O que esperar da decisão do TRT da 15ª região para o futuro das fusões e aquisições no CADE?

Vão-se as fusões e aquisições pro eficiência e ficam as fusões e aquisições eliminadoras de concorrência

Editorial

A notícia de que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) será obrigado a consultar sindicatos ao analisar atos de concentração causou alvoroço na comunidade antitruste brasileira. Trata-se de uma decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho, 15ª Região, como resposta a uma ação movida pelo Ministério Público do Trabalho.

Não há nada de impróprio em se considerar o nível de emprego nas decisões do CADE. As chamadas restrições comportamentais adotadas em muitas decisões da autoridade antitruste brasileira permitem que se defina qualquer condição para que a operação seja aprovada, inclusive a manutenção do emprego, ainda que temporário[1].

Também não é incomum que prefeitos, governadores e parlamentares apresentem os seus pleitos ao CADE no sentido de argumentar a favor da preservação de empregos, ora apoiando a aprovação de uma operação ora apoiando a sua reprovação. É importante que se diga que jus esperniandi é do jogo, mas é o CADE quem tem a atribuição de tomar a decisão de aprovar ou reprovar as operações que se mostrem ou não temerárias ao poder econômico.  que cuida das estruturas de mercado que se mostram temerárias ao poder econômico.

A decisão proferida pelo TRT da 15ª região é incompatível com a defesa da concorrência não por causa de se considerar o nível de emprego nas decisões antitruste, mas sim pela imposição de uma restrição ad hoc sobre o insumo trabalho que, assim como o estoque de capital, é uma variável de ajuste no processo de busca dos ganhos de eficiência vislumbrados por parte do adquirente.

Não sendo possível ajustar a variável trabalho na velocidade que a realidade mercadológica exige, menor é a chance de que as empresas que fazem as operações de fusões e aquisições objetivem os ganhos de eficiência e, consequentemente, maior é a probabilidade de que estas operações se concretizem apenas para eliminar concorrentes no mercado.

O efeito das fusões e aquisições que geram eficiências é completamente distinto daquele gerado pelas operações que têm por objetivo único eliminar os concorrentes. O primeiro está associado com novos produtos e, consequentemente, com novos postos de trabalho ao longo do tempo, ao passo que o segundo, por estar apenas comprometido com a eliminação dos concorrentes, impede que novos postos de trabalho sejam abertos, pela simples razão de que a operação elimina o dinamismo da concorrência econômica.

Não é impróprio tratar do nível de emprego nas decisões do CADE, principalmente porque existem as restrições comportamentais que podem ser impostas para ajustar tudo aquilo que não seja estrutural. Impróprio, no entanto, é impor uma restrição que, apesar de parecer benéfica para o nível de emprego, não é mais do que um gatilho de seleção adversa em que os adquirentes pro eficiência podem ser substituídos pelos adquirentes que visam única e exclusivamente a eliminação dos concorrentes.


[1] O Termo de Compromisso de Desempenho assinado entre o CADE e a BRF no âmbito da operação de fusão entre a Sadia e a Perdigão (08012.004423/2009-18) traz na sua Cláusula 5 “CLÁUSULAS 5 – DAS OBRIGAÇÕES DAS COMPROMISSÁRIAS DURANTE O PRAZO FIXADO PARA ALIENAÇÃO DO NEGÓCIO” o seguinte item de preservação do emprego, in verbis:

5.1. Na vigência dos prazos previstos para cumprimento das obrigações de alienação de bens e direitos previstos na Cláusula 2. 1, as Compromissárias deverão:

(c) manter o nível de emprego das referidas unidades produtivas, ficando vedada a dispensa injustificada de pessoal;

Para o documento completo, acessar: md_pesq_documento_consulta_externa.php (cade.gov.br).

A semana das questões tributárias na Câmara dos Deputados:

Reforma Tributária e CARF

Editorial

Esta semana foram aprovadas duas proposições legislativas de natureza tributária na Câmara dos Deputados: a PEC 45/2019[1] (reforma tributária), o Projeto de Lei 2384/23[2][3] (CARF).

A PEC da reforma tributária 45/2019 traz inovações importantes para o Sistema Tributário Nacional, sendo a criação por Lei Complementar do imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios (Art. 165-A), que contará com o Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços que, in verbis:

I – reterá montante equivalente ao saldo acumulado de créditos do imposto não compensados pelos contribuintes ou não ressarcidos ao final de cada período de apuração; e

II – distribuirá o montante excedente ao ente federativo de destino das operações que não tenham gerado creditamento na forma prevista no § 1º, VIII, segundo o disposto no § 5º, I e IV, ambos do art. 156-A. [art. 165-A, §4º].

Já o Projeto de Lei 2384/23, que trata do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), prevê no seu art. 1º que [o]s resultados dos julgamentos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, na hipótese de empate na votação, serão proclamados na forma do disposto no § 9º do art. 25[4] do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.

