Reforma Tributária em Foco

Editorial

Ontem (13.09.23), no Auditório Miroslav Milovic da Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade de Brasília aconteceu o evento chamado Reforma Tributária em Foco. O evento foi trazido à UNB pela Professora Doutora Cristiane A. J. Alkmin do Banco Mundial e foi organizado e executado pela PPGD-UNB e pela WebAdvocacy – Elvino de Carvalho Mendonça e Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça, tendo à frente da organização os professores Marcelo Neves e Felipe Zanchet Magalhães.

Passaram pela abertura e pelas duas mesas de discussão ilustres autoridades do Poder Executivo e do Poder Legislativo e renomados acadêmicos e estudiosos da reforma tributária em nosso País. Pelo lado do Poder Executivo, pudemos contar com a abertura do Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Dário Durigan, que nos trouxe a lembrança de que o Brasil ocupa a posição 184 de 190 países no ranking do Doing Business realizado pelo Banco Mundial e que o êxito da reforma tributária, que se encontra no Congresso Nacional, nos permitirá saltar de 60 a 80 posições neste ranking.

Do Poder Legislativo, ouvimos as palavras de dois parlamentares atuantes nas Propostas de Emenda à Constituição da Reforma Tributária: Deputado Luiz Carlos Hauly e o Deputado Reginaldo Lopes. Ambos os parlamentares apontaram o desejo de ver aprovada a reforma tributária por entenderem que o sistema tributário brasileiro, tal como vigente hoje no Brasil, é antiprodutivo, antieconômico e gerador de desigualdades e pobreza.

Contamos também com a participação de acadêmicos, técnicos dos governos federal e estadual e representantes do setor privado. A academia se fez representar pelos Professores Eurico de Santi, Nelson Machado, Marcelo Neves e Felipe Zanchet Magalhães. Os dois primeiros diretores do Centro de Cidadania Fiscal (CCIF) e os dois últimos professores do departamento da Faculdade de Direito da UNB.

O governo federal se fez representar pelo Secretário Especial da Reforma Tributária, escritor do Projeto de Lei – Bernard Appy, pelo subsecretário da Secretaria do Tesouro Nacional Marcelo Amorim e pelo conselheiro do CARF Thiago Sorrentino. Na esfera estadual, a representação ficou por conta do Auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo Rodrigo Spada e, por fim, o setor privado se viu representado pelo sócio do Escritório Pinheiro Neto Advogados Luiz Roberto Peroba.

Enfim, foi possível observar que há um desejo comum dos participantes pela aprovação da reforma tributária. Se você não foi pode comparecer presencialmente ou não teve oportunidade de assistir ao evento de modo on-line e tem interesse no conteúdo deste debate, acesse o canal da WebAdvocacy no Youtube[1] e desfrute da visão técnica jurídico-econômica de cada um dos palestrantes e moderadores.


[1] Links para a mesa I (manhã): https://www.youtube.com/watch?v=2WhfSAi8B-4https://www.youtube.com/watch?v=h1cFTbJfoBA&t=16s

Link para a mesa II (noite): https://www.youtube.com/watch?v=H_jfUUfdGoo&t=84s

O novo arcabouço fiscal também limita o tamanho do governo

Editorial

Talvez a maior consequência da vigência da Emenda Constitucional nº 95, também chamada de Teto de Gastos, tenha sido o enxugamento da máquina pública.

Bem, parte deste enxugamento pode ser explicada pela política de redução de gastos público implementada pelos governos que vigeram no período 2016 a 2022 e parte é explicada pela adoção de um regime fiscal em que os gastos públicos são limitados, como foi o caso do Teto de Gastos.

            Regras de teto de gastos tem como uma das consequências principais o controle do tamanho do governo, uma vez que o volume de recursos públicos a serem gastos fica limitado por um teto[1], o que faz com que o mandatário se veja diante de importantes escolhas no trato do dinheiro público.

            Apesar do pomposo nome, o novo arcabouço fiscal sancionado pelo Presidente da República e anunciado pelo novo governo como uma regra fiscal mais realista que o chamado Teto de Gastos (EC 95/2016), também não deixa de ser uma regra de teto de gastos, pois também estabelece limites para os gastos públicos anuais.

