Apresentação
Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.
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Ficha catalográfica
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A boa fé e seus aliados processuais no exercício da litigância elegante e cristalina dos operadores do direito em todos os seus segmentos
Lorenzo Martins Pompílio da Hora e Durval Pimenta de Castro Filho
RESUMO: O presente artigo científico tem por propósito, em síntese, uma análise do exercício do direito probatório aliado ao princípio da boa-fé, como elementos processuais estruturantes de um procedimento potencialmente gerador de uma sentença com resolução de mérito seguramente justa e efetiva, de acordo com a norma fundamental do artigo 6º do Código de Processo Civil, conforme reclama o Estado Democrático de Direito, resguardado pela denominada Constituição Cidadã, promulgada em 5 de outubro de 1988.
Palavras – chave: princípio da boa-fé; direito probatório; devido processo legal.
ABSTRACT: The purpose of this scientific article is, in summary, an analysis of the exercise of the right to evidence combined with the principle of good faith, as structuring procedural elements of a procedure potentially generating a sentence with a surely fair and effective resolution of the merits, in accordance with the fundamental rule of article 6 of the Civil Procedure Code, as demanded by the Democratic Rule of Law, protected by the so-called Citizen Constitution, promulgated on October 5, 1988.
Keywords: principle of good faith; evidentiary law; due process of law.
Propedêutica
A Boa-fé cresceu, superou todos os percalços da puberdade, da adolescência, atingiu a maioridade e atualmente se faz presente nos mais diferentes cenários cognitivos da vida jurídica.
Superou um momento clássico, sujeito a concepções preestabelecidas e ao mesmo tempo limitadoras do seu potencial de generosidade com o bom senso, a probidade na arte de litigar entre as partes.
O legislador processual civil hodierno contemplou a boa-fé, colocando-a sob a égide das normas fundamentais, de acordo com a redação do artigo 5º do Código de Processo Civil, bem como elencou, no artigo 80 do precitado Estatuto, condutas reveladoras de uma litigância temerária, caracterizadoras de má-fé, entre as quais a que altera “a verdade dos fatos”.
Podemos afirmar que agir de boa-fé, é agir no paradigma da verdade, da evidência, alieno da sombra da subversão do que é certo, seja sob o aspecto objetivo e subjetivo, de modo que a intenção e o agir estejam inarredavelmente alinhados com a finalidade a que se propõe o benévolo agente alcançar.
Em termos, quem provoca a jurisdição para, segundo o disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, afastar “lesão ou ameaça a direito”, tem o dever de fazê-lo com fundamento na legitimidade de sua pretensão, amparado em norma jurídica assecuratória da alegada titularidade, bem como na prova, pena de responsabilização reparatória pela temeridade da infundada litigância, conforme inteligência do artigo 79 do Código de Processo Civil.
Desenvolvimento
Para o alcance de melhor abordagem do instituto, sob o aspecto preliminarmente conceitual, valem-se os articulistas de expressiva manifestação doutrinária, trazendo à lume, primeiramente, o magistério do atemporal civilista ORLANDO GOMES:
A expressão boa-fé não tem, no particular, o sentido em que é usada no Direito das Coisas. No Direito das Obrigações, significa, segundo BARASSI, referente a um modelo abstrato, ao qual deve adequar-se a execução da obrigação. Não é fácil enunciá-lo. Ao se estabelecer que as partes de uma relação obrigacional oriundas de contrato precisam agir com boa-fé, quer-se dizer que lhes cumpre observar comportamento correto, que corresponda à legítima confiança do outro contratante.[1] (Grifos no original).
As locuções reveladoras da boa-fé, segundo o precitado ensinamento, são a confiança, o comportamento fidedigno, a lisura, em suma, o empenho do agente em direção ao fim colimado pela avença, partindo-se do pressuposto restritivamente contratual.
