Josefina Guedes

José Ricardo Machado Bernardo

O comércio internacional sempre foi muito importante para o desenvolvimento e enriquecimento das nações, ainda mais após a Segunda Guerra mundial.

Muitos países com forte corrente de comércio e com uma política comercial mais madura já possuíam legislações nacionais que tratavam de questões de concorrência predatória ou desleal nas importações e com isso já utilizavam diversos instrumentos para combater tais práticas, há mais de 100 anos. Esses instrumentos já tinham por objetivo principal equalizar concorrência justa no comércio entre os parceiros.

As experiências canadenses, norte-americanas e de outros países, sobre regras do sistema de acordos comerciais entre nações, nortearam o esboço do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio – conhecido como GATT, que, desde 1947, vem tendo uma função crucial para a manutenção do livre comércio e foi fundamental para a criação da Organização Mundial do Comércio.

A Organização Mundial do Comércio é uma organização criada com o objetivo de supervisionar e liberalizar o comércio internacional. A OMC surgiu oficialmente em 1o de janeiro de 1995, com o Acordo de Marraquexe, em substituição ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que começara em 1947.

O Brasil participou das negociações da fracassada Carta de Havana (OIC) em 1947, mas é importante destacar que é também membro fundador do GATT (1948).

Somente em 1987, o Brasil publicou o Decreto nº 93.941, de 16 de janeiro de 1987, promulgando o Acordo Relativo à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), reconhecendo a necessidade de implementar um dos instrumentos de políticas comerciais já utilizados por membros da organização, devido a maior abertura comercial naquela época, a extinção de regulamentação nacional de outros instrumentos condenados pela OMC e sua maior inserção ao comercio internacional.

Com a criação do Departamento de Defesa Comercial no Ministério da Indústria e a publicação do novo código nacional antidumping através do Decreto nº 1.602, de 23 de agosto de 1995, foram regulamentadas as normas para disciplinar os procedimentos administrativos, relativos à aplicação de medidas antidumping, bem como a Lei nº 9.019, de 30 de março de 1995, que dispôs sobre a aplicação dos direitos previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios.

A Lei nº 9.019, em seu Artigo 1º, parágrafo único, veio atender reivindicação da indústria nacional para que os direitos antidumping e os direitos compensatórios fossem cobrados independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à importação dos produtos afetados.

Medidas Antidumping impostas (1995 a junho/2021)

Fonte: WTO (https://www.wto.org/english/tratop_e/adp_e/AD_MeasuresByRepMem.xlsx).

Observam-se ciclos de altas e baixas pela utilização das medidas antidumping. Os ciclos de aumento da utilização ocorrem normalmente em tempos de crise. Países europeus e os EUA, buscando manter o nível de emprego e renda diante da forte concorrência predatória, principalmente por parte dos países asiáticos, impõem barreiras, muitas vezes não tarifárias, proibidas pela própria OMC. Nesse momento de desequilíbrio entre a oferta e demanda, há uma corrida para países periféricos, como Brasil. Assim, há um aumento natural da utilização de instrumentos que eliminem as distorções dos preços predatórios.

A abrangência dos instrumentos de defesa comercial é tão específica aos produtos objetos das investigações, que não há nenhum estudo que demonstre que o aumento da utilização desses instrumentos influenciou na queda das importações brasileiras, pelo contrário, as importações brasileiras vêm crescendo ao longo dos anos e quando houve quedas foram influenciadas pela queda do PIB e não por imposição de medidas de defesas comerciais. O quadro e gráfico a seguir apresentam as importações brasileiras de 1997 a 2021:

Fonte: Comexstat/ME (http://comexstat.mdic.gov.br/pt/home).

Conforme já mencionado acima, os anos de queda das importações brasileiras estão diretamente ligadas aos períodos de PIB negativo brasileiro. Em 2009, em consequência da quebra do Lehman Brothers. Em 2015 e 2016, consequência da queda do PIB brasileiro em função de decisões  governamentais e, por fim em 2020, decorrência da pandemia.

O Brasil, diferentemente de muitos países membros da OMC, tem se mostrado mais conservador na utilização dos instrumentos de defesa comercial, por aplicar direitos inferiores ao montante de dumping.

Além disso, em todas as investigações antidumping originais, há abertura de avaliação de interesse público. Importante ressaltar que este instrumento é adotado por poucos países e em situações bem específicas, como observado em investigações realizadas no Canadá, Austrália, UE e Índia.

