Editorial
O presidente eleito da Argentina Javier Milei, um autodenominado libertário, tem como plataforma de governo, entre outras, fechar o Banco Central da Argentina e dolarizar a economia.
Mas o que significam estas propostas?
Bem, para localizar as propostas de Milei, comecemos apresentando as funções e características de um Banco Central no âmbito da teoria econômica mainstream e o papel da moeda nacional em um país.
O Banco Central tem como funções definir a política monetária do país, gerir as reservas cambiais e regular o sistema financeiro.
No âmbito da política monetária, a Autoridade Monetária fixa a meta de taxa de juros, expande e contrai a base monetária do país, eleva e reduz a taxa de redesconto para equalizar a liquidez do mercado, controla a quantidade de moeda em circulação, entre outras coisas; no caso das reservas cambiais compostas por moeda estrangeira e que são utilizadas para garantir a estabilidade da moeda nacional, por exemplo, o Banco Central faz a administração dos recursos e opera no mercado de câmbio sempre que necessário para estabilizar a taxa de câmbio; e como regulador do sistema financeiro, o Banco Central faz, entre outras coisas, o monitoramento da higidez financeira dos bancos.
A política monetária é um dos instrumentos de política econômica, assim como o é a política fiscal. Para a execução da política monetária, o Banco Central pode alterar as taxas de redesconto[1] e de recolhimento de compulsórios[2] e fazer compra e venda de títulos públicos no mercado aberto. Estes três instrumentos têm por objetivo ampliar ou reduzir a quantidade de moeda no mercado.
Uma forma conhecida de representar os efeitos da política monetária é por intermédio do modelo IS/LM de Hicks[3]-Hansen[4], que é uma representação da teoria keynesiana, lembrando que a curva LM (liquidity money) representa o mercado monetário e a curva IS (investment saving) representa o mercado de bens.
Imagine a situação em que o Banco Central decide fazer uma política monetária expansionista por meio da aquisição de títulos públicos no mercado. Ao recomprar os títulos públicos, o Bacen aumenta a quantidade de moeda doméstica na economia. No curto prazo, os efeitos são bem representados pela figura 1.
Figura 1. Política monetária expansionista e deslocamento da curva de demanda agregada
Elaboração: WebAdvocacy
A decisão do Banco Central ampliar a liquidez no mercado resultou em dois fatos importantes: (i) houve queda na taxa de juros da economia, pois o aumento da oferta de moeda reduz o seu preço (taxa de juros); e (ii) houve aumento no produto da economia.
Apesar da simplicidade da análise, esta representação de uma política monetária expansionista no modelo IS/LM joga luz sobre a relevância de um país com moeda e com autoridade monetária.
Imaginemos agora a situação em que há Banco Central na economia, mas a moeda circulante no país não seja uma moeda nacional, como é o caso do Equador e de El Salvador que adotaram a paridade de suas moedas com o dólar americano.
A principal vantagem desse modelo é a de fazer com que o nível de inflação do país que adotou a moeda estrangeira seja semelhante àquele que é o dono da moeda. El Salvador[1], por exemplo, adotou a paridade com o dólar americano a mais de 20 anos e a principal consequência foi a estabilização da inflação em patamares muito semelhantes à dos Estados Unidos.
No entanto, as principais desvantagens são a perda de capacidade de influenciar a sua própria política monetária e a perda de senhoriagem[2], que é valor do dinheiro obtido pelo governo com a emissão da moeda descontado o custo para produzi-lo e distribuí-lo. Na verdade, o país fica completamente refém da política monetária do país em que a moeda foi adotada para bem e para o mal, pois a falta de autonomia monetária torna o país vulnerável as decisões de política monetária do Banco Central do país em que se adotou a moeda.
Bem, sabemos as experiências de existência de Banco Central e moeda nacional em grande parte dos países do mundo e, também sabemos as experiências de Equador e de El Salvador com a dolarização e a existência de Banco Central. O que não sabemos, no entanto, é para onde vai um país que dolariza a sua economia e não tem autoridade monetária.
Aguardemos!!
[1] O Fundo Monetário Internacional já produziu importantes artigos sobre o tema. Ver:
SWISTON, Andrew J. Official Dollarization As a Monetary Regime: Its Effectson El Salvador. IMF. 2011. Disponível em: Official Dollarization As a Monetary Regime: Its Effectson El Salvador (imf.org). Acesso em: 21 de novembro de 2023.
RIVERA-SOLIS, Luis Eduardo. Dollarization in El Salvador: Revisited. MPRA Paper No. 60087, posted 26 Nov 2014. Disponível em: Microsoft Word – Dollarization in El Salvador Revisited NEDSI (uni-muenchen.de). Acesso em: 21 de novembro de 2023.
[2] Senhoriagem é o valor do dinheiro com a emissão pelo governo e o custo para produzir e distribuí-lo.
[1] A taxa de redesconto é a taxa de juros cobrada pelo Banco Central para os empréstimos dos bancos comerciais.
[2] A taxa de recolhimentos compulsórios é o percentual de recursos que os bancos comerciais são obrigados a depositar no Banco Central.
[3] John Richard Hicks – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
[4] Hicks, J. R. (1937), “Mr. Keynes and the Classics – A Suggested Interpretation”, Econometrica, v. 5 (Abril): 147-159.
Hicks, J. R. (1980). «’IS-LM’: An Explanation». Journal of Post Keynesian Economics. 3 (2): 139–154.