A boa-fé como sinalizam ROSENVALD & FARIAS:
Demais disso, não se pode olvidar a boa-fé objetiva como princípio fundamental das relações civis, especialmente das relações negociais, obrigacionais e contratuais. Não prevista na estrutura codificada de 1916, a boa-fé objetiva materializa uma necessária compreensão ética das relações privadas. Aliás, já tivemos oportunidade de afirmar que a boa-fé objetiva “significa a mais próxima tradução da confiança, que é o esteio de todas as formas de convivência em sociedade”. A Lei Civil, inclusive, acolhe a boa-fé objetiva de forma expressa, como princípio fundamental das relações jurídicas privadas, mencionadas nos arts. 113 e 422, como regra interpretativa dos negócios jurídicos e das obrigações como um todo, como mecanismo de imposição de limites ao poder de contratar e para estabelecer deveres implícitos nas relações do mundo negocial (…).[2]
Acontece que esses visionários do Direito já antecipavam que os limites da boa-fé não ficariam apenas no Direito Civil. Ocupariam espaços legais em outros textos normativos, até porque em suas cuidadosas pesquisas de citações notificaram:
Valendo-se da advertência de PALOMA MODESTO, “todo o processo de descoberta da norma de decisão para a resolução dos casos passa, necessariamente, pelos princípios constitucionais – verdadeiros balizadores da realização e da concretização da Constituição – , não tendo pretensão de exclusividade (…).[3]
E assim aconteceu, na renovação da Lei Processual Civil, até o momento, juntamente com episódios institucionais consagrados de Lei Processual Penal integrativa para fazer companhia as conquistas constitucionais, também tivemos a boa-fé presente de forma substancial e expressa na Lei Processual. Restando claro que a sua presença também faz parte das metodologias de busca da verdade real, contraditório, ampla defesa substancial, devido processo legal, entre outros.
Dispensáveis maiores ilações para reconhecer que a boa-fé não é um ornamento legal, mas sim um princípio que veio para ficar nos momentos mais cruciais do Estado-Juiz em vários ritos normativos, no âmbito civil e penal, entre outros, a citar: NEGÓCIOS JURÍDICOS, HOLDING FAMILIAR, ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL, INVENTÁRIOS EXTRAJUDICIAIS, A DINÂMICA E AS FERRAMENTAS DE COBRANÇAS DECORRENTES DE INADIMPLEMENTOS, NARRATIVAS E ACUSAÇÕES SEM STANDARD PROBATÓRIO, INVESTIGAÇÃO POLICIAL VICIADA POR INQUISITÓRIOS PROVENIENTES DE ILAÇÕES, COLABORAÇÃO PREMIADA, ABUSO DE ATORIDADE, QUEBRAS DA CADEIA DE CUSTÓDIA, ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL.
O DIREITO A PRODUÇÃO PROBATÓRIA, CONTRADITÓRIO, MOTIVAÇÕES INTRÍNSECAS E EXTRÍNSECAS DAS DECISÕES JUDICIAIS e outros temas sensíveis que nos levariam a discorrer por inúmeras páginas, até porque a natureza humana ainda pode ser uma incógnita que carece do manto da boa-fé, ou seja, é preciso que haja entre as partes credibilidade mútua.
Assim, podemos nos defrontar, hipoteticamente, com uma simples investigação policial em que o agente da perquirição, depois de ter acesso preliminar a todas as medidas invasivas e cautelares de quebras de sigilo do investigado, faz uma narrativa desprovida da verdade, como, por exemplo, de que só teria descoberto determinado bem de propriedade deste após uma recente diligência de busca do imóvel do invadido, mesmo depois de ter minuciosamente averiguado toda a respectiva situação fiscal daquele que é alvo da persecução criminal preliminar.[4]
Vale dizer, uma típica inverdade que não resiste a um exame superficial na cronologia de eventos que precederam a buscar domiciliar. Ou seja, uma conduta de má-fé do agente público, aliena da legalidade constitucionalmente assegurada pela via principal da norma fundamental contida no artigo 5º, inciso LIV.
