Elvino de Carvalho Mendonça

Muito se tem falado a respeito da importância da Análise de Impacto Regulatório (AIR) nas agências reguladoras. Um dos reclames da sociedade sobre a condução da regulação econômica via agências reguladoras estava centrado na grande quantidade de regramentos que acabavam por representar verdadeiras barreiras à entrada regulatórias e, nesse caso desmoronavam a missão precípua da regulação econômica que é a de mimetizar o ambiente concorrencial onde existem falhas de mercado instransponíveis para a economia de mercado.

Antes da Constituição Federal de 1988, os setores econômicos que hoje são conduzidos pelas agências reguladoras eram “regulados” pelos Ministérios do Poder Executivo. Nesse formato, havia a influência direta das questões do governo central e a política era menos de Estado e mais de governo.

Com a promulgação da Constituição de 1988, o art. 174 previu a possibilidade de constituição de agências reguladoras como agente normativo e regulador da atividade econômica com as finalidades de fiscalização, incentivo e planejamento determinante para o setor público e indicativo para o setor privado,[1] permitindo maior autonomia, privilegiando a técnica. Por outro lado, no art. 175, também previu que os serviços públicos poderiam ser concedidos ou permitidos a iniciativa privada mediante a realização de processos licitatórios, por prazo longo e mediante contrapartidas das empresas vencedoras[2].

Dada essa condução, a decisão foi a de privatizar as empresas estatais que prestavam serviços públicos, que eram monopólios naturais (ex. eletricidade e telefonia) e criar marcos regulatórios com agências independentes operacional e financeiramente para a gestão das empresas, segundo métodos tradicionais de regulação econômica, como, por exemplo, o regime de preço-teto.

O desafio dos marcos regulatórios era o de selecionar uma empresa por meio de processo licitatório que viesse a ofertar a melhor combinação de tarifa/qualidade da prestação serviço para o contribuinte e recursos para a União. Com esse marco regulatório vieram as regulamentações e com estas as normas, portarias e resoluções.

Várias experiências se sucederam após a criação dos marcos regulatórios dos onze setores regulados no Brasil, mas foi somente com a publicação da Lei das Agências (Lei nº 13.848/2019) e da Lei de Liberdade econômica (Lei nº 13.874/2019) e do Decreto de AIR (Decreto nº 10.411/2020) que a análise de impacto regulatório se tornou uma realidade exigível não somente para as agências reguladoras, mas também para toda a elaboração de atos normativos da administração pública direta, não obstante, aqui e ali, algumas agências já fizessem análises de impacto regulatório.

Os mencionados diplomas legais, sobretudo o Decreto de AIR, disciplinaram o rito do AIR e os métodos para se obterem medidas quantitativas e qualitativas dos atos normativos sobre os regulados e a sociedade como um todo. Salvo para as exceções, toda norma deve ser precedida de AIR e deve ser transformada em relatório, que será submetido ao escrutínio da participação social (tomadas de subsídio, consultas públicas e audiências públicas).

Está claro, portanto, que a regulação econômica no Brasil seguiu as premissas dos bons manuais de regulação econômica ao redor do mundo, pois privatizou empresas estatais deficitárias, criou agências reguladoras, elaborou marcos regulatórios e agora institucionalizou a prática do AIR em todas as agências.      

A ausência de instrumentos que medissem a intervenção do Estado por meio da regulação talvez seja o ponto mais negativo da regulação econômica no Brasil nesses últimos 26 anos. Antes da entrada em vigor da lei das agências, da lei de liberdade econômica e do Decreto de AIR, o Estado era soberano na elaboração de normas, o que fazia dos seus atos uma intervenção ativa no domínio econômico, com efeitos, muitas vezes, não muito positivos para a segurança jurídica dos regulados e dos investidores privados.

É inescapável que a instituição do AIR veio para atribuir poder a sociedade no balanço de forças com o Estado, na medida em que algumas normas anticompetitivas e/ou excessivas regulatoriamente tendem a ser eliminadas no processo de análise de impacto regulatório. Mas fica uma dúvida: qual é a medida certa?

Se é certo que a ausência de barganha de forças com o Estado acabou por gerar normas, muitas vezes, excessivas que acabaram gerando barreiras à entrada para o mercado, por outro lado, também é certo que é fundamental que o Estado tome a condução de diretrizes, ao menos, mínimas em mercados onde são visíveis as falhas de mercado, evitando o abuso do poder de mercado.

A medida correta é a de controlar o abuso, seja do Estado (abuso de poder regulatório) ou abuso do mercado (abuso do poder de mercado).

Não é difícil perceber que a quantidade de atos normativos que são necessários para a boa regulação é muito superior à capacidade de análise das agências reguladoras. Obviamente que um grande percentual desses atos não possui qualquer prejuízo para os setores regulados, a exemplo do que acontece com os 80% de atos de concentração submetidos ao CADE não possuem qualquer problema de natureza concorrencial.

 Esse é um desafio que o CADE e grande parte das agências de defesa da concorrência ao redor do mundo resolveram a partir da elaboração de critérios para separar os casos que realmente eram problemáticos daqueles que não o eram. A solução de triagem com publicidade ao público por meio da publicação de atos simples no DOU deu celeridade ao processo decisório, reduziu a insegurança jurídica e transformou o CADE em uma das melhores agências das Américas.

No entanto, nem sempre foi assim para o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Quem não se lembra do duplo trabalho na elaboração de pareceres pela então Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) e pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) antes da entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência)? Foram precisos alguns bons anos para que o SBDC identificasse que o modo como o sistema funcionava era disfuncional e gerava custos amplos tanto para o erário quanto para o setor privado.

Não obstante o Decreto de AIR tenha trazido os métodos para calcular o impacto regulatório, que nem sempre é uma boa solução devido ao engessamento da autoridade regulatória, não trouxe qualquer critério de triagem. A exemplo do que se viu com a experiência do SBDC, a eliminação do que não é relevante abre espaço para a aplicação de métodos sofisticados em casos que realmente merecem ajustes. Importante lembrar que há diferenças consideráveis entre as operações no CADE e os atos normativos das agências e a principal delas está no fato de que o órgão antitruste é um examinador externo das condições de concorrência que são geradas pela ação de duas ou mais empresas, ao passo que a AIR é elaborada por um examinador interno, que transforma a decisão diretamente conectada à vontade da agência.

Portanto, como criar um fast track para algo que está permeado por interferência direta? É importante lembrar que a AIR é um ônus da prova da agência para publicar um novo normativo e o julgamento é feito pela sociedade por meio da participação social (consulta pública, audiências públicas etc).

Há quem diga que a obrigatoriedade de realização da AIR inibe a produção de normas ruins do ponto de vista regulatório e concorrencial, pois há uma alta probabilidade de que esses normativos não sejam publicados na forma como foram propostos ou que sequer sejam produzidos, em razão da necessidade de produção de um trabalhoso AIR. Nesse caso, o entendimento seria de que somente seriam submetidas para AIR normativos que fossem relevantes e o problema do fast track estaria resolvido.

No primeiro caso, não há o comando da aprovação, ao passo que no segundo, o fast track no CADE, está baseado no tamanho das empresas que fazem as operações (faturamento bruto e participação de mercado).

Mais do que dizer que método utilizar é importante excluir aquilo que não gera preocupação e dar publicidade para a sociedade, pois, do contrário, é como “matar uma formiga utilizando uma bomba atômica”.


[1] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.         (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

[2] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado.

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