Promovendo a competição e beneficiando os consumidores
Leandro Oliveira Leite
A portabilidade de produtos e serviços no setor financeiro desempenha um papel crucial na promoção da concorrência saudável entre as instituições. Essa prática permite que os consumidores transfiram facilmente suas contas bancárias, empréstimos, investimentos e outros serviços de uma instituição para outra, estimulando a competição e incentivando as instituições financeiras a oferecerem melhores condições, taxas de juros mais atraentes, prazos mais acertados e uma variedade de opções que atendam às suas necessidades.
A prática da portabilidade envolve o cliente, o credor original – instituição que concedeu o crédito – e o proponente – a nova instituição, destino do contrato portado e usualmente há envolvimento também de um intermediário financeiro.
No contexto financeiro, a portabilidade tem sido amplamente reconhecida como uma maneira de promover a concorrência no setor bancário. Historicamente, os consumidores enfrentaram barreiras ao tentar mudar de instituição financeira, tendo em vista a complexidade dos processos, os custos envolvidos e a falta de informações claras sobre as opções disponíveis. Isso resultou em um cenário em que poucos consumidores se sentiram encorajados a buscar as melhores ofertas em outros bancos, levando a um mercado pouco competitivo e com menor incentivo para as instituições financeiras oferecerem condições mais ajustadas para seus clientes. Superada essas barreiras normativas[1], em 2014 notou-se a importante influência da portabilidade na promoção da concorrência, proporcionando uma série de facilidades para os consumidores.
Vários estudos realizados pelo Banco Central do Brasil (BCB) demonstraram a relação entre a portabilidade de crédito e a redução das taxas de juros. Esses estudos fortalecem as evidências empíricas de que a portabilidade estimula a concorrência entre as instituições financeiras, gerando benefícios nas diversas modalidades de crédito.
Um estudo relevante realizado pelo BCB, publicado no Relatório de Economia Bancária (REB) de 2022, analisou o impacto da portabilidade de crédito na competição do mercado bancário. O estudo investigou o efeito da portabilidade sobre a taxa de juros dos empréstimos consignados em municípios com mais de um banco em operação, em comparação com municípios com apenas um banco. Os resultados observaram um aumento do volume de crédito per capita (em torno de 3%) e uma redução de aproximadamente 0,8 ponto percentual (p. p.) nas taxas de juros nos municípios com mais de um banco em operação em relação aos municípios com apenas um banco. Essa redução foi estatisticamente significativa e econômica, indicando que a portabilidade de crédito contribui para a redução das taxas de juros.
Já outro estudo em 2020, encontraram-se novas evidências robustas de que a portabilidade de crédito diminuiu as taxas de juros e aumentou o volume de crédito. Em particular, o estudo analisou os resultados antes e após a portabilidade e demonstrou o impacto positivo da utilização desse instrumento na redução significativa das taxas de juros média de 2,9 p.p. ao ano para crédito imobiliário e 5,7 p.p. para o consignado.
Em um terceiro estudo publicado no Relatório de Economia Bancária de 2019, sobre o crédito imobiliário, indicou que os benefícios da portabilidade ainda atingiam uma pequena fração do seu potencial, vez que à época se sabia ainda pouco dessa opção, mas que, com a queda significativa da taxa Selic naquele momento, favoreceu a ampliação da demanda por portabilidade do crédito.
Ou seja, esses estudos são exemplos de como a análise do BCB tem mostrado que a portabilidade de crédito desempenha um papel importante na redução das taxas de juros. Eles demonstraram que a competição estímulou as instituições financeiras a oferecerem melhores condições aos consumidores, resultaram em benefícios tangíveis, como a redução dos custos financeiros.
No contexto da interoperabilidade, os órgãos reguladores estabelecem padrões e requisitos técnicos que as instituições financeiras devem cumprir para permitir a comunicação e a troca de informações de forma segura e padronizada. Isso inclui a definição de protocolos de comunicação, formatos de dados e requisitos de segurança, visando garantir a integridade e a confidencialidade das informações dos consumidores.
Para garantir a evolução contínua da portabilidade no setor financeiro, a interoperabilidade de sistemas entre instituições financeiras desempenha um papel crucial, sendo considerada um dos princípios basilares do Open Finance/Banking, uma iniciativa do BCB que têm sido implementadas em diversos países, permitindo o compartilhamento seguro de informações entre as instituições financeiras. Essa interoperabilidade facilita a transferência de dados[2] e a integração de serviços, promovendo uma experiência mais fluida para os consumidores e estimulando a competição entre as instituições.
Adicionalmente, ela promove a inovação no setor financeiro pois ao permitir que diferentes sistemas e tecnologias se integrem e se comuniquem, novas soluções e serviços podem ser desenvolvidos, trazendo maior eficiência para os consumidores. Isso inclui a criação de plataformas digitais que facilitam a comparação de produtos, a transferência de informações e a realização de transações entre diferentes instituições financeiras.