O suporte e a assistência consolidadora é multidisciplinar, comunicação com todas as metodologias periciais, psiquiátricas, neuropsicológicas, psicológicas que por não poderem estar mais eclipsadas e distantes dos princípios constitucionais encontram o seu forte engajamento na Boa-fé.
Parceira incólume do processamento dos feitos judiciais para limitar os abusos irresponsáveis e descomprometidos em qualquer segmento institucional, desde a instauração do feito até o almejo da coisa soberanamente julgada.
Como afirma constantemente o Doutor e Professor da Universidade Federal de Santa Catariana, Juiz Federal Alexandre Moraes da Rosa em suas encantadoras obras e monografias: “NÃO VALE TUDO NO PROCESSO PENAL”.
A boa-fé pede emprestado a expressão: “NÃO VALE TUDO SEM BOA-FÉ”.
Na acepção da boa-fé objetiva temos uma contrapartida numa lide que envolve uma litigância com elegância, sem o slogan: saiba levar vantagem em tudo, que há alguns bons anos atrás era exposto pelo denominado “canhotinha de ouro”, considerado o melhor meio campista do mundo da irretocável Seleção Brasileira Tricampeão Mundial de Futebol na Itália – GERSON DE OLIVEIRA NUNES.
Um jogador de meio-campo taticamente inteligente, eficiente e tecnicamente talentoso, foi considerado o “cérebro” por trás da Seleção Brasileira que venceu a Copa do Mundo de 1970.
Além do análogo contexto futebolístico, também ficou famoso nos anos 70 por protagonizar uma campanha publicitária do produto cigarro Vila Rica, na qual dizia “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também…“. Essa frase presumidamente resumiria a suposta, por assim dizer, malandragem brasileira[5] e acabou caindo na cultura midiática como o símbolo do jeitinho desonesto de ser e da corrupção, ficando conhecida como “Lei de Gérson“. Após a associação maliciosa e indevida, ele se lamentou publicamente, em diversas ocasiões, de ter seu nome ligado a esses defeitos morais associados pela cultura midiática ao povo brasileiro.
E certamente não merecia essa associação pelo valor de atleta que também representou o Brasil em todas as suas atuações.
Ocorre que esse slogan, além de ser reprimido pelo próprio GERSON, não deixou de traduzir uma situação em que as lides processuais se esmeravam eclipsando elementos e narrativas inoportunas e provas obtidas ilicitamente. Aí temos o bom local para a percepção da acepção da boa-fé como destacam, mais uma vez ROSENVALD & FARIAS:
Compreende a boa-fé objetiva um modelo ético de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizada por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não se frustrar a legítima confiança da outra parte (…)[6]
A boa-fé se impõe como um arquétipo capaz de conduzir o conteúdo geral da colaboração intersubjetiva, trazendo o princípio a ser combinado, conduzido de maneira coordenada às normas integrantes da também locução ritos processuais, no intuito de lograr própria concreção.[7]
Hodiernamente, há um limite que concorre para promover a cognição daqueles que decidem, podendo exercitá-la em sede sumária parcial ou mesmo exauriente numa percepção de um cognicismo justo. Não é por mero acaso legislativo que a norma fundamental contida no texto do artigo 6º do Código de Processo Civil dispõe que, além da cooperação dos sujeitos processuais para abreviação do procedimento, no que obviamente estiver alinhado com o devido processo legal, devem igualmente concorrer para que, ao fim e ao cabo, tenha lugar “decisão de mérito justa e efetiva”.
