Brasília, 18/02/2025
Uma falha na legislação brasileira, observada no Código de Mineração de 1996, tem permitido que empresas extraiam substâncias minerais do fundo do mar sem a devida autorização ambiental. A brecha está na chamada guia de utilização emitido pela a Agência Nacional de Mineração (ANM) , um mecanismo ratificado no Código de 1996 por decretos presidenciais, permitindo a extração em caráter excepcional antes da concessão da lavra definitiva.
Dados obtidos pelo Observatório da Mineração via Lei de Acesso à Informação revelam que a ANM tem concedido essas autorizações mesmo sem a exigência de licenciamento ambiental por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Esse cenário ocorre apesar de uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), que, em julho de 2024, considerou ilegal o uso das guias sem prévia licença ambiental.
Descontrole na concessão de guias da ANM
A auditoria do TCU revelou que, entre 2017 e 2021, a ANM emitiu 4.777 guias de utilização, número 205,4% maior do que as 2.326 portarias de concessão de lavra no mesmo período. Segundo o acórdão 1368/2024 do TCU, publicado em julho de 2024, a agência concedeu guias acima dos volumes permitidos e sem comprovação da excepcionalidade exigida pela legislação.
Os problemas não se limitam às extrações no mar. O TCU identificou 88 casos de extração irregular entre junho de 2020 e outubro de 2023, com empresas explorando substâncias minerais sem licenciamento e recolhendo a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem).
“Constataram-se 88 casos de extração irregular de substâncias minerais relativa a guias de utilização emitidas no período de 08/06/2020 a 31/10/2023, mediante o cruzamento de dados extraídos do Cadastro Mineiro com dados da arrecadação da Cfem”, apontou a auditoria.
Alteração na norma ampliou a brecha
O problema se agravou em junho de 2020, quando a Diretoria Colegiada da ANM modificou a Portaria-DNPM 155/201. A mudança suprimiu a exigência de apresentação prévia da licença ambiental para a emissão da guia de utilização. O novo texto determinou apenas que a licença fosse apresentada até 10 dias após a emissão da guia.
Esse intervalo permitiu que empresas obtivessem a guia e iniciassem atividades sem cumprir a exigência ambiental. O TCU identificou que, em diversos casos, o prazo de 10 dias foi descumprido, e ainda assim as empresas declararam produção e recolheram tributos, indicando exploração mineral sem controle efetivo.
A tentativa de revogar essa brecha foi frustrada por sucessivos pedidos de vista dentro da própria ANM. Em janeiro de 2022, o então diretor da agência, Ronaldo Lima, propôs a volta da exigência de licenciamento prévio, mas a decisão foi adiada por mais de dois anos até a publicação do acórdão do TCU.
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Exploração no mar sem transparência
O levantamento indica que a mineração marítima já ocorre no Brasil, mas sem alarde ou transparência. A lista de substâncias exploradas por meio das guias de utilização é extensa e inclui conchas calcárias, minério de ferro, cobre, diamante, níquel e ouro.
Especialistas alertam que essa prática amplia o risco de danos ambientais e pode ser enquadrada como crime ambiental. A possibilidade de exploração excepcional sem lavra definitiva foi aberta em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a guia de utilização foi criada.
Desde então, a falta de controle sobre sua aplicação tem permitido que a mineração ocorra sem o devido respaldo ambiental, colocando em risco a preservação dos ecossistemas marinhos brasileiros.
A expectativa agora é que o tema volte a ser debatido no governo e no Congresso Nacional, especialmente diante da crescente pressão por maior rigor na fiscalização e na regulamentação da mineração em áreas sensíveis.
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