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Conduta Unilateral – Influência e Promoção de Conduta Comercial Uniforme

Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo

Quando falamos em Direito da Concorrência, as primeiras palavras que vêm à mente são cartel e ato de concentração, dado o destaque que a autoridade de defesa da concorrência dá na apuração, análise e solução destas questões. No entanto, há outras questões relevantes que também são analisadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), dentre elas as chamadas condutas unilaterais.

Unilaterais porque não traduzem um acordo de mercado, um conluio envolvendo concorrentes, são individuais, mas possuem grande capacidade de gerar, ainda que potencialmente, efeitos deletérios ao ambiente competitivo. O artigo 36, da Lei de Defesa da Concorrência[1] (“LDC”), traz em seu texto uma lista não exaustiva destas condutas, cabendo, nesta oportunidade, o destaque para a influência e promoção de conduta uniforme.

O artigo 36, incisos I e IV e §3º, inciso II, da LDC, assim dispõe:

“Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: 

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; 

IV – exercer de forma abusiva posição dominante. 

§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: 

II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;”

De acordo com o sítio eletrônico do CADE, a “influência de conduta uniforme pode ser caraterizada como a realização de medidas com o objetivo de uniformizar a atuação de concorrentes em um dado mercado”[2]. Um exemplo desta conduta, com este objetivo, é o estabelecimento de tabelas de preço para uma determinada categoria, com intuito de uniformizar os preços dos agentes que atuam no mercado. Esta prática, muitas vezes, é realizada por associações, conselhos e sindicatos e a sua apuração e análise tem ganhado destaque.

“59. Neste sentido, entende-se que a influência para a adoção de conduta comercial uniforme pode se consubstanciar em uma diretriz, sugestão, recomendação ou, até mesmo, numa imposição para que outros agentes econômicos de um mesmo mercado adotem uma conduta comercial de acordo com a recomendação emanada.

60. Em outras palavras, a intenção de quem tece tais recomendações é a de influenciar a decisão de seus pares ou associados/filiados de maneira que não tomem decisões por si sós, mas que sigam um parâmetro estabelecido.

61. Apenas com vistas a elucidar o tema, constituem exemplos de práticas anticompetitivas adotadas sob a forma de recomendações a concorrentes: tabelas de preços; orientações sobre concessões de descontos; orientações de reajuste de preços; adoção de preços únicos feitas unilateralmente e impositivamente por órgãos classistas ou representativos de setores econômicos, como associações, sindicatos, federações e confederações.

62. Sob esse prisma, o Cade tem condenado como influência à adoção de prática comercial uniforme as recomendações a concorrentes veiculadas pelas associações empresariais e profissionais sob a forma de tabelas de preços mínimos não derivados de negociações bilaterais legítimas, proibição da concessão de descontos ou de contratação e de outras práticas restritivas da livre concorrência.” (Inquérito Administrativo nº 08700.004116/2023-37. Representante: Unimed Goiânia Cooperativa de Trabalho Médico. Representado: Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás – AHPACEG. Nota Técnica nº 129/2023/CGAA6/SGA2/SG/CADE, data 12.09.2023)

Os sindicatos, associações e conselhos de classe desempenham um papel fundamental em nossa sociedade, na medida em que são filiações que reúnem indivíduos e empresas que detêm interesses semelhantes, com o intuito de representá-los institucional, política e socialmente. Suas atividades são amplamente conhecidas, já que podem beneficiar seus membros e contribuir para o aumento da eficiência de mercado.

No entanto, não obstante os aspectos benéficos e pró-concorrenciais de sua atuação, por sua própria natureza, estão sempre expostos ao risco de serem responsabilizados por práticas anticoncorrenciais. Suas atividades são protegidas por direitos fundamentais previstos em nossa Constituição[3], como o direito à liberdade de expressão e à livre associação, mas que encontram limites nos princípios constitucionais[4] da proteção ao consumidor, da livre inciativa e da livre concorrência.

Neste sentido, a jurisprudência uníssona do CADE entende que sindicatos e associações de classe que atuem de modo a coordenar o mercado, uniformizando práticas, ainda que sem efeitos, podem causar prejuízos, potenciais ou efetivos, à ordem econômica e aos consumidores, estando sujeitos, desta forma, à persecução e atuação por parte da autoridade concorrencial, nos termos do artigo 31, da LDC. Os conselhos de profissões reguladas, de natureza de direito público, também são passíveis de controle pela lei antitruste.