A propósito da centralidade judicial relativamente à condução do procedimento, oportuna é a lição de EMÍLIO SANTORO, Professor de Sociologia do Direito na Universidade de Florença, litteris:
O perfil do juiz ator fundamental do rule of law traçado por Dicey parece muito semelhante àquele do juiz ator fundamental do ‘Estado constitucional de direito’ desenhado por Luigi Ferrajoli. Também para ele, o juiz está caracterizado por uma ‘função e uma dimensão pragmática desconhecida à razão jurídica própria do velho juspositivismo dogmático e formalista’; atribui-se ao juiz a ‘responsabilidade civil e política’ de perseguir, através operações interpretativas ou jurisdicionais ‘a efetividade dos princípios constitucionais – contudo, sem que seja possível iludir-se que estes sejam alguma vez inteiramente realizáveis’.[8]
RUI ROSADO DE AGUIAR JUNIOR, reportando-se ao revogado Código de Processo Civil de 1973, doutrina que a função limitadora “veda ou pune o exercício de direito subjetivo, quando caracteriza “abuso da posição jurídica (…)”:
{…} Outro exemplo está no art.22 do Código de Processo Civil, que não extingue o direito do réu que deixar arguir, na sua resposta fato, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor, dilatando o processamento da lide, mas faz recair sobre ele os ônus derivados de sua omissão (…).[9]
Numa situação hipotética, entretanto possível, teríamos na seara cível o cenário em que a parte ré promove juntada extemporânea de inúmeros documentos, acrescendo ser este momento posterior à réplica apresentada pela parte autora, com fundamento na redação do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil, interpretando a locução “em qualquer tempo”, sob o palio da mais intensa literalidade. Nesse contexto, é de bom alvitre recordar a lição de CARLOS MAXIMILIANO, afirmando que “O processo gramatical, sobre ser o menos compatível com o progresso, é o mais antigo (único outrora).”[10] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES obtempera que “A lei, em princípio, deve ser entendida da maneira que melhor corresponda à consecução do resultado que o legislador teve em mira. A lei está para a ‘ratio iuris’ como o meio para o fim, e quem quer o fim quer o meio.”[11]
Quanto ao aspecto preliminarmente teórico, alusivo a decisão de saneamento do feito, acerca da manifestação do autor sobre os documentos coligidos pela ré, cumpre, primeiramente, resgatar o denominado princípio da preclusão consumativa, isto é, uma vez exercida validamente a respectiva faculdade processual, não mais estará assegurada à parte a possibilidade de realiza-la novamente, instituto que se revela por intermédio da redação do artigo 200, caput, do Código de Processo Civil.
Na hipótese em que a parte não exerce a faculdade que lhe compete durante o assegurado prazo legal e/ou judicial, cumpre reportar à preclusão temporal, vale dizer, tempus regit actum; logo, expirado o prazo, tal faculdade terá sido peremptoriamente acobertada pela preclusão temporal, exceto na hipótese ventilada no artigo 223 do Código de Processo Civil.
Assim, caso a ré não tenha, durante o prazo da contestação, coligido aos autos processuais toda a prova pré-constituída, isto é, pré-existente à instauração da demanda e ao seu alcance, e de cuja produção presumidamente haveria de tirar proveito, inferir-se-á que tal faculdade teria sido definitivamente acobertada pela preclusão temporal.
Entretanto, caso a ré tenha exercido o contraditório, na fase postulatória, promovendo a juntada aos autos de documentação presumidamente idônea e concernente ao objeto da ação, para provar a existência “de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (…)”, segundo informa a redação do artigo 373 do Código de Processo Civil, teve lugar a preclusão consumativa, razão pela qual eventual juntada posterior de documento, há que, necessariamente, ser enquadrada na categoria de documento novo, conforme estabelece a norma contida no texto do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil. Outro não é o sentido da copiosa jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, revelada pela v. decisão proferida em sede de Apelação Cível nº 0151933-02.2015.4.02.5109/RJ, Relatoria do Desembargador William Douglas Resinente dos Santos, amparada em sólida jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa é parcialmente transcrita:
