60 anos da Autoridade Monetária Brasileira

A postura estratégica adotada pela Autoridade Monetária do Brasil (BCB) ao longo dessas seis décadas reflete não apenas um alinhamento com as melhores práticas internacionais, mas também um protagonismo genuíno na definição de novas rotas para temas ainda em construção no cenário global.

Leandro Oliveira Leite

Em 2025, o Banco Central do Brasil (BCB) completou seis décadas de atuação como autoridade monetária, cambial e regulatória do país. Desde sua fundação, em 1965[1], o BCB tem desempenhado um papel fundamental na estabilidade econômica brasileira, construindo credibilidade e se reinventando ao longo do tempo para acompanhar os avanços tecnológicos e as melhores práticas internacionais.

A celebração dessa trajetória, com a presença de ex-presidentes da autarquia, foi mais do que um momento de reconhecimento institucional – um olhar pelo retrovisor – sendo também uma reafirmação do papel proativo que o BCB tem assumido em nível internacional. A instituição não apenas se alinha com boas práticas globais, como também lidera inovações regulatórias e tecnológicas, com uma postura firme, estratégica e vanguardista.

O Banco consolidou-se como uma das instituições públicas mais inovadoras do Brasil. Um dos pontos mais destacados na cerimônia de seus 60 anos foi justamente a capacidade da autarquia de se manter na fronteira do conhecimento e da tecnologia, contribuindo não só para o progresso interno, mas também influenciando a agenda global de estabilidade e inovação financeira.

Após a implementação do Plano Real, que representou um divisor de águas no combate à hiperinflação, o Banco Central passou a ser liderado por presidentes que impulsionaram sua modernização institucional e a concorrência no sistema financeiro. Gustavo Loyola, que presidiu o BCB entre 1995 e 1997, teve papel relevante na transição entre os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, reforçando o compromisso com a estabilidade de preços e a política monetária mais previsível, além de contribuir para a consolidação dos pilares do Plano Real. Seu sucessor, Gustavo Franco, além de ser um dos idealizadores do Plano Real, implementou medidas de saneamento do sistema financeiro nacional, como os programas PROER e PROES, fundamentais para enfrentar fragilidades bancárias remanescentes do período inflacionário.

Na sequência, Armínio Fraga (1999–2003) assumiu o comando do BCB em um contexto de forte volatilidade cambial e crise de confiança nos mercados emergentes. Sua gestão foi marcada pela introdução do regime de metas para a inflação, que se tornou um dos principais marcos da política monetária brasileira, e por uma atuação decisiva na estabilização macroeconômica durante um período crítico, com políticas ancoradas em transparência e previsibilidade.

Henrique Meirelles (2003–2011) conduziu o Banco durante um dos mais longos períodos de estabilidade macroeconômica do país, com foco na autonomia operacional da instituição. Sob sua liderança, o BCB ganhou musculatura para atuar de forma independente, contribuindo de forma decisiva para o controle da inflação e a solidez bancária. Durante a crise financeira global de 2008, o Banco Central teve papel central na adoção de medidas que garantiram a resiliência do sistema financeiro brasileiro frente à turbulência internacional.

Ilan Goldfajn (2016–2019) trouxe uma nova agenda institucional com a iniciativa BC+, voltada à inclusão, à competitividade, à transparência e à educação financeira. Sua gestão deu início a importantes projetos de transformação digital no sistema financeiro, como o Open Banking e o desenvolvimento do Pix, iniciativas que visavam aumentar a eficiência e a concorrência no setor.

Roberto Campos Neto (2019–2024) deu continuidade e profundidade a essas transformações. Sob sua liderança, o Banco Central acelerou a digitalização dos serviços financeiros com a consolidação do Pix[2] e a implementação do Open Finance, ampliando a inclusão financeira no país. Outro marco foi a aprovação da lei que conferiu autonomia formal ao Banco Central, blindando a política monetária de influências políticas de curto prazo e fortalecendo a credibilidade institucional.

Essas lideranças, cada uma a seu modo, modernizaram a autoridade monetária brasileira, posicionando o país entre as economias que combinam estabilidade macroeconômica com inovação e competição no mercado financeiro. Em 2024, Gabriel Galípolo assumiu a presidência da instituição com o desafio de, junto ao corpo técnico altamente qualificado do Banco Central, dar continuidade ao processo de modernização, incentivo à concorrência e promoção de inovação financeira.

Durante as comemorações dos 60 anos, foi enfatizado o papel do Banco em adotar referências internacionais como benchmarks. Ainda mais relevante, no entanto, foi o reconhecimento de que, diante da ausência de padrões consolidados, o Brasil tem assumido a dianteira, oferecendo soluções inovadoras e se tornando referência global. Essa postura rompe com a lógica segundo a qual países em desenvolvimento devem apenas seguir diretrizes externas. Ao contrário, o BCB vem se consolidando como um laboratório vivo de políticas públicas e inovações financeiras com impacto internacional.

Nos discursos transmitidos pelo canal oficial da instituição no YouTube[3], destacou-se que o Banco busca constantemente as melhores práticas globais, mas, quando elas não existem, lidera com responsabilidade e visão estratégica. Inovação e regulação, longe de serem antagônicas, são vistas como complementares e essenciais para uma autoridade que busca estabilidade sem abrir mão do futuro. O alinhamento às diretrizes do BIS, do FMI e de outras entidades internacionais permanece como base, mas o protagonismo do BCB em propor soluções inéditas tem chamado atenção de todo o mundo.

Exemplos não faltam. O Pix, sistema de pagamentos instantâneos desenvolvido e gerido pelo Banco Central, tornou-se uma das maiores histórias de sucesso de inovação financeira mundial, algo comparável apenas ao sistema UPI[4] da Índia. Em poucos anos, o Pix superou o uso de dinheiro e cartões, tornando-se o principal meio de pagamento no país. A revista The Economist[5] destacou seu impacto transformador, especialmente por seu caráter público, gratuito e universal.

Outras iniciativas de vanguarda incluem o LIFT (Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas)[6], o Sandbox Regulatório[7] – que permite testar inovações em ambientes controlados – e o Open Finance[8], que garante aos consumidores o poder sobre seus dados e estimula uma nova dinâmica de competição entre instituições financeiras.

Mais recentemente, o desenvolvimento do Drex[9], a versão digