STF: Divergência na Suprema Corte reinicia julgamento sobre revista íntima em penitenciárias

Corte delibera se provas obtidas por revista vexatória são legítimas judicialmente. Relatório de organizações dos Direitos Humanos sobre o método aponta que “seletividade penal e o racismo estrutural [...] organizam o encarceramento no Brasil”.
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“Seletividade penal e o racismo estrutural [...] organizam o encarceramento no Brasil”, afirma relatório sobre revista vexatória. Foto: RDNE Stock

Brasília, 07/02/2025

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, na manhã da quinta-feira (6), o julgamento sobre a legalidade de provas obtidas por meio de revista íntima em visitantes de presídios. Apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, pedido de destaque reiniciou a discussão no plenário físico, apesar de já haver maioria formada pela ilegalidade da prática no plenário virtual.

O relator do caso, ministro Edson Fachin, reafirmou seu voto contra a revista íntima vexatória, enquanto Moraes manteve sua posição favorável à legalidade do procedimento em situações excepcionais. Devido a questões logísticas, o julgamento foi suspenso e será retomado na próxima quarta-feira (12).

Entenda o caso

O recurso em análise foi apresentado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) contra decisão do Tribunal de Justiça estadual, que absolveu uma mulher acusada de tráfico de drogas. O TJ/RS considerou a prova obtida ilícita, uma vez que a visitante foi submetida à revista vexatória ao tentar entrar no Presídio Central de Porto Alegre com 96 gramas de maconha escondidas no corpo para entregar ao irmão detido.

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Crianças, idosos e membros da família de presos são alvo de medida considerada “invasiva e desumana” por relatório. Foto: RDNE Stock

Como aponta o relatório Revista vexatória: uma prática constante (2021), publicado por sete organizações da sociedade civil*, essa prática atinge majoritariamente mulheres negras e pobres, evidenciando a “seletividade penal e o racismo estrutural que organizam o encarceramento no Brasil”.

Segundo a pesquisa, “68,1% dos familiares que passam pelo procedimento são negros, número que reflete a composição da população carcerária, na qual 55,4% das pessoas presas também são negras”.

Além da violação do direito à visita, o artigo aponta que a revista vexatória impõe um controle sobre os corpos dessas mulheres, muitas vezes caracterizado como “estupro institucionalizado”, conforme destacam estudos citados no relatório. O procedimento envolve inspeções invasivas que desrespeitam a dignidade das visitantes e se tornam um obstáculo ao vínculo familiar.

“Vistas como suspeitas de antemão, milhares de mulheres enfrentam a fila do corpo, onde o vasculhamento de seus corpos que lutam para encontrar o familiar deixa marcas difíceis de serem esquecidas ao longo da vida”, descreve a publicação. Crianças e idosas também são alvos, sendo submetidas a um dilema: passar por um procedimento degradante ou abrir mão do contato com seus entes detidos.

*Organizações envolvidas no projeto: Agenda Nacional pelo desencarceramento, Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC), Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Pastoral Carcerária Nacional e Rede Justiça Criminal.

Voto do relator

O ministro Edson Fachin reiterou seu entendimento de que a revista íntima vexatória fere a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais à integridade, intimidade e honra. Ressaltou que a Lei 10.792/03 prevê a utilização de equipamentos eletrônicos, como scanners corporais e detectores de metais, para controle de entrada, e que a ausência desses dispositivos não justifica a adoção de medidas invasivas.

Fachin defendeu que a busca pessoal, sem práticas degradantes, só pode ocorrer quando os equipamentos eletrônicos indicarem elementos concretos de suspeita. No caso citado, votou pela ilicitude da prova, anulando a condenação da visitante, pois a revista se baseou apenas em denúncia anônima.

O ministro propôs a seguinte tese:

1. É inadmissível a revista íntima com desnudamento ou inspeção de cavidades corporais de visitantes em presídios;

2. A prova obtida por meio de revista vexatória é ilícita, salvo para decisões já transitadas em julgado;

3. A administração penitenciária pode impedir visitas caso haja indícios robustos de porte de material proibido;

4. Instituições prisionais terão 24 meses para instalar equipamentos de inspeção eletrônica;

5. Até a instalação dos equipamentos, a revista pessoal será permitida desde que não seja vexatória.

Divergência de Moraes

O ministro Alexandre de Moraes discordou do relator, argumentando que a revista íntima não deve ser automaticamente considerada abusiva ou degradante. Para ele, em casos excepcionais, o procedimento pode ser realizado, desde que:

– Seja feito por profissionais do mesmo gênero do visitante;

– Em caso de contato físico invasivo, seja conduzido por médicos;

– O visitante não seja obrigado a se submeter à revista, mas, se recusar, a visita pode ser impedida.

No caso concreto, Moraes concordou com a decisão do TJ/RS, mas por um fundamento diferente: o interrogatório da ré ocorreu antes da oitiva das testemunhas de acusação. Ele propôs a seguinte tese:

1. A revista íntima será excepcional e dependerá da concordância do visitante;

2. Deve seguir protocolos preestabelecidos e ser conduzida por profissionais do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos, em exames invasivos;

3. O excesso ou abuso na realização da revista resultará em responsabilização do agente e ilicitude da prova obtida;

4. Caso o visitante não concorde com a revista, a visita pode ser impedida.

O impacto da decisão dentro do STF

Durante a sessão, Moraes alertou sobre os riscos da proibição irrestrita da revista íntima, argumentando que “se tem algo que gera rebelião, é quando se impede a visita”. Além do fato de a suspensão de visitas fomentar revoltas dentro dos presídios, segundo o ministro, todos os itens proibidos apreendidos em presídios são ocultados sob as roupas ou em cavidades corporais, reforçando a necessidade de uma fiscalização rigorosa.

No plenário virtual, cinco ministros já haviam votado pela proibição da prática: Fachin, Barroso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber (aposentada). Cristiano Zanin acompanhou Fachin, com ressalvas. A divergência foi aberta por Moraes, seguido por Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli.

O julgamento prosseguirá no dia 12, quando os ministros deverão consolidar um entendimento definitivo sobre a validade da revista íntima e a admissibilidade das provas obtidas através desse método.


por Gustavo Barreto

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