Katia Rocha e Nelson Siffert
Em 13/03/2025, ocorreu em Brasília/DF, o Workshop “Diretrizes Principais da Regulamentação do Hidrogênio de Baixo Carbono pós Leis no 14.948 e 14.990”. Estiveram presentes representantes do Ministério de Minas e Energia; Casa Civil; Ministério da Fazenda; MDIC; ANP, entre outros.
No evento, foi apresentado a devolutiva para o setor, face às 1.436 contribuições presentes na Tomada de Subsídios aberta pelo Ministério da Fazenda – MF, relativa à regulação do Rehidro[1] e do PHBC[2]. Foram ressaltados os avanços obtidos nos últimos meses, em especial com a promulgação das Leis 14.948 e 14.990, de 2024, relativas ao Marco Legal do Hidrogênio de Baixo Carbono e ao Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC). Entre os próximos passos a serem realizados, destacou-se a publicação do decreto que visa regular as mencionadas leis, fase esta essencial para a efetividade da política pública.
Desde a criação do PNH2, em 2022, foi destacado entre as realizações, além das leis relativas à regulação do setor, a criação do Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio de Baixo Carbono (SBCH2), instituído pelo Marco Legal de Hidrogênio de Baixo Carbono, que define o H2BC como toda molécula de H2 cujas emissões sejam menores que 7 kg de CO2eq/kg de H2BC.
Mostrou-se também que o Plano Trienal (2023/2025), com as respectivas 65 ações propostas, apresenta uma estratégia clara para o Brasil na nascente indústria do hidrogênio de baixo carbono (H2BC), com marcos temporais bem definidos.
Para o período 2025/2026 o objetivo é dar início a implantação de projetos-piloto ou demonstração, em diferentes regiões do Brasil. Para o ano de 2030, busca-se alcançar uma posição de destaque no mercado internacional em termos de competitividade na produção de H2BC, com projetos de maior escala, operando de forma comercial. Para o ano de 2035, almeja-se um quadro onde esteja consolidado hubs de H2BC em determinadas regiões do país, com maior vocação competitiva no adensamento das cadeias de valor e capacidade exportadora.
São elencadas três prioridades na agenda do H2BC:
- consolidar o marco legal e regulatório, garantido os avanços obtidos nos últimos meses, estabelecendo, no decreto a ser publicado, as diretrizes que irão reger os incentivos proporcionados pelo Rehidro e PHBC;
- promover investimentos em PD&I, com foco na redução dos custos de produção do H2BC, de modo a mobilizar os centros de pesquisa e capacitação de recursos humanos (deste 2020 os investimentos nesta área cresceram sete vezes);
- ampliar as fontes de financiamento, atraindo recursos concessionais internacionais, a exemplo do Fundo Clima. Há também uma oportunidade de captação de recursos, no montante de US$ 250 milhões, relativo a chamada de projetos de descarbonização em segmentos industriais, onde o governo brasileiro busca se qualificar. A Plataforma BIP, gerenciada pelo BNDES, é outra iniciativa neste sentido, elencando um portfólio de projetos em desenvolvimento.
Em relação aos pedidos de conexão à rede básica de transmissão relativo aos projetos de hidrogênio eletrolítico, decorrentes de iniciativas de projetos e H2BC, observou-se um crescimento acentuado das demandas nos últimos anos, chegando a um montante de 50 GW. Deste total, selecionou-se um subconjunto de 4 GW a fim de se promover estudos relativos aos investimentos necessários, assim como sua geolocalização, com previsão de conclusão dos estudos até o final do ano pela EPE.
Ainda que não tenha sido apresentada a minuta do decreto em elaboração sobre o Rehidro e PHBC, nem tampouco uma lista das suas principais diretrizes, é possível inferir que alguns aspectos já estão definidos. Entre eles destaca-se:
- Está claro que, visando atender aos preceitos da Lei 14.990, serão adotados leilões como mecanismo competitivo na concessão dos créditos fiscais, que somam o montante de R$ 18,3 bilhões, a serem concedidos no período entre 2028/2032. Provavelmente, serão leilões do tipo A-3 ou A-4, com um intervalo temporal plurianual até o início da produção, por parte dos projetos apoiados, e início da comercialização do H2BC. Não será tampouco um único leilão para concessão de toda a subvenção prevista no PHBC. É mais provável uma série de leilões, cujas diretrizes principais estarão definidas e customizadas no edital de cada leilão. O decreto, a ser em breve publicado. tende a ser mais geral, abrindo possibilidade para que, por meio dos editais, o foco de cada leilão venha sofrer ajustes ao longo do tempo. Por exemplo, no primeiro leilão, pode-se ter como foco a comercialização do H2BC de projetos voltados para segmentos industriais do mercado interno. Em um segundo momento, direcionar o apoio para projetos de maior escala, direcionados para mercados externos;
- Os projetos que visam exportações de H2BC poderão, uma vez localizados em ZPE’s, acumular os incentivos previstos para estas áreas, com os incentivos proporcionados pelo Rehidro e pelo PHBC. Inclusive os projetos que vierem a ser apoiados pelo PD&I da Aneel poderão acumular incentivos;
- Os segmentos industriais que se destacam, em um primeiro momento, são a cadeia de valor da siderurgia, refino, fertilizantes, cimento, químico e transporte pesado
Por fim, cabe destacar que a estratégia brasileira na nascente indústria do hidrogênio de baixo carbono, nas palavras do Secretário do MME, é dual, isto é, vale-se tanto das oportunidades proporcionadas pela neoindustrialização, como do potencial do mercado interno e seu adensamento industrial. Iniciativas autóctones, que trazem uma visão endógena, com base nos recursos internos, poderão atuar como alavancas para ganhar escala, adensar a cadeia de valor, permitindo maior competitividade no mercado externo. Não existe antagonismos entre o foco no mercado interno e externo, ao contrário, são vetores complementares e sinérgicos. A abertura para diferentes rotas tecnológicas, amplia as possibilidades de protagonismo de um maior número de stakeholders, inclusive na dimensão regional.
