O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.253/2022[1], que trata, entre outras coisas, da extinção do benefício da saída temporária dos presos, também conhecido como “saidões”. O PL retornou para a Câmara dos Deputados.
Este é um tema que gera muita controvérsia. Os elevados índices de violência que o Brasil vivencia, sobretudo, nas grandes capitais, coloca uma grande massa de pessoas a favor do encarceramento. O receio é legítimo e explica o perfil conservador da atual composição do Congresso Nacional na votação desse tema.
A aprovação do PL 2.253/2022 no Senado Federal é só um reflexo daquilo que uma parte significativa da sociedade almeja: eliminar do convívio social aqueles que cometeram algum crime, enquanto não pagarem integralmente a sua pena.
É verdade!! Quem comete crimes deve estar sujeito aos rigores da lei, mas quais são os rigores da lei?
A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), de caráter predominantemente ressocializador, objeto de alteração pelo PL 2.253/2022[2], prevê em seus artigos 122 e 123 a possibilidade do Juiz da Execução Penal, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária, de conceder autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, em três casos: (i) visita à família; (ii) frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; (iii) participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
O PL 2.253/2022 tem por objeto suprimir as hipóteses de saída temporária relativas aos itens I e III da LEP, ou seja, para visitação à família e para participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, dando uma guinada mais punitiva que ressocializadora para a execução penal.
Pois é!! Nem tudo que é legal é moral! O Poder Legislativo pode aprovar qualquer legislação que não tenha qualquer impedimento do ponto de vista constitucional.
Mas nem assim o que é legal torna-se moral.
Impedir os “saidões” pode até vir a ser legal, a depender daquilo que o Poder Legislativo transforme em lei, mas daí aceitar esse impedimento como moral é um grande erro, principalmente porque impedir a ressocialização de um preso junto a sociedade atinge frontalmente a origem da palavra moral, que é, na verdade, um conjunto de convenções sociais estabelecidas com o objetivo de alcançar a boa convivência social. Não esqueçamos que o ser humano é por essência um ser social.
Não é demais registrar que a legislação vigente para ter a garantia da “saída” temporária, já tem os seus rigores, na medida em que o encarcerado já precisa cumprir uma série de condições, quais sejam: (i) estar no regime semiaberto; (ii) não ter cometido crime hediondo com morte; (iii) ter bom comportamento, comprovado, por exemplo, por meio de certidão expedida pelo diretor do presídio; (iv) ter cumprido no mínimo 16,6% da pena, se for sua primeira condenação; ou 25%, se reincidente; e (v) ter compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
Não é qualquer preso que se habilita ao benefício. O “saidão” faz parte de um processo de reintegração e de ressocialização do cidadão à sociedade. Se este indivíduo já conquistou o semiaberto, se ele não cometeu crime hediondo e se, entre outras coisas, já cumpriu uma parte da pena, por que razão deve o Estado mantê-lo sem o benefício da ressocialização?
Muitos apontam como razão principal o fato de que alguns não retornam para o sistema e voltam a praticar os delitos. De fato, existem casos em que isso acontece. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senappen), o percentual foi de 6,27% para o primeiro semestre de 2023.
Apesar de não desprezível o percentual acima mencionado, não é um percentual exorbitante, principalmente se considerarmos que quase 94% dos beneficiários de medida retornaram para o sistema.
E o que significa essa massa se ressocializando e retornando para o sistema? Significa economia para o Estado e para a sociedade. Cada ex-presidiário que se reintegra a sociedade reduz as despesas do Estado com o sistema penitenciário e, consequentemente, diminui o impacto das políticas para a proteção e segurança públicas.
Tornar o sistema de execução penal mais rigoroso, impedindo essa oportunidade de o preso ir se reintegrando à sociedade enquanto cumpre sua pena só atenderá aos clamores dos cidadãos mais conservadores da sociedade. Acredita-se que os efeitos dessa medida mais punitiva e menos ressocializadora pode trazer mais prejuízos para a sociedade que a permissão dos “saidões”.
Em caso de aprovação desse PL, a história dirá. Devemos tratar os direitos dos encarcerados com responsabilidade social. Se for preciso, miremo-nos na história de vida de Jean Valjean, protagonista do imortal livro “Os Miseráveis” de Victor Hugo.
[1] Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e extinguir o benefício da saída temporária.
[2] Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e extinguir o benefício da saída temporária.