66-67 (1859). Id. p. 171-73.

[9] Buchanan, James M. Politics without Romance: A Sketch of Positive Public Choice Theory and Its Normative Implications. (James Buchanan and Robert Tollison Eds). The Theory of Public Choice II 11, 11 (Michigan 1984).

[10] Nesse sentido vale conferir o artigo: SUSTEIN, Cass R. Interest-Group Theories of Regulation: A Skeptical Note. Disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3829993. Acesso em: junho de 2023. Em adição, veja-se: “[…] George Stigler, professor norte-americano, responsável pela “Teoria Econômica da Regulação” […]aborda a captura de agentes públicos – reguladores e legisladores – por grupos de interesse; por isso, é também conhecida como “teoria da captura”. Para Stigler, ao invés de regular os setores visando melhorar seu funcionamento e dirimir práticas danosas, a regulação atenderia às demandas dos agentes regulados levando ao desvirtuamento da estrutura do Estado e dos recursos públicos. Essa visão crítica das agências reguladoras foi revisitada recentemente por Cass R. Sustein, professor da Universidade de Harvard, em seu “Interest-Group Theories of Regulation: A Skeptical Note”. Mencionando diretamente Stigler, Sustein rebate a noção de que a regulação não visaria atender interesses públicos, buscando demonstrar que, se os reguladores e legisladores adotam determinado posicionamento, é porque acreditam que tal norma ou política terá resultados benéficos. […] Apesar da maneira como Sunstein aborda o problema parecer lhe colocar em contraponto direto com Stigler e sua teoria da captura, uma aproximação entre os autores pode ser feita: por vezes, a informação a que os reguladores têm acesso é determinada pelos grupos de que fazem parte. Veja-se, por exemplo, legislações propostas durante a pandemia que buscaram moratórias e interferência nos preços, partindo de determinada visão, não necessariamente vinculada aos núcleos de informações cientificamente embasados, dissociadas da implementação de melhores práticas adequadas à realidade. De toda forma, a abordagem de Sunstein deixa claro, também, qual deve ser o papel das agências reguladoras (aqui estendemos aos reguladores em geral): adotar políticas que tenham consequências benéficas, se não para o setor privado, para o ambiente regulatório e para o usuário (consumidor) final. In: DOMINGUES, Juliana Oliveira; Miranda; Isabella Dorigheto. O Retorno de Jedi: Um olhar do Século XXI à Captura dos Reguladores. Jota.  Veja-se também:Sunstein, Cass R., Empirically Informed Regulation (2011). University of Chicago Law Review, Vol. 78, No. 4, 2011, Harvard Public Law Working Paper No. 13-03.


[1] ORBACH, Barak, What Is Regulation? (September 7, 2012). 30 Yale Journal on Regulation Online 1 (2012), Arizona Legal Studies Discussion Paper No. 12-27.

Porque a Ética dá bons resultados – nova Política de Persecução Corporativa (FCPA)

Eduardo Molan Gaban & Ana Cristina Gomes

Não é recente a preocupação com temas atrelados a práticas que tenham relação com delitos econômicos, principalmente no âmbito da corrupção. Tema frequente nas agendas internacionais e em constante discussão já há anos. Como os delitos econômicos envolvem uma complexidade maior em relação aos demais delitos, inclusive no que diz respeito a exigência de expertise, no âmbito das investigações – sejam elas privadas ou públicas, internas ou externas – e essa expertise não está apenas relacionada com áreas típicas do Direito, vez que é necessário ter conhecimentos para além, como Economia, Contabilidade, Administração etc., o enfrentamento do problema torna-se um trabalho hercúleo.

É preciso entender que, assim como sistematizado por Klaus Tiedemann[1], o Direito penal econômico tem como ponto de partida aspectos supraindividuais referentes à organização econômica e social e por essa razão possui correspondência com as demais áreas do Direito: empresarial, tributário, regulatório, econômico, consumidor etc. O dinamismo e a complexidade são características dos delitos econômicos. Neste sentido, a atualização quanto as leis e regramentos que regem o enfrentamento destes delitos são constantes, de forma a serem sempre revistas e adequadas a realidade fática.