Os sinais para a nascente indústria do H2BC, no Brasil, são promissores: foi reafirmado, por mais de uma vez, que os compromissos com a agenda do H2BC não estão à mercê das intempéries da geopolítica internacional. Ao contrário, é o momento de o Brasil galgar vantagens competitivas, despontando à médio prazo como um país ainda mais relevante e líder mundial em energias renováveis, dispondo de produtos industriais em diversos segmentos como siderurgia, fertilizantes e mineração, com baixas emissões de GEE.
Mas, conforme lembrado no evento por especialistas da Agência Internacional de Energia (IEA), as três maiores prioridades na economia do H2BC são: i) demanda; ii) demanda e iii) demanda. Não se afastar desta preocupação, promover mecanismos competitivos, com alta transparência, evitar que agentes venham capturar privilégios e gerar barreiras, como no caso das conexões, são diretrizes importantes que favorecem o ambiente de negócios e a maturação dos projetos, atraindo investidores e financiadores.
Uma preocupação, todavia, permanece: foi mencionado que apenas por alteração na Lei seria possível estender o prazo de utilização dos incentivos previstos pelo o PHBC para além do período 2028/2032. A restrição apresentada na Lei 14.990, não quanto o montante de recursos de créditos fiscais, que são bastante expressivos, nem quanto ao seu prazo de concessão, entre 2028/2032, mas quanto à sua utilização financeira em apenas cinco anos, poderá restringir o período de incentivo para os contratos e compra e venda de H2BC.
Melhor seria se o uso do crédito fiscal pudesse se dar por um prazo mais longo, por exemplo, 2028/2038, sem aumentar o montante da subvenção. Neste caso haveria, maior incentivo para estabelecer contratos de longo prazo de H2BC, viabilizando que os projetos fossem estruturados financeiramente com base na modelagem do tipo project finance. É preciso estruturar projetos com fluxo de caixa estáveis e previsíveis, gerando recebíveis de longo prazo.
Os dois instrumentos regulatórios apresentados no Webinar, o PHBC e Rehidro, com foco no custo de capital dos projetos, reduzindo o Capex, aliando ao PHBC, com expressivos incentivos para reduzir o Opex dos projetos, abrem perspectivas da agenda do H2BC apresentar avanços expressivos nos próximos anos. Representam um norte estratégico bem definido.
Em que pese a conjuntura internacional apresentar um quadro de desafios à agenda de descarbonização, os formuladores da política pública no Brasil, ao contrário, corretamente, entendem o cenário atual como oportunidade para se reafirmar os compromissos brasileiros com redução do GEE e combate às mudanças climáticas, potencializando desenvolvimento econômico, acordos de cooperação e toda uma cadeia de valor para uma nova industrialização. O representante do MF não deixou dúvidas quanto a esta diretriz. É alvissareiro constatar que o Brasil tenha encontrado seu caminho, em termos de regulação e incentivos das políticas públicas, na nascente indústria do H2BC.
[1] O Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro) é um programa de incentivos fiscais no qual, uma vez que a empresa é enquadrada, são suspensas as cobranças do COFINS, PIS/PASEP e variantes de importações, incidentes sobre a aquisição de bens e serviços. Comprovada a realização dos investimentos, a alíquota aplicável passa a ser zero. É possível que os benefícios fiscais das ZPE’s e do REIDI sejam acumulados. Os projetos enquadrados no Rehidro tornam-se elegíveis para emissão de debêntures incentivadas. Benefícios do Rehidro incidem sobre o Capex.
[2] O Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC) é uma política de créditos fiscais, que soma R$ 18,3 bilhões, a serem aplicados no período 2028/2032. Contempla critérios de elegibilidade baseados na intensidade de descarbonização, com foco em setores industriais estratégicos. Os benefícios do PHBC incidem sobre o Opex.
Katia Rocha. Técnica de Planejamento e Pesquisa IPEA. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br. É colunista da WebAdvocacy (página).
Nelson Siffert – Diretor ICT – Resel e Bolsista PNPD do IPEA. E-mail: nfsfooo@gmail.com
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