Em resumo, a interoperabilidade é um elemento-chave para garantir a evolução da portabilidade no setor financeiro. Com a implementação de medidas regulatórias e avanços tecnológicos, a portabilidade de produtos e serviços no setor financeiro tem se tornado cada vez mais viável e acessível.
Observa-se ainda que a portabilidade e a interoperabilidade também influenciam outros aspectos do setor financeiro, como seguros habitacionais, investimentos, meios de pagamento e cartões de crédito. Por exemplo, a portabilidade de seguro habitacional permite que os consumidores mudem de garantia sem perder a cobertura do financiamento. Já a aceitação de bandeiras de cartão em qualquer maquininha favorece os diversos estabelecimentos e proporciona maior conveniência aos consumidores.
Outra opção interessante é a possibilidade de o cliente utilizar seus investimentos (ações, por exemplo) como garantia de uma operação de crédito. A competitividade, criada através das mais diversas modalidades financeiras, gera uma pressão nas instituições financeiras, incentivando-as a criarem melhores ofertas a fim de atrair e reter seus clientes, bem como, condições mais vantajosas e maior liberdade para escolher as instituições que melhor atendam às suas necessidades e objetivos.
Assim, como vimos, a concorrência no setor financeiro exerce um papel fundamental na redução das taxas de juros e na melhoria das condições oferecidas ao mercado. Quando há uma competição saudável entre as instituições financeiras, os consumidores se beneficiam de diversas maneiras:
- Redução das taxas de juros: A concorrência entre as instituições financeiras leva a uma pressão para reduzir as taxas de juros. As instituições competem para atrair clientes oferecendo taxas mais baixas em empréstimos, financiamentos e linhas de crédito.
- Melhoria das condições de empréstimo: Além da redução das taxas de juros, a concorrência também leva à melhoria das condições gerais de empréstimo. As instituições financeiras competem para oferecer prazos mais longos, períodos de carência, flexibilidade nos pagamentos e outros benefícios adicionais para conquistar e manter clientes.
- Ampliação da oferta de produtos e serviços: A economia saudável estimula as instituições financeiras a ampliarem sua oferta de produtos e serviços. Elas buscam se diferenciar no mercado, oferecendo soluções financeiras mais abrangentes e adaptadas às necessidades dos consumidores. Os consumidores se beneficiam com uma gama mais ampla de opções para escolher, de acordo com suas emoções e objetivos financeiros.
- Melhoria da qualidade do atendimento ao cliente: As instituições financeiras buscam se destacar no mercado oferecendo um serviço mais eficiente, suporte personalizado e uma experiência do cliente aprimorada. Elas investem em treinamento de funcionários, tecnologia e processos para garantir um atendimento de qualidade. Os consumidores se beneficiam com um atendimento mais ágil, eficaz e personalizado, além de terem mais opções caso estejam insatisfeitos com o atendimento recebido em uma instituição específica.
Em suma, a inovação competitiva no setor financeiro desempenha um papel crucial na promoção da oferta saudável ao abrir espaço para novos modelos de negócio e propiciar um ambiente de maior concorrência. Por meio da portabilidade, os consumidores têm a oportunidade de buscar melhores condições, serviços mais eficientes e melhoria das condições oferecidas. Para aproveitar esses benefícios é importante continuar aprimorando ferramentas como o Open Finance/Banking e expandir iniciativas que promovam a interoperabilidade no setor financeiro. Dessa forma, podemos construir um ambiente cada vez mais competitivo e benéfico para os consumidores no setor financeiro.
Referências:
Estudos do Banco Central sobre o assunto:
“Portabilidade de crédito imobiliário” do Relatório de Economia Bancária de 2019 – Acessível em https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE085_Portabilidade_de_credito_imobiliario.pdf
“Evolução da portabilidade de crédito no Brasil: comportamento e perfil” do Relatório de Economia Bancária de 2020 – Acessível em https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/Documents/reb/boxesreb2020/boxe_2_evolucao_portabilidade_credito_brasil.pdf
“A portabilidade aumentou a competição bancária?” do Relatório de Economia Bancária de 2022. – Acessível em https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/boxe_relatorio_de_economia_bancaria/reb2022b10p.pdf?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=Portabilidade-de-credito-reduziu-taxas-de-juros
[1] A portabilidade de crédito, instituída por meio da Resolução 3.402, de 6 de setembro de 2006, e alterada pela Resolução 4.292, de 20 de dezembro de 2013, quando, de fato, iniciaram-se as efetivações de pedidos de portabilidade.
[2] O direito à “portabilidade dos dados” está previsto no inciso V do artigo 18 da Lei nº 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados, “LGPD”. Já a “portabilidade de serviços ou de ativos” está prevista em diversos instrumentos normativos diferentes, dependendo do tipo de mercado.