Daniela Santos
Fernando Montera
Volto a escrever com o economista Fernando Montera sobre energias alternativas, por conta do espaço de destaque que a pauta de descarbonização vem ganhando como questão central no combate às mudanças climáticas. Se dúvida, as metas para a neutralidade de carbono passam cada vez mais a ditar a dinâmica econômica e regulatória dos Países.
E são diversas as soluções possíveis para reduzir as emissões: geração de energia a partir de fontes renováveis, compensações ambientais, tecnologias de captura de carbono, maior eficiência na queima, substituição por combustíveis menos poluentes, ampliação de uso de biocombustíveis, são alguns exemplos. E é dentro desse rol de soluções que a produção de hidrogênio (H2) tem atraído cada vez mais atenção.
De fato, considerando que o H2 entrega grandes quantidades de energia, tem usos diversos, não emite poluentes no seu uso final e pode ser produzido através de fontes 100% renováveis – chamado Hidrogênio Verde, não há dúvidas que se trata de uma aposta chave para contribuir ativamente na redução de gases de efeito estufa. O seu uso, entretanto, não é novidade, sendo realidade em diversas aplicações industriais – produção de derivados de petróleo, amônia e na indústria siderúrgica, por exemplo.
Como resultado desse cenário, de acordo com o Hydrogen Council, são estimados que os investimentos em projetos de H2 até 2030 estejam na casa de US$ 500 bilhões em todo o mundo. Destes, aproximadamente 30% são considerados pela instituição como projeto maduros, ou seja, que estão na etapa de planejamento após decisão final de investimento ou que estão associados a algum projeto em construção, comissionamento ou operacional.
E o Brasil, como se encaixa nesse contexto? Também aqui o H2 não é novidade, sendo tema de projetos e programas federais para desenvolvimento da tecnologia desde meados da década de 2000. Mais recentemente, conforme a Resolução CNPE nº 6, de 20 de abril de 2021 – que determina a realização de estudo para proposição de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio – passou a ser considerado como tema prioritário de investimentos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) pelo Conselho Nacional de Política Energética e estruturação das diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio – EPE. Confira-se:
“Art. 1º Determinar ao Ministério de Minas e Energia que, no prazo de até sessenta dias, contados da publicação desta Resolução, em cooperação com os Ministérios da Ciência, tecnologia e Inovação e Desenvolvimento Regional, com o apoio técnico da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, apresente a este Conselho proposta de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio, observados:
(…) II – a inclusão do hidrogênio como um dos temas prioritários para investimentos em pesquisa desenvolvimento e inovação, conforme Resolução CNPE nº 2, de fevereiro de 2021, aprovada pelo Conselho Nacional de Política Energética.”
E não é só: nessa mesma linha, o CNPE, por meio da Resolução nº 7, de 20 de abril de 2021, instituiu o Programa Combustível do Futuro e criou o seu Comitê Técnico com o objetivo de desenvolver medidas para expandir o uso de combustíveis sustentáveis e de baixa intensidade de carbono. Nesse movimento, já ficou definida uma ação direcionada ao desenvolvimento do H2 no Brasil: o uso do energético como combustível de veículos automotivos. Confira-se:
“VI – propor estudos para ampliação do uso de combustíveis sustentáveis e de baixa intensidade de carbono, como, por exemplo:
(…) b) avaliação das tecnologias de célula a combustível disponíveis para orientar pesquisa, desenvolvimento e inovação”
Com isso, o Conselho que propõe políticas nacionais e medidas específicas ao Presidente da República, evidenciou os direcionadores mínimos referentes ao uso do H2 no Brasil. Como resultado da Resolução no 6 do CNPE, o recém-publicado Programa Nacional do Hidrogênio[1], pautado pelos pilares de Políticas Públicas, Tecnologia e de Mercado, identificou a necessidade de se trabalhar o desenvolvimento desse mercado a partir de seis eixos – fortalecimento das bases tecnológicas, capacitação e recursos humano, planejamento energético, arcabouço legal-regulatório, crescimento do mercado e competitividade e cooperação internacional.
Portanto, equacionadas as questões acima, restam outras que deverão ser debatidas e devidamente esclarecidas de modo a garantir a segurança da opção pelo H2 no Brasil: conscientização do mercado consumidor (o que implica no seu custo competitivo) e a competência e alinhamento regulatório.