“40. As associações e conselhos profissionais, usualmente, argumentam que sua atuação foge ao conceito de conduta comercial ou de atividade econômica, motivo pelo qual a Lei 8.884/94 não seria aplicável a elas.

41. A alegação não merece prosperar. Como acertadamente apontou a SDE, é pacífico no âmbito do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência a submissão das entidades representativas, inclusive Conselhos Profissionais, associações e sindicatos à legislação antitruste.

42. O entendimento encontra amparo no art. 15 da Lei 8.884/94 (art. 31 da Lei 12.529/2011), que dispõe expressamente: “Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituída de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal”.

43. Assim, qualquer um que pratica ato restritivo à concorrência está sujeito à legislação antitruste, ainda que sua atividade não tenha fins lucrativos e, independentemente de se tratar de pessoa natural ou pessoa jurídica de direito público ou privado.

44. O fato de a atuação das representadas estar amparada pela liberdade de associação, direito fundamental expressamente assegurado na Constituição Federal, não afasta a conclusão. O referido direito, obviamente, não é absoluto, e deve ser interpretado à luz dos princípios da unidade da Constituição e da concordância prática, daí a necessidade de compatibilizá-lo com os princípios constitucionais da ordem econômica, notadamente a livre concorrência e a livre iniciativa.

45. Ademais, como acertadamente destacou a SDE, os médicos, ao disponibilizarem um serviço no mercado e assumirem os riscos de sua atividade, exercem de maneira inconteste atividade econômica, caracterizando-se como verdadeiros concorrentes. Dessa forma, a atuação das representadas, ao estipular e negociar coletivamente os preços dos honorários médicos, pode afetar a concorrência no mercado de serviços médico-hospitalares. Daí por que não há dúvidas de sua submissão à Lei 8.884/94.

46. Diante das considerações, acima é forçoso reconhecer a competência da autoridade antitruste para analisar as condutas praticadas pelas representadas. Com isso, não se quer dizer que eventuais peculiaridades das atividades exercidas por profissionais liberais sujeitas à regulação de conselhos profissionais criados por lei devam ser totalmente desconsideradas na análise. Ocorre que tais características não se prestam para afastar a incidência da lei antitruste, mas sim para assegurar que a aplicação desta ocorra de forma coerente, como se verá mais à frente.” (PA 08012.001591/2004-47. Representante: SDE ex officio. Representados: Associação de Médicos de Hospitais Privados de Distrito Federal e outros. Voto Conselheira-Relatora Ana Frazão. Data 05.09.2015).

Neste contexto, no último dia 11[5], o Tribunal do CADE realizou ampla discussão acerca de metodologias de análise de tabelamento de preços, condenando, ao final, o Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de Goiás (CRECI-GO)[6] por influência à conduta comercial uniforme nos serviços de corretagem em Goiás. Isto porque, as investigações realizadas pela Autarquia identificaram, no sítio eletrônico do CRECI-GO, documentos de caráter anticompetitivo[7], relacionados à imposição de tabelamentos mínimos de preço[8]. Não se tratava de mera recomendação ou sugestão, mas de imposição.

De acordo com o relator do caso, Conselheiro Diogo Thomson[9], o conjunto de documentos apurados levava os corretores de imóveis do estado de Goiás a crer que deveriam seguir os valores mínimos definidos na tabela de preços e que, em caso de descumprimento, sofreriam sanções. Além disso, o relator considerou, diante da potencialidade lesiva da adoção de tabelas somada às nuances do caso concreto, a citar, grande capacidade do CRECI-GO de influenciar seus credenciados e realidade contrária a obrigatoriedade de seguir tabela, que a conduta causou danos à concorrência, votando em prol da condenação da entidade, seguida por unanimidade pelos demais Conselheiros[10]

Ressaltou, durante o julgamento, que o CADE, no Ofício nº 2547/2018/CADE– que sistematiza alguns riscos aventados em seus julgados no tocante a tabelas –, abordou que a inserção destas em ambientes concorrenciais (i) mitiga a liberdade contratual, (ii) pode reduzir a competitividade entre concorrentes, tendo em vista que pode provocar elevação artificial vinculante no preço final do produto, em prejuízo ao consumidor, seja ele da cadeia de produção ou final, (iii) reduzir incentivos à inovação por levar a um arrefecimento concorrencial e consequentemente diminuir a pressão por diferenciação e melhoria contínua, e (iv) levar à queda da qualidade do produto ou serviço em razão da acomodação dos concorrentes. Neste sentido, há uma atuação incisiva do CADE na condenação de entidades representativas das categorias que congregam profissionais liberais que realizam tabelamento de preços. Além disso, também há relevantes julgados de condenações relacionadas à adoção de condutas comerciais uniformes em diferentes órgãos de classe.