Tal prática tem gerado muita insegurança para todo o ambiente de investimentos nacionais e estrangeiros no país. No Brasil, além da redução do direito antidumping a ser aplicado, também existem diversos casos nos quais foi recomendada a suspensão, por um ano, renovável por mais um ano, da cobrança do direito. Em outros países que realizam a análise de interesse público, em pouquíssimos casos houve apenas redução do direito.

Ao longo dos últimos anos é observada uma enorme celeuma, quando se debatem os instrumentos de defesa comercial. É fundamental destacar que medidas antidumping e compensatórias não constituem barreiras às importações e nem proteção à indústria doméstica. A utilização de medidas de defesa comercial de maneira justa, equilibrada e de acordo com as regras da OMC é legítima e fundamental para a correção de distorções indevidas decorrentes de práticas desleais de comércio.

A aplicação de uma medida traz diversos efeitos positivos para a indústria doméstica e, também, sobre o mercado como um todo. A medida permite que o dano que vem sofrendo a indústria doméstica em decorrência da concorrência desleal seja equalizado, garantindo que a indústria doméstica possa comercializar seus produtos de forma competitiva e justa, permitindo o devido retorno de seus investimentos e, como consequência, a manutenção de seus contínuos investimentos em tecnologia, inovação e competitividade.

Em nenhum fórum de debate é avaliado o impacto ao emprego, ao salário e a renda no país. Convém destacar a importância dos instrumentos de defesa comercial para proteção de milhares de empregos no Brasil, na geração de aumento de salários, renda, geração de bem-estar social e econômico para toda população. A indústria é responsável por gerar milhões de empregos com carteira assinada e com melhores salários, quando comparados aos demais setores da economia, basta observar o quadro abaixo:

Fonte: CNI

Além das questões de emprego e de renda, fatores considerados importantíssimos em outros países, outro ponto importante que precisa ser levando em consideração é a representatividade dos produtos sujeitos às medidas de defesa comercial frente ao total importado pelo país aplicador. Somente assim pode-se entender as verdadeiras razões que motivam os maiores países utilizadores desse instrumento no comércio internacional.

O consumidor precisa compreender que comprar um produto mais barato num primeiro momento, parece ser vantajoso. Porém, se o preço não for de mercado, apenas um preço artificialmente baixo para quebrar a concorrência, em um segundo momento trará prejuízos irremediáveis à indústria nacional, com fechamentos de fábricas, desemprego, redução da renda dos brasileiros e menos impostos arrecadados, podendo acarretar em diminuição da capacidade dos governos em investir em educação, saúde e segurança pública. A indústria participa com mais de 32% do total da arrecadação dos impostos no país.

Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria, divulgados em 18 de março de 2022[1], em 2021, a indústria respondeu por 22,2% do PIB e por 71,8% das exportações brasileiras de bens e serviços. Os dados mais recentes disponíveis indicam também que o setor industrial representa 68,6% do investimento empresarial em pesquisa e desenvolvimento e 32,9% da arrecadação de tributos federais (exceto receitas previdenciárias).”

Fonte: CNI

Maior reflexão sobre a importância da defesa comercial, sua legislação e a valorização dos órgãos responsáveis por sua análise deve ser feita por toda sociedade, para que não sejam cometidos erros que possam prejudicar a indústria, e consequentemente, o futuro da nação.

O debate sobre os instrumentos de defesa comercial não deve ocorrer de forma alijada da sociedade, pois o tema não afeta apenas a indústria, o maior impacto é sentido na sociedade como um todo, pois seu efeito direto e mais importante é na geração de emprego e renda, resultando no bem-estar da população.

Josefina Guedes

Diretora da GBI Consultoria Internacional, Diretora da Associação de Comércio Exterior do Brasil – AEB e Membro do Conselho de Relações Internacionais da Firjan

José Ricardo Machado Bernardo

Diretor da GBI Consultoria, membro da Câmara de Comércio da Florida- BACCF – Miami desde 2004, Membro da Associação de Comércio Exterior do Brasil – AEB.

Colaboração: Rogério Pitta

                      Economista da GBI Consultoria Internacional


[1] Disponível em: https://www.portaldaindustria.com.br/estatisticas/importancia-da-industria/#:~:text=A%20import%C3%A2ncia%20da%20Ind%C3%BAstria%20para,brasileiras%20de%20bens%20e%20servi%C3%A7os.

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