Vargas e o orçamento: ditadura eficiente ou boas regras de gestão pública?

Longe de apresentar uma resposta definitiva, este artigo busca estimular a reflexão crítica sobre a complexa herança de Vargas e os desafios da administração pública no Brasil. Todavia, a inferência conclusiva me parece óbvia: uma democracia fortalecida teria que seguir à risca o comportamento presidencial como Gestor (na verdade sua única atribuição de realce) a semelhança de Getúlio Vargas que tanto a exerceu no Estado Novo, bem como na sua Gestão Presidencial que resultou em seu suicídio.

Marco Aurélio Bittencourt

A avaliação da Era Vargas nos coloca ainda hoje diante de vários paradoxos. Um deles nos coloca diante de uma questão central: a eficiência na gestão orçamentária seria um atributo exclusivo de regimes autoritários, ou o resultado da aplicação de boas regras de gestão pública, replicáveis em diferentes sistemas políticos? Para refletir sobre isso, consideremos a seguinte afirmação (expressa no livro Orçamento Público, Viana A., 1950):

Em todas as fases do processo orçamentário, é de justiça observar que o Sr. GETULIO VARGAS, pessoalmente, determinava a observância rigorosa de todos os preceitos regulamentares da boa administração financeira, jamais proferindo qualquer decisão sem a devida fundamentação legal preparada pelos órgãos especializados. Nesse particular, nenhum órgão interessado na realização de uma despesa obtinha, no regime ditatorial, despacho definitivo do Presidente antes da audiência dos demais órgãos incumbidos de zelar pela legalidade, necessidade e oportunidade do ato solicitado……É curioso e mesmo paradoxal constatar que toda a longa , esclarecida e contínua ação dos parlamentos imperiais e republicanos jamais conseguiu assegurar ao sistema orçamentário brasileiro a veracidade, integridade e eficiência que lhe imprimiu o regime ditatorial de GETÚLIO VARGAS, a partir de 1939. Reunindo de fato e de direito os mais vastos poderes da República, o Presidente VARGAS sempre procurou, no campo financeiro, o justo limite para exercê-los. A vertigem da glória de proporcionar ao país grandes empreendimentos … não perturbou o Presidente GETÚLIO VARGAS, que através da copiosa documentação de seus atos administrativos, demonstrou ser possível conciliar os impulsos criadores com a observância dos princípios fundamentais que regem as finanças públicas nas democracias. Essa atitude de severidade, respeito e interesse pelas instituições orçamentárias – de que posso dar testemunho, em virtude de colaboração técnica prestada ao seu Governo, durante seis anos consecutivos …. – merece ser compreendida por quantos o combatem e o admiram.” (Viana, A., Págs. 35 e 36, 1950.)

É comum que ditaduras políticas se manifestem também como econômicas, aparelhando o Estado para privilegiar grupos de interesse por meio de mecanismos orçamentários ou extraorçamentários. Nesse contexto, o testemunho de Viana (1950) sugere que a observância rigorosa de preceitos regulamentares pode, ao menos em parte, mitigar a influência de interesses escusos, impondo uma disciplina que nem sempre encontra espaço nos arranjos mais flexíveis da democracia.

O texto retrata a gestão Vargas como um caso singular na história da administração pública brasileira, onde a eficiência e a probidade teriam florescido sob um regime autoritário, contrastando com as supostas ineficiências dos parlamentos. Contudo, é crucial questionar se essa eficiência é inerente à ditadura ou se reflete a adoção de práticas administrativas sólidas.

Afinal, a aplicação de regras e procedimentos, embora importante, nunca é totalmente neutra. As relações de poder e as ideologias dominantes permeiam a interpretação e a execução dos atos administrativos. Além disso, o contexto da modernização do Estado brasileiro na década de 1930 pode ter influenciado a percepção da “eficiência” da gestão varguista, que pode ter se beneficiado da centralização do poder e da capacidade de implementar decisões de forma rápida e sem oposição. No entanto, o autor contrapõe a essa visão o fato de que Getúlio Vargas documentou todos os seus atos administrativos, o que indicaria uma preocupação em registrar documentalmente que seguia os princípios orçamentários e financeiros consagrados.

Portanto, a pergunta sobre Vargas e o orçamento nos convida a um debate mais aprofundado: a eficiência administrativa é privilégio da ditadura, ou resultado de boas regras de gestão que podem e devem ser aplicadas em qualquer sistema político? Longe de apresentar uma resposta definitiva, este artigo busca estimular a reflexão crítica sobre a complexa herança de Vargas e os desafios da administração pública no Brasil. Todavia, a inferência conclusiva me parece óbvia: uma democracia fortalecida teria que seguir à risca o comportamento presidencial como Gestor (na verdade sua única atribuição de realce) a semelhança de Getúlio Vargas que tanto a exerceu no Estado Novo, bem como na sua Gestão Presidencial que resultou em seu suicídio. Foi-se uma vida e ficou o exemplo da moralidade pública. Talvez, essa tenha sido a maior preocupação dos seus algozes. E digo NÃO aos clichês!


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email: 0171969@etfbsb.edu.br.


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