Adicionou, ainda, que a seu ver, as tabelas, como conduta anticompetitiva de influência à adoção de conduta comercial uniforme, devem ser analisadas como ilícito por objeto:

 “93. Diante das nuances elencadas, entendo que as tabelas como conduta anticompetitiva de influência à adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes (art. 36, incisos I e IV c/c §3º, inciso II, da Lei nº 12.529/2011) devem ser analisadas como ilícitos por objeto, considerando dois níveis de presunção de ilicitude:

 I – Uma presunção absoluta de ilicitude aplicável à adoção de tabelas para o consumidor final, como nos casos mencionados de autoescolas, diante de sua nítida similitude com carteis hardcore; e

II – Uma presunção relativa de ilicitude para os demais casos, abarcando discussões não apenas da ausência de autoria e materialidade, mas também questões como: (i) se a adoção da tabela é obrigatória ou facultativa; (ii) se estabelece preços mínimos ou máximos; (iii) se influencia o comportamento dos filiados; (iv) se é usada como forma de compensação e/ou (v) se está vinculada a alguma imunidade antitruste decorrente de regulação pública com fundamento em legislação específica”.

Ademais, resumiu os pontos analisados em seu voto, de modo a possibilitar o desenvolvimento de um algoritmo hermenêutico que contribua para uniformizar um padrão de análise desta conduta. São eles:

“I – Determinação enquanto ilícito por objeto: tendo em vista o elemento objetivo da infração referente à aplicação de uma tabela de preços, esta deve ser considerada a priori como uma forma de restrição à concorrência, sendo entendida, portanto, como uma forma de ilícito por objeto, ensejando a análise de presunções distintas de ilicitude;

II – Análise de possíveis “imunidades antitruste” e distorções de utilização: anteriormente a quaisquer outros exercícios de análise, deve ser considerado se a tabela é ou não disciplinada por legislação específica, configurando uma espécie de imunidade antitruste. Sendo este o caso, não cabe análise posterior. Ainda assim, é central avaliar se a utilização efetiva da tabela cumpre precisamente a finalidade estabelecida pela norma, caso contrário (cenários de distorção da utilização vis-à-vis a legislação), volta-se à análise de sua presunção de ilicitude sob a espécie de ilícito por objeto;

III – Caracterização do alvo do tabelamento e adoção de presunção absoluta: em caso de tabelas voltadas ao consumidor final, deve ser aplicada presunção absoluta de ilicitude, configurando de antemão a natureza anticoncorrencial da conduta, dado que o repasse de preços se dá diretamente ao consumidor;

IV – Caracterização do alvo do tabelamento e adoção de presunção relativa: em quaisquer outros cenários, cabe a aplicação de presunção relativa de ilicitude focada na avaliação do contexto em que se insere a tabela, isto é, a análise das condições econômicas e jurídicas nas quais esta está circunscrita. Neste caso, o uso/aplicação da tabela pode ou não resultar anticompetitivo;

V – Análise efetiva das condições econômicas e jurídicas: na sequência, deve ser avaliada a relação de mercado e as particularidades econômicas e jurídicas que determinam a aplicação da tabela. Neste ponto se dá a análise das relações entre os agentes no mercado, elemento que pode ser sintetizado na relação entre o poder de mercado/posição dominante dos agentes envolvidos. O Gráfico 3 sintetiza de modo esquemático essas relações, que são exploradas de modo aprofundado a seguir.