O Projeto de Lei inova ao restabelecer a eficácia do voto de qualidade da Fazenda Pública ao revogar o art. 19-E da Lei nº 10.522/2002, que havia sido instituído pela Lei nº 13.988/2020[5], com o intuito de fazer com que, em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, fosse resolvido favoravelmente ao contribuinte e não a Fazenda Pública, in verbis:

Ar. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.        

Tal intento tem, além de ampliar a possibilidade de aumentar a arrecadação do governo, também permitirá que a Fazenda Nacional leve novamente os temas relevantes do Sistema Tributário Nacional à apreciação do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, iniciativa que era impossibilitada pela decisão administrativa de extinção do crédito tributário em favor do contribuinte.

Como forma de proteger o contribuinte, o PL prevê que o contribuinte que perder no CARF pelo voto de qualidade terá abatimento nas multas e juros e condições especiais de pagamento, desde que faça o pagamento da dívida em até 90 dias da decisão.

 As duas proposições legislativas seguem agora para a apreciação do Senado Federal e críticas não faltam!! É momento de reflexão sobre esses importantes temas que terão impactos na vida de todos os brasileiros.


[1] SUBSTITUTIVO FINAL (1) (camara.leg.br).

[2] COMISSÃO (camara.leg.br).

[3] O Projeto de Lei 2384/23 disciplina a proclamação de resultados de julgamentos, na hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, e dispõe sobre conformidade tributária no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e sobre o contencioso administrativo fiscal de baixa complexidade.

[4] Art. 25.  O julgamento do processo de exigência de tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal compete: (Vide Decreto nº 2.562, de 1998)  (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001) 

 § 9o  Os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

[5] L13988 (planalto.gov.br)

O Conselho Federativo é um ponto positivo na PEC da Reforma Tributária (PEC 45/2019)?

Editorial

Está na pauta de hoje da Câmara dos Deputados a PEC 45/2019 que altera o Sistema Tributário Nacional. A reforma é urgente e o Brasil já tenta fazer esta alteração no sistema tributário há mais de 30 anos.

Afora a grita de alguns poucos governadores e prefeitos, grupos organizados e pesquisadores com conhecimento profundo sobre a economia brasileira e sobre as relações tributárias apresentam razões para que esta seja a hora e a vez da reforma tributária.

Um dos pontos que tem causado celeuma entre governadores e prefeitos é a representatividade dos Estados e Municípios dentro do Conselho Federativo a ser criado com a reforma tributária. Temem os gestores que estes entes da federação possam perder autonomia e, com isso, perda de recursos, uma vez que o Conselho Federativo será a entidade responsável pela arrecadação e distribuição do IBS (imposto sobre bens e serviços), que substituirá, entre outros, o ICMS (imposto estadual) e o ISS (imposto municipal).

No entanto, nas palavras do Relator da PEC em sua justificação, Deputado Aguinaldo Ribeiro, [o] desafio de criarmos um imposto de caráter nacional, que demanda a conjugação do exercício da competência tributária dos entes das esferas de governo, exige a concatenação das atividades de regulamentação, fiscalização, arrecadação, administração e distribuição do produto da arrecadação. Nesse cenário, buscando compatibilizar a gestão eficiente do imposto com os imperativos decorrentes da autonomia federativa, o Substitutivo estabelece que o IBS terá a sua administração compartilhada por um Conselho Federativo, entidade pública sob regime especial, dotada de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. Sua instância máxima de deliberação e autoridade orçamentária será a assembleia geral, composta por todos os estados, o Distrito Federal e todos os municípios, com votos distribuídos de forma paritária. [      ][1]

Também argumenta a Profª Drª Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt no texto “Principais discussões sobre a Reforma Tributária” publicado no Facebook[2], um importante argumento a favor do Conselho Federativo definido previsto na PEC 45/2019, in verbis:

A RT reforça o poder dos entes subnacionais, não o contrário, uma vez que o CF será formado somente por estados e municípios. A união não participa, logo, não opina. Serão os entes que arrecadarão, proporão normativas, dirão como será o operacional e decidirão sobre as suas alíquotas (do IBS), para além da governança, tema fundamental, que está sendo negociada no CN. Neste novo modelo, o papel dos fiscos estaduais será mais relevante do que agora, com atuação integrada e harmonizada, jamais vista, em que todos os entes trabalharão em prol de todos os entes, com objetivos convergentes. Hoje, a guerra fiscal desune o país e deixa um estado refém do outro, num eterno sentimento de briga. Em teoria dos jogos, no jogo dilema dos prisioneiros, verifica-se que o resultado final é o pior possível para os tesouros estaduais, em especial quando se trata de entes falidos fiscalmente e com elevado grau de renúncia, onerando, destarte, a sociedade, os fornecedores e os servidores públicos. Com essa RT, se está, assim, fortalecendo a federação (não o contrário) e a importante função dos fiscos estaduais. (Grifo nosso)

Bem!! Alguns pontos importantes a favor da criação do Conselho Federativo estão postos, sobretudo, a possibilidade de se acabar com a guerra fiscal entre os entes da federação (Estados e Municípios), que é o efeito colateral do sistema competitivo que se verifica hoje com os impostos ICMS e ISS.