            Como já foi amplamente demonstrado neste espaço[2], o novo arcabouço fiscal difere do Teto de Gastos pela existência do componente de receita, em que os gastos do governo são acrescidos de 70% da variação da renda se uma banda de 0,25% do PIB em torno da meta de resultado primário tiver sido cumprida ou de 50% da variação da renda se a meta não tiver sido cumprida.

            De toda a celeuma causada pelo anúncio de alteração da regra fiscal no cenário político e econômico do país no primeiro semestre deste ano pelo governo atual, uma coisa se pode assegurar: o regime fiscal do Brasil continua sendo o regime de teto de gastos.

Pode-se até dizer que o remendo a EC 95 não foi de todo mal para os fiscalistas, pois, ainda que o espaço para o gasto tenha sido ampliado, a nova regra fiscal manteve as mesmas características da regra fiscal anterior e, também pode-se dizer os desenvolvimentistas não saíram completamente frustrados desse processo, pois a nova regra fiscal ficou menos rígida e o gasto pode ser ampliado ainda que com limites.

            A verdade é que continuamos com um teto de gastos e isso é o lado bom de toda a história!!! Limitar gastos é responsabilidade, mas responsabilidade também é equalizar a necessidade dos investimentos e dos programas do governo com a responsabilidade na execução das despesas.


[1] As regras de gastos, no qual está inserido o Teto de Gastos, estabelecem limites para os gastos totais, primários ou correntes. Tais limites são normalmente estabelecidos em termos absolutos, aplicam-se às taxas de crescimento ou, ocasionalmente, são estabelecidos como uma percentagem do PIB. O horizonte de tempo mais frequentemente varia entre três e cinco anos. … [O]s limites máximos das despesas definem diretamente o montante dos recursos públicos recursos utilizados pelo governo e, em geral, são relativamente fáceis de comunicar e monitorar. [Budina et al (2018), pag. 111]

BUDINA, Nina; KINDA, Tidiane; SCHAECHTER, Andrea; WEBER, Anke.Numerical Fiscal Rules: Internatinal Trends. Disponível em: Chapter 3: Numerical Fiscal Rules: International Trends in: Public Financial Management and Its Emerging Architecture (imf.org). Acesso em: 10 de setembro de 2023.

[2] O Arcabouço Fiscal amplia a margem para o cumprimento da meta do resultado primário? (webadvocacy.com.br);

Entendendo a metodologia de reajuste das despesas primárias no novo marco fiscal (webadvocacy.com.br)

Alguns comentários sobre a relação entre a Lei de Defesa da Concorrência e a Lei de Propriedade Industrial

Editorial

O ordenamento jurídico brasileiro, assim como em grande parte do mundo ocidental, conta com a lei de defesa da concorrência – LDC (Lei nº 12.529/2011) e com a lei de propriedade industrial – LPI (Lei nº 9.279/1996), ambos diplomas legais do ramo do direito empresarial.

A LDC dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico (Caput do art. 1º), tendo a coletividade como proprietária dos bens jurídicos tutelados pela lei (Art. 1º, § único) e, a LPI regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial (Art. 1º).

Elaboração: WebAdvocacy

A LPI é o diploma legal que assegura o poder de monopólio temporário para inovações, modelos de utilidade, marcas e desenhos industriais, de maneira a permitir que o inovador ressarça os seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento, sendo o objetivo precípuo desta lei o incentivo às inovações.

A LDC, por seu turno, não combate a posição dominante das empresas detentoras do direito por si só[1], sendo inclusive expresso no art. 36, §1º da Lei nº 12.529/2011 que [a] conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo [dominar mercado relevante].

Assim, não há qualquer conflito entre o monopólio temporário para inovadores garantido pela LPI, eis que a LDC, em termos de prevenção e repressão às infrações à ordem econômica, entende que posição dominante é apenas uma condição necessária, mas não suficiente para o seu abuso.

No entanto, quando o detentor do direito a proteção conferido pelo Estado utiliza o poder de mercado temporário para, por exemplo, elevar os custos dos rivais, fechar mercado ou discriminar concorrentes, as patentes, marcas e os desenhos industriais viram objeto de análise das infrações à ordem econômica.

Ao permitir que o inovador desfrutasse da posição dominante temporária, o legislador não afrontou a eficácia da lei de defesa da concorrência. Na verdade, a garantia de poder de monopólio conferida pela LPI aos inovadores amplia a concorrência potencial pela inovação que, do ponto de vista dinâmico, tem o condão de gerar a concorrência real, sem descuidar da análise das demais hipóteses de abuso de posição dominante.