De acordo com o art. 434, do Código de Processo Civil, incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações. Entretanto, tal comando pode ser excepcionado, quando surgem documentos novos decorrentes de fatos supervenientes, já alegados pela parte, mas que por algum motivo só foram produzidos ou conhecidos posteriormente. Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA APELAÇÃO. DOCUMENTO NOVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A regra prevista no art. 396 do CPC/73 (art. 434 do CPC/2015), segundo a qual incumbe à parte instruir a inicial ou a contestação com os documentos que forem necessários para provar o direito alegado, somente pode ser excepcionada se, após o ajuizamento da ação, surgirem documentos novos, ou seja, decorrentes de fatos supervenientes ou que somente tenham sido conhecidos pela parte em momento posterior, nos termos do art. 397 do CPC/73 (art. 435 do CPC/2015).(Grifou-se).[12]
O v. e monocrático julgado acima retratado acompanha a sólida manifestação pretoriana do Colendo Superior Tribunal de Justiça, extraída dos autos do Agravo Interno no Recurso Especial nº 2034103/SP, Relatoria do Ministro Moura Ribeiro, integrante da Terceira Turma, e que a correspondente ementa segue parcialmente transcrita:
(…)
2. A invocação do art. 435, parágrafo único, do CPC não pode ser utilizada de forma indiscriminada pela parte com o intuito de juntar documentos em qualquer fase do processo, inclusive após a prolação de sentença, na tentativa de, por vias transversas, desconstituir a coisa julgada.[13]
No que diz respeito, ainda, à juntada de documento posteriormente à demanda (rectius, ao protocolo da petição inicial) ou à contestação cumpre observar tal admissibilidade expressa na redação do artigo 350 do Código de Processo Civil, quando o autor, se for o caso, manifestar-se em réplica,[14] haja vista que a norma em referência não restringe a modalidade probatória aplicável. Logo, presume-se que obtendo o autor documento novo a oportunidade de coligi-lo aos autos do processo seria, pena de preclusão, na ocasião da réplica, exceto, obviamente, na hipótese de posterior surgimento ou alcance pela parte.
Dessa forma, se os documentos coligidos pela ré, sobre os quais o autor foi judicialmente instado a se manifestar, não se revestem da qualidade albergada na redação do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil, conforme a revelação pretoriana acima colacionada, eficácia probatória de nenhuma natureza terão, razão pela qual não poderão concorrer para a formação da convicção judicial, de modo a atender o predicado fundamental contido no artigo 6º do Código de Processo Civil. Ou seja, não poderá o prístino Julgador disponibilizar sua capacidade de percepção, acerca da verdade dos fatos, orientado por modalidade probatória ilegítima para o alcance da finalidade a que se presta a elevada atividade do Dignatário Judicial, isto é, o proferimento de inarredável “decisão de mérito justa e efetiva (…)”, segundo os termos da precitada norma fundamental processual civil.
Sabidamente que o ente público, independentemente da categoria republicana que ostentar, detém, justificadamente, prerrogativas funcionais na dinâmica processual, de acordo, por exemplo, com o disposto nos artigos 183, caput, e 345, inciso II, do Código de Processo Civil, sem, entretanto, deixar o albergue da lealdade processual e da paridade de armas, pena de franca violação ao preceito maior do devido processo legal, consoante a norma contida no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil.
No que concerne a uma decisão saneadora, ato judicial interlocutório cuja finalidade é, segundo a lição de GALENO LACERDA, “(…) desimpedir o caminho para a instrução da causa, seu objeto, certamente, há-de ser o exame da legitimidade da relação processual (…)”.[15] Dessarte, sob os auspícios da redação do artigo 357 do Código de Processo Civil, referentemente à justificativa da modalidade probatória a requerer, 02 (dois) temas precisam ser milimetricamente explorados pelo requerente: admissibilidade da prova e pertinência da prova.
A propósito, a juízo dos articulistas, a respeito do assunto, o melhor conceito, sem prejuízo da proficiência da destacada comunidade de intérpretes, é da lavra do atemporal EDUARDO COUTURE, ensinando que “Prova pertinente é aquela que versa sôbre as alegações e fatos que são realmente objeto de prova.”[16] (Grifo no original).
Referentemente à prova admissível, disserta o precitado autor que “está-se fazendo referência à idoneidade ou falta de idoneidade de um determinado meio de prova para demonstrar um fato.”[17]
C.J.A. Mittermayer, citado por LUIZ OTÁVIO DE OLIVEIRA AMARAL, disserta que “prova é o complexo dos motivos produtores da certeza. A prova consiste na demonstração da existência ou da veracidade daquilo que se alega em juízo. Alegar sem provar não tem valor.” [18] (Grifos no original).
