Marco Aurélio Bittencourt

Indo direto ao ponto, devemos consultar a constituição em seus dispositivos específicos que tratam das atribuições  do Presidente da República: artigo 84. Certamente existem outros itens Constitucionais que estabelecem diversas obrigações à União, geridas pelo Executivo. Mas iremos nos restringir apenas ao papel constitucional do Presidente da República. Para isso, vamos aqui comentar somente os itens desse artigo que têm implicações diretas sobre comportamento ubíquo dos presidentes da república a caracterizá-los como “populistas”, diferindo apenas em grau, por conta da fragilidade orçamentária – peça central das ações do executivo. Marcarei em vermelho tais itens. Vejamos.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

I – nomear e exonerar os Ministros de Estado;

II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;

III – iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

V – vetar projetos de lei, total ou parcialmente;

VI – dispor, mediante decreto, sobre:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;         (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;         (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

IX – decretar o estado de defesa e o estado de sítio;

X – decretar e executar a intervenção federal;

XI – remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias;

XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;

XIII – exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos;             (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)

XIV – nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei;

XV – nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União;

XVI – nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União;

XVII – nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;

XVIII – convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;

XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;

XX – celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional;

XXI – conferir condecorações e distinções honoríficas;

XXII – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;

XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;

XXIV – prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;

XXV – prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;

XXVI – editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;

XXVII – exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.

XXVIII – propor ao Congresso Nacional a decretação do estado de calamidade pública de âmbito nacional previsto nos arts. 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G desta Constituição.      (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021) 

Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.

Passemos aos comentários:

II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;

Comentário: item que deixa claro o papel fundamental do Presidente da República: a direção superior da administração federal.

Mas administrar o quê? Basicamente o orçamento público que é elaborado pelo Executivo, porém tem que, necessariamente, ser validado pelo Congresso Nacional. A Constituição traz em detalhe o processo orçamentário: o congresso teoricamente refaz todo o orçamento e o aprova segundo suas diretrizes e objetivos já refletidos no planejamento construído pelo Executivo, mas necessariamente sancionado e aprovado pelo Legislativo. De fato, o Orçamento Público não é uma peça de ficção. Ele está amparado em planos. Mas o orçamento tem problemas e um dos que considero importantes diz respeito ao fato de que algumas regras de fechamento do orçamento não são eficazes, principalmente o limite dos juros da dívida pública que fica dependente da política monetária, sem que o aumento da despesa em juros tenha sido reflexo de déficits fiscais. Para piorar, o concertamento orçamentário é urgente e só será conseguido com ampla maioria no Congresso Nacional que esteja disposta a encarar o problema orçamentário crítico ou pela mudança do regime presidencialista para o parlamentarista que contenha cláusula explícita de sustentabilidade do parlamento para tal finalidade; como é de praxe nos sistemas parlamentaristas exitosos.

V – vetar projetos de lei, total ou parcialmente;

Comentário: O veto tem que ser ratificado pelo Congresso Nacional que pode, soberanamente, retificá-lo. O que em tese torna esse item apenas referencial para negociações. O Poder do Executivo é limitado.

VI – dispor, mediante decreto, sobre:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;         (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;         (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Comentário: item que substituiu o seguinte: VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei.  Fica claro que o Parlamento explicitou a função administrativa da Presidência da República e entabulou implicitamente um princípio: se não houver impacto orçamentário, há espaço para atuação independente do Executivo. De novo, reforça-se o princípio constitucional expresso no parágrafo único do Art. 1: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Caberia também o exercício do poder pelo Executivo. Mas a Constituição em seu art. 84 o limitou e estabeleceu papeis claros tanto para o Executivo, quanto para o legislativo (itens constitucionais outros).

VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

Comentário: Está patente que o Presidente da República tem que ter sua política externa ratificada pelo Congresso Nacional. Falar fora desse contexto, em tese, caberia o cumprimento do Art. 85

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do País;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Comentário: O item que se aplicaria ao exemplo dado seria o II – o livre exercício do Poder Legislativo

XI – remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias;

XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;

Comentário: Aqui, esses dois itens, revelam o papel de planejador do Executivo. O planejamento tem que ser objeto de aprovação parlamentar como está expresso na Constituição. Esse item é fundamental, porque coloca o Executivo amarrado ao planejamento. Mas seguem os presidentes o planejamento? Certamente que não. A razão é simples: o concertamento orçamentário é imperioso. Como os presidentes eleitos não conseguem o apoio do Congresso para a solução do nó orçamentário, emplacam projetos específicos, com fins eleitoreiros, e que, geralmente, não se enquadram nas prioridades orçamentárias que um bom planejamento estabeleceria. Vejo com muita simpatia a reintrodução do Ministério do Planejamento  à estrutura ministerial, embora entenda que sua atuação eficaz dependa de mudanças constitucionais, calibrando os limites orçamentários e estabelecendo prioridades – falta na constituição um critério de justiça social operativo. Defendo aqui o critério Rawlsiano: O pobre teria prioridade orçamentária, ou seja, atenda-se primeiro o pobre.

XXVI – editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;

Comentário: Aqui o item controverso da nossa Constituição. De qualquer forma, o Congresso Nacional ainda resta soberano. As limitações do Executivo são claras. Vejamos o art.62.

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.          (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

I – relativa a:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) direito penal, processual penal e processual civil;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

III – reservada a lei complementar;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.             (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.        (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

XXVII – exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.

Comentário: Seriam diversas ações, mas nenhuma que culmine com atos discricionários a ferir a autonomia do Legislativo .

Em resumo, o papel do Presidente da República é de mero gestor público. Querer outro protagonismo, é desrespeitar a vontade do constituinte. De qualquer forma, estabelecemos a referência para o exercício “populista” ubíquo dos presidentes da república: a bagunça orçamentária e um planejamento capenga (Ver diversos trabalhos dos pesquisadores do INSPER – https://www.insper.edu.br ). Não é sem razão que presenciamos ênfase, em exemplos recentes, a planos de crescimento acelerado, trem bala ou privatizações, quando o correto seria seguir o orçamento fruto de um planejamento consistente, refletidos nos Planos Plurianuais. A saída, um amplo acordo político – o que tem se mostrado impossível – ou mudança de regime político com a implementação do parlamentarismo.

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