O veneno sendo ministrado como remédio – A insana saga do setor de infraestrutura para sobreviver no país

O setor de infraestrutura, considerando a construção civil e a infraestrutura pesada é, com certeza, um dos que mais sofrem com fiscalizações, perseguição por órgãos de controle internos e externos, além de medidas judiciais que penalizam constantemente o segmento.

José Américo Azevedo

Este espaço da prestigiosa plataforma está disponibilizado para falar sobre Direito e Economia. Dentro deste contexto, o desenvolvimento econômico e a pauta legislativa se inserem perfeitamente.

Pois bem, falemos sobre infraestrutura, propostas legislativas e o necessário crescimento que há décadas, talvez séculos, promete que o Brasil esteja fadado a ser o “país do futuro”.

Um futuro que nunca chega e que diversas gerações vêm e vão, sem que a prometida e alvissareira expectativa se cumpra!

Não obstante os inúmeros desacertos políticos e governamentais, encontramos, ainda, excrescências, sob forma de projetos de lei, apresentados pelos legítimos representantes do povo brasileiro, que enterram qualquer possibilidade de se criar uma agenda positiva para pavimentar o caminho para esse tão sonhado – e tão distante – projeto de futuro.

Transvazada esta digressão, encaminhemos para o tema que ora nos é apresentado!

Em 20.12.2023, ilustríssimo deputado (em minúsculas) Pedro Uczai, do PT de Santa Catarina, apresentou o projeto de lei nº 6.130/23, que “[d]ispõe sobre a suspensão da licença de empresas que atuam no setor de construção civil, em caso de descumprimento de execuções judiciais e risco flagrante de falta de saúde financeira”.

Lendo a biografia do nobilíssimo deputado (em minúsculas), vê-se que sua profissão é de professor universitário, graduado em Estudos Sociais, Filosofia e Teologia e Mestre em História do Brasil, além, evidentemente, de político profissional. Como deputado federal, votou contra a admissibilidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Roussef. Já durante o Governo Michel Temer, votou a contra a PEC do Teto dos Gastos Públicos. Em abril de 2017 foi contrário à Reforma Trabalhista. Em agosto de 2017 votou a favor do processo em que se pedia abertura de investigação do presidente Michel Temer.[1]

Percebe-se o viés ideológico oblíquo do cidadão, além da total falta de familiaridade com o setor da infraestrutura. Mas deixemos o sublimíssimo parlamentar (em minúsculas) de lado, para discutirmos o que realmente importa para o país.

O SINICON – Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada, estima que o estoque de capital em infraestrutura (ou seja, o valor total da infraestrutura existente) em comparação com o Produto Interno Bruto (PIB) está em 35,5% no país. No entanto, Entre 2022 e 2024, o investimento ao ano ficou abaixo de 1,9% do PIB. [2]

Há que se pensar e, evidentemente, avaliar que essa desproporção gera impactos absolutamente deletérios para a economia brasileira, uma vez que nossa economia está profundamente lastreada em exportação de comodities que dependem, essencialmente, de logística e infraestrutura de transportes, necessitando da ampliação de investimentos em todos os modais, quais sejam, rodoviário, ferroviário, hidroviário, portuário e aeroviário.

No que diz respeito ao aspecto social que, ao que parece, foi o foco da proposta do autor do projeto, a mesma situação se apresenta. O Estado não cumpre as regras estabelecidas em contrato, atrasando pagamentos, não conseguindo resolver, dentre outras, as questões de licenças ambientais ou de desapropriações, de sua absoluta responsabilidade, fazendo com que o setor privado tenha que financiar o Governo, colocando o trabalho antecipadamente, à espera de um recebimento que não sabe se vai chegar. Basta dizer que o orçamento federal para 2025 somente foi aprovado no final do mês de março deste ano (quando deveria estar sancionado desde o ano passado), e ainda não disponibilizado operacionalmente, gerando total instabilidade para todos aqueles que prestam serviços ao Governo.

Contextualizado este panorama, podemos voltar ao nosso malfadado projeto de lei. O artigo 2º estabelece que:

Fica estabelecida a suspensão da licença de funcionamento de empresas, empresas de pequeno porte (EPPs), microempresas (MEs) e Microempreendedores Individuais (MEIs) que atuam no setor de construção civil, quando houver o descumprimento de execuções judiciais e for constatado o risco flagrante de falta de saúde financeira para atuação no referido setor.

O projeto, como fica claro, tem como objetivo asfixiar exatamente as empresas que precisam do auxílio do Governo. São empresas que possuem poucos funcionários, que sustentam suas famílias e, portanto, dependem delas, e que geram milhões e milhões de empregos neste país.

É como um “nó de gólgota” para os pequenos empreendedores brasileiros que, buscando prosperar e trazer desenvolvimento, serão crucificados pelos soldados, se não romanos, pelo menos legislativos, aqui nessas terras do Ocidente.