No entanto, ainda muitos cuidados devem ser tomados na formação efetiva desse Conselho Federativo e, sobre o tema que nos toca, há que se acautelar para que o Conselho Federativo não produza uma solução cooperativa que seja incompatível com os benefícios da concorrência.


[1] COMISSÃO (camara.leg.br).

[2] https://www.facebook.com/photo/?fbid=10222342525142182&set=pcb.10222342525902201&__cft__[0]=AZV8lTUghd8yKS_WkDTKDpOvU9vaRAF-SdUq6DCiY6OhOBnkDh5TqPbg9z_qM-0ZGRSCzWrgANcM9TdWi05bfzgDNLh6AWuW381h12apWgL_woBQtgQTPjpQuNPWxG92Wf6pl2EihHBgO_Oc9MX9GKVs2Te3oT7ocTOo8ZXCwuHKdA&__tn__=*bH-R

Entendendo a metodologia de reajuste das despesas primárias no novo marco fiscal

Editorial

Na semana passada, o Senado Federal votou o (PLP 93/2023[1]), que trata do novo marco de regras fiscais, instrumento de controle fiscal que substituirá o Teto de Gastos. A matéria retorna para a Câmara dos Deputados para uma nova votação, podendo acatar ou não as alterações feitas pelo Senado Federal e, uma vez aprovada, a proposição legislativa segue para a sanção presidencial.

O substitutivo do Senado manteve a mesma estrutura fiscal do texto que saiu da Câmara dos Deputados e, conforme já manifestado neste espaço, a regra para crescimento das despesas públicas inova ao não considerar somente a inflação passada no reajuste da variável, mas também um mecanismo que torna as despesas primárias dependentes da variação das receitas primárias do ano anterior e que tem o cumprimento do resultado primário como gatilho.

Elaboração: WebAdvocacy

A figura apresenta uma visão esquemática da correção da despesa primária prevista no novo marco de regras fiscais trazido pelo substitutivo[2] da Câmara dos Deputados e mantido pelo Senado Federal.

De acordo com o Substitutivo da Câmara dos Deputados, as despesas primárias serão reajustadas por dois elementos: correção inflacionária e percentual real de renda.

As despesas primárias serão corrigidas a cada exercício pela variação acumulada do IPCA ou por outro índice que vier a substituí-lo, considerados os valores apurados no período de 12 (doze) meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária anual, conforme prevê o caput do art. 4º do Substitutivo da Câmara dos Deputados.

O percentual real de renda a ser aplicado as despesas primárias oscila de acordo com o atingimento da meta de resultado primário definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de maneira que se a meta for atingida as despesas poderão crescer até 70% da receita e, do contrário, as despesas primárias somente poderão crescer até 50% da receita[3].

O substitutivo também prevê, no caput art. 9º, que se o resultado primário for maior que a banda superior, o Poder Executivo poderá ampliar as dotações orçamentárias, em valor equivalente a até 70% (setenta por cento) do montante excedente. Importante mencionar que [a] ampliação das dotações orçamentárias de que trata o caput deste artigo não poderá ultrapassar, em qualquer hipótese, o montante de até 0,25 p.p. (vinte e cinco centésimos ponto percentual) do PIB do exercício anterior. [Art. 9º §3º].

Afora os elementos básicos da regra fiscal acima apresentados, é importante ressaltar que o Senado Federal excluiu o Fundeb, o FCDF[4] e as áreas de ciência, tecnologia e inovação do regime fiscal proposto existentes no substitutivo da Câmara dos Deputados.

A matéria retornou à Câmara dos Deputados para a decisão final e encaminhamento a decisão presidencial. Importante, no entanto, é frisar que a Câmara dos Deputados somente pode deliberar sobre os pontos alterados pelo Senado Federal, o que garante que a estrutura básica da nova meta fiscal, conforme exposto na figura acima, já se encontra consolidada no Poder Legislativo.


[1] O substitutivo da Câmara encaminhado ao Senado Federal está disponível no link: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2284827&filename=Tramitacao-PLP%2093/2023

O documento com as emendas do Senado Federal incorporadas ao dispositivo da Câmara dos Deputados votado em 22.06.2023 está disponível no link: documento (senado.leg.br)

[2] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2284827&filename=Tramitacao-PLP%2093/2023

[3] A correção do limite da despesa está especificado nos arts. 4º e 5º do substitutivo apresentado pela Câmara dos Deputados (REDAÇÃO FINAL (camara.leg.br)).

[4] O FCDF foi excluído do teto de gastos por meio da emenda 14.

Quando a regulação asfixia a concorrência

Será este o caso da decisão para os aeroportos do Rio de Janeiro?