A LDC e a LPI não são, pois, antagônicas, mas se complementam no ordenamento jurídico brasileiro.


[1] De acordo o art. 36, §2º da LDC, [p]resume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.

O Arcabouço Fiscal amplia a margem para o cumprimento da meta do resultado primário?

Editorial

Na semana passada a Câmara dos Deputados aprovou, enfim, a nova regra fiscal, também chamada popularmente de Arcabouço Fiscal (PLP 93/2023)[1]. A Câmara acatou a proposta do Senado Federal de manter fora do regime fiscal o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e o Fundef e rejeitou a proposta de manter neste grupo os gastos com Ciência e Tecnologia.

Já falamos aqui neste espaço sobre o ganho metodológico do novo regime fiscal em comparação ao Teto de Gastos[2] vigente atualmente, na medida em que torna o cálculo das despesas primárias do governo dependentes da evolução das receitas primárias obtidas com a arrecadação[3] e não somente a correção da inflação, e sobre o cálculo em si das despesas primárias no arcabouço fiscal[4] .

Assim como no regime fiscal denominado Teto de Gastos, em que as despesas primárias do ano seguinte eram definidas com base na correção das despesas primárias do ano atual pela inflação acumulada, o novo arcabouço fiscal nada mais é do que um teto de gastos que oscila com o cumprimento da meta de resultado primário, pois a depender do seu cumprimento, para os exercícios de 2024 a 2027, acresce-se 70% da variação real da receita primária do ano anterior ou 50% no caso contrário, observados o limite máximo de 2,5% a.a. e o limite mínimo de 0,6% a.a.. Ainda, para este período, o Arcabouço Fiscal acrescentou um intervalo de tolerância para a meta de resultado primário do Governo Central para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União de 0,25 p.p.  (vinte e cinco centésimos ponto percentual) do Produto Interno Bruto previsto no respectivo Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Na prática, no arcabouço fiscal o teto para as despesas primárias sempre será superior ao teto destas mesmas despesas no regime do teto de gastos.

Mas, e a meta de resultado primário? Qual é a relação que existe entre esta meta e os dois tetos para as despesas primárias?

Prima facie, é importante dizer que o resultado primário por ser calculado pela diferença entre as receitas primárias e as despesas primárias é diretamente afetado pelo teto das despesas primárias, quer sejam calculadas pelo Teto de Gastos quer sejam calculadas pelo Arcabouço Fiscal, o que faz com que a relação entre meta de resultado primário e teto de despesas primárias seja direta.

Também é importante ressaltar que em ambos os casos a meta de resultado primário[5] é exógena à definição do limite de despesas primárias, haja vista que esta é definida antes do teto de despesas primárias. A grande diferença, no entanto, está na contribuição das receitas primárias à meta de resultado primário e ao teto das despesas primárias que se encontra no Arcabouço Fiscal, mas que não está no Teto de Gastos.

No Teto de Gatos, as despesas crescem menos que no Arcabouço Fiscal, e não há tolerância para a meta de resultado primário. Já no Arcabouço Fiscal, os limites individualizados para o montante global das dotações orçamentárias relativos às despesas primárias serão corrigidos cumulativamente pelo IPCA e pelo mecanismo de variação real da despesa e, ainda, haverá um intervalo de tolerância para a meta anual de resultado primário do Governo Central.

Portanto, parece que o desenho do Arcabouço Fiscal amplia a margem para o cumprimento da meta fiscal enquanto autoriza um crescimento maior das despesas. Se isso é saudável ou não para a economia brasileira, é o que veremos nas cenas dos próximos capítulos!!


[1] PLP 93/2023 — Portal da Câmara dos Deputados – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)

[2] Emenda Constitucional nº 95 (EC nº 95), de 15 de dezembro de 2016 – Emenda Constitucional nº 95 (planalto.gov.br)

[3] O realismo fiscal do novo arcabouço. (webadvocacy.com.br)

[4] Entendendo a metodologia de reajuste das despesas primárias no novo marco fiscal (webadvocacy.com.br)

[5] O resultado primário é calculado a partir a diferença entre o valor das receitas primárias e o valor das despesas primárias e o valor da sua meta, que está definida no Anexo de Metas Fiscais que integra a Lei de Diretrizes Orçamentárias conforme prevê o art. 4º, §1º da LRF[5][5], é calculado a partir da análise do cenário macroeconômico e dos limites fiscais impostos pelo regime fiscal de teto de gastos para os próximos três anos a contar do ano em análise.