Acerca do contexto probatório, assinala DURVAL PIMENTA DE CASTRO FILHO, inspirado na lição do memorável Eduardo Couture, verbis:
(…) o convencimento judicial acerca da verdade dos fatos não será formado com espeque na eloquência dos respectivos patronos, narrativa dos fatos sob a ótica autoral, ou conforme o engendramento da matéria de defesa por obra do réu, mas, necessariamente, segundo a lavra de EDUARDO COUTURE, mediante o ‘contrôle das proposições que os litigantes formulam em juízo (176)’. É o que se denomina prova. [19]
Em suma, a locução admissibilidade da prova concerne à modalidade da prova que se pretende produzir (documental, testemunhal, material, pericial), ou qualquer outro meio, ainda que não especificado no ordenamento, segundo informa a redação do artigo 369 do Código de Processo Civil; logo, a expressão prova admissível diz respeito à idoneidade do meio probandum, ou seja, o quanto a modalidade probatória requerida concorrerá efetivamente para a formação da convicção judicial, vale dizer, em que medida contém suficiente higidez para revelar a verdade dos fatos sob a ótica do sentenciante, que decidirá com fundamento nos princípios da livre investigação das provas e da livre convicção motivada, este último igualmente denominado persuasão racional e adstrição, conforme o disposto no artigo 371 do Código de Processo Civil.
No que diz respeito à locução pertinência da prova concerne ao fato probandum, isto é, se o que a parte pretende provar tem relação direta com o objeto da ação. A título de exemplo, a prova testemunhal em ação de responsabilidade civil por danos materiais, causados em razão de colisão de veículos na via pública, em horário de rush, seria, em tese, além de admissível, pertinente. É factível que, naquele horário e logradouro houvesse fluxo de transeuntes, aptos a descrever como os automóveis colidiram, que é o cerne da questão.
Em apertada síntese, para que haja prova,[20] será necessário a conjugação de 02 (dois) elementos fidedignamente inarredáveis da instrução: meio (probandum) e fato (probandum), os quais, uma vez alinhados, revelarão a verdade dos fatos, ainda que formal ou relativa.
Dessarte, será preciso que no requerimento de produção de provas a parte conjugue simultaneamente a respectiva admissibilidade e pertinência, de modo a convencer o sentenciante que, tanto a modalidade probatória pretendida, como o fato a provar (objeto da prova), concorrem, no mesmo paradigma de instrução, para o seu convencimento, sem o que estará à míngua de elemento idôneo e revelador da verdade dos fatos, impedindo-o de atender a norma fundamental do artigo 6º do Código de Processo Civil, reiteradamente citada durante o curso da pesquisa.
Nesse Standard processual e probatório, teremos uma perspectiva da exteriorização de conduta da boa ou má-fé[21] e é esta a avaliação que nos conforta, e não as intenções. O fluxo do processo sentirá deveras sucessivas interrupções e substancial prejuízo na sua construção. Uma ferramenta com inúmeros vazios em todos os sentidos, pois, segundo o magistério do atemporal ENRICO TULLIO LIEBMAN, “El mismo es derecho instrumental y dinámico, y pertenece al derecho público.”[22]
Conclusão
A boa-fé presente em nosso Código de Processo Civil de 2015, Diploma Legal que entrou em vigor no dia 18 de março do ano de 2016, veio para proporcionar mais segurança jurídica não só nas decisões, mas também na postura daqueles que buscam uma interação transparente e justa entre as partes, isto é, sob a égide da cooperação dos atores processuais, de modo a alcançar o desiderato do proferimento de uma “decisão de mérito justa e efetiva”, segundo a norma fundamental contida no artigo 6º do sobredito Estatuto Processual.
