A coisa certa

De toda sorte, o mote principal: o que para cada um individualmente significa, em essência, fazer a coisa certa?

Adriana da Costa Fernandes

Acontecimentos nacionais têm causado profunda reflexão e consternação acerca de conceitos que, até algum tempo, eram considerados rebatidos, basilares e inadiáveis socialmente. Ética, moral, justiça, liberdade, verdade, bem-estar. Em dias atuais, pontos de profundo debate e causadores de desânimo e desesperança. Ao fim, uma miríade de entendimentos tantas vezes antagônicos. 

E a dúvida que paira no ar:

Até onde chega, afinal, o limite de cada individualidade sobre cada tópico?

Como se configura e se mantém cada olhar diante dessas verdades?

Qual a razão efetiva de comportamentos tão díspares?

Avaliando esses aspectos pelo contexto das várias Teorias de Justiça, se entende: seja pela ótica libertária ou utilitarista, pelo olhar de Mills; seja pela defesa de Kant, Rawls ou de Dworkin, a premissa essencial é não prejudicar ao outro em prol do que se acredita ou razão do que se luta.

Ainda que se considerando que o conceito de justiça começa pelo de liberdade de escolha e que algumas teorias enfatizam o respeito aos direitos fundamentais, mesmo que, entretanto, outras não defendem isso exatamente, sem dúvida, o ponto comum das teses significa respeitar os direitos individuais. 

Se o que se busca é o respeito ao próprio desejo, como, então, não respeitar o outro como fim em si mesmo? Como não considerar suas escolhas. Premissas de Kant.

Não há como se dissociar um do outro, o eu e do você, o ele do outro. Nós juntos. Uma vez que é esta conjugação plural que forma a coletividade. 

Do que importa, tantas vezes é tão mais “do como” as escolhas são realizadas do que a escolha em si. Do motivo, da razão, da premissa virtuosa. Por exemplo, se mediante consentimento comprometido, se eivado de excessiva pressão, se dotada de absoluto egoísmo ou, até, por necessidade financeira. Os contextos mudam diante do móvel e do intrínseco. Amenizam ou agravam o quadro final.

A ganância, porém, não segue a mesma regra. Diz respeito a hábito enraizado, mais do que apenas algo adquirido e escolhido. Inerente à essência do ser. Não resta dúvida, portanto, que alguns temas como dinheiro e poder não deveriam ser jamais capazes de constranger, desconsiderar ou transformar. Ao menos em uma sociedade ideal.

Ainda que questionamentos surjam sobre até que ponto algumas escolhas são realmente livres, ainda assim, virtudes, conceitos e bens essenciais não deveriam ser influenciados, garantindo maior segurança jurídica e bem-estar social. 

O que tantas vezes guia as decisões difíceis que o homem enfrenta e que envolvem conceitos colidentes é uma atenta e aprimorada reflexão, bem como sua consequente decisão moral, invariavelmente lastreada em incertezas. 

“Mas, e se?”

Este é justamente “o” momento em que o homem é guiado a, mesmo que direta ou indiretamente, rever as crenças que carrega arraigadas em si e os conceitos ditos supostamente rebatidos, compreendidos e introjetados pela experiência pessoal e pelos ensinamentos aprendidos. Todos enfrentam em algum ponto, esse dilema diante de algo.

O homem vive constantemente à mercê de impactos e forças externas que o moldam mais lenta ou rapidamente, a depender de seu próprio interesse. Em movimento de evolução em espiral, tendente a provocar a revisão das opiniões e a mudança do ser, do pensar, do agir e do entorno. Efeito dominó. Constante desafio dialógico íntimo que pode se exteriorizar ou não.

Afinal, o que se fez e o que se faz com o que foi aprendido? E por que o mal assume o comando? Como cada um vem contribuindo para a construção de uma melhor sociedade? Quem se importa realmente com o que vem à frente?

Lamentavelmente a habitual percepção da corrupção enquanto lugar comum significa tão somente “empurrar a sujeira de uma casa tão antiga para debaixo do tapete”. Uma hora o ar tenderá a se tornar irrespirável, em uma apenas singela interpretação.

Não se envolver e não questionar acordos firmados e não refletir sobre comportamentos abusivos significa plantar profundamente sementes de desterro e desalento a serem colhidas por gerações futuras. Como pontua Michael Sandels, a reflexão moral não é somente uma busca individual, mas coletiva.

O valor moral de cada ação propriamente, seja qual for, não consiste tão somente em suas consequências, mas, em primeiro plano, na intenção de sua realização, novamente dialogando com Kant. Segundo ele, inclusive, a opção e o agir representam não exatamente escolher o meio para se atingir determinado fim, mas escolher o fim em si mesmo.  De forma analógica, pois, há de ser deixar de ser rochedo e escolher ser o próprio mar.

Do que se observa, entretanto, de uma sociedade ainda em amadurecimento é que os tantos dilemas enfrentados devem passar a ser confrontados não somente pelas leis físicas, morais e impostas, mas de acordo com as regras íntimas que determinamos a nós mesmos e sua ressonância social.

As lições e teorias de justiça são extensas, alguns concordam, outros nem tanto. Nem todos entendem. Faz parte. A questão preponderante sempre será, assim, o entendimento do quando e do quanto a sociedade estará pronta a alcançar um próximo estágio.

De toda sorte, o mote principal: o que para cada um individualmente significa, em essência, fazer a coisa certa?


Adriana da Costa Fernandes. Advogada com expertise em Direito Público e em Direito Privado, com foco especial em Regulatório, Administrativo, Conatitucional e Ambiental, mas igualmente em Cível Estratégico, Consumidor e RELGOV, tendo atuado em mercados e segmentos relevantes, em grandes empresas, nacionais e multinacional, em associação setorial, em agências reguladoras, em escritórios AA e consultoria. Mestranda em Direito Constitucional, Pós-graduanda em Direito Civil, com MBA em Marketing, Especializações em Energia Elétrica, RELGOV, Processo Civil e Fundamentos da Arbitragem, além de contar com várias Certificações em instituições de renome em Legal, Finanças, Marketing, Business, Gestão e Liderança e Bioética.


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Kant

Estátua de cera representando Immanuel Kant em Kalingrado, antiga Königsberg, cidade prussiana onde o filósofo nasceu.

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