Cristina Ribas Vargas
Em meio ao rastro de devastação deixado pela enchente de 2024 no estado do Rio Grande do Sul, classificada como um evento climático extremo, que superou a traumática marca histórica da enchente de 1941, um pensamento permaneceu presente nos corações e mentes de gaúchos e brasileiros de outros estados que se irmanaram em uma tocante rede de solidariedade: reconstrução. O evento climático, cujos danos têm sido comparados àqueles provocados pelo furacão Katrina que atingiu Nova Orleans em 2005, deixou o estado gaúcho com mais de meio milhão de habitantes desalojados, o que significa que aproximadamente uma a cada vinte pessoas teve que sair de sua casa. Em meio a esse turbilhão o pensamento focado no processo de reconstrução ladrilha o caminho da esperança.
O processo de destruição criadora é dinâmico e implica no surgimento de uma nova estrutura econômica enquanto a anterior não desapareceu totalmente. O empresário inovador é o agente responsável por sucessivas ondas de inovações tecnológicas que resultam em aumentos de produtividade do capital e do trabalho, e uma importante condição para que estes ciclos de desenvolvimento ocorram é a disponibilidade do crédito acessível. Quando essas condições não provêm da paz e da ação humana intencional, por vezes nasce da guerra ou mesmo de catástrofes naturais, ironicamente aproximando a teoria econômica da teoria da seleção natural de Charles Darwin, como inicialmente pretendido por Schumpeter.
A reconstrução do Japão após a II Guerra Mundial, por exemplo, passou por um processo de transformação em que tanto a política industrial quanto a reforma agrária foram induzidas a partir das políticas públicas pautadas na reconstrução. Reformas radicais foram promovidas, destacando-se a dissolução dos zaibatsu, grandes trustes verticalizados, cuja estrutura contemplava a instituição bancária responsável pelo financiamento das empresas do grupo; associado a uma reforma agrária que estruturou o campesinato em proprietários de pequenos lotes de terra produzindo alimentos que auxiliaram a manter positivo o saldo de uma balança comercial fortemente pressionada pela carência de recursos naturais e matérias primas como petróleo, carvão e minérios. O projeto sincrônico possibilitou que os investimentos fossem direcionados às indústrias química, elétrica e de bens de capital. Consequentemente o país pôde compensar o atraso técnico provocado pela guerra e ingressar em uma onda de progresso e crescimento. Os capitais foram disponibilizados pelo Estado Japonês, através de crédito ou incentivos fiscais, por grupos econômicos japoneses e por capitais norte-americanos, disponibilizados visando apoio frente as guerras da Coreia e do Vietnã.
Nesse sentido, Possas(1995) ressalta a necessidade de uma análise dinâmica do ambiente concorrencial, cuja conformação institucional pode produzir resultados positivos sobre o funcionamento dos mercados. Para Possas o arcabouço teórico que usualmente sustenta a política antitruste peca por adotar uma noção estática de concorrência.
“o estabelecimento de condicionantes institucionais sobre as formas como as empresas competem pode ter efeitos positivos sobre o funcionamento dos mercados, desde que sua construção não seja exclusivamente orientada por uma análise estática” (1995:5)
Uma análise dinâmica com fundamentos neo-schumpeterianos poderia fornecer instrumentos para essa análise, ao considerar a existência de rivalidade entre capitais, bem como, a introdução e a difusão de inovações. Nesse enfoque concorrência é “um processo de interação entre unidades econômicas voltadas à apropriação de lucros e à valorização dos ativos de capital.” Além disso, o elemento ativo de análise não é o mercado, mas a própria empresa. O mercado é o locus onde a empresa toma decisões e apropria ganhos.
“Nesse enfoque dinâmico a estrutura dos mercados é um dado relevante, mas não único nem imutável. Tanto pode condicionar, com maior ou menor intensidade, as condutas competitivas e as estratégias empresariais, como pode ser por estas modificada, de forma deliberada e possivelmente radical.” (1995:18)
A estrutura de mercado é endógena ao processo competitivo, e se conforma pela interação dinâmica no tempo entre estratégia empresarial e a própria estrutura de mercado. Como consequência a concorrência e a competitividade não nascem espontaneamente do mercado. Precisam ser incentivadas pela combinação da política econômica industrial e pela legislação antitruste. Observe-se que não se trata de enfraquecer empresas ou reduzir seu tamanho a fim de fortalecer a concorrência, pois é a eficiência técnica, produtiva e organizacional que assegura o ambiente competitivo.
No pós-guerra europeu foram políticas econômicas estruturadas e bem coordenadas que possibilitaram a prestação de serviços públicos, crescimento econômico e aumentos de produtividade nunca antes alcançados, e posteriormente repartidos e acessados por todas as classes sociais. Exemplos de caminhos para a reconstrução não nos faltam. Mas a integração em torno de um objetivo comum ainda é um desafio para o estado gaúcho e a economia brasileira.
Referências
KEYNES, J.M. A Grande crise e outros textos, Relógio D’Água editores, 2009.
POSSAS, Mario Luiz, FAGUNDES, Jorge, PONDÉ, João Luiz. Política antitruste: um enfoque Schumpeteriano, 1995. Disponível em https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/15265/1/MLPossas%3bJLSSFagundes%3bJLSPSouza.pdf.