Advogado especialista em TCU e em Regulação; Procurador do DF; Doutorando em Direito Constitucional pelo IDP; Mestre em Economia e em Administração Pública pelo IDP; MBA em Regulação pela FGV; Conselheiro da OAB/DF. Professor em cursos de Pós-Graduação.
Mais um Capítulo do Protagonismo Institucional do TCU: a novel atuação consensual do tribunal e sua aplicação na área regulatória.
Elísio Freitas
Oevidente empoderamento institucional do Tribunal de Contas da União (TCU), observável nos últimos anos, decorre de exercício dos poderes e competências constitucionais conferidas ao órgão de controle externo pela Constituição Federal de 1988.
Assim, ao exercer tais poderes e competências, por meio de seus colegiados (câmaras e plenário), e a partir de profundos trabalhos técnicos especializados – desenvolvidos por servidores de carreira concursados que formam seu quadro funcional –, a Corte de Contas federal vem ocupando, pouco a pouco, papel central de destaque e protagonismo entre as instituições da República.
Sua estrutura, organização e posição institucional singular na relação entre os poderes constituídos configuram-se variável importante para o destaque que conquistou nos últimos anos.
O TCU atua de maneira “judicialiforme”, com juízes de contas que são chamados de ministros (aqui se aproximando, estruturalmente e em aparência, do Judiciário). De outro lado, exerce uma função fiscalizatória do parlamento, sendo certo que a Constituição expressamente estabelece que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o seu auxílio (nesse ponto, então, a natureza de sua atividade se assemelha à do Legislativo).
A Corte de Contas detém a importante incumbência de fiscalizar a aplicação dos recursos públicos federais e a execução de políticas públicas, logo sua atividade se concentra em grande medida na atividade do Poder Executivo.
Entre seus relevantes trabalhos se destacam a apreciação, por parecer prévio, das contas prestadas anualmente pelo presidente da República e o exame de procedimentos de concessão de infraestruturas: portos, aeroportos, rodovias, energia elétrica, ferrovias, entre outros ativos.
Em 2 de janeiro de 2023, essa história de protagonismo institucional começou a trilhar novo caminho, porquanto entrou em vigor a Instrução Normativa 91/2022, que instituiu, no âmbito TCU, procedimentos de solução consensual de controvérsias – que sejam qualificadas como relevantes – e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública federal.
Criou-se, assim, um novo procedimento no TCU – denominado de Solicitação de Solução Consensual (SSC) –, o qual será instruído por unidade técnica especializada do tribunal e julgada pelo seu Plenário.
Esse novel procedimento cria uma plêiade de possibilidades de soluções mais céleres e eficientes para conflitos na Administração Pública, que podem ser valiosas para diversas searas, como a regulatória.
A participação do TCU como órgão técnico – com competência e experiência – traz estabilidade e segurança jurídica para a resolução de algumas complexas controvérsias com o Poder Público, que, caso decididas em outras esferas, precisariam ser submetidas ao órgão de controle externo.
A possibilidade de revisão de acordos de leniência travados com a Administração Pública gera insegurança jurídica, como destacamos em trabalho acadêmico dedicado a esses acordos[1], problema que parece solucionado com o novo procedimento de Solicitação de Solução Consensual – em bom tempo inaugurado pelo Tribunal de Contas.
No campo regulatório, o novo procedimento consensual criado pelo TCU pode ser um caminho alternativo para resolução de controvérsias entre concessionárias de serviços públicos e o poder concedente.
Algumas concessões aguardam solução de procedimentos de relicitação, e a demora em seu deslinde é prejudicial para todo o mercado nacional e internacional, interessado em investir em concessões no País, e – sobretudo – para os usuários.
Não podemos esquecer que não há espaço fiscal para investimentos em grandes projetos de infraestrutura, razão pela qual dependemos de investidores privados – obviamente sedentos do ativo mais valioso em vultosos investimento de longo prazo: segurança jurídica e previsibilidade.
É fato que as concessões de serviços públicos são ajustes com o Estado, e não com governos. Os instrumentos de caducidade e de relicitação são para serem aplicados em casos extremos em que não há possibilidade legal e regulatória de promover o reequilíbrio do contrato de concessão.
Nesse panorama, é preciso que se avalie, nos procedimentos de relicitação em andamento, se os princípios do interesse público e da continuidade do serviço público não impõem a desistência do procedimento pelo poder concedente, pois embora o procedimento de relicitação seja irrevogável e irretratável para a concessionária privada, não só é possível, como é um poder-dever sua desistência pelo poder público, quando se verifique ser a decisão que melhor atenda ao interesse público – e que não gerará prejuízo ao erário.
Tomemos por exemplo os procedimentos de relicitação pelos quais passam concessionárias de aeroportos, sobre os quais o próprio TCU tem se debruçado e que me parecem ser caso de aplicação desse novo procedimento consensual, instituído pela Corte de Contas.
Ao analisar recentemente o caso da concessão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, o Ministro do TCU Aroldo Cedraz assim se manifestou em voto proferido:
Ressalto que da forma como o procedimento de relicitação está desenhado hoje, com o início do levantamento da eventual indenização pelos bens reversíveis em momento posterior à assinatura do termo aditivo de adesão a relicitação, encontrará enormes dificuldades em atender à finalidade para qual foi prevista, qual seja: trazer celeridade ao processo de substituição do parceiro privado sem comprometer a continuidade do serviço público.
A situação é ainda mais delicada nas relicitações do Galeão e de Viracopos, em face do porte dos investimentos e da dificuldade para indenização.
O interesse público aponta para uma solução amigável e de consenso – possível no caso de desistência da relicitação fundamentada na demonstração de interesse público –, com a utilização do novo procedimento (Solicitação de Solução Consensual) perante o TCU.
A segurança jurídica, a estabilidade nas relações contratuais e o cumprimento dos contratos são o ponto principal para atrair novos investidores para o Brasil. Assim, as rupturas em contratos de concessão são sinalizações negativas para os grandes players internacionais – que podem optar por investir em outros países.
A busca por soluções consensuais entre outros agentes do Estado e a Corte de Contas em questões relevantes de mercados regulados pode representar, nos próximos anos, mais um procedimento moderno que se adaptará aos tempos atuais, para que o órgão de controle externo execute suas competências constitucionais e auxilie em soluções mais céleres e bem customizadas em face dos problemas complexos que têm surgido na relação entre o poder público e entes privados.
A segurança jurídica para os mercados regulados, decorrente da competência técnica e posição institucional do TCU, pode beneficiar o País quando os investidores decidirem onde farão novos investimentos.
Esse procedimento (o SSC) representa mais uma contribuição do Tribunal de Contas da União para o País, e, assim, a Corte demonstra que o protagonismo alcançado, pelo ótimo desempenho de suas competências constitucionais e legais, traz ótimos ganhos para o Brasil!
Elísio Freitas – Advogado especialista em TCU e em Regulação.
[1] Acordos de leniência da lei anticorrupção: propostas para reduzir sua insegurança jurídica. Elísio de Azevedo Freitas, João Paulo Bachur in 45 Revista Brasileira de Direitos Fundamentais e Justiça (RBDFJ) Belo Horizonte, ano 15, n. 45, jul./dez. 2021.
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