VI – Avaliação de elementos adjacentes/específicas ao conjunto probatório: por fim, são considerados elementos particulares, como mecanismos de coerção, ameaça e boicote, relações específicas entre os elos do mercado ou entre diferentes entidades/agentes/profissionais, acordos de negociação coletiva etc. Trata-se de análise das particularidades de cada caso para além da dinâmica de mercado em si

Destacou, ainda, o relevante papel do CRECI-GO, na medida em que tem a competência de decidir acerca das inscrições de profissionais e empresas, manter registros profissionais, emitir carteiras e certificados, impor sanções disciplinares conforme a legislação vigente, dentre outras, ou seja, a entidade detém uma grande capacidade de influência sobre os seus credenciados, “consubstanciado assim o poder de influência à adoção de conduta comercial uniforme no mercado relevante”. Desta forma, e em razão deste fato, ressaltou jurisprudência da Autarquia no sentido de que a caracterização da conduta não está vinculada ao caráter impositivo da tabela.

“49. Observa-se que as entidades representativas têm sido punidas mesmo quando não há evidências de coação contra associados para adotar os valores definidos na tabela. Nesses casos, a existência de condições estruturais favoráveis à prática anticoncorrencial e de um relevante poder de influência das associações tem sido considerada suficiente para a caracterização da infração à ordem econômica.” (PA 08012.004020/2004-64. Representante: Ministério Público da Bahia. Representado: Conselho Regional de Medicina da Bahia – CMEB. Voto Conselheira Relatora Ana Frazão. Data 15.10.2014. SEI 0001396. Pág. 98.-207)[11]

E, por fim, esclarece que embora “seja possível que, em determinadas situações, se leve em consideração a natureza e a característica não sugestiva de algum tipo de tabela na análise da licitude/ilicitude da conduta não basta para isso a mera nomenclatura da mesma como sugestiva. A facultatividade eventual da tabela tem que advir de um contexto, que envolve o de poder de mercado/posição dominante de quem emite, o marco legal, a ausência de possibilidade de coerção/retaliação, a existência de poder compensatório ou de fatores de competição mitigantes, etc.

Dentro deste cenário, depreende-se que, na última sessão de julgamento, novos estândares de análise da conduta foram estabelecidas pela autoridade antitruste, visando à padronização da análise e a uniformização da jurisprudência, que guiarão a apuração dos demais casos envolvendo a sugestão/fixação de tabelas de honorários. Há diversos casos sob análise do CADE[12], no que concerne ao tabelamento, e esses padrões estabelecidos na última sessão de julgamento, dão as nuances, não apenas de como tais casos serão decididos, mas trazem diretrizes que deverão ser observadas pelas associações, sindicatos e conselhos, de modo a se enquadrarem à legislação concorrencial, evitando os prejuízos ao mercado e às sanções decorrentes de seu descumprimento.



Pedro Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.

Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.


CADE aprova sem restrições a aquisição da Comerc Energia pela Vibra Energia

Em parecer recente, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) aprovou, sem restrições, a aquisição do controle total da Comerc Energia S.A. pela Vibra Energia S.A. O processo, identificado sob o número 08700.006740/2024-50, foi analisado dentro do regime de procedimento sumário, de acordo com a Lei 12.529/2011.

A operação consistiu na compra de 50% das ações restantes da Comerc, que já havia sido parcialmente adquirida pela Vibra em 2022. Com a consolidação do controle, a Vibra passa a deter 98,7% do capital social da Comerc, tornando-se a controladora unitária da empresa. A Vibra, tradicionalmente conhecida por sua atuação na distribuição de combustíveis, está expandindo sua presença no setor de energia elétrica, alinhando a operação à estratégia de diversificação voltada à economia de baixo carbono.

O CADE concluiu que a operação não resulta em prejuízos ao ambiente concorrencial, não apresentando sobreposição horizontal ou integração vertical relevante no setor de energia elétrica, uma vez que as atividades da Vibra e da Comerc em geração e comercialização de energia não possuem sobreposição significativa.

Com a aprovação, a Vibra fortalece sua posição como uma plataforma multienergia, reforçando sua atuação no mercado de geração e comercialização de energia elétrica no Brasil.

O parecer do CADE foi assinado eletronicamente em 16 de setembro de 2024 pelo Superintendente-Geral Alexandre Barreto de Souza e pelo Coordenador-Geral Rodrigo Monteiro Ferreira.


Da Redação

WebAdvocacy -Direito e Economia

17.09.2024

Este é um informativo diário que traz para o(a) leitor (a) as decisões do CADE com relação a aprovação e movimentação de atos de concentração, ao arquivamento/condenação de processos administrativos de condutas anticompetitivas e as publicações do CADE.