Editorial

O martelo está batido e a partir de janeiro de 2024 o aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro operará apenas com as pontes aéreas Rio (SDU) – São Paulo e Rio (SDU) – Brasília e todos os demais voos que tenham o Rio de Janeiro como destino ou conexão serão realizados pelo Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão).

Apesar de os motivos para a imposição desta restrição já terem sido apresentados neste mesmo espaço em outros editoriais[1], não custa repisar que a intenção do deslocamento dos voos domésticos do Santos Dumont para o Galeão é a de atrair para este aeroporto voos internacionais e transporte de carga.

A premissa do governo é simples: basta deslocar os voos e os passageiros se ajustariam a nova realidade. Só que não!! Uma resposta simples para um problema complexo.

Alguém já se perguntou o porquê do mercado estar se comportando dessa forma? Qual é a razão do esvaziamento do Galeão e da ampliação de demanda via Santos Dumont? Bem, o próprio Ministro de Portos e Aeroportos parece ter a resposta: [s]e deixar, todo mundo quer parar no Santos Dumont. Além de tudo, o Santos Dumont é uma pintura. É considerado um dos pousos e decolagens mais bonitos do mundo[2].

Se as preferências dos consumidores e das empresas apontam neste caminho, porquê desmontar um mercado que está dando certo? Cuidado!! Não é raro encontrarmos casos de desmantelamento do mercado como resultado de intervenções malsucedidas.

Conforme já dito no nosso editorial do dia 26 de abril, asfixiar o Santos Dumont para fazer respirar o Galeão não vai resolver o problema do aeroporto internacional, pois, mais do que o Santos Dumont, o que se está a asfixiar é a concorrência e o algoz, neste caso, é o desenho regulatório que se está a propor.

Não é demais lembrar que a regulação econômica somente faz sentido quando existem barreiras à entrada instransponíveis pelo mercado e que impossibilitem que um equilíbrio mais competitivo seja alcançado.

Ora, considerando o caso concreto seria de bom tom fazer algumas perguntas básicas e que, salvo melhor juízo, parece não terem sido feitas, quais sejam: reduzir a oferta de voos  no aeroporto Santos Dumont ampliaria ou reduzia a concorrência no conjunto de aeroportos do Rio de Janeiro? Deslocar as mesmas empresas concorrentes para o aeroporto do Galeão sem a alternativa de voos no Santos Dumont reduziriam ou aumentariam as barreiras à entrada no aeroporto internacional?

As respostas a estes questionamentos são inequívocas. Prima facie, a decisão regulatória em nada reduz as barreiras à entrada no conjunto de aeroportos do Rio de Janeiro pelo simples fato de que restringir a oferta de voos no Santos Dumont e deslocar as mesmas empresas para operarem no aeroporto do Galeão não facilita em nada o ingresso de novos players.

A combinação “menor oferta no Santos Dumont e mesmos concorrentes no Galeão” não parece uma boa fórmula para ampliar a concorrência no setor aéreo do Rio de Janeiro, principalmente porque, conforme nos ensina a teoria econômica, a imposição de restrição a oferta tem o condão de ampliar preços dos bens e serviços e não de diminuí-los. Por que cargas d’agua deveríamos acreditar que o simples deslocamento dos voos de um aeroporto para outro provocaria ganhos de eficiência capazes de compensar a redução da oferta no Santos Dumont?

A regulação econômica é o meio para atingir a concorrência e se ela não pode ser atingida, como é o caso da decisão que será implementada em outubro vindouro, não há que se falar em qualquer intervenção regulatória, sob pena de desajustar um mercado já desajustado. Decisões como estas são exemplos de como o uso equivocado da regulação econômica pode asfixiar a concorrência ao invés de lhe fazer respirar.


[1] O aeroporto do Galeão como hub doméstico é uma boa solução? (webadvocacy.com.br) e Asfixiar Santos Dumont para fazer o Galeão respirar (“por aparelhos”) (webadvocacy.com.br)

[2] Fala do Ministro Márcio França ao jornal O Globo. Disponível no link: https://r.search.yahoo.com/_ylt=AwrEmROzyJVknDoZSlcf7At.;_ylu=Y29sbwNiZjEEcG9zAzEEdnRpZAMEc2VjA3Ny/RV=2/RE=1687566644/RO=10/RU=https%3a%2f%2foglobo.globo.com%2feconomia%2fnoticia%2f2023%2f06%2flimitacoes-de-voos-no-santos-dumont-comecarao-em-outubro-diz-ministro.ghtml/RK=2/RS=lvENVb3Quy9OtxOIvibHfUTKZgY-

A concorrência (des)leal da Shopee, AliExpress e Shein no e-commerce

Protecionismo do comércio nacional ou os benefícios do livre comércio internacional?