O que a obra “Intermitências da Morte” de José Saramago tem a ver com a soberania econômico-orçamentária brasileira no contexto da transformação digital?

Editorial

José Saramago na sua obra “Intermitências da Morte” traz reflexões muito importantes a respeito do custo e do benefício de algo que chega para alterar o status quo. De maneira breve, o autor apresenta a alegria da cidade ao saber que a morte não se fazia mais presente entre eles. No primeiro momento a imortalidade foi vista com regozijo, mas em pouco tempo os conflitos começaram a surgir. 

A ausência das mortes colocou em xeque, por exemplo, a existência das funerárias e das seguradoras de vida. O desajuste dos setores econômicos resultou em soluções criativas e um dos principais efeitos colaterais apontados por José Saramago foi o surgimento da clandestinidade, da contravenção e da criminalidade. 

A descoberta de que a morte não estava extinta nas cidades que faziam fronteira foi o estopim para o surgimento de empreendimentos para fazer o transporte dos enfermos moribundos para as cidades vizinhas, onde estes poderiam alcançar a morte tão desejada, com o retorno da sociedade ao equilíbrio social anterior.

A extinção da morte no Estado era um fenômeno repentino e o Estado, com as suas leis e regras administrativas, não encontrava ajuste ao novo. Na presença de tamanha rigidez legal e de hábitos, o resultado foi o crescimento das atividades clandestinas e do envolvimento do próprio Estado nestas atividades. A existência de policiais de fronteira complacentes com a prática do transporte de moribundos para além da fronteira vizinha é um exemplo de como as alterações na sociedade caminham de avião supersônico e o Estado de carroça.

Pois então, o novo atropela, desafia e causa transtorno e o Estado somente se acautela quando o novo fica velho, mas é entre o novo e o velho que surgem o oportunismo e o descaminho.

A partir da reflexão de José Saramago coloca-se a seguinte pergunta para reflexão: o que está por surgir no Estado brasileiro como resultado da avassaladora transformação digital? 

Bem, parece que ainda estamos “abestalhados” com toda esta transformação digital, tal como foi a atitude dos moradores da cidade mediante a extinção da morte. Os órgãos públicos mergulham de cabeça nestas tecnologias e, ao se deliciarem com as maravilhas virtuais, transferem informações relevantíssimas do Estado para bancos de dados, se não suspeitos, pelo menos bastante obscuros. 

Tá bem, o discurso sempre é de que não podemos perder o bonde etc etc etc!!!

Sim, não podemos perder o bonde, mas também não podemos viajar pendurados na porta, pois a chance de cairmos dele é uma questão de tempo.

Estaria a soberania econômico-orçamentária brasileira em perigo?

A soberania do Estado é um tema constitucional, ela está em tudo aquilo que diz respeito a uma nação e a soberania econômico-orçamentária faz parte da soberania nacional. Alguns autores têm afirmado que a sociedade tem experimentado conjuntamente as transformações econômicas, sociais, jurídicas, políticas e morais, ao contrário do que acontecia anteriormente.

Como tratar a soberania econômico-orçamentária de um país frente aos contratos internacionais de transferência de tecnologia, em que empresas poderosas como as big techs (Microsoft, Apple, Google etc), que possuem PIBs superiores ao de muitos países, estão enraizadas em todos os continentes e detêm acesso a todas as informações fiscais relevantes dos países a velocidades inimagináveis. 

Talvez porque o saudoso romancista José Saramago seja português, a Europa já luta como nunca para proteger as suas fronteiras do avanço destas transformações digitais sobre a sua soberania, mas e o Brasil? Para onde vamos?

A democracia precisa da concorrência e a concorrência precisa da democracia

Editorial

A democracia ocidental teve a sua origem na Grécia antiga com a ideia de que os indivíduos que viviam em uma determinada sociedade tinham direito de participar das decisões políticas da sua sociedade. Com o advento das ideias iluministas do século XVI, a democracia ganhou o formato de um regime político em que o poder é exercido pelo povo e este se manifesta na escolha dos representantes por meio do voto direto.