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Reforma Tributária

Luis Henrique B. Braido

Aceitei, com grande satisfação, o convite da WebAdvocacy para ocupar este espaço periodicamente. Em linhas gerais, pretendo escrever sobre Law & Economics e Organização Industrial, além de apresentar meu ponto de vista sobre algumas das políticas públicas em debate, com especial atenção para as reformas econômicas, as regulações setoriais e a política antitruste.

Atualmente, uma das principais discussões legislativas no país trata da regulamentação da reforma dos tributos sobre o consumo. Penso ser interessante utilizar este primeiro artigo para explorar alguns aspectos menos discutidos dessa mudança. Adotarei a seguinte estrutura. Inicialmente, descreverei os principais pontos da reforma, constantes na Emenda Constitucional 132, promulgada em 20 de dezembro de 2023, e no Projeto de Lei Complementar 68/2024, recentemente aprovado pela Câmara Federal e submetido à apreciação do Senado. Após esta breve descrição, apresentarei algumas preocupações quanto às escolhas feitas e analisarei os prováveis impactos dessas mudanças sobre o sistema produtivo e sobre nossa estrutura de competição.

A Emenda Constitucional 132/2023 prevê a adoção de um tributo sobre valor agregado de caráter dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A CBS destina-se a financiar os gastos da União e será cobrada em substituição ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). O IBS, por sua vez, destina-se ao financiamento dos entes subnacionais (i.e., o Distrito Federal, os Estados e os municípios), sendo cobrado em substituição ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e ao Imposto sobre Serviços (ISS). A unificação desses impostos se dará gradualmente, com longo período de transição durante o qual todos os tributos conviverão.

A Emenda Constitucional também estabelece a existência de alíquotas de referência para a CBS e o IBS, além de três regimes diferenciados, com reduções de alíquotas de 30%, 60% e 100% (isenção). A alíquota de referência para o IBS será, inicialmente, idêntica para todos os entes subnacionais, os quais serão autônomos para aprovar mudanças de valor por meio de legislação específica. Os bens e serviços incluídos em cada um dos diferentes regimes mencionados serão regulamentados por legislação complementar, a exemplo do que faz o PLP 68/2024, ora em discussão. A composição de produtos em cada classe de alíquota será, portanto, idêntica para todos os entes da federação. Há previsão de avaliação quinquenal de custo-benefício dos regimes diferenciados.

Os regimes especiais e simplificados para microempresas e empresas de pequeno porte (Simples Nacional) serão mantidos. Lei complementar disporá sobre regimes específicos de tributação para diversas atividades econômicas, tais como: combustíveis e lubrificantes; serviços financeiros; operações com bens imóveis; planos de assistência à saúde; sociedades cooperativas; serviços de hotelaria; parques de diversão; agências de viagens; bares e restaurantes; sociedades anônimas do futebol; aviação regional; transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário e hidroviário; e repartições consulares.

A EC 132/2023 estipula, ainda, que legislação complementar estabeleça mecanismos para a preservação do diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus e às áreas de livre comércio existentes em 2023, a saber: Tabatinga, no Amazonas; Guajará-Mirim, Boa Vista e Bonfim, em Rondônia; Macapá e Santana, no Amapá; e Brasiléia, Epitacolândia e Cruzeiro do Sul, no Acre.

Para esse fim, o Projeto de Lei Complementar 68/2024 reduz a zero, a partir de 2027, a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os produtos que não foram efetivamente industrializados na Zona Franca de Manaus no ano de 2023. Para os demais produtos, incidirá IPI quando fabricados fora das áreas incentivadas.

Adicionalmente, o Projeto de Lei isenta da cobrança de CBS e de IBS as aquisições de bens intermediários utilizados no processo produtivo da indústria incentivada; regula a concessão de créditos presumidos sobre essas operações; autoriza a apropriação e utilização de créditos relativos a operações antecedentes; e concede crédito presumido na venda de seus produtos em território nacional. Tais créditos poderão ser utilizados apenas para compensação de CBS e de IBS, sendo vedada a compensação de outros tributos ou o ressarcimento.