Editorial

Não é novidade que a presença cada vez maior das empresas chinesas Shopee e AliExpress e da empresa singapurense Shein no e-commerce brasileiro tem deixado os concorrentes brasileiros de cabelo em pé. Já há algum tempo os grandes varejistas do comércio nacional têm pedido intervenção dos governos federais e um dos argumentos principais utilizados é o de que estas empresas praticariam concorrência desleal no mercado brasileiro, uma vez que atuam com vendas na faixa de US$ 50, valor isento da cobrança de impostos pela Receita Federal do Brasil[1].

Também não é novidade que a tributação é um ramo importante da defesa da concorrência, na medida em que a aplicação de taxas, contribuições e impostos diferenciados para produtos iguais pode provocar a concorrência desleal, assim como o contrabando ou qualquer outra prática ilícita, o que contribuiria com a elevação dos custos dos rivais e o beneficiamento do mercado de forma ilícita.

No entanto, é preciso ter cuidado para não se criar mais distorção e mais malfeito com os remédios aplicados pelo governo federal, principalmente porque a concorrência das compras cross-border é tida como uma concorrência leal.  A compra cross-border é entendida como a compra online de produtos de outros países, movimento facilitado pela expansão da tecnologia da informação e de acordos realizados entre países, como é o caso do acordo existente entre Brasil e China para a expansão do e-commerce.

Afora os dois elementos pontuados, essa prática vem acompanhada de investimentos em logística e marketing pelas empresas estrangeiras que desejam atuar nos países escolhidos, e isso as empresas Shopee, AliExpress e Shein têm feito com maestria no Brasil.

A compra cross-border é uma realidade e a expansão do mercado relevante geográfico para além das fronteiras brasileiras é uma questão que merece atenção especial pela autoridade antitruste brasileira e que, ao contrário do que prega o empresariado nacional, traz benefícios para o consumidor brasileiro, sobretudo na qualidade dos produtos e nos preços praticados.

Combater a deslealdade concorrencial advinda das questões tributárias e de contrabando são obrigações as quais o Estado brasileiro não pode e não deve escapar, mas entender que o e-commerce, ao ultrapassar fronteiras por meio das compras cross-border, é um caminho importante para ampliar a lealdade concorrencial é algo que também não se deve olvidar. Deve haver, portanto, um equilíbrio entre a salvaguarda do comerciante nacional e o incentivo para as importações internacionais, evitando que a cegueira do protecionismo do comércio nacional obscureça completamente os benefícios do livre comércio internacional.


[1] O problema enfrentado pela Receita Federal do Brasil ganha relevância quando as compras de valor superior a US$ 50 são declaradas por valor inferior a US$ 50, o que, como fraude, aumenta o trabalho de fiscalização da RFB e gera a alegada concorrência desleal.

O aeroporto do Galeão como hub doméstico é uma boa solução?

Os perigos das propostas que estão na mesa.

Editorial

Nas últimas duas semanas foi aventada a proposta de transformar o aeroporto do Galeão em um hub doméstico, de maneira a resgatar por conexões domésticas o mercado internacional de outrora, atualmente deslocado para o aeroporto internacional de Guarulhos.

A transformação de um aeroporto internacional em hub doméstico é o caminho para o resgate da vocação do aeroporto do Galeão. Como fazer esta transformação?

Nos últimos dias, pelo menos duas propostas têm sido aventadas pelos gestores do Estado e do Município do Rio de Janeiro: limitar o número anual de passageiros no aeroporto Santos Dumont e adotar uma estratégia multiaeroportos.

Na primeira proposta, a estratégia seria unilateral, acreditando-se que o excedente de passageiros gerados pela restrição migraria inexoravelmente para o Galeão e, na segunda proposta, a estratégia seria coordenada e os dois aeroportos fariam a alocação dos voos domésticos segundo um critério de benevolência entre dois administradores, de um lado, a Infraero (empresa estatal) e, de outro, a empresa privada detentora da concessão do aeroporto.

Com relação a primeira proposta, alega-se que o aeroporto de Santos Dumont opera acima da sua capacidade e que o seu número anual ótimo de passageiros seria de 6 milhões e não os quase 11 milhões de passageiros que utilizaram o terminal no ano de 2022. A crença da proposta é a de que estes mais de 4 milhões se deslocariam para o aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim. Será?

Bom, este é o primeiro perigo de se impor uma restrição em algo que está funcionado pelas leis de mercado. E se as empresas aéreas acharem mais interessante fazerem as suas conexões em outros aeroportos que não o Galeão? É preciso lembrar que o mercado é otimizador por excelência e ele não vai fazer operação ineficiente simplesmente porque dois gestores assim desejam. O desarranjo de mercado é uma consequência possível dessa atitude!!

Vamos a segunda proposta: coordenar os aeroportos de Santos Dumont e Galeão para distribuir os voos domésticos segundo algum critério de benevolência, seja lá o que significa esta bondade.