No mundo político, muitas figuras ilustres manifestaram-se a favor da democracia. Abraham Lincoln pronunciou que a democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo; Clement Attlee[1] afirmou que a democracia não é apenas a lei da maioria, é a lei da maioria respeitando o direito das minorias; e Winston Churchill cunhou célebre frase de que a democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela.

No mundo jurídico-econômico, as manifestações a favor da democracia como sistema político propulsor de concorrência não foram diferentes.

Fox (2017)[2] constatou que nos países em que o sistema político democrático foi adotado, os mercados ao mesmo tempo que ajustaram as liberdades civis com as liberdades econômicas, também envidaram esforços para atender às necessidades de construir a posição econômica da nação no mundo.

Waller (2017)[3], por seu turno, entende que concorrência encontra o terreno fértil na democracia, pois o conjunto de normas, regras e instituições que dá sustentação ao referido sistema político permite o surgimento de vários agentes econômicos e de várias vozes no mercado de forma justa e não discriminatória.

Rouleau (2015)[4]  observou que a democracia ao permitir a manifestação de diferentes opiniões que se transformam em leis, regras e regulamentos acaba por fazer com que a busca por inovações seja o caminho natural para a sobrevivência das empresas, o que faz com que surja uma grande quantidade de diferentes bens e serviços na economia.

O mundo político e o mundo jurídico-econômico se entrelaçam quando os assuntos são democracia e concorrência. A democracia para existir precisa que os mercados operem em concorrência, ainda que imperfeita, e a concorrência necessita da democracia para que a legislação que lhe dá sustentação encontre o terreno adequado ao devido processo legal.

Concorrência e democracia andam de mãos dadas !


[1] Clement Attlee | Biography, Accomplishments, & Welfare State | Britannica

[2] FOX, Eleanor. The Symbiosis of Democracy and Markets. Global Forum on Competition. OECD. 2018. Disponível em: pdf (oecd.org). Acesso em: 09 de agosto de 2023.

[3] WALLER, Spencer Weber. Antitrust and Democracy: Democracy in Antitrust. OECD, Global Forum on Competition, DAF/COMP/GF(2017)6. Disponível em: pdf (oecd.org). Acesso em 16 de agosto de 2023.

[4] ROULEAU, Serge. La concurrence est au monopole ce que la démocratie est à la dictature. Huffpost. www.huffpost.com. 27 de junho de 2015. Disponível em: La concurrence est au monopole ce que la démocratie est à la dictature | HuffPost Nouvelles. Acesso em17 de agosto de 2023.

Agora é verdade!! Aeroporto Santos Dumont somente para voos com distância máxima de 400 km de seu destino ou origem. 

Editorial

Neste editorial não atacaremos a medida com extremismos ideológicos. Isso por si só já está dito e não nos ateremos a questões que são de natureza político-ideológica e que devem ser debatidas em outros fóruns. Nos ateremos aqui àquilo que é muito caro a WebAdvocacy que é a área de defesa da concorrência. Fiquemos em discussão técnica para não perdermos o fio da meada. 

A RESOLUÇÃO CONAC-MPOR Nº 1, DE 10 DE AGOSTO DE 2023 traz o cerne da questão já no seu primeiro artigo, in verbis

Art. 1° A partir do dia 02 de janeiro de 2024, as operações regulares no Aeroporto do Rio de Janeiro – Santos Dumont deverão ser planejadas observando: 

I – a distância máxima de 400 km (quatrocentros quilômetros) de seu destino ou origem; e 

II – as ligações com aeroportos de operação regular doméstica. 

O inciso primeiro impõe uma restrição geográfica de 400 km para os voos no Santos Dumont a partir do seu destino ou origem e o inciso segundo crava o aeroporto como sendo unicamente de natureza doméstica. Deixemos o inciso II para um outro editorial e foquemos apenas no inciso I, que já dá muitos “panos para manga”. 

O que significa a restrição imposta no inciso I?   

Portanto, pela restrição imposta no inciso I no mercado relevante geográfico do aeroporto Santos Dumont estão incluídos os aeroportos de Congonhas/SP e Viracopos em Campinas/SP e excluídos os aeroportos de Brasília, de Vitória e de Curitiba, além de todos os demais aeroportos do Brasil que estão a mais que 400 km de distância.  