Imposto Seletivo

Outro aspecto tratado no PLP 68/2024 é a regulamentação do Imposto Seletivo (IS) com incidência sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, conforme previsto no art. 153, VIII, da Constituição Federal de 1988. Esse tributo se assemelha à tributação defendida pelo economista inglês Arthur Pigou, no século XIX, sobre produtos geradores de externalidade negativa (no caso concreto, à saúde e ao meio ambiente). Tal tributo teria a finalidade de igualar o custo privado ao custo social de tais produtos e, assim, melhorar a eficiência alocativa diante dessa falha de mercado.

O Imposto Seletivo será cumulativo, não podendo ser compensado pelos demais elos da cadeia produtiva. Sua arrecadação será dividida entre a União e os entes subnacionais. O texto aprovado na Câmara Federal e, atualmente, em discussão no Senado prevê sua incidência sobre alguns tipos de veículos, embarcações e aeronaves; produtos fumígenos; bebidas alcoólicas; bebidas açucaradas; e bens minerais extraídos.

Origem versus Destino

Diferentemente do atual modelo do ICMS e do ISS, restou estabelecido na EC 132/2023 que o IBS será calculado a partir da soma das alíquotas do Estado e do Município no qual ocorrer o consumo do produto (destino), ao invés daquelas vigentes no local de sua produção (origem). Desta forma, ao escolherem suas alíquotas de IBS, os entes subnacionais definirão os impostos incidentes sobre seus próprios consumidores e não mais, como é hoje, sobre os cidadãos de todo o país. Este aspecto da reforma tem o potencial de aproximar os eleitores dos legisladores responsáveis pela definição das alíquotas de IBS.

Além disso, a cobrança no destino elimina a chamada “guerra fiscal”, caracterizada pelo poder de se conceder isenções ou reduções seletivas de ICMS ou de ISS com o intuito de atrair firmas de outras localidades do país. Isso porque as alíquotas de CBS e de IBS independerão do local de produção do bem.

Método de Cobrança

O recolhimento de tributos sobre valor agregado ocorrerá em cada fase do processo produtivo, com compensação integral dos tributos já recolhidos nas fases anteriores, conforme estabelecido na EC 132/2023. Esse sistema de compensação evita a criação artificial de ganhos de consolidação de cadeias produtivas interestaduais. A tributação final ao consumidor será a mesma, seguindo a alíquota vigente no local de destino, independentemente do caminho percorrido pelo produto nas suas diversas fases de produção.

Uma “novidade” no sistema tributário brasileiro é o fato de as alíquotas da CBS e do IBS incidirem sobre o preço efetivamente recolhido pelo revendedor, sem esses impostos. Esse preceito tributário é denominado “método por fora”. Atualmente, no Brasil, vigora o “método por dentro” no qual o tributo incide sobre o preço final do produto pago pelo consumidor, com os impostos. Ou seja, no sistema atual, há cobrança de imposto sobre o próprio imposto.

Um exemplo pode ajudar a compreensão dessa questão. Consideremos um produto sobre o qual incida apenas ICMS – ignorar, nesse momento, a existência de outros impostos simplifica a explicação. No sistema atual, se o preço ao revendedor for 100 reais e a alíquota de ICMS for 20%, o preço final do produto será 125 reais, sendo 100 reais destinados ao revendedor e 25 reais destinados ao fisco (25 reais equivalem a 20% de 125 reais). No novo sistema, o imposto incidirá sobre o preço ao revendedor (100 reais) e não mais sobre o preço final (125 reais). Dessa forma, para arrecadar os mesmos 25 reais, precisaríamos de uma alíquota de 25% ao invés de 20%. Essa explicação é importante para se avaliar corretamente as discussões sobre os possíveis valores das alíquotas de referência.

A cobrança de imposto sobre o próprio imposto (“método por dentro”) é usada também para o ISS, o PIS e o COFINS. Trata-se de impostos sobre o faturamento total o qual já embute os próprios impostos. A multiplicidade de impostos incidindo sobre o preço final ou, equivalentemente, sobre o faturamento total gerou uma calorosa controvérsia tributária: A base de cálculo de um imposto deveria incorporar os demais impostos? Após longa discussão no judiciário, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a base de cálculo do PIS e do COFINS não deveria incluir o ICMS recolhido. O conteúdo prático dessa decisão foi incorporado na Lei 14.592/2023.