Uma demonstração dessa constante atualização se deu no início deste ano (janeiro de 2023), nos Estados Unidos da América, quando o Departamento de Justiça (Departament of Justice’s – DOJ) apresentou mudanças na Política de Persecução Corporativa (FCPA Corporate Enforcement Policy)[2]. Um dos principais objetivos é a potencialização dos incentivos concretos às corporações que tomam conhecimento de violações delitivas e que, voluntariamente, se antecipam levando o fato à autoridade responsável para seu conhecimento e providências.

Pontos interessantes foram inseridos com a nova Política a ser adotada. Interessante frisar que já de início o DOJ esclarece que, ao longo dos anos, em decorrência da experiência com a adoção de benefícios para as corporações colaboradoras, foi possível notar que a autodenúncia voluntária tem significado uma criação de incentivos positivos para o comportamento corporativo, ou seja, que não causem violações à legislação e, assim, mais ajustado às práticas de boa governança.

Outro ponto, é o fato de que, de forma nominal, mas sem ser taxativo, o DOJ descreve algumas das circunstâncias que podem ser consideradas como agravantes e que justificariam uma persecução criminal: envolvimento da direção executiva da empresa na má conduta; um lucro significativo para a empresa da má conduta; flagrância ou difusão da má conduta dentro da companhia; ou reincidência criminal. Este é um apontamento não só pertinente, mas também crucial para que, quando da instauração da persecução penal, possam ser aferidas não só a materialidade e a autoria, mas os níveis de culpabilidade.

Entretanto, mesmo que uma corporação não se qualifique para o declination[3], quando estiverem presentes as circunstâncias agravantes,poderá ser beneficiada com outra solução mais adequada que a persecução criminal se, por exemplo, quando ocorreu a má conduta ou no momento da divulgação deste fato, tinha um programa de compliance efetivo, bem como sistema de controles contábeis internos, instrumentos estes que levaram a identificação da má conduta e a autodenúncia voluntária da corporação.

Neste ponto fica evidente o ganho real de uma corporação ao introduzir um programa de compliance efetivo e bem estruturado em sua governança. Para além das fronteiras estadunidenses, essa é uma contribuição que pode ser adequada e adotada, de maneira a criar o incentivo positivo de boas práticas de governança, resultantes de programas de compliance estruturados, aplicáveis e efetivos, pensados a partir de estímulos normativos racionais, onde a conformidade beneficia aquele que a coloca em prática.

Outros incentivos também foram previstos neste caso, como a concessão ou a recomendação para que se aplique uma redução de 50% a 75% da condenação, podendo ser tomada como base a sanção mínima prevista nas diretrizes que regem a aplicação de multas nos EUA[4], exceto nos casos em que existir reincidência, onde não será tomada como base a sanção mínima prevista nas diretrizes; a não exigência da nomeação de um monitor quando a corporação demonstrar que implementou e comprovou um programa de compliance efetivo, de maneira a corrigir a causa que deu origem à má conduta. Se não ocorrer a autodenúncia voluntária segundo as especificações da nova Política, mas a corporação colaborar de maneira oportuna e adequada, a redução poderá ser de até 50% podendo ser tomada como base a sanção mínima, sendo aplicada a mesma regra anterior nos casos de reincidência criminal.

É possível notar um maior protagonismo dos programas de compliance que se revelem efetivos, adequadamente estruturados. O que significa concluir que há um real reconhecimento por parte das autoridades dos esforços das corporações em aplicar práticas de boa governança e que determinadas situações podem ocorrer mesmo com a existência de programas efetivos de integridade, mas que, tendo em vista a efetividade do programa de compliance implementado, uma vez descoberta a prática em desconformidade, essa será tratada de maneira a solucionar o problema, dando o devido encaminhamento, inclusive com a autodenúncia. Essa valoração cria estímulos para as corporações na adoção, revisão e atualização de seus programas de compliance, sendo capaz de mitigar inúmeras situações e ainda contribuir com a persecução quando essa for necessária.

Em termos de prevenção, uma Política preocupada em observar os pontos positivos, como a estruturação de um programa efetivo de compliance, constrói um cenário favorável para que as boas práticas de governança sejam cada vez mais uma escolha racional e lógica no ambiente corporativo. Essa é também uma questão a ser observada e que pode gerar contributos para os demais sistemas jurídicos, como no Brasil, por exemplo.

