22/12/2024 04:02

Colunista

Daniela Santos

O CNPE e a concorrência no mercado de gás

Daniela Santos

Minha coluna de hoje é sobre a Resolução nº 3, de 7 de abril de 2022, do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que estabelece as diretrizes estratégicas para o desenho do novo mercado de gás natural, os aperfeiçoamentos de políticas energéticas voltadas à promoção da livre concorrência nesse mercado, os fundamentos do período de transição.

O contexto dessa Resolução foi a necessidade de construir soluções, ainda que transitórias[1], para garantir, na prática, a concorrência no mercado de gás natural no Brasil. E isso decorreu dos avanços atuais que, por certo, apontaram para problemas/limites que ainda impedem a plena observância dos princípios do Novo Mercado de Gás (NMG) e dos objetivos pretendidos com o desinvestimento da Petrobras no setor, nos termos indicados pelo Termo de Compromisso de Cessação (TCC do gás), celebrado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em 2019.

Foram muitas as diretrizes, medidas e princípios dispostos na Resolução. Todos eles já dispostos em outras normas, experimentados em outros mercados, e reconhecidos como fundamentais para a transição entre um mercado restrito para um mercado seguro e confiável com a participação de diversos agentes.  

Mas além do (importante) reforço de tais parâmetros pelo CNPE – vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministério de Minas e Energia – há novidades importantes que devem ajudar no crescimento do mercado de gás enquanto o CADE não sinaliza com decisões mais objetivas no âmbito do TCC do Gás e a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis não finaliza itens fundamentais da sua extensa agenda regulatória.

Mas vamos em partes. Em primeiro lugar, chama atenção para o (correto) apoio dado às diretrizes estratégicas do novo mercado de gás natural no Brasil, especialmente aquelas que indicam a necessidade de dinamismo e acesso à informação (transparência), a participação dos agentes do setor e a promoção à competição na oferta do gás natural (sem perder de vista o respeito aos contratos).  

Neste sentido, cito algumas diretrizes que me chamaram a atenção:

  • remoção de barreiras econômicas e regulatórias às atividades de exploração e produção de gás natural;
  • implementação de medidas de estímulo à concorrência que limitem a concentração de mercado e promovam efetivamente a competição na oferta de gás natural;
  • reforço da separação entre as atividades potencialmente concorrenciais, produção e comercialização de gás natural, das atividades monopolísticas, transporte e distribuição;
  • aumento da transparência em relação à formação de preços e a características, capacidades e uso de infraestruturas acessíveis a terceiros;
  • promoção do acesso não discriminatório e transparente de terceiros aos gasodutos de escoamento, Unidades de Processamento de Gás Natural – UPGNs – e Terminais de Regaseificação;
  • promoção da harmonização entre as regulações estaduais e federal, por meio de dispositivos de abrangência nacional, objetivando a adoção das melhores práticas regulatórias;
  • promoção de transição segura para o modelo do novo mercado de gás natural, de forma a manter o funcionamento adequado do setor.

E como se não bastassem tais diretrizes, o CNPE também confirmou os princípios da transição para um mercado de gás natural concorrencial, que deve primar pela segurança do abastecimento, pela celeridade e pelo fortalecimento e autonomia das agências reguladoras e da autoridade de defesa da concorrência.

Os objetivos da transição também são descritos na Resolução CNPE nº 3/22. Cito apenas alguns deles:

  • promover um mercado transparente, concorrencial e líquido de gás natural, tanto no atacado como no varejo, com diversidade de agentes do lado da oferta e da demanda;
  • restringir situações de transações entre comercializadores e concessionárias de distribuição de gás canalizado que sejam partes relacionadas;
  • promover a transparência e o estabelecimento de regras claras para o acesso negociado e não discriminatório às infraestruturas de escoamento e processamento de gás natural e aos Terminais de Gás Natural Liquefeito – GNL;
  • promover a transparência do teor dos contratos de compra e venda de gás natural para o atendimento ao mercado cativo; e
  • incentivar a adoção voluntária, pelos Estados e o Distrito Federal, de boas práticas regulatórias relacionadas à prestação dos serviços locais de gás canalizado, que contribuam para a efetiva liberalização do mercado, o aumento da transparência e da eficiência, e a precificação adequada no fornecimento de gás natural por segmento de usuários.

E tudo isso, sem esquecer da necessidade de (i) coordenação das atividades, (ii) concentração das operações de compra e venda de gás em um ponto virtual de negociação (que servirá como referência para os produtos relacionados à flexibilidade e ao balanceamento da rede), (iii) padronização dos contratos, (iv) redução da tarifa relacionada às interconexões e a efetiva interconexão das instalações do sistema de transporte, (v) a adequação de procedimentos e padrões utilizados pelos agentes, (vi) a implantação de programas para a liberação progressiva de gás natural (com a supervisão da ANP e dos órgão de defesa da concorrência) e (vii) simplificação e periodicidade dos processos de oferta de capacidade de transporte de gás natural. Grifei as palavras-chave para não restar dúvidas sobre os propósitos legítimos e necessários na consecução dos objetivos do NMG.

