O acautelamento do conflito pelo mundo “civilizado”.
E o Brasil com isso?
Editorial
Há um ano atrás a WebAdvocacy anunciava, por meio do editorial “A política de defesa da concorrência em tempos de guerra” [1], o início da guerra da Ucrânia.
Um ano depois, o mundo, em geral, e o Brasil, em particular, sofrem as consequências diretas dos efeitos da guerra. No caso do nosso país, os efeitos são facilmente sentidos na pressão sobre o preço dos combustíveis, dos fertilizantes e, sobretudo, sobre as taxas de juros praticadas pelo Bacen.
Mas, qual é e qual foi o papel dos Estados Nacionais para se prepararem para os efeitos da guerra sobre as suas economias em termos de preços e concorrência? Quais foram, quais são e quais serão os efeitos do conflito e das medidas internacionais sobre o mercado interno brasileiro?
O conflito entre Rússia e Ucrânia provocou reações imediatas da comunidade internacional, sobretudo da comunidade europeia e dos Estados Unidos. Em ambos os casos a reação teve como principal fundamento, além do combate a barbárie, a defesa do status quo geopolítico mundial.
A Comissão Europeia, com vistas a acautelar os efeitos do conflito sobre o território europeu, adotou o Quadro Temporário de Crise[2] (Temporary Crisis Framework) e os EUA, de igual monta, impuseram uma série de restrições a Rússia. As restrições impostas pelo continente e pelo governo americano atuam sobre várias áreas, sendo as principais, a área financeira e a área de comércio.
O conflito, por si só, já é motivo de crise econômica mundial, mas a imposição de restrições pelos países ricos a Rússia foi e é, com certeza, um acelerador desta crise. Aqui não vai nenhum juízo de valor!!! Este fato é reconhecido pela própria Comissão Europeia nos parágrafos 35 e 38 da sua comunicação[3], que trata da Aplicabilidade do artigo 87.o, n.o 3, alínea b), do Tratado[4].
O reconhecimento dos efeitos sobre a economia interna motivou o auxílio estatal as empresas ativas na União Europeia afetadas pela agressão militar russa[5] e, como prevê o parágrafo 51[6] do item 2.4. referente aos Auxílios para custos adicionais devidos a aumentos excepcionalmente acentuados dos preços do gás natural e da eletricidade,há previsão expressa para as empresas com utilização intensiva de energia.
E o Brasil com isso?
Bom, em terras Brasilis não ficamos imunes ao conflito e, com certeza, a imposição das restrições à Rússia pelos países ricos não nos ajudou em muita coisa, a não ser em nos fazer pensar que a paz mundial estaria “garantida”.
Não estamos aqui a dizer que a intervenção dos países aliados não foi necessária e não tem mérito!! Tem mérito sim, sobretudo, para evitar que o tabuleiro geopolítico se degringole em favor de autocracias como a Rússia. No entanto, estas intervenções não são sem consequências, pois se difundem tanto sobre aqueles países que fazem a intervenção quanto sobre àqueles que não o fazem.
A pressão sobre os preços da energia é a consequência mais evidente sobre os países.
Por aqui, ao contrário do que se observou na União Europeia, pouco se fez para preservar a saúde financeira do capital brasileiro dependente da energia. Talvez acreditemos que o Brasil é um exemplo de economia mercado e que os mercados se ajustam, não é mesmo???
Para não dizer que não fizemos nada, vale lembrar que o governo anterior zerou as alíquotas de PIS/PASEP e Cofins incidentes sobre combustíveis com vigência até o último dia de 2022 e que o novo governo publicou a Medida Provisória 1157/23[7], mantendo a desoneração dos impostos federais sobre os combustíveis até 28 de fevereiro de 2023. Agora bate à porta a decisão de prorrogar ou não a referida Medida Provisória por mais 60 dias.
Isso é o que temos para tratar os efeitos no primeiro aniversário da guerra da Ucrânia.
[1] Ver o editorial: Editorial – A política de defesa da concorrência em tempos de guerra (webadvocacy.com.br).
[2] O Quadro Temporário de Crise está disponível na Ukraine (europa.eu).
[3] A comunicação da Comissão Europeia pode ser acessada no link CI2022131PT.01000101.xml (europa.eu).
[4] 35. A Comissão considera que a agressão da Ucrânia pela Rússia, as sanções impostas pela UE ou pelos seus parceiros internacionais e as contramedidas tomadas, por exemplo, pela Rússia criaram incertezas económicas significativas, perturbaram os fluxos comerciais e as cadeias de abastecimento e conduziram a aumentos de preços excecionalmente elevados e inesperados, especialmente no gás natural e na eletricidade, mas também em muitos outros insumos, matérias-primas e bens primários, incluindo no setor agroalimentar. Estes efeitos, considerados no seu conjunto, provocaram uma perturbação grave da economia em todos os Estados-Membros. As perturbações da cadeia de abastecimento e o aumento da incerteza têm efeitos diretos ou indiretos que afetam muitos setores. Além disso, o aumento dos preços da energia afeta praticamente toda a atividade económica em todos os Estados-Membros. A Comissão considera, por conseguinte, que existe um vasto leque de setores económicos em todos os Estados-Membros que são afetados por uma perturbação económica grave. Nesta base, a Comissão considera adequado estabelecer os critérios de avaliação das medidas de auxílio estatal que os Estados-Membros podem adotar para sanar esta perturbação grave.
[5] 38. As medidas de auxílio estatal notificadas e apreciadas à luz da presente comunicação destinam-se a apoiar as empresas ativas na UE afetadas pela agressão militar russa e/ou pelas consequências das sanções económicas impostas e das contramedidas de retaliação tomadas, por exemplo, pela Rússia. As medidas de auxílio não podem, de modo algum, ser utilizadas para minar os efeitos pretendidos das sanções impostas pela UE ou pelos seus parceiros internacionais e devem estar em plena conformidade com as regras antievasão dos regulamentos aplicáveis (29). Deve evitar-se, em especial, que pessoas singulares ou entidades sujeitas às sanções beneficiem direta ou indiretamente de tais medidas (30).
[6] Para além das possibilidades existentes com base no artigo 107.o , n.o 3, alínea c), do TFUE e das possibilidades acima referidas, o apoio temporário pode atenuar aumentos excecionalmente acentuados dos preços do gás natural e da eletricidade, que as empresas poderão não estar em condições de repercutir ou de se lhes adaptar a curto prazo. Isto poderá atenuar as consequências para as empresas e ajudá-las a fazer face aos aumentos acentuados dos custos em consequência da atual crise e também reduzir a pressão inflacionista decorrente dos aumentos dos preços da energia. Podem justificar-se apoios adicionais para permitir a continuação da atividade de empresas com utilização intensiva de energia.
[7] Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)