Cristina Ribas Vargas
Não resta dúvida de que o crédito concedido às atividades de consumo e investimento têm papel fundamental para dinamizar o crescimento econômico. O embate entre Estado e mercado pelo gerenciamento do recurso creditício não é recente, mas tem se tornado mais evidenciado nas pautas de demandas ao congresso nacional. A introdução da inovação nas novas formas de prestação de serviços implementadas por novas instituições no mercado financeiro não retratam apenas um movimento de ampliação da concorrência na prestação dos serviços, mas também revela novas demandas e uma pressão sobre uso do crédito direcionado.
Dentre os pontos apresentados pelos que defendem uma redução do crédito direcionado está o argumento de que uma redução no crédito direcionado possibilitaria um aumento do produto e da produtividade, assim como, a redução de desigualdades e maior inclusão financeira. Tal argumento está amparado na crítica ao fato de que as taxas de juros dos empréstimos direcionados em geral são menores do que as do crédito livre, por serem custeadas por segmentos mais produtivos da sociedade. Além disso, argumentam que a distribuição desses recursos está longe de ser homogênea, ou distribuído igualitariamente. Por tais razões, sob tal visão, as intervenções com base no uso do crédito direcionado geram ineficiências, tonando os programas baseados nesse tipo de crédito injustificável.
Neste sentido, por exemplo, em texto de discussão o Bacen (2018) cita um estudo que indica que o BNDS seleciona firmas com alta capacidade de pagamento, tanto quanto ocorre no sistema bancário privado, com o agravante de que haveria indícios de favorecimento a firmas com conexões políticas, o que poderia ser observado a partir dos valores concedidos por tais firmas em campanhas eleitorais. Ainda, estima-se que em torno de 70% do crédito concedido seria subsidiado pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e por emissão de títulos de dívida do Tesouro Nacional, acirrando o debate sobre quem paga a conta.
É salutar e democrático questionar os fins para os quais esse crédito é direcionado, quais os resultados alcançados, e como se dá a distribuição final dos rendimentos, mas não o fato em si de taxas de juros menores serem oferecidas para alavancagem do crescimento econômico. O sistema bancário é pró-cíclico, o que significa que nos momentos de expansão econômica, os bancos fornecem crédito, realimentando o crescimento. No entanto, na fase descendente do ciclo econômico, eles aumentam a preferência pela liquidez, reduzindo o volume de crédito ofertado, aprofundando a crise. Ao longo da história mesmo instituições multilaterais como o FMI e o Banco Mundial tiveram sua capacidade de atuação no combate às crises enfraquecidas, tendo sido questionado o objetivo principal pelo qual foram criadas. Além disso, é preciso considerar os ganhos de produtividade do mercado bancário dadas as condições vigentes disponíveis de crédito livre, a fim de averiguar-se os ganhos reais de produtividade no segmento de mercado.
Conforme descreve Van Dormael (1978), os banqueiros de Wall Street não economizaram esforços em criticar e tentar obstaculizar o nascimento das instituições criadas a partir da convenção de Bretton Woods, temendo que o controle dos governos, além de outras medidas reguladoras do New Deal restringissem seu poder sobre as finanças nacionais.
As disputas em torno da definição da direção do BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento) começaram antes mesmo de seu nascimento, e suas ações foram ajustadas para estar em consonância com a política externa dos EUA para a América Latina. Embora o BIRD tenha sido foi concebido com o objetivo de promover a reconstrução e o desenvolvimento de países, na prática sempre foi operado por banqueiros de Wall Street. Assim, desde as origens da organização do sistema financeiro no pós-guerra o sistema bancário privado busca ter sob sua gestão os recursos destinados ao crédito direcionado.
Atualmente cada país tem regras específicas para o funcionamento do sistema financeiro, e não existe uma receita única para cada tipo de país. As experiências dos sistemas financeiros são múltiplas e diversas. Contudo, países em desenvolvimento necessitam de regulação ou intervenção em algum grau do Estado. Atualmente seria inconcebível pensar o desenvolvimento econômico sem repensar o futuro do sistema financeiro.