A importância de um programa efetivo de compliance merece destaque ainda, nos casos de fusões e aquisições corporativas (M&A). Há previsão para que, caso a corporação adquirente venha a descobrir a ocorrência de má conduta, por parte da corporação adquirida, seja por meio de due diligence, auditorias pós aquisição ou tendo em vista a pronta implementação de seu programa de compliance, e imediatamente realize a autodenúncia, tomando as medidas condizentes com a Política, a adquirente pode se tornar elegível para um declination, mesmo que existam circunstâncias agravantes para a corporação adquirida. Ou seja, um programa efetivo de compliance pode viabilizar operações de fusões e aquisições, podendo mitigar, de modo real, os riscos envolvidos.

A Política de Persecução Corporativa preocupou-se ainda em determinar as definições como autodenúncia voluntária, cooperação total. Ocupando-se também em estabelecer critérios que permitam observar a efetividade do programa de compliance das corporações, esclarecendo que este deve ser atualizado periodicamente, podendo depender do porte e disponibilidade de recursos das corporações, bem como os riscos envolvidos: 1) o compromisso da empresa em incutir valores corporativos afim de promover a realização da conformidade, incluindo a conscientização dos funcionários sobre a não tolerância de qualquer conduta delitiva; 2) os recursos que a empresa tem dedicado ao compliance; 3) a qualidade e experiência dos envolvidos com o setor de compliance, de maneira que possam identificar transações e atividades com potencial risco; 4) autoridade e independência, em todos os aspectos e níveis de hierarquia; 5) a eficácia da avaliação de risco e a maneira com que o programa de compliance da corporação foi adaptado em decorrência deste risco; 6) a forma de contratação das pessoas que ocupam funções dentro do setor de compliance da corporação; 7) a remuneração e o plano de carreira das pessoas que trabalham no setor de compliance, suas funções, responsabilidades etc.; e 8) a realização de teste para garantir a eficácia do programa de compliance.

Os incentivos à autodenúncia voluntária somados a atribuição de um maior protagonismo dos programas de compliance, principalmente quanto a possibilidade de maiores e melhores reduções nos valores das multas, criam um cenário propício para a sedimentação de boas práticas de governança e um ambiente de conformidade mais adequado, ao passo que, também contribui com a persecução penal de pessoas físicas que tenham praticado condutas delitivas, tendo em vista a cooperação efetiva da corporação que realiza a autodenúncia voluntária.

A observação da prática dos procedimentos adotados pela Política de Persecução Corporativa e a análise dos temas por ela tratados, pode possibilitar o melhor desenvolvimento dos programas de compliance e contribuir com a experiência brasileira no aprimoramento de questões relacionadas às práticas de boa governança.


[1]TIEDEMANN, Klaus. Decrecho penal económico. Introducción y parte general. Taducciones Manuel A. Abanto Vásquez et al. Trujillo/Peru: Grijley, 2009, p.77.

[2] Cf. 9-47.120 – Criminal Division Corporate Enforcement and Voluntary Self-Disclosure Policy

[3] Tendo em vista a sistemática do direito no Brasil, não há uma tradução capaz de descrever precisamente o instituto estadunidense. Porém, se comparamos com a legislação anticorrupção, no caso a Lei nº 12.846/13, é possível relacionar o acordo de leniência ao declination.

[4] U.S. Sentencing Guidelines (U.S.S.G.) – Diretrizes de Sentenças dos EUA (livre tradução).


EDUARDO MOLAN GABAN. Doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor Doutor de Direito Econômico nos programas de pós-graduação da FDRP/USP, PUC/PR e UEL. Diretor-Presidente do Instituto Brasileiro de Concorrência e Inovação (IBCI – www.ibci.com.br). Visiting Fulbright Scholar at the New York University (2010-2011). Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Concorrência e Inovação da PUC/SP. sócio do escritório de advocacia de Nishioka & Gaban Advogados.

ANA CRISTINA GOMES. Bacharel e mestre em Direito pela Unesp. Doutoranda na Escuela de Doctorado da Universidad de Salamanca/Espanha, Estado de Derecho y Gobernanza Global. Advogada no escritório de advocacia Nishioka & Gaban Advogados.