Editorial

No domingo, dia 21 de maio de 2023, o jogador de futebol brasileiro Vinicius Júnior que atua pelo Real Madrid, foi objeto de racismo em um estádio de futebol em Valência na Espanha. Este não é um caso isolado, muitos outros episódios de racismo têm ocorrido pelos estádios europeus.

A criação de ligas de futebol, como “English Premier League” e “UEFA Champions League”, que transformou o futebol em um produto premium da indústria de entretenimento e a publicação do “Bosman Ruling” pela Corte de Justiça das Comunidades Europeias, que liberou o mercado de trabalho do futebol, permitindo, com isso, a contratação de jogadores de qualquer lugar do mundo ampliou sobremaneira a presença de jogadores advindos da África, da América Latina e da Ásia e tornou mais evidente a prática do racismo na Europa.

Mas não nos enganemos, o racismo dentro dos estádios de futebol não é um problema somente do continente europeu, esta é uma chaga mundial e o Brasil não está livre deste mal. O “Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol”[1] do Observatório da Discriminação Racial no Futebol[2] está aí para não nos deixar mentir. O que se observou no Brasil e com atletas brasileiros atuando no exterior no mundo do futebol é alarmante.

Fonte: Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol

Para se ter uma ideia da discriminação nos gramados brasileiros, a prática de racismo foi responsável por quase 60% dos casos de discriminação envolvendo brasileiros em 2021 (64 casos de racismo no futebol dentro do Brasil e 10 com atletas brasileiros no exterior) e, juntos, os casos de LGBTfobia, machismo e xenofobia foram responsáveis por pouco mais de 36% dos eventos.

Na obra “Colour? What Colour? Report on the fight against discrimination and racism in football.”, Sonntag e Ranc (2015)[3] afirmam que o futebol é o esporte mais assistido no mundo e que os torcedores têm uma relação de paixão com os seus times e com as suas nacionalidades e de aversão, para não dizer de ódio, com os seus adversários.

A figura do “nós” e “eles” está muito presente e as agressões ao time adversário e aos seus jogadores e técnicos se dão a partir de linguagem que, em geral, vem acompanhada de mensagens de inferiorização dos adversários e, [q]uando tais discursos de inferiorização e insulto são baseados em critérios étnicos, religiosos e sexuais, o futebol torna-se palco de racismo e discriminação. [Sonntag e Ranc (2015), introdução].

Afora toda a barbaridade que o ato de discriminação traz para o ser humano, é no campo econômico que o efeito é devastador, sobretudo para aqueles que sofrem a discriminação, com efeitos não somente sobre o indivíduo, mas também sobre o seu próprio país de origem.

A literatura econômica dos custos econômicos da discriminação racial tem se debruçado sobre os efeitos da discriminação racial sobre o desempenho dos grupos minoritários e tem mostrado que atos discriminatórios afetam negativamente o mercado de trabalho destes grupos.

Caselli et al[4] avaliam os efeitos da discriminação racial sobre o mercado de trabalho dos grupos afetados. Para tanto, os autores utilizaram o lockdown dos estádios do período da pandemia Covid-19 como experimento natural e verificaram que indivíduos que pertencem a grupos historicamente discriminados têm pior desempenho do que seus pares quando a tarefa ocorre em um ambiente no qual o comportamento discriminatório ocorre de forma manifesta. Além disso, como mostramos que jogadores discriminados se saem melhor na ausência de torcedores, outros grupos se saem pior, nossas evidências sugerem que o assédio racial leva a uma diminuição geral em produtividade e eficiência.[5] [Caselli et al, pag. 2].

Mais cruel ainda é que a prática do racismo, ao afetar a produtividade e a eficiência dos jogadores, promove a ruptura de contratos e impossibilita a melhoria de vida para os jogadores afetados e suas famílias com consequências nada desprezíveis para os países de origem destes jogadores.


[1] RELATORIO_DISCRIMINACAO_RACIAL_2021.pdf (observatorioracialfutebol.com.br).

[2] Acesse o sítio eletrônico do Observatório da Discriminação Racial no Futebol no seguinte link: Observatório da Discriminação Racial no Futebol (observatorioracialfutebol.com.br)

[3] SONNTAG, Albrecht; RANC, David. Colour? What Colour? Report on the fight against discrimination and racism in football. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). 2015. Disponível em: Couleur? Quelle couleur? Rapport sur la lutte contre la discrimination et le racisme dans le football – UNESCO Digital Library. Acesso em: 27 de maio de 2023.

[4] Mauro Caselli, Paolo Falco, Gianpiero Mattera. Uncovering the Effects of Racial Harassment through a Natural Experiment. Department of Economics and Management, University of Trento, Italy. DEM Working Papers. N. 2021/1. Disponível em: DEM2021_01.pdf (unitn.it)

[5] Tradução livre do trecho:

The results fit a broader framework that stretches beyond the world of sports, whereby individuals who belong to historically discriminated groups perform worse than their peers When the task takes place in an environment in which discriminatory behaviour occurs manifestly. Furthermore, since we show that discriminated players do better in the absence of fans while no other groups do worse, our evidence suggests that racial harassment leads to an overall decreas in productivity and e efficiency.

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