Desigualdade e crescimento econômico: uma análise crítica das ideias de Stiglitz

Em síntese, concordo com a crítica contundente de Stiglitz à "economia de gotejamento" e à ilusão de que o crescimento econômico, por si só, é capaz de resolver o problema da desigualdade. No entanto, a análise dessa questão complexa precisa ser aprofundada e enriquecida, considerando fatores como a aversão ao risco, o efeito relativo das taxas de juros, a mudança estrutural na economia e o papel crucial das instituições. As políticas para combater a desigualdade devem priorizar a igualdade de oportunidades, mas sem sacrificar a liberdade econômica e a remuneração justa de executivos.

Marco Aurélio Bittencourt

A desigualdade, um dos temas mais debatidos na economia globalizada, apresenta-se como um obstáculo para o crescimento e a estabilidade econômica. Joseph Stiglitz, renomado economista e laureado com o Prêmio Nobel, dedicou grande parte de sua obra acadêmica a essa questão complexa e multifacetada. Em seus trabalhos, ele desconstrói a crença de que o crescimento econômico, por si só, impactaria positivamente a vida de todos os cidadãos. Stiglitz argumenta que políticas que favorecem os ricos tendem a perpetuar a disparidade econômica, criando um ciclo vicioso que concentra riqueza e oportunidades nas mãos de uma minoria privilegiada. Ele retorna ao tema em seu artigo “Inequality and Economic Growth”, sobre o qual tecerei algumas considerações.

Stiglitz demonstra que a desigualdade de renda é um fenômeno generalizado nas economias mais desenvolvidas. É nesse contexto que ele enfatiza a busca por renda, definida como a obtenção de renda não pela criação de riqueza, mas sim pela apropriação de uma fatia maior da riqueza já existente. Essa captura do poder político pelos mais ricos, que implantam políticas em seu próprio benefício, invalida a hipótese do gotejamento, segundo a qual os benefícios concedidos aos ricos acabariam “pingando” para os demais agentes da economia. Pelo contrário, o que se observa é uma concentração de renda cada vez maior.

Concordo com Stiglitz que a busca desenfreada por renda é um dos principais motores da crescente desigualdade, impactando diretamente a alta dos rendimentos dos mais ricos e minando a teoria da produtividade marginal da distribuição de renda. Afinal, se a riqueza é apenas apropriada e não criada, a parcela que cabe aos menos favorecidos diminui, agravando a disparidade. No entanto, a análise de Stiglitz precisa ser complementada com uma investigação mais profunda sobre como a aversão ao risco, arraigada em diversas culturas, influencia a estagnação econômica e a nova estrutura produtiva que vem crescendo em favor do comércio e serviços onde se alojam multidões de baixa produtividade.

Culturas que privilegiam a estabilidade em detrimento da ousadia podem acabar favorecendo projetos conservadores e de baixo risco, o que, em última instância, pode prejudicar a inovação e, ironicamente, intensificar a busca por renda. Essa aversão ao risco se manifesta na resistência a investimentos em novas tecnologias, na preferência por setores tradicionais da economia e na dificuldade de implementar reformas estruturais. No Brasil, por exemplo, a aversão ao risco pode ser observada na alta concentração de investimentos em ativos de renda fixa e na relutância em investir em setores com maior potencial de crescimento, mas também com maior risco, como o setor de tecnologia.

Do lado da estrutura produtiva, é evidente que o padrão de emprego e de produção se alinha com a tendência global de terceirização da economia. Nos EUA, como mostra Parkin em seu livro de Economia, a produção agrícola representa cerca de 5% da produção americana, a indústria cerca de 20% e os serviços e comércio os restantes 75%. No lado do emprego, Parkin avalia o capital humano dos EUA: trabalhadores com ensino superior representam cerca de 23% da força de trabalho, aqueles com ensino médio completo cerca de 60%, enquanto os que não concluíram o ensino médio somam cerca de 10% e aqueles com menos de 5 anos de ensino fundamental cerca de 5%. É fácil deduzir que os profissionais de nível superior se concentram nas atividades mais produtivas, como a indústria e os serviços de alta tecnologia, enquanto a maioria dos trabalhadores com ensino médio se dirige ao setor de comércio e serviços, caracterizado por baixa produtividade e baixos salários. No Brasil, essa tendência de terceirização da economia e concentração de trabalhadores com baixa qualificação no setor de serviços contribui para a persistência crescente da desigualdade onde o piso seria o salário mínimo.

Stiglitz também se debruça sobre a relação complexa entre políticas monetárias e o valor dos ativos, defendendo que políticas que resultam em taxas de juros baixas podem inflar artificialmente o valor de ativos fixos “improdutivos”, como imóveis e ações. Embora concorde que essa valorização de ativos improdutivos possa exacerbar a desigualdade, permitindo que os mais ricos acumulem riqueza de forma desproporcional, discordo da afirmação de que a redução da taxa de juros, por si só, gere um aumento real da riqueza. Na verdade, o que impulsiona a economia de forma sustentável é o efeito relativo da taxa de juros, ou seja, a diferença entre as taxas para diferentes agentes e setores. É essa diferença que estimula o investimento produtivo, a inovação e, consequentemente, o crescimento econômico.