Uma observação importante!! Não está claro se o aeroporto de Guarulhos em SP está fora do mercado relevante do Santos Dumont, pois este está localizado a menos de 400 km e tem operação regular internacional e doméstica. 

Não fosse a “estranheza” de permitir que alguns aeroportos importantes no cenário nacional estejam no raio de alcance do aeroporto carioca e de excluir outros tantos de relevância não menos importante deste mesmo mercado, a questão fundamental é a de porque afrontar o consagrado princípio da liberdade de iniciativa por meio de uma prática tão danosa à concorrência como é a restrição territorial, que aliás é escrita em “verso e prosa” nos importantes manuais de defesa da concorrencial afora como uma danosa infração à ordem econômica. 

Tá bem!! É o Estado que está impondo a restrição territorial. É para o bem da economia Fluminense etc etc…. Barbaridade!!  

Difícil acreditar que a medida gerará benefícios para a economia fluminense e para a sua gente e a explicação está no “assassinato” do conceito de mercado relevante geográfico, que é o locus geográfico onde a concorrência acontece. 

Alguns dirão que em certas circunstâncias não é preciso definir mercado relevante. Talvez!! Mas entendemos que este não é seguramente o caso. Por que limitar algo que é economicamente viável? Apesar das respostas dadas pelas autoridades fluminenses, não nos convencemos que agredir o conceito de mercado relevante geográfico seja uma solução sustentável.  

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos!!! 

Reforma tributária, Carf e o arcabouço fiscal: as pedras no caminho do orçamento para 2024

Editorial

Depois de ter sido encaminhado e aprovado o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2024[1] ao Congresso Nacional nos meses abril e julho, respectivamente, o Chefe do Poder Executivo se prepara para encaminhar até o dia 31 de agosto o Projeto de Lei Orçamentária de 2024 (PLOA 2024), lembrando que a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) [e]stabelece as regras que deverão ser observadas na formulação do projeto de Lei Orçamentária Anual, que será votado no segundo semestre e a Lei Orçamentária Anual (LOA) direciona os gastos e as despesas do governo, indicando qual será o orçamento público disponível para o próximo ano[2].

O ciclo orçamentário do Brasil está seguindo o seu curso normal, mas o caminho está cheio de pedras, ou melhor, projetos, e atendem pelo nome de reforma tributária (PEC 45/19[3]), Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf (PL 2384/23[4]) e arcabouço fiscal (PLP 93/23[5]).

O projeto da reforma tributária ainda se encontra no Senado Federal, após ter sido aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados. Caso os senadores alterem o documento, a matéria ainda terá que retornar para a Câmara dos Deputados para depois então ser sancionado pelo Presidente da República. Um longo caminho pela frente!!!

O projeto que trata do Carf também se encontra no Senado Federal e o caminho legislativo também está esburacado e cheio de pedras, sobretudo porque não parece ser consenso entre os parlamentares a proposta de permitir ao representante da Fazenda Nacional o voto de desempate no Conselho.

Por fim, o projeto que trata da nova regra fiscal do país se encontra na Câmara dos Deputados, após terem sido acrescentadas emendas na Casa revisora (Senado Federal) que excluíram do novo arcabouço fiscal, entre outras coisas, o Fundo Constitucional do Distrito Federal – FCDF e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundef. Alterações ao substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados que não devem prosperar na revisão da revisão a ser feita pelos deputados federais.

Se aprovados nos termos do Poder Executivo há uma probabilidade grande de que o cenário econômico-fiscal fique menos pressionado para o ano de 2024 e seguintes. No entanto, o mesmo não se pode dizer se os projetos não avançarem da forma desejada pelo Planalto.

As pedras estão no caminho, o tempo urge e o orçamento não espera!!!


[1] PLN 4/2023 – Congresso Nacional

[2] Conheça o ciclo orçamentário federal – Notícias – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)

[3] Proposta de Emenda à Constituição Nº 45/2019 – Matérias Bicamerais – Congresso Nacional

[4] Projeto de Lei Nº 2384/2023 – Matérias Bicamerais – Congresso Nacional

[5] Projeto de Lei Complementar Nº 93/2023 – Matérias Bicamerais – Congresso Nacional

O velho mundo se defende como pode das big techs americanas

Editorial

Esta semana a Comissão Europeia e a autoridade de defesa da concorrência francesa (Autorité de la Concurrence) abriram investigações em desfavor das big techs Microsoft e Apple sobre indícios de infrações à ordem econômica.