Veja, o equilíbrio ótimo para esta solução exige muito mais do que “vontade”, é preciso haver incentivos gerados pelo próprio mercado e não incentivos exógenos ao sistema, como é o caso de imposição de restrições estatais ou coisa que o valha, a menos que se queira transformar a gestão dos dois aeroportos em uma espécie de “ditadura benevolente”, em que o Estado seria novamente o prestador de serviços e a concessão do aeroporto do Galeão deixaria de existir. Será que é isso que está nas entrelinhas? Podemos pensar em uma política orquestrada pela Infraero para atrair os voos domésticos para o Santos Dumont, visando retomar o controle do Galeão?

Pois é!! Haja criatividade!! Já falamos neste espaço que o problema do aeroporto do Galeão é resultado da crise da economia do Rio de Janeiro, da violência nas vias que ligam o aeroporto Galeão as demais localidades do Rio de Janeiro e o fato de que a vocação de internacional do aeroporto a muito se perdeu para o seu concorrente direto, o aeroporto internacional de Guarulhos, em razão de não ter uma rede doméstica de conexões.

Se não tivermos juízo e se não entendermos que a solução do aeroporto do Galeão passa por um conjunto de medidas para além do mercado de transporte aéreo, o soneto com certeza ficará pior que a emenda. Restringir voos em um aeroporto para deslocar demanda para outro é um risco nada desprezível e coordenar os aeroportos é retirar do mercado o principal elemento de eficiência, a concorrência.

As propostas de intervenção no domínio econômico no mercado de aeroportos que estão na mesa são demasiadamente perigosas!

A aprovação da operação Nestle/Garoto vinte anos depois: o trabalho gigante da Procuradoria Federal junto ao CADE

Editorial

O dia 07 de junho de 2023 é um dia para ficar na história do antitruste brasileiro. Nada mais nada menos do que a aprovação da aquisição da Garoto pela Nestle, ato de concentração submetido ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) em 2002, reprovado pelo CADE em 2005, judicializado, com diversas idas e vindas ao longo dos últimos 20 anos, e aprovado com celebração de Acordo pelo Plenário do Conselho[1].

A aprovação deste caso envolveu duas décadas de composições de Conselho, um pouco mais de uma década de SG e a composição de várias Presidências e Procuradorias Federais junto ao CADE. A vitória é de todos!! O Conselho foi decisivo no início dos anos 2000 e na decisão de 2023, a SG foi precisa na instrução e na elaboração de Parecer translúcido que conduziu a decisão do Plenário do último dia 07 de junho e incansável foi a Procuradoria Federal junto ao CADE ao longo destes longos anos.

Afora a competência dos presidentes, conselheiros, superintendentes e procuradores que atuam e que atuaram no CADE durante este período, há que se exaltar a importância do desenho institucional e procedimental que sustenta o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. O excerto extraído do PARECER n. 00017/2023/CGCJ/PFE-CADE/PGF/AGU deixa bem clara a natureza deste desenho institucional, in verbis:

27. Evidentemente, a solução negociada é superior à solução imposta, na medida em que elimina os custos associados à implementação, antecipando à sociedade os benefícios da tutela legal[6]. Com efeito, muitas vezes a solução negociada dos processos administrativos que visam à aplicação da LDC, na medida em que obvia os custos e riscos inerentes à morosidade do trâmite judicial, pode se afigurar como uma alternativa para a implementação eficaz da política de defesa da concorrência.

28. Por essa razão que a Lei 8.884/94, aplicável à época da operação, derrogada pela lei 12.529/11, exigiu que o acordo seja proposto pela Procuradoria-Geral e aprovado pelo Plenário (composto de seis Conselheiros e um Presidente com mandato, todos nomeados pelo Presidente da República dentre cidadãos brasileiros maiores de 30 anos, de ilibada reputação e notórios conhecimentos jurídico e econômico, após sabatina pelo Senado Federal). 29.

29. Este desenho institucional e procedimental confere ao CADE a necessária independência e legitimação para vocalizar o interesse público, no caso concreto, quanto à conveniência e oportunidade na celebração de acordo processual (TCC, TAC ou transação) ou extraprocessual. Portanto, a celebração de acordo encontra-se na esfera de competência do Plenário do CADE como mecanismo válido de implementação da política de defesa da concorrência. 30.

30. A Lei 12.529/11 não apenas manteve como reforçou a hipótese de negociação administrativa de termos de compromisso de cessação (art. 85), claramente validando a experiência de anos do CADE na implementação de uma política de solução negociada de seus litígios com administrados. No que se refere aos acordos judiciais, que é o caso sob análise, a Lei 12.529/11 também previu expressamente, no seu art. 15, inciso VI, a competência da PFE-CADE de promover acordos judiciais mediante autorização do Tribunal.

Resta claro que esta e outras decisões são fruto do trabalho conjunto do CADE (SG, Tribunal e DEE) e da Procuradoria Federal junto ao CADE. Conforme demonstrou a SG, o mercado se ajustou ao longo do tempo e a rivalidade existente no mercado já era motivo suficiente para que a operação chegasse a bom termo.