Assim, segundo a interpretação que predominou no Brasil, apesar de haver incidência de um imposto sobre ele mesmo (“método por dentro”), não deveria haver incidência cumulativa das contribuições federais sobre o imposto estadual. Entretanto, a partir dessa decisão, nascem diversas outras questões tributárias. Por analogia, não deveríamos excluir o PIS e o COFINS da base de cálculo do ICMS? O ISS também não deveria ser excluído da base de cálculo do PIS e do COFINS e vice-versa? E por que não excluir o PIS da base de cálculo do COFINS e vice-versa? Algumas dessas questões encontram-se, de fato, em disputa no sistema judiciário.

Felizmente, ao adotar o “método por fora”, o novo modelo tributário se desprende, definitivamente, dessas controvérsias. Não haverá mais cobrança de um tributo sobre ele mesmo, tampouco de um sobre outro. Para tanto, haverá ajuste no nível das alíquotas.

Múltiplas Alíquotas

Conforme já mencionado, a Emenda Constitucional que institui a reforma dos tributos sobre consumo previu a existência de três regimes diferenciados (com descontos sobre as alíquotas de referência), além de regimes específicos para diversas atividades econômicas. Nesse aspecto, o texto final se distanciou da concepção original da reforma, a qual comtemplava a adoção de alíquota única para todos os bens e serviços. Quais seriam os prós e contras de cada opção?

Do ponto de vista teórico, a melhor forma de se tributar o consumo – no sentido de gerar a menor distorção alocativa possível para um dado nível de arrecadação – seria através da fixação de alíquotas mais altas para produtos cujo equilíbrio de mercado fosse menos sensível a preço, por apresentarem demanda ou oferta menos elásticas. Isso porque, ao se impor um tributo sobre o consumo, cria-se uma diferença entre o preço pago pelo consumidor e aquele recebido pelo produtor, desestimulando a produção e o consumo. Quanto mais sensível um desses lados do mercado for à distorção tributária, maior o custo social do imposto, refletido na queda da produção, do consumo e, consequentemente, do bem-estar social. Devemos esse resultado teórico ao matemático e economista inglês Frank Ramsey, nascido no início do século XX e que, apesar de sua vida breve, deixou contribuições disruptivas nos campos de tributação e de crescimento econômico, além de trabalhos relevantes em matemática e filosofia.

Do ponto de vista prático, entretanto, alguns profissionais argumentam ser difícil mensurar tais elasticidades, além do fato de o debate parlamentar sobre alíquotas ser mais influenciado por lobbies setoriais do que por argumentos de eficiência alocativa.

Por um lado, o se permitir alíquotas diferenciadas e regimes específicos, abriu-se espaço para que alguns privilégios setoriais existentes no atual sistema sejam mantidos ou até ampliados. Isso, invariavelmente, recairá sobre a produção e o consumo dos setores não agraciados com os descontos. O sistema com uma só alíquota para todos os produtos resolveria esse problema. Entretanto, o custo social (“peso morto”) gerado por tal sistema unificado seria maior relativamente ao caso ideal, no qual as alíquotas fossem definidas de acordo com a teoria de Ramsey.

Difícil saber se o sistema desenhado constitui uma boa solução de compromisso. A consolidação de alíquotas proposta simplificará a estrutura atual, reduzindo o espaço para disputas judiciais. Incomoda-me, entretanto, o grande número de setores com regimes específicos; a existência de setores completamente isentos; e o fato de o debate sobre os descontos de alíquotas estar baseado, quase que exclusivamente, em argumentos redistributivos, ignorando-se os aspectos de eficiência alocativa.

Pessoalmente, penso que a tributação de rendimentos e a alocação do gasto público sejam formas mais adequadas de se promover redistribuição de renda. Além disso, no âmbito da reforma, já existe a previsão de devolução personalizada de tributos aos membros de grupos sociais vulneráveis, por meio da adoção de programa de “cash back”. A execução desse programa demandará cuidados para se evitar fraudes, tais como a compra com isenção, utilizando a identidade de indivíduos beneficiados pelo programa, para posterior repasse a famílias não beneficiadas. Resolvidas essas questões de ordem prática, a restituição a consumidores selecionados me parece ser uma forma mais direta de se promover redistribuição. Descontos e isenções universais, contemplando todos os consumidores, retiram o foco da política redistributiva e reduzem seu impacto sobre os mais necessitados.