A investigação contra a Microsoft[1] tem por base os indícios de abuso de posição dominante no mercado de comunicação remota e da ferramenta de colaboração digital Teams com o sistema operacional Office 365 enquanto a investigação em desfavor da Apple[2] se relaciona aos indícios de abuso de posição dominante no setor de distribuição de aplicativos para celulares, com efeitos potenciais anticompetitivos no mercado de serviços de publicidade.

Nesta semana também a autoridade britânica de defesa da concorrência (Competition and Markets Authority – CMA) aceitou a proposta de remédios das big techs Google[3] e Amazon[4] para sanar problemas de natureza concorrencial relacionados a remoção dos cookies de terceiros e outras funcionalidades no navegador Chrome e ao tratamento dados de terceiros na plataforma de marketplace, respectivamente.

O combate a atuação das big techs na área antitruste na Europa era esperado? Sim, era esperado. A razão para isso é a de que a Europa não é detentora de nenhuma destas big techs e, não se vê no horizonte empresa ou grupo de empresas que possam fazer frente a estas grandes empresas.

As posições dominantes que estas empresas detêm nos seus mercados relevantes e a total relevância da economia digital na economia contemporânea não permite que a Europa tenha outra atitude que não lançar mão da teoria antitruste, sobretudo dos instrumentos de combate às condutas anticompetitivas, unilaterais e coordenadas.

Muitos dirão que o movimento ferrenho da Europa na defesa dos seus interesses econômicos não passa de protecionismo ou algo que o valha, mas a verdade é que foi a teoria antitruste a responsável pela adequação do mundo quando este se via completamente afogado na elevada concentração industrial resultante da revolução industrial em fins do século XIX e início do século XX.

Construir empresas dominantes no mundo tem sido a sina dos Estados Unidos nos últimos dois séculos, construir soluções para combater os poderes de monopólio das empresas também tem sido uma característica norte-americana. O Sherman Act[5], Clayton Act e de todo o desenvolvimento desta matéria no Estados Unidos a partir de então não nos deixa mentir.

O velho mundo se defende como pode das big techs americanas e o instrumento utilizado para combate não é nada mais nada menos que o velho e bom instrumento que protegeu empresas americanas e cidadãos americanos das suas próprias empresas há pouco mais de 100 anos atrás, basta para isso relembrar os casos Standart Oil Co[6] e o U.S. Steel Co.[7].


[1] Commission opens investigation of practices by Microsoft (europa.eu)

[2] Publicité sur applications mobiles iOS: le rapporteur général indique avoir notifié un grief au groupe Apple | Autorité de la concurrence (autoritedelaconcurrence.fr)

[3] CMA’s Q2 2023 update report (publishing.service.gov.uk)

[4] Amazon offers to change Marketplace rules to address CMA concerns – GOV.UK (www.gov.uk)

[5] The Antitrust Laws | Federal Trade Commission (ftc.gov)

[6] Standard Oil Co. of N.J. v. United States, 221 U.S. 1 (1911)

[7] United States v. U.S. Steel Corp., 251 U.S. 417 (1920)

O que o Draft FTC-DOJ Merger Guidelines fala sobre a concorrência nas plataformas digitais de múltiplos lados?

Editorial

Nesta semana, a Comissão Federal de Comércio (FTC) e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) disponibilizaram o Draft FTC-DOJ Merger Guidelines[1][2]. O documento traz treze diretrizes norteadoras que podem ser utilizadas para identificar se uma operação de fusão e aquisição tem potencial para prejudicar a concorrência no mercado no âmbito das leis de defesa da concorrência[3].

A publicação da FTC e do DOJ faz, entre outras coisas, uma revisão dos últimos guias de defesa da concorrência, propõe algumas alterações em métodos utilizados e traz uma diretriz específica para as plataformas digitais de múltiplos lados:

10. Quando uma fusão envolve uma plataforma de múltiplos lados, as agências examinam a concorrência entre plataformas, sobre uma plataforma ou para deslocar uma plataforma.