Fosse o direito econômico revestido somente de questões mercadológicas, talvez a solução já tivesse sido dada a mais tempo, haja vista a evolução do mercado de chocolates e afins no Brasil e no mundo. No entanto, o direito econômico não é só econômico, ele é jurídico também e a batalha na seara jurídica é bem mais longa.

A judicialização das decisões do CADE acaba fazendo com que a solução final acompanhe o tempo e a morosidade do Poder Judiciário. É preciso muita capacidade de negociação e resiliência para se chegar a bom termo e, nisso, o papel da atual Procuradoria-Geral do CADE para fazer todas essas costuras e arremates finais foi gigante!

A aprovação da operação Garoto/Nestlé pelo CADE marca o fim dessa chaga no SBDC. Ganha a concorrência, ganham os consumidores, ganha o Brasil.

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[1] Do ponto de vista do funcionamento dos mercados relevantes envolvidos na operação, o acordo celebrado entre CADE e Nestle prevê:

d) Por força do presente acordo, a NESTLÉ declara e se compromete, ainda, que, pelo período mínimo de 7 (sete) anos, contados da sua homologação judicial, manterá em produção, eficiente e moderna, a unidade fabril da CHOCOLATES GAROTO em Vila Velha – ES, sob pena de multa de R$ 50.000.000.00 (cinquenta milhões de reais), a ser aplicada pelo CADE e recolhida ao Fundo dos Direitos Difusos – FDD.

e) O funcionamento da unidade fabril da CHOCOLATES GAROTO em Vila Velha – ES será atestado por trustee, contratado para esse fim específico pela NESTLÉ, mas previamente aprovado pelo CADE, conforme trâmites previstos no Anexo I, em periodicidade anual, a partir da homologação do presente acordo perante o competente juízo. Para que não reste dúvida, a presente obrigação em nada interfere no imediato encerramento da ação ordinária (Autos sob o n.º 2005.34.00.015042-8), a partir da homologação judicial do presente acordo, com emissão de sentença, nos termos do CPC artigo 269, III.

Os efeitos da crueldade do racismo no mercado de trabalho dos jogadores de futebol

Editorial

No domingo, dia 21 de maio de 2023, o jogador de futebol brasileiro Vinicius Júnior que atua pelo Real Madrid, foi objeto de racismo em um estádio de futebol em Valência na Espanha. Este não é um caso isolado, muitos outros episódios de racismo têm ocorrido pelos estádios europeus.

A criação de ligas de futebol, como “English Premier League” e “UEFA Champions League”, que transformou o futebol em um produto premium da indústria de entretenimento e a publicação do “Bosman Ruling” pela Corte de Justiça das Comunidades Europeias, que liberou o mercado de trabalho do futebol, permitindo, com isso, a contratação de jogadores de qualquer lugar do mundo ampliou sobremaneira a presença de jogadores advindos da África, da América Latina e da Ásia e tornou mais evidente a prática do racismo na Europa.

Mas não nos enganemos, o racismo dentro dos estádios de futebol não é um problema somente do continente europeu, esta é uma chaga mundial e o Brasil não está livre deste mal. O “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol”[1] do Observatório da Discriminação Racial no Futebol[2] está aí para não nos deixar mentir. O que se observou no Brasil e com atletas brasileiros atuando no exterior no mundo do futebol é alarmante.

Fonte: Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol

Para se ter uma ideia da discriminação nos gramados brasileiros, a prática de racismo foi responsável por quase 60% dos casos de discriminação envolvendo brasileiros em 2021 (64 casos de racismo no futebol dentro do Brasil e 10 com atletas brasileiros no exterior) e, juntos, os casos de LGBTfobia, machismo e xenofobia foram responsáveis por pouco mais de 36% dos eventos.

Na obra “Colour? What Colour? Report on the fight against discrimination and racism in football.”, Sonntag e Ranc (2015)[3] afirmam que o futebol é o esporte mais assistido no mundo e que os torcedores têm uma relação de paixão com os seus times e com as suas nacionalidades e de aversão, para não dizer de ódio, com os seus adversários.

A figura do “nós” e “eles” está muito presente e as agressões ao time adversário e aos seus jogadores e técnicos se dão a partir de linguagem que, em geral, vem acompanhada de mensagens de inferiorização dos adversários e, [q]uando tais discursos de inferiorização e insulto são baseados em critérios étnicos, religiosos e sexuais, o futebol torna-se palco de racismo e discriminação. [Sonntag e Ranc (2015), introdução].

Afora toda a barbaridade que o ato de discriminação traz para o ser humano, é no campo econômico que o efeito é devastador, sobretudo para aqueles que sofrem a discriminação, com efeitos não somente sobre o indivíduo, mas também sobre o seu próprio país de origem.

A literatura econômica dos custos econômicos da discriminação racial tem se debruçado sobre os efeitos da discriminação racial sobre o desempenho dos grupos minoritários e tem mostrado que atos discriminatórios afetam negativamente o mercado de trabalho destes grupos.