A sensibilização do mercado consumidor passa por diversas fatores culturais e econômicos. Quando se fala do potencial interno brasileiro, a já mencionada resolução do CNPE que define o Programa Combustível do Futuro, também explicita que se deve encontrar maneiras de educar o consumidor:
“Art. 3º
V – propor ações para fornecer ao consumidor as informações adequadas contribuindo par a escolha consciente do veículo e da fonte de energia considerando o ciclo de vida dos combustíveis”
Não se pode perder de vista que, assim como ocorre com o gás natural, o H2 pode ser comercializado entre continentes pelos mares. Com efeito, em tese, há espaço para o Brasil fornecer H2 para países que vinculados a uma forte pauta de descarbonização da economia, como é o caso dos países europeus.
Outro ponto a ser considerado é a eventual criação de medidas para expandir o consumo interno no Brasil. O Reino Unido, por exemplo, incluiu taxas na conta dos consumidores para estimular a produção de H2, que seria misturado, por exemplo, no gás natural entregue.
De todo modo, a expansão do consumo estará diretamente relacionada a capacidade de inserção em bases competitivas do energético. De acordo com a BloombergNF[2], a difusão da tecnologia levaria a preços competitivos do Hidrogênio Verde apenas em 2050. A necessária redução do custo do H2 de modo a torná-lo competitivo, dependerá, em grande medida, do sucesso de tais escolhas[3].
Sobre a regulação, é possível prever a existência de mais de um ente diferente atuando no tema, acrescentando, portanto, complexidade no alinhamento e harmonia das diretrizes regulatórias, AIR, ARR etc. Veja o caso das versões verde e azul do hidrogênio: caso seja produzido 100% com energia renovável, dependerá principalmente da regulação da ANEEL, mas caso seja produzido utilizando gás natural, com tecnologias de captura de carbono, deverá envolver a ANP e, em alguns casos, os estados que regulam a distribuição de gás natural.
Ao ser utilizado diretamente como combustível (misturado ou não com gás natural) a atuação da ANP e, em alguns casos, das agências estaduais de regulação da distribuição de gás natural, teria ainda seu papel em destaque quanto aos usos na síntese de biocombustíveis.
Nada obstante, apesar da complexidade adicional por conta disso, não há obstáculos intransponíveis para a definição de regulações harmônicas, isonômicas, com base na transparência e com foco na concorrência. Neste sentido, novamente citamos o inc. I do art. 1º da Resolução CNPE nº 6/21, que, entre as diretrizes do Programa de Hidrogênio, corrobora o “interesse em desenvolver e consolidar o mercado de hidrogênio no Brasil e a inserção internacional do País em bases economicamente competitivas”.
Portanto, é possível afirmar que o assunto está encaminhado, mas precisa ser avaliado a partir de uma política pública específica para o Brasil, considerando suas características, necessidades e a diversidade de fontes energéticas disponíveis no País. Exemplos de outros países são importantes, mas apenas dentro de um contexto que realmente reflita os caminhos que o País deseja trilhar nas próximas décadas.
E, como sempre, as (boas) possibilidades no Brasil são inúmeras e, se bem-organizadas, com regras simples, objetivas e transparentes – o que, como se sabe, ainda é um grande desafio – atenderão plenamente às nossas necessidades.
Por fim, considerando que não é possível falar sobre H2 sem falar sobre gás natural, devemos considerar a existência de uma questão ainda pendente que precisa ser equacionada: a especificação do gás natural. Isso porque se pretendemos aproveitar o H2 misturado ao gás natural, é necessário que se tenha clara a composição do gás natural entregue ao consumidor.
*Fernando Montera é economista e mestre em administração. Atualmente é Coordenador de relacionamento Petróleo, Gás e Naval da FIRJAN, liderando a coordenação do Núcleo de Trabalho de Gás Natural e o desenvolvimento de ações no âmbito de Novas Energias.
(as opiniões do autor não refletem necessariamente o posicionamento da FIRJAN sobre o tema)
[1] https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/FIEMGHidrogenioMMEconvertido.pdf
[2]https://data.bloomberglp.com/professional/sites/24/BNEF-Hydrogen-Economy-Outlook-Key-Messages-30-Mar-2020.pdf
[3] https://gasenergy.com.br/custos-de-hidrogenio-perspectivas-no-longo-prazo/