Para atingir tais objetivos, o MME se comprometeu a disponibilizar, no seu site, os prazos indicativos sobre: (i) interconexão de gasodutos de transporte; (ii) oferecimento de capacidade de transporte; (iii) troca de informação entre usuários e operadores de rede; (iv) elaboração de código de conduta e prática de acesso à infraestrutura; (v) processo de código de rede; (vi) informações sobre a constituição do conselho de usuários e (v) informações dos proprietários e operadores de infraestruturas essenciais. Previsibilidade, transparência e acesso às informações são essenciais para a estruturação do mercado de gás natural no Brasil.

Ademais, para além dos pontos que fazem referência ao transporte de gás natural, os temas que mais chamaram a atenção no artigo 8º da Resolução dizem respeito: (i) ao estímulo à participação ativa na comercialização de gás a curto prazo (para dar maior liquidez e transparência na formação de preços) e (ii) ao prazo de 180 dias para a conclusão das negociações entre os operadores de instalações e infraestruturas essenciais e o terceiro interessado no acessosenão a ANP poderá atuar para verificar eventuais “condutas anticoncorrenciais ou de controvérsias entre as partes”, devendo deliberar em 90 dias sobre o caso. Espera-se que, ao se estabelecer prazos, o mercado tenha mais previsibilidade, transparência e segurança nas negociações de acesso. Mais um reforço no papel (protagonista) do regulador federal – sem perder de vista que, havendo dúvida sobre as “condutas anticoncorrenciais” sempre será possível consultar os órgãos de defesa da concorrência.

Ainda sobre acesso não discriminatório às infraestruturas essenciais, a Resolução CNPE reforça os seus princípios gerais (muitos deles já observados no case de acesso à UPGN Guamaré, por exemplo) merecendo destaque aquelas que ainda não foram implementados total ou parcialmente, quais sejam, os que estabelecem que (i) a remuneração para o acesso deva ser baseada em critérios objetivos e considerar um retorno justo e adequado do investimento, a partir de uma prestação de serviço eficiente; (ii) que toda recusa ao acesso deva ser devidamente justificada; e (iii) que os proprietários ou operadores devam dar transparência e disponibilizar dados e informações sobre as instalações de gás natural, contendo no mínimo: as remunerações dos serviços prestados; as capacidades disponíveis, contratadas e utilizadas; os atuais usuários das instalações; e as negociações em curso, especificando a data de início.

Outro importante tema tratado na Resolução CNPE nº 3/22 diz respeito às medidas estruturais e comportamentais que devem ser observadas pelos agentes que ocupem uma posição dominante no setor – as quais vão desde a alienação total das ações nas empresas de transporte e distribuição até venda de gás em leilões.

O CNPE também ratificou a importância da harmonização das legislações estaduais, ao indicar as medidas que esperam ser tomadas pelos estados, inclusive via aditivo contratual, com as suas concessionárias distribuidoras. Recomendou, também, a articulação do MME, ANP e EPE para treinamento e capacitação das agências reguladoras estaduais. Todos, pontos fundamentais – e ainda pendente em vários estados – para o sucesso do NMG!

Por fim, sobre as condições de concorrência no mercado de gás, o CNPE recomendou a elaboração de um diagnóstico conjunto entre ANP, MME, ME e CADE, em seis meses, o que é de extrema importância para a tomada de decisões estratégicas no sentido de assegurar a desconcentração da oferta do gás natural. Faço menção aos integrantes do Fórum do Gás – em especial à Juliana Rodrigues, especialista em energia da ABRACE – que sempre defenderam diretrizes de transição bem semelhantes às apresentadas pelo CNPE.

Vamos em frente nos caminhos indicados pelo CNPE.

[1] Art. 6º Fica estabelecido o período de transição para o novo desenho de mercado de gás natural até o término do processo de fusão de áreas de mercado de capacidade do sistema de transporte.

DANIELA SANTOS. Mestre em Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado, ex advogada da Agência Nacional de petróleo, gás e biocombustíveis, sócia fundadora da SG Advogados, escritório especializado em energia, publicará mensalmente artigos sobre temas atuais que envolvam energia elétrica, petróleo e gás natural, com enfoque na concorrência.

SHS Quadra 6, Conjunto A, Torre C, Sala nº. 901, Business Office Tower – Brasil 21, Asa Sul, Brasília-DF, CEP: 70.322-915 – Tel (061) 3032-2733

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