Caselli et al[4] avaliam os efeitos da discriminação racial sobre o mercado de trabalho dos grupos afetados. Para tanto, os autores utilizaram o lockdown dos estádios do período da pandemia Covid-19 como experimento natural e verificaram que indivíduos que pertencem a grupos historicamente discriminados têm pior desempenho do que seus pares quando a tarefa ocorre em um ambiente no qual o comportamento discriminatório ocorre de forma manifesta. Além disso, como mostramos que jogadores discriminados se saem melhor na ausência de torcedores, outros grupos se saem pior, nossas evidências sugerem que o assédio racial leva a uma diminuição geral em produtividade e eficiência.[5] [Caselli et al, pag. 2].

Mais cruel ainda é que a prática do racismo, ao afetar a produtividade e a eficiência dos jogadores, promove a ruptura de contratos e impossibilita a melhoria de vida para os jogadores afetados e suas famílias com consequências nada desprezíveis para os países de origem destes jogadores.


[1] RELATORIO_DISCRIMINACAO_RACIAL_2021.pdf (observatorioracialfutebol.com.br).

[2] Acesse o sítio eletrônico do Observatório da Discriminação Racial no Futebol no seguinte link: Observatório da Discriminação Racial no Futebol (observatorioracialfutebol.com.br)

[3] SONNTAG, Albrecht; RANC, David. Colour? What Colour? Report on the fight against discrimination and racism in football. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). 2015. Disponível em: Couleur? Quelle couleur? Rapport sur la lutte contre la discrimination et le racisme dans le football – UNESCO Digital Library. Acesso em: 27 de maio de 2023.

[4] Mauro Caselli, Paolo Falco, Gianpiero Mattera. Uncovering the Effects of Racial Harassment through a Natural Experiment. Department of Economics and Management, University of Trento, Italy. DEM Working Papers. N. 2021/1. Disponível em: DEM2021_01.pdf (unitn.it)

[5] Tradução livre do trecho:

The results fit a broader framework that stretches beyond the world of sports, whereby individuals who belong to historically discriminated groups perform worse than their peers When the task takes place in an environment in which discriminatory behaviour occurs manifestly. Furthermore, since we show that discriminated players do better in the absence of fans while no other groups do worse, our evidence suggests that racial harassment leads to an overall decreas in productivity and e efficiency.

Indústria automobilística, carros populares e política de conteúdo local.

Os velhos erros da nova política

Editorial

Hoje o governo anunciou a política de incentivos para os carros populares. Afora toda a ladainha desenvolvimentista (nada contra o desenvolvimentismo!!), três coisas chamaram a atenção: (i) a insistência com a indústria automobilística como meio de mobilidade; (ii) o foco nos carros populares; e (ii) alguma coisa parecida com a política de conteúdo local de outrora.

A insistência com a indústria automobilística remonta ao desenvolvimentismo brasileiro das décadas de 1960 e 1970 e tem como objetivo aquecer a indústria não só o elo de montagem de veículos, mas também todos os elos a ela ligados, como, por exemplo, os setores de autopeças e de vendas de automóveis.

Trata-se, portanto, de uma política industrial de origem vertical, em que a política se destina a um setor específico e não a economia como um todo. Há quem diga que essa política é eficiente pelas razões mencionadas no parágrafo anterior (efeito arrasto sobre a economia), mas há muita controvérsia em torno de políticas desta natureza, principalmente porque beneficiar um setor com incentivos fiscais significa gerar impactos negativos para toda a economia via deterioração da situação fiscal.

O foco nos carros populares é outra iniciativa que acende seu alerta, mas, infelizmente de forma negativa. Não se quer com isso limitar o acesso da população menos favorecida ao mercado de veículos, mas apenas se levar em conta que as metrópoles brasileiras estão abarrotadas de veículos, que o transporte de massa de qualidade é a solução para as cidades e que o combustível fóssil é extremamente prejudicial ao meio ambiente.

Por fim, não menos preocupante é a adoção de algum tipo de política de conteúdo nacional para essa indústria. Não se está aqui a dizer que a indústria de autopeças brasileira não deve ser protegida, mas este é um exemplo de como a política industrial horizontal se choca com os benefícios da livre concorrência que, por meio do mecanismo de preços, gera eficiências de todas as naturezas.

Colocar como critério para isenção fiscal o uso de componentes brasileiros em detrimento dos componentes estrangeiros é emitir sinal invertido para a indústria nacional, pois o foco das empresas brasileiras que neste mercado atuam deixa de ser a melhor qualidade do produto pelo menor preço e passa a ser o par ordenado qualidade preço que atende a regra imposta. Na prática, a redução na pressão competitiva da indústria conduz a solução de mercado para um equilíbrio menos eficiente.

Bem, não precisa ir muito longe no tempo para saber que políticas com as características mencionadas favorecem menos aqueles que serão estimulados a adquirir os carros populares.