Um dos requisitos para a suspensão da licença está definido como a apresentação de “risco flagrante de falta de saúde financeira para atuação no referido setor” e, de forma totalmente subjetiva específica o tal “risco flagrante” como “a situação em que a empresa de que trata esta Lei apresente indícios concretos de insolvência, tais como a falta de capacidade de pagamento de obrigações, acúmulo de dívidas em execução e demais elementos que demonstrem a inviabilidade financeira”.

Ora, na maioria das vezes, a falta de capacidade de pagamento de obrigações e o acúmulo de dívidas em execução, além dos (como definir?) demais elementos que demonstrem a inviabilidade financeira, são decorrentes exatamente da inadimplência estatal em relação aos contratos firmados entre privados e a Administração Pública, resultante de imensos atrasos nos pagamentos das prestações de serviço. Ou seja, o causador do dano é exatamente o algoz que irá dizimar o empreendedor.

O art. 8º do PL, consuma o arremesso da pá de cal nas empresas quando estabelece que “[d]urante a suspensão da licença, a empresa não poderá realizar novos serviços, obras ou prestações contratadas”. É dizer, caso receba essa penalização, a empresa deve providenciar um plano de contingências para o definitivo encerramento de suas atividades.

É o mesmo que dizer a um doente que chega a um hospital que não vai ser ministrado qualquer medicamento, uma vez que corre algum risco de morrer. O remédio seria exatamente o auxílio governamental para arrancar a empresa da situação espinhosa que está atravessando, proporcionando recursos – e serviços – para que ela possa sobreviver e voltar de forma saudável ao mercado.

Em que pese a intenção do Projeto, já existem instrumentos eficazes para lidar com a inadimplência e insolvência empresarial, como a Lei de Falências, a Lei de Execução Fiscal e o Código de Processo Civil. Não há, portanto, necessidade de penalizar, ainda mais, um setor que, historicamente, é o primeiro a sofrer os efeitos de qualquer recessão econômica, mas, no entanto, é o primeiro a mostrar vitalidade quando existe uma recuperação da economia, ajudando, de forma extremamente direta, o restabelecimento da estabilidade do país.

Em sua justificação, o autor do Projeto afirma:

Embora as vigentes regras de direito e processo civil e de defesa do consumidor contenham mecanismos judiciais e sanções administrativas para assegurar o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelos fornecedores no âmbito dos negócios jurídicos celebrados no mercado de consumo, um setor, em especial, parece seguir à margem dessa regulação.

Trata-se do segmento de construção civil, ambiente em que a reiterada desobediência aos princípios essenciais do pacta sunt servanda (obrigatoriedade dos contratos), da efetiva reparação dos danos causados ao consumidor e da efetividade da prestação jurisdicional demonstram a necessidade de concepção de novos remédios jurídicos, mais rigorosos, para garantir a proteção dos interesses dos consumidores.

Com a devida vênia, não poderia estar um representante do povo mais equivocado e tendencioso. O setor de infraestrutura, considerando a construção civil e a infraestrutura pesada é, com certeza, um dos que mais sofrem com fiscalizações, perseguição por órgãos de controle internos e externos, além de medidas judiciais que penalizam constantemente o segmento.

É digno de pena para o país que um Projeto como esse caminhe pelo Parlamento, de maneira irresponsável e desarrazoada. Somente o bom senso dos deputados e senadores poderá corrigir esta absurda distorção que está sendo, inconsequentemente, proposta.

Só com respeito e proteção a um setor tão relevante para o desenvolvimento do país é que poderemos, voltando ao início para encerrar, esperar que o Brasil chegue à efetiva condição de “país do futuro”.


[1] https://pedrouczai.com.br/biografia/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Uczai
Consultados em 05.05.2025

[2] https://www.sinicon.org.br/blog/?falta-de-investimento-deixa-infraestrutura-brasileira-em-estado-critico#:~:text=A%20pesquisa%20mostra%20que%20o,35%2C5%25%20no%20Pa%C3%ADs.
Consultado em 05.05.2025


José Américo Azevedo. Engenheiro Civil pela Universidade de Uberaba e Advogado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa IDP, em Brasília. Consultor independente e ex-colaborador na Defensoria Pública do Distrito Federal. Colunista na plataforma WebAdvocacy. Atualmente presta consultoria para o Instituto Unidos Brasil. Experiência em gerenciamento e coordenação de contratos, licitações, contratos e concessões públicas atuando por empresas privadas e pelo Governo. Ex-membro de Comissões de Licitações. Relações institucionais e governamentais. Credenciado como perito técnico judicial junto ao TRF 1 Região. Membro da Comissão de Infraestrutura da OAB/DF.


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