Para tanto, será preciso que a provocação da atividade jurisdicional, amparada no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, tenha por fundamento a credibilidade da parte referentemente à sua titularidade sobre determinado bem jurídico, credibilidade construída por uma conjugação de fatores que, a seu juízo, acabaram por erigi-la a condição de prejudicado pelo inadimplemento alheio, malgrado o Estado-juiz em sentido contrário possa vir a entender.
Em apertada síntese, o princípio da boa-fé aliado à dinâmica probatória tecnicamente admissível e pertinente, conforme expusemos no decorrer da pesquisa, concorrem sobremaneira para o desenvolvimento do denominado processo justo, terminologia reveladora de um conceito embora indeterminado, porém seguramente construtivo pelos atores processuais, quando, por exemplo, o juiz, ao detectar a presença de irregularidade sanável, determina a chamada do feito à ordem para recolocá-lo sob a égide da legalidade, mormente em se tratando de contraditório e ampla defesa, princípios sabidamente de índole constitucional fundamental, portanto, indene de violação de qualquer natureza.
Referentemente aos aliados processuais, locução que intitula a pesquisa e concorre para o exercício da litigância com probidade e elegância, lastreada principalmente em contraditório regular e ampla defesa, potencialmente geradores do processo justo, mediante o deferimento e produção de prova admissível e pertinente, destaque-se, conclusivamente, que a relação jurídica instaurada em juízo (rectius, processual), entre outras características, autônoma, complexa, dinâmica e dialética, tem por exclusivo desiderato reanimar e consolidar a paz social, reconhecendo a quem de direito a almejada e valiosa titularidade sobre um bem da vida.
Referências
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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. [Et al]. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil, 3 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
[1] GOMES, Orlando. Obrigações, 2 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense, 1968, p. 107-108.
[2] FARIAS, Cristiano Chaves de & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral, 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 37.
[3] Idem, p. 36.
[4] Reportam-se os articulistas ao inquérito policial, previsto no artigo 5º do Código de Processo Penal.
[5] Locução que contém caráter inegavelmente pejorativo correspondente à uma conduta em que o agente, subvertendo o princípio da boa-fé, aufere vantagem, não necessariamente econômica, aproveitando-se da impercepção de outrem acerca daquela realidade.
[6] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. Op. cit., p. 127.
[7] Mesmo entendimento sinalizado por MARTINS-COSTA, Judith. BRANCO, Gerson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro, São Paulo Saraiva, 2002, p.199.
[8] SANTORO, Emílio. Estado de direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do estado de direito, tradução de Maria Carmela Juan Buonfiglio e Giuseppe Tosi, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 102.
[9] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: de acordo com o novo Código Civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004.
[10] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 121.
[11] TELLES, Inocêncio Galvão. Introdução ao estudo do direito, vol. I e II, 11 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 248.
[12] ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 0151933-02.2015.4.02.5109/RJ. Relator Desembargador William Douglas Resinente dos Santos. Julg.: 25.10.2021. Disponível em: https://juris.trf2.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.
[13] BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 2034103/SP. Relator Ministro Moura Ribeiro. Terceira Turma. Julg.: 21.08.2023. Pub. DJe: 23.08.2023. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.
[14] Certo que não terá lugar a réplica se a dinâmica processual, in casu, contiver revelia.
[15] LACERDA, Galeno. Despacho saneador, 2 ed. Porto Alegre: Fabris, 1985, p. 57.
[16] COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil, tradução de Benedicto Giaccobini, Campinas – São Paulo: RED Livros, 1999, p. 158.
[17] Idem, p. 158.
[18] AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria geral do direito, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 515, apud MITTERMAYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal, Campinas: Bookseller, 1996, p. 75.
[19] CASTRO FILHO, Durval Pimenta de. Estudos preliminares de teoria geral do processo civil, 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023, p. 236.
[20] Leia-se: elemento revelador da verdade dos fatos.
[21] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. [Et al]. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil, 3 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
[22] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de derecho procesal civil, traducción de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1976, p. 26.