Podemos ainda acrescentar como os pensamentos de Keynes e Schumpeter se aproximam quando destacam a importância do processo inovativo para a mudança tecnológica. Mas além disso, Keynes também destacava que só é possível o empresário realizar os investimentos necessários para a mudança rumo ao desenvolvimento com o apoio do sistema bancário. Os investimento, em Keynes, explicam-se pelo princípio da demanda efetiva, e, em Schumpeter, o investimento relaciona-se com a inovação. O fato é que tanto os investimentos direcionados para as aquisições de bens de capital quanto aqueles dirigidos às inovações estão sujeitos à incerteza.
Assim, tanto as decisões de investimento como as de inovar encontram-se sob a incerteza não probabilística, vale dizer, em um mundo não ergódico. Existem diferentes tipos de inovação relacionados a diferentes graus de incerteza. Nesse sentido, o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) está mais associado à incerteza de alto grau, pois se trata de um ativo cujos investimentos em formação de conhecimento são caros, e em geral de longo prazo de maturação. Assim, o investimento em P&D tem custos de financiamento frequentemente mais elevados do que outras formas de investimentos, inclusive o capital fixo. Logo, as firmas intensivas em P&D, que compõe um sistema nacional de inovação, dependem de um sistema financeiro que seja capaz de contemplar as necessidades de financiamento, e que estejam em consonância com a estratégia de desenvolvimento nacional.
Na perspectiva pós-keynesiana, os bancos são movidos pelo processo de concorrência bancária e pela busca de maiores lucros, aumentando sua escala de operação, alavancagem e/ou elevando o spread bancário. (Minsky, 1986). Na fase expansiva do crescimento econômico da economia, o sistema bancário expande o volume de crédito e, no descenso do ciclo, o volume de crédito é reduzido. Nesse sentido, a fragilidade financeira é um processo endógeno, que se relaciona à própria instabilidade econômica. Os bancos trabalham com uma escala de liquidez segundo a qual quanto menor o grau de liquidez, maior deverá ser a compensação proporcionada pela taxa de retorno. Contudo, a atuação do Estado sobre a incerteza não probabilística é determinante para a continuidade do processo de crescimento, uma vez que o aumento da incerteza na economia aumenta a preferência pela liquidez, reduzindo o volume de crédito. Este, por sua vez, é ampliado quando as expectativas em relação às taxas de juros, de câmbio e às perspectivas de crescimento econômico são otimistas.
A busca pela absorção do crédito direcionado não revela aumento do grau de concorrência e eficiência, senão o caminho mais fácil para ampliar o volume de operações sem assumir os riscos inerentes à incerteza que é inerente ao processo de desenvolvimento econômico.
As inovações financeiras têm possibilitado o aumento do volume de crédito, sem a necessidade de poupança ou depósitos à vista, alterando a forma como o mercado pode ofertar crédito livre sob condições de incerteza. Muitas experiências de microcrédito voltadas para o público empreendedor que não encontrava recurso disponível em grandes bancos vingaram por meio de pequenas instituições, ONG’s ou instituições focadas na melhoria tecnológica dos serviços. Contudo, o Brasil ainda se encontra em fase de amadurecimento da estrutura legal do funcionamento do mercado bancário. Neste sentido, não há dúvidas da necessidade da instância regulatória em engendrar o desenvolvimento do sistema.
Recentemente o Bacen abriu consulta pública para a definição de novas regras envolvendo os nomes das instituições financeiras, a fim de identificar aquelas que realmente oferecem serviços característicos de bancos. Distinguir os nomes com bank ou banco, que operam sistema de crédito, dos demais prestadores de serviços, que apenas oferecem canais de pagamentos. A medida pode parecer simples, mas pode significar o começo de uma nova visão sobre como a regulação do sistema bancário pode auxiliar no processo de desenvolvimento nacional, sem necessariamente precisar reduzir o volume do crédito direcionado.
Referências
BACEN, 2018. Texto para discussão 490 Disponível em https://www.bcb.gov.br/htms/public/microcredito/democrat.pdf p.9
VAN DORMAEL, Armand. Bretton Woods: Birth of a Monetary. Palgrave MacMillan: 1978
PAULA, L. F. Sistema Financeiro, bancos e financiamento da economia: uma abordagem keynesiana. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2014.
Cristina Ribas Vargas. Doutora em economia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC/RS e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atuou como professora substituta na UFRGS e professora adjunta em instituições de ensino privado. É economista da Administração Pública Federal desde 2005, e atualmente está atuando na CGAA2 do Cade.
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