Marco Aurélio Bittencourt
Aproveito ideia de outro blogueiro e faço minha confissão pública sobre minhas preferências em política. Lembro meu entendimento sobre o modelo brasileiro: o do rent seeking (na minha linguagem, o modelo da pilhagem). Lembro ainda o objetivo: tratar de assuntos pertinentes a sociedade e economia brasileira, com implicações econômicas. O foco é de economia política (não consigo ver o estudo da economia de outra forma).
A bem da transparência, é instrutivo estruturar o meu pensamento político. Até porque podem os raríssimos leitores inferirem posturas que abomino, caso sejam levados por clichês. Evidentemente, sigo a recomendação de David Hume (discutir com idiota, você sempre perderá, pois esses estão presos a clichês e verdades absolutas). Todavia, reconheço que não é fácil fugir dos clichês. Às vezes usamos expressões que podem ter interpretações diversas, mas podem encurtar caminhos. Eu mesmo me valho dessa estratégia. Reconheço que há uma mixórdia no entendimento do que seja liberal.
Começo então minha preleção me declarando liberal, com muitos pontos de contato com a socialdemocracia e alguns com o conservadorismo. Sou a favor de um Estado com funções robustas, mas não de um Estado excessivamente ativista. As funções que fazem o Estado robusto se prendem basicamente: à justiça, segurança, defesa nacional, saúde, educação, previdência social e assistência social, a infraestrutura, a conservação dos recursos naturais e à regulação das atividades econômicas que não estejam no contexto competitivo. Na órbita municipal, principalmente o controle do plano diretor a tornar as cidades agradáveis para se viver. Essas atividades devem ser públicas, mas, exceto a segurança e a defesa, justificariam o funcionalismo público. As demais poderiam ser executadas pelo setor privado ou ter forma de seleção simplificada, com salários equiparados ao do setor privado. Quanto ao funcionalismo em si, deveria ser apenas uma categoria e não importa se executivo, judiciário ou legislativo. Deveríamos ter dois níveis: superior e técnico, seguindo as profissões já reconhecidas. A regra básica para postos de gestão em todas as esferas públicas seria a de rodízio e indicação eletiva. No tocante as empresas estatais, lembro a lógica de sua criação (a valer para a grande maioria das empresas): a recusa do setor privado em colocar dinheiro nesses negócios. Sendo assim, não vejo razão para privatizá-las. Se argumentam ineficiência, que pode ser verdade, mas o remédio não seria privatizar e sim estabelecer boa governança. De qualquer forma, havendo interesse em privatizar, duas regras a observar: a) não pode haver aumento de poder de mercado e b) tem que haver aumento no investimento. Quanto à regulação, de forma geral, tem que manter o ambiente competitivo. Regulação que aumenta o poder de mercado ou a empresa privatizada não gerar investimento devem ser consideradas ilegais.
O Estado também pode e deve ter algum papel redistributivo e alocativo. Os programas assistenciais devem se guiar por dois parâmetros: social e financeiro. Fome não pode existir. Moradores de rua devem contar com suporte municipal. Educação básica garantida a todas as crianças e jovens com um padrão de qualidade definido e pelo menos idêntico ao do setor privado. Dada a realidade econômica (ver http://chutandoalata.blogspot.com/2020/11/olhando-o-brasil-de-uma-maneira-simples.html), uma profissão em nível técnico deve ser garantida a todos. A universidade só seria custeada para os reconhecidamente pobres e para esses seria concedido uma remuneração básica, com contrapartida social de trabalho condizente com a atividade estudantil, em tempo e modo. O segundo parâmetro é que o custo do programa deverá ser decrescente ao longo do tempo.
No tocante ao aspecto alocativo, todas as funções de governo devem estar retratadas no orçamento público e, portanto, com o aval da sociedade. Destaque deve ser dada às atividades de infraestrutura e de conservação dos recursos naturais, tendo em vista principalmente os efeitos de externalidade. A omissão aos princípios legais e constitucionais deve ser considerado crime cometido pelo gestor público afeto à questão específica.
Toda atividade pública tem que contar com apoio legal expresso na Constituição ou lei específica relativo ao gasto específico. Não constando, não pode ser objeto de pauta orçamentária. Por fim, o orçamento público deve ser equilibrado em todas as esferas institucionais (união, estado e município). O ente federal poderá, em casos de notória recessão, que desbalanceia receitas e despesas, apelar para o endividamento público temporário. Todo e qualquer ajuste nas despesas só poderá ocorrer na forma de redução das remunerações, quer para empresários beneficiados orçamentariamente, quer para funcionários. O desequilíbrio se não revertido e tiver implicações sobre o pagamento de juros sobre a dívida pública e revelando-se excessivo, deve ser monetizado.
Além de tudo isto, para poder financiar os bens públicos fundamentais, o Estado não pode ser fraco a nível fiscal, pelo que tem de travar uma guerra sem tréguas à evasão fiscal, interna e externa (paraísos fiscais). A eficiência burocrática deve ser uma política sem fim.
Podem carimbar o que descrevi acima como direita liberal, mas será uma simplificação porque apenas uma dimensão (esquerda-direita) é insuficiente para descrever o meu pensamento sobre as todas as escolhas políticas necessárias para o mundo complexo à nossa volta. Por exemplo, sou católico não praticante e sempre fui “de esquerda” a nível dos costumes. Considero muito positiva a política de descriminalização do consumo de drogas em que os viciados são tratados como doentes e não como criminosos. Em relação a lei do aborto, sou tolerante com a possibilidade e recomendo observarem o debate que se travou no Uruguai, mas meu voto seria contrário. Quanto à ideologia de gênero, sou contrário. Mas não endosso nenhum comportamento contrário à opção sexual. Em resumo, entendo que o preconceito é uma máscara para manter os mais fracos socialmente nessa condição de fraqueza para exploração pura e simples da força de trabalho. Em relação ao politicamente correto, sou totalmente contra. Atitude é tudo. O amparo legal entendo que já existe o suficiente para proteção dos que se consideram desamparados na órbita dos costumes. Mas isso não implica que não devemos rever as políticas públicas e leis que dão amparo aos atingidos pela discriminação e preconceito. Por fim, sou plenamente favorável ao estabelecimento de ONGs. A regra para participação pública nessas entidades é simples: acatar o modelo de ONG do governo e só conceder benefício se a ONG contar com benefício privado, tendo limite governamental de um % dos gastos privados menor do que 60%.
Pode ser que tenha deixado de fora alguns itens para definição clara de uma posição política. Em tempo poderei fazer o devido ajuste. Deixo ainda expresso que apoio integralmente a rebeldia verdadeira. Infelizmente nossa constituição, diferentemente de outras como a alemã, não dá amparo legal a tal situação de rebeldia verdadeira (cada um que defina a sua).
Retirei esse artigo de minha coletânea de artigos que publiquei em meu blog http://chutandoalata.blogspot.com , antes da pandemia. Pode ser que agora, pelo efeito da covid-19, possa ter mudado minha posição política, quer por interesse, quer seja por paixão. Evidentemente, não gastarei do meu colesterol bom para mimos. Para aqueles acompanhados por querubins em purgatório que travam cancelamento tosco, apenas usarei o ruim, já seguindo a abreviação não oficial e nem recomendável: VPPQP!
Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.