Brasília, 22/04/2025
O falecimento do papa Francisco encerrou, nesta segunda-feira (21/04), um ciclo decisivo na história contemporânea da Igreja Católica. Ao longo de 12 anos de papado, Francisco moldou o Vaticano como um ator político global, contrapondo-se abertamente à ascensão da extrema direita no mundo: criticando o capitalismo predatório, se opondo a políticas migratórias excludentes e liderando a instituição em direção a uma Igreja mais inclusiva e engajada socialmente. Agora, com a vacância da cadeira papal, o mundo observa atentamente os rumos que serão tomados no próximo conclave.
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ToggleUma liderança pacífica contra a onda conservadora global
Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa latino-americano da história e também o primeiro não europeu em mais de mil anos, consolidou seu pontificado como um passo de resistência ao avanço da extrema direita global. Em seus últimos meses de vida, intensificou as críticas às políticas imigratórias do ex-presidente norte-americano Donald Trump, especialmente ao separar crianças de seus pais em centros de detenção de imigrantes. Conforme aponta a CNN Brasil, o pontífice afirmou em uma carta aos bispos americanos enviada em fevereiro:

“O ato de deportar pessoas que, em muitos casos, deixaram suas próprias terras por motivos de extrema pobreza, insegurança, exploração, perseguição ou grave deterioração do meio ambiente, fere a dignidade de muitos homens e mulheres” – Papa Francisco, em carta enviada em fevereiro de 2025 a bispos americanos
Francisco “soube dar os recados aos poderosos, aos pretensos tiranos”, afirmou o professor Gerson Leite de Moraes, teólogo e historiador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, destacou em entrevista à BBC. O professor o classificou como “uma voz muito profética de combate à extrema direita no mundo”.
Papa se reuniu com governo americano no dia anterior à sua morte
Um dos últimos compromissos públicos de Francisco foi a reunião com o senador republicano J.D. Vance, vice na chapa de Trump para as eleições de 2024. Segundo a BBC News Brasil, a conversa, que durou cerca de 30 minutos no Vaticano, foi marcada por “educação mútua e trocas diplomáticas”, mas analistas apontam que Francisco manteve-se firme em sua postura crítica ao nacionalismo exacerbado promovido por setores do Partido Republicano.
Um último pedido pela paz
Apesar da saúde debilitada, Francisco fez uma breve aparição na Páscoa para clamar por um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. Em sua última fala da sacada da Basílica de São Pedro, Papa Francisco reforçou mais uma vez seu conhecido papel de líder espiritual voltado ao pacifismo e à justiça internacional. A declaração foi feita um dia após o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, informar que havia instruído o exército israelense a intensificar a pressão sobre o Hamas no sábado, dia 19 de abril.
“Faço um apelo às partes em conflito: declarem um cessar-fogo, libertem os reféns e venham ajudar um povo faminto que aspira a um futuro de paz”, declarou Francisco em tradicional aparição pública na sacada do Vaticano.
Antes mesmo de assumir o papado, Bergoglio já se posicionava politicamente contra sistemas econômicos excludentes. Como apontou a reportagem realizada pela Agência Pública, ele denunciava o “capitalismo predatório” e convocava a Igreja a participar na luta contra a desigualdade.
“Desde jovem ele era ligado à chamada Teologia do Povo”, contou à Agência Pública o escritor e frade dominicano Frei Betto. Intimamente conectada à Teologia da Libertação – que tem origem na América Latina, em um período de crescimento de governos autoritários na região –, a Teologia do Povo prega a reaproximação da Igreja aos pobres, a valorização da religiosidade popular e um maior engajamento dos clérigos na luta pela justiça social. “Ao contrário da Teologia da Libertação, porém, a Teologia do Povo é pacifista e não admitiu a luta armada durante as ditaduras latino-americanas”, explica Frei Betto. Durante seu papado, continuou reafirmando esses compromissos, encorajando o papel da Igreja na proteção dos pobres, dos refugiados e do meio ambiente.
Ainda em 2020, quando o mundo se viu diante da eclosão de uma tragédia global – a Pandemia de Covid-19 – Papa Francisco defendeu que “a desigualdade social e a degradação ambiental andam de mãos dadas e têm a mesma raiz: a do pecado de querer possuir e dominar os irmãos, irmãs e a natureza”.

Expectativas para o conclave e o futuro do Vaticano
Com a morte do papa, a Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis determina que os cardeais eleitores devem aguardar 15 dias completos antes de iniciar o conclave. O processo pode durar poucos dias — como foi com Francisco, eleito em dois dias — ou se prolongar por semanas. Na história da Igreja, o conclave mais longo foi o de 1268, que durou quase três anos.
Segundo analistas, Francisco foi “estratégico” ao nomear 108 dos 135 cardeais que participarão da escolha de seu sucessor, muitos deles vindos da Ásia, África e América Latina, o que pode influenciar em uma possível continuidade da linha progressista.
Entre os nomes cotados, destaca-se o cardeal filipino Luis Antonio Tagle, apelidado de “papa Francisco asiático” popularmente, pela afinidade ideológica com Bergoglio. Apesar disso, o professor Gerson Moraes ainda avalia que a conjuntura política global pode favorecer um perfil europeu.
“A Europa corre o risco hoje de ficar emparedada entre os interesses de superpotências: os interesses da China, de Trump, e de um Putin com amplos poderes”, pontua o historiador à BBC. “A escolha de um papa europeu, com bom trânsito e com uma cabeça arejada, não me surpreenderia nem um pouco nesse momento. Porque, antes de mais nada, é uma escolha espiritual, mas é também uma escolha política, sem sombra de dúvida”.
Avanço ou recuo?
Analistas ponderam que, após um papa progressista como Francisco, é possível que a Igreja escolha um líder mais conservador. “A Igreja é como o mar, às vezes avança, às vezes recua”, afirmou Moraes. A previsão é que, de qualquer maneira, o próximo pontificado adote uma postura mais cautelosa diante das tensões geopolíticas e internas. Ainda assim, há esperança de continuidade. O professor Gerson Moraes conclui que “nós tivemos um papa latino-americano, que deu um recado para o mundo, que foi uma forma de resistência ao poder da extrema direita. E aí, diante dessa situação toda, a gente espera que a Igreja continue com essas mudanças”
Uma herança viva
Francisco será lembrado por seu embate pacífico, espiritualidade ativa e posicionamento firme em tempos de instabilidade mundial. Em um mundo dividido por discursos de ódio e exclusão, o pontífice argentino deixa um legado espiritual, político e moral que continuará ressoando para além dos muros do Vaticano — e que influenciará diretamente os rumos da próxima liderança da Igreja Católica.
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