Para tratar das plataformas de múltiplos lados, a FTC e o DOJ aplicam as diretrizes 1 a 8 trazidas no Draft e analisam as operações de fusão e aquisição envolvendo estes tipos de empresas de acordo com quatro cenários: (i) fusões entre dois operadores de plataformas[4]; (ii) aquisição de uma importante empresa em um dos lados da plataforma por um operador de plataforma dominante[5]; (iii) aquisições de empresas que fornecem serviços que facilitam a participação em plataformas de múltiplos lados; e (iv) aquisições que envolvem empresas que fornecem outros insumos importantes para serviços de plataforma.

De acordo com a FTC e o DOJ, a entrada de plataformas em mercados em que há uma plataforma dominante é muito mais difícil em razão dos limitados efeitos network, que ocorrem quando os participantes da plataforma contribuem para o valor da plataforma para outros participantes e para o operador[6]. Uma das estratégias adotadas pelas plataformas dominantes é adquirir todas as plataformas menores que ingressam em nichos de mercados específicos e que estejam operando em suas fases iniciais.

A FTC e o DOJ também apontam como estratégia prejudicial à concorrência a aquisição de um importante player em um dos lados da plataforma por um operador de plataforma dominante. Este tipo de aquisição eleva os custos das plataformas rivais e as impede de rivalizar. Como exemplo, as autoridades antitruste apontam os efeitos anticompetitivos da aquisição de uma empresa fornecedora de importantes serviços em um dos lados da plataforma pela plataforma dominante, pois amplia a possibilidade de fechamento de mercado deste tipo de serviços para as plataformas rivais.

Outro cenário relevante elucidado pela FTC e pelo DOJ diz respeito a aquisição de empresas que fornecem serviços essenciais para a participação em plataforma de múltiplos lados. De acordo com a autoridade, a aquisição de empresas que ofertam ferramentas que ajudam os compradores a comparar preços entre plataformas, aplicativos que ajudam os vendedores a gerenciar listagens em várias plataformas ou software que ajuda os usuários a alternar entre as plataformas podem eliminar ou ampliar os custos das empresas rivais.

Por fim, a FTC e o DOJ chamam a atenção para a aquisição de firmas que ofertam outros insumos importantes para os serviços da plataforma, uma vez que podem permitir que o operador adquirente impeça que os rivais tenham acesso aos benefícios desses insumos. Como exemplo, as autoridades citam que a aquisição de dados que facilitam a correspondência, classificação ou serviços de previsão por um operador de plataforma podem, ao negar o acesso aos dados pelos rivais, eliminar a rivalidade no mercado.

O Draft FTC-DOJ Merger Guidelines abre caminho para importantes discussões acadêmicas sobre o modo como se deve analisar as operações de fusões e aquisições quando o assunto é plataforma digital.


[1] Draft FTC-DOJ Merger Guidelines for Public Comment (2023).

[2] O documento receberá comentários do público até 18 de setembro 2023 no link Regulations.gov.

[3] 1. As fusões não devem aumentar significativamente a concentração em mercados altamente concentrados.

2. As fusões não devem eliminar a concorrência substancial entre as empresas.

3. As fusões não devem aumentar o risco de coordenação.

4. As fusões não devem eliminar um potencial entrante em um mercado concentrado.

5. As fusões não devem diminuir substancialmente a concorrência criando uma empresa que controle produtos ou serviços que seus rivais possam usar para competir.

6. As fusões verticais não devem criar estruturas de mercado que impeçam a concorrência.

7. As fusões não devem consolidar ou ampliar uma posição dominante.

8. As fusões não devem promover uma tendência à concentração.

9. Quando a fusão fizer parte de uma série de aquisições múltiplas, as agências podem examinar toda a série.

10. Quando uma fusão envolve uma plataforma de múltiplos lados, as agências examinam a concorrência entre plataformas, sobre uma plataforma ou para deslocar uma plataforma.

11. Quando uma fusão envolve compradores concorrentes, as agências examinam se ela pode reduzir substancialmente a concorrência por trabalhadores ou outros vendedores.

12. Quando uma aquisição envolve participação parcial ou minoritária, as agências examinam seu impacto na concorrência.

13. As fusões não devem reduzir substancialmente a concorrência ou criar um monopólio.

[4] O operador de plataforma é a empresa que fornece os principais serviços para a conexão entre os grupos nos diferentes lados da plataforma.

[5] Os participantes da plataforma compreendem os lados da plataforma.

[6] Tradução livre do trecho:

Network effects occur when platform participants contribute to the value of the platformfor other participants and the operator. [Draft FTC-DOJ Merger Guidelines, pag. 23].