Augusta Sampaio Ferraz
Tema recorrente na mídia ou em grupos jurídicos, as críticas aos Tribunais Superiores, em especial ao Supremo Tribunal Federal, são sempre muitas, e na maioria das vezes, carregadas de sentimentalismo. Escrevo o presente artigo para tentar mostrar que existe o lado bom do judiciário, inclusive na Suprema Corte e no Superior Tribunal de Justiça.
Comecemos com os números, primeiramente para mostrar o volume processual que ambas as Cortes recebem e julgam. No ano de 2023, o Superior Tribunal de Justiça recebeu 458 mil processos (quase meio milhão) e julgou 426 mil[1]. Já o Supremo Tribunal Federal recebeu 78.242 e proferiu 101.970 decisões, havendo, no final do ano de 2023, 24.071 processos em tramitação[2]. Não há dúvidas que os números são assustadores, levando em consideração que há, no STF, 11 ministros, e no STJ, 33.
Se detalharmos ainda mais os números acima e fizermos uma média, temos que, cada ministro do STF recebeu 7.113 processos no ano, ou 592 por mês. Já no STJ, cada ministro recebeu 13.787 processos no ano, ou 1.156 por mês.
O que podemos concluir, dessa forma, é que as portas da justiça brasileira são abertas para todos, da primeira à última instância. Temos, assim, o primeiro ponto positivo (pelo menos em certo sentido), na medida em que o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal é plenamente cumprido (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).
De outro lado, podemos dizer que a principal instituição que liga o que acontece no judiciário à população não jurídica é a mídia, que desenvolve um papel crucial ao comunicar as informações sobre os Tribunais. É papel da mídia promover a compreensão pública sobre o funcionamento e a importância das instituições judiciárias.
Ao destacar casos exemplares de eficiência e justiça, a mídia pode inspirar confiança na população. Por outro lado, ao investigar e relatar casos de corrupção, morosidade processual ou outras deficiências, ela pode desempenhar um papel de colocar a população contra as instituições.
Não estamos dizendo aqui que não cabe à mídia criticar ou deixar de expor casos em que haja indício de ilegalidade ou imoralidade. Contudo, é fundamental que a cobertura midiática seja equilibrada, evitando sensacionalismo e promovendo uma compreensão mais completa do desempenho do judiciário, de modo que os veículos de comunicação de massa podem contribuir para a construção de uma sociedade informada e participativa, fomentando o debate e consequentemente o fortalecimento da democracia, ponto que tratarei a seguir.
A relação entre democracia, decisões judiciais (em especial as do STF) e a mídia é complexa e multifacetada. Em uma democracia, as decisões judiciais, em especial as proferidas pelos Tribunais superiores, têm repercussão significativa na concretização do direito e na sua aplicação, que trará impactos para toda população. A transparência e a compreensão pública do que acontece dentro desses Tribunais são fundamentais para a saúde do sistema democrático.
As Cortes Superiores, como o STF e o STJ, desempenham um papel crucial na concretização e uniformização do direito no Brasil. O primeiro, enquanto guardião da Constituição e o segundo, enquanto corte uniformizadora de toda legislação federal.
Como dito no início do presente artigo, o número de decisões proferidas nesses Tribunais é assustador. Não há, no mundo, judiciário que produza tanto quanto o brasileiro. E o que ouvimos de grande parte da população são somente críticas que vão desde a morosidade processual até o valor do salário de um magistrado.
Destaco aqui alguns casos relevantes julgados no STF e no STJ que trouxeram impactos positivos para parcela da população:
- Constitucionalidade da previsão de medidas atípicas para assegurar o cumprimento de ordens judiciais: o STF decidiu que são constitucionais — desde que respeitados os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os valores especificados no próprio ordenamento processual, em especial os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade — as medidas atípicas previstas no CPC/2015 destinadas a assegurar a efetivação dos julgados (Informativo 1082). A duração razoável do processo, que decorre da inafastabilidade da jurisdição, deve incluir a atividade satisfativa (CF/1988, art. 5º, LXXVIII; e CPC/2015, art. 4º). Assim, é inviável a pretensão abstrata de retirar determinadas medidas do leque de ferramentas disponíveis ao magistrado para fazer valer o provimento jurisdicional, sob pena de inviabilizar a efetividade do próprio processo, notadamente quando inexistir uma ampliação excessiva da discricionariedade judicial.
- Prisão especial aos portadores de diploma de curso superior: o STF entendeu que é incompatível com a Constituição Federal de 1988 — por ofensa ao princípio da isonomia (CF/1988, arts. 3º, IV; e 5º, “caput”) — a previsão contida no inciso VII do art. 295 do Código de Processo Penal (CPP) que concede o direito a prisão especial, até decisão penal definitiva, a pessoas com diploma de ensino superior.
- Lei Maria da Penha: obrigatoriedade de designação da audiência de retratação e do comparecimento da vítima: o STF entendeu que a interpretação no sentido da obrigatoriedade da audiência prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), sem que haja pedido de sua realização pela ofendida, viola o texto constitucional e as disposições internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir, na medida em que discrimina injustamente a própria vítima de violência.
- Seguradora deverá pagar indenização a segurado que não tinha diagnóstico médico confirmado: fundamentado na Súmula 609, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça deliberou que uma seguradora não pode se recusar a efetuar o pagamento da indenização do seguro de vida quando não exigiu a realização de exames médicos e perícias prévias à contratação e tampouco comprovou má-fé por parte do segurado.
- Tratamento para síndrome de Down e lesão cerebral deve ser coberto de maneira ampla por plano de saúde: a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a operadora de plano de saúde tem a obrigação de cobrir as sessões de equoterapia, tanto para beneficiários com síndrome de Down quanto para beneficiários com paralisia cerebral. Entendimento semelhante já havia sido adotado pela Terceira Turma em relação ao tratamento de autismo.
- Alteração de regime de bens do casamento com efeito retroativo (ex tunc): a 4ª Turma do STJ entendeu pela possibilidade da alteração do regime de bens com efeitos retroativos. O relator, Ministro Raul Araújo, entendeu que, como as partes adotaram voluntariamente o regime da separação total de bens e que a alteração para comunhão universal dificilmente acarretaria prejuízos a terceiros, é possível que alteração do regime de bens produza efeitos retroativos (ex tunc).
Trouxemos aqui apenas alguns dos milhares de casos significativos julgados por esses dois Tribunais. Com isso, procuramos demonstrar que, apesar de a esmagadora maioria das notícias veiculadas na mídia sobre a justiça brasileira não ser positiva, cabe a nós, operadores do direito, construir uma melhor imagem do judiciário, promovendo uma maior participação da sociedade e consequentemente a efetivação da democracia.
Por fim, deixamos claro que o judiciário, em especial as Cortes Superiores, são passíveis e devem receber críticas. Assim, devemos estar sempre atentos para possíveis excessos. Contudo, na construção de um judiciário inclusivo e democrático, enxergar o lado bom também é necessário.
[1] STJ apresenta números de 2023 no fim do ano judiciário
[2] Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br)
Augusta Sampaio Ferraz. Advogada especialista em processo civil e em processos nas Cortes Superiores. Mestranda em processo civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Atua há 15 anos perante as Cortes Superiores (STF e STJ), com larga experiência e expertise na área.