Outro ponto crucial na análise da desigualdade reside na influência das instituições e da política. Stiglitz acertadamente aponta que instituições e políticas distorcidas, que favorecem os ricos em detrimento da maioria da população, tendem a perpetuar a disparidade de renda, criando um sistema injusto e excludente. No entanto, sua análise peca ao negligenciar a importância da mudança estrutural na economia, especialmente o crescimento exponencial do setor de serviços, caracterizado por sua baixa produtividade, como um fator determinante na dinâmica da desigualdade. Esse crescimento desproporcional do setor de serviços, em detrimento de setores mais produtivos, pode gerar um desequilíbrio na economia, impactando a distribuição de renda e a geração de empregos de qualidade.

A desigualdade, como bem aponta Stiglitz, tem um alto custo, não apenas em termos de justiça social, mas também em termos de crescimento econômico e estabilidade. Nesse ponto, concordo plenamente com a necessidade de políticas públicas eficazes que busquem reduzir a disparidade econômica, promovendo a igualdade de oportunidades e garantindo que os frutos do crescimento sejam compartilhados de forma mais justa. Stiglitz cita ainda a diferença salarial entre trabalhadores, destacando o afastamento espetacular dos chamados Executivos (CEOs) em relação ao salário médio. Ele não consegue ver qualquer relação com a produtividade, que agora faz crer ser uma boa teoria, mas desconsidera os pactos legítimos entre o CEO e o dono da empresa. O caso dos CEOs ilegítimos não se trata de economia, mas de punição legal.

Em suas prescrições de política, Stiglitz indica: investimentos em educação, aumento do salário mínimo, fortalecimento dos sindicatos e controle salarial dos executivos. Todavia, tais medidas precisam ser implementadas com cautela e bom senso, sempre respeitando a liberdade econômica e o princípio da meritocracia. Nos EUA, o problema de inclusão social não parece ter a dimensão que aponte a necessidade de políticas inclusivas arbitrárias. Discordo, portanto, da intervenção desnecessária na remuneração de executivos, desde que esta seja “legítima e justa”, baseada na produtividade e no mérito individual, e que respeite as negociações entre executivos e donos das empresas, que certamente elevam a remuneração desses executivos muito além da sua “produtividade”. Quanto aos sindicatos, a nova estrutura produtiva explica em grande parte o enfraquecimento dos sindicatos. A globalização também seria mais uma razão para o enfraquecimento dos sindicatos. Afinal, a intervenção estatal excessiva pode sufocar a iniciativa privada, desestimular o empreendedorismo e, em última instância, prejudicar o crescimento econômico.

É preciso também questionar o sobreinvestimento em educação superior, sem que haja um redirecionamento adequado de políticas públicas para a melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio. A distribuição do capital humano na economia, com um número crescente de graduados e um déficit de profissionais qualificados em áreas técnicas e de nível médio, demonstra um limite estrutural para a absorção de mão de obra com nível superior, embora também venha crescendo; o que faz sugerir que mais educação se associa a mais produtividade e que isso se espraie por todos os setores da economia. Diante dessa realidade, torna-se imperativo implementar políticas que promovam a ascensão de trabalhadores de nível médio para cargos de maior remuneração e que, ao mesmo tempo, garantam o acesso à educação superior de qualidade para aqueles que realmente demonstrarem aptidão e interesse.

Em síntese, concordo com a crítica contundente de Stiglitz à “economia de gotejamento” e à ilusão de que o crescimento econômico, por si só, é capaz de resolver o problema da desigualdade. No entanto, a análise dessa questão complexa precisa ser aprofundada e enriquecida, considerando fatores como a aversão ao risco, o efeito relativo das taxas de juros, a mudança estrutural na economia e o papel crucial das instituições. As políticas para combater a desigualdade devem priorizar a igualdade de oportunidades, mas sem sacrificar a liberdade econômica e a remuneração justa de executivos.

Por fim, no que concerne às propostas políticas de Stiglitz para combater a desigualdade, minha discordância é profunda. Embora abordem o problema, elas se aproximam perigosamente do autoritarismo, como a intervenção arbitrária no mercado de executivos e um apoio a um fortalecimento elusivo dos sindicatos. É fundamental combater a corrupção com rigor e imparcialidade, mas cortes indiscriminados em salários, sem o devido entendimento dos fatores envolvidos diretamente com a questão, são inadmissíveis. Em relação à educação, questiono a necessidade de maiores investimentos sem que haja uma reestruturação profunda do sistema educacional em suas prioridades. O desafio consiste em adequar o ensino médio e profissionalizante à realidade estrutural do país, formando profissionais qualificados para atender às demandas do mercado de trabalho. No mais fica a certeza que faço bem em me afastar de uma visão progressista que levanta questões pertinentes, mas endereçam suas políticas em direção ao arbítrio e autoritarismo.

Leia o outro artigo do autor:

Mercado Nervoso: você acredita? Sim, eu acredito!

Leia também a Carta de Conjuntura do IPEA (Desigualdade de renda):

Desigualdade de renda | Carta de Conjuntura


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email. 0171969@etfbsb.edu.br