Angelo Prata de Carvalho

É uma grande alegria compor o corpo de colunistas do Web Advocacy, e, para a coluna de estreia, tratarei de um assunto de grande relevância para o controle de concentrações que conta com importantes intersecções com o Direito Societário: o controle empresarial externo. Não obstante a sua relevância tanto para o Direito da Concorrência quanto para o Direito Societário, o controle externo ainda carece de critérios dogmáticos consistentes que sejam capazes de identificar grupos econômicos e, ao mesmo tempo, não desnaturem modelos de negócio legítimos e que não instituam direção unitária.

Isso porque, diante da inventividade dos agentes econômicos e da acelerada dinâmica dos mercados, a efetividade do controle prévio de concentrações depende fundamentalmente da existência de ferramentas de análise capazes de dar efetividade ao pricípio da primazia da realidade sobre a forma no Direito da Concorrência. Diante desse cenário, é preciso que sejam desenvolvidos critérios capazes de minimamente verificar a ocorrência do fenômeno, sem que, de um lado, sejam prejudicados modelos de negócio baseados na cooperação interempresarial, e, de outro, se instaure verdadeiro ambiente de irresponsabilidade organizada[1].  

O poder econômico, nesse sentido, não está limitado formalmente aos contornos do Direito Societário, tendo em vista que arranjos societários tradicionais têm dado lugar a arranjos contratuais complexos por meio dos quais, não obstante a conformação aparentemente paritária da relação, são estabelecidos vínculos de dependência e virtude dos quais uma das partes detém fundamentalmente o controle sobre a atividade financeira da outra. Não é sem motivo que, no âmbito da Resolução n. 2/2012 do CADE, a definição de grupo econômico envolve “as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo”.

            O próprio CADE reconhece, por conseguinte, que os grupos econômicos se estruturam por formas distintas daquela verificável na titularização de participações societárias, notadamente por meio do chamado controle não-societário ou externo. Daí dizer Fábio Konder Comparato que, nesses casos, “o controlador […] não é necessariamente membro de qualquer órgão social, mas exerce o seu poder de dominação ab extra[2]. É preciso, pois, verificar a partir de que momento a influência fática pode traduzir-se em poder de controle, com todos os efeitos jurídicos daí decorrentes, sobretudo no que diz respeito aos efeitos concorrenciais.

                   Evidentemente que nem toda autoridade ou influência externa causada por dependência se traduz em controle externo, na medida em que tais elementos podem fazer parte do próprio modus operandi de alguns negócios empresariais nos quais, não obstante, as partes mantêm suas esferas de autonomia. Por certo, o controle externo não consiste em mera influência ou mera autoridade, mas sim em poder de dominação por meio do qual um determinado agente econômico pode definir a política financeira de uma dada sociedade.

                   A convivência do fenômeno da autoridade com a autonomia das partes contratantes é fenômeno comum em contratos empresariais de colaboração (como a franquia, a distribuição, dentre outros), nos quais as partes se engajam em relação cooperativa bastante intensa, muitas vezes caracterizada pela dependência econômica e por certa ingerência administrativa de uma parte sobre a outra, porém ainda mantendo interesses contrapostos[3].

                   Acontece que, a partir do momento em que a dependência econômica se traduz em dominação sobre a política financeira da sociedade, pode-se obter situação típica de grupo econômico em que, diante da unidade da política financeira das contratantes, verifica-se verdadeira direção unitária[4]. Assim, o controle externo não se configura simplesmente em virtude da existência de ingerência de uma sociedade sobre a outra ou diante de situação de dependência econômica, mas sim quando uma das partes tem o poder de vincular as decisões sobre a política financeira da controlada, tendo em vista que: (i) a influência administrativa não necessariamente vincula a gestão financeira e, por conseguinte, pode modificar tão somente questões periféricas aos planos de ação mais centrais da sociedade; e (ii) a definição de estratégias administrativas não necessariamente importa em controle, mas tão somente pode levar a relação de dependência econômica que, como já se demonstrou, não é suficiente para instaurar controle externo e é parte integrante dos contratos empresariais de cooperação (nomeadamente os relacionais ou híbridos) de maneira geral[5].      

                   Observe-se, por conseguinte, que a identificação de controle externo para a finalidade de configuração de grupo econômico, por mais que dependa fundamentalmente da constatação de indícios concretos de dominação financeira, não deve ser pautada por análises casuísticas que eventualmente concluam pela existência de controle não-societário em qualquer relação que produza dependência econômica. Pontua Champaud, nesse sentido, que pode ser interessante a estruturação de um sistema de indícios de dependência destinados a evidenciar manifestações efetivas da dominação econômica. Isso porque, segundo o autor, a mera dependência ou a existência de algum grau de subordinação de uma sociedade perante outra deve no mínimo constituir indício para que se possa investigar se a sociedade “dominada” faz parte de grupo econômico, porém não se trata de elemento suficiente para tanto[6].

                   Dessa maneira, indício relevante de dependência econômica seria justamente a existência de arranjo contratual por meio do qual a sociedade dominante determina a escolha dos produtos ou condições de produção da sociedade dominada, situação que se confirma mediante a análise das origens, as condições de exercício e das perspectivas de implementação dessa sujeição. Acontece que a existência de contratos especificamente voltados à instauração de relação de dependência é apenas exemplo mais explícito de fenômeno que pode ocorrer no âmbito de cláusulas específicas que fixem margens de comercialização, regras de ação comercial, obrigações de recorrer a prestadores de serviço específico (como, por exemplo, a uma determinada instituição financeira), regras de conduta financeira específica e, em última análise, objetivos relacionados ao orçamento, aos investimentos e às finanças da sociedade subordinada[7].

                   Seja no Direito da Concorrência, seja no Direito Societário, é fundamental que se construa critério operacional de identificação e definição do controle externo, que deve consistir na definição da política financeira da empresa controlada, a refletir a dominação sobre as decisões verdadeiramente estratégicas. Assim, para além da menção ao controle externo na Resolução n. 2/2012 do CADE, faz-se necessária reflexão aprofundada sobre os critérios a serem adotados para a identificação de grupo econômico, de tal maneira que, para os efeitos pretendidos pelo Direito da Concorrência, é importante que no mínimo o controle externo seja constatado a partir de parâmetro claro que tanto seja capaz de constatar as diversas formas de dominação que possam vir a existir quanto seja sensível às funções econômicas dos negócios jurídicos analisados.


[1] TEUBNER, Gunther. Networks as connected contracts [edição eletrônica]. Oxford: Hart Publishing, 2011.

[2] COMPARATO, Fabio Konder SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. Rio e Janeiro: Forense, 2005. p. 89.

[3] PRATA DE CARVALHO, Angelo Gamba. Os contratos híbridos como categoria dogmática: características gerais de um conceito em construção. Revista Semestral de Direito Empresarial, n. 19, pp. 181-229, jul./set. 2016.

[4] ANTUNES, José Engrácia. Os grupos das sociedades: estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária. Coimbra : Almedina, 2002. pp. 116-117.

[5] Ver: PRATA DE CARVALHO, Angelo. Controle empresarial externo: a intervenção sobre a política financeira como critério de responsabilização do controlador. Rio de Janeiro: Processo, 2020.

[6] CHAMPAUD, Claude. Recherche des critères d’appartenance à um groupe. In: _______. Droit des groupes de sociétés. Paris: Librairies techniques, 1972. pp. 29-36.

[7] CHAMPAUD, Op. cit., 1972, pp. 29-36.

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