Impactos Econômicos

A reforma tributária em discussão possui pelo menos dois pilares com importantes impactos econômicos. Primeiramente, a simplificação do sistema – com a adoção de menor número de alíquotas, de maior uniformidade de regras e de maior amplitude na compensação de tributos recolhidos em diferentes fases do processo produtivo – facilitará o cumprimento das obrigações tributárias, fortalecerá o ambiente de negócios e, possivelmente, reduzirá a evasão fiscal e a informalidade.

Em segundo lugar, a cobrança no local de consumo do produto (destino), ao invés de seu local de produção (origem), padronizará a tributação de bens produzidos em diferentes localidades, favorecendo significativamente a livre concorrência no mercado de destino.

Adicionalmente, esse aspecto da reforma eliminará relevantes ineficiências geradas pelo conflito tributário entre regiões do país. Do ponto de vista industrial, a localização ideal para se produzir algo deveria minimizar os custos de produção, incluindo o transporte dos insumos e a distribuição do produto final. Uma vez verificada a disponibilidade local de serviços essenciais, tais como energia elétrica e telecomunicação, a decisão de onde instalar uma planta produtiva deveria depender dos custos de se atrair mão de obra qualificada, da localização de fornecedores e de consumidores, bem como do acesso a diferentes modais de transporte. Desviar-se dessa lógica por razões de natureza tributária produz ineficiência técnica e alocativa, aumentando os custos de produção e, consequentemente, os preços aos consumidores. A reforma ataca esse problema de forma direta, apesar de contemplar um período de transição longo e de manter os incentivos à produção industrial de determinados produtos em áreas específicas da região Norte, geralmente distantes de fornecedores e de consumidores.

Por fim, convém destacar que o término dos conflitos regionais para atrair empresas (“guerra fiscal”) não eliminará a saudável competição tributária entre os entes subnacionais. A decisão sobre as tarifas de IBS possui impacto direto no bem-estar da população local, além de constituir importante vetor de atração de novos habitantes. O novo sistema tributário permite a convivência de regiões com maiores ou menores níveis de impostos e de provisão de serviços públicos, com efeitos exclusivos aos habitantes locais.

Amazon e Flipkart são investigadas na Índia 

 Um relatório da Comissão de Concorrência da Índia (CCI) acusa as gigantes de smartphones Samsung e Xiaomi de conluio com as plataformas de comércio eletrônico Amazon e Flipkart, do Walmart, por práticas que violam as leis antitruste do país. De acordo com o documento, visto pela Reuters, as empresas teriam realizado lançamentos exclusivos de produtos nas plataformas online, prejudicando a concorrência justa no mercado.

As investigações conduzidas pela CCI concluíram que Amazon e Flipkart favoreceram vendedores específicos, oferecendo descontos acentuados em produtos e priorizando determinadas listagens. Essas práticas teriam causado danos a outras empresas e distorcido o ambiente competitivo no mercado indiano de e-commerce.

O relatório da CCI, com mais de mil páginas, aponta que as subsidiárias indianas de Samsung, Xiaomi, Motorola, Realme e OnePlus colaboraram com a Amazon na prática de lançar celulares de forma exclusiva, violando as regras de concorrência. No caso da Flipkart, o relatório de 1.696 páginas inclui fabricantes como Vivo e Lenovo entre as empresas que adotaram práticas semelhantes.

De acordo com o diretor-geral adicional da CCI, G.V. Siva Prasad, a exclusividade nesses negócios “não apenas é contra a concorrência livre e justa, mas também contra os interesses dos consumidores”, destacando a gravidade das práticas.

A inclusão de grandes fabricantes de smartphones nas acusações pode intensificar os desafios legais enfrentados pelas empresas. A Xiaomi, até o momento, se recusou a comentar as conclusões do relatório, enquanto outras fabricantes, a Amazon, a Flipkart e o CCI não emitiram respostas públicas sobre o caso.

A investigação marca um passo importante na fiscalização das leis antitruste na Índia, com foco crescente no comportamento das grandes empresas de tecnologia e comércio eletrônico.

Fonte: WebAdvocacy

16.09.2024

Este é um informativo diário que traz para o(a) leitor (a) as decisões do CADE com relação a aprovação e movimentação de atos de concentração, ao arquivamento/condenação de processos administrativos de condutas anticompetitivas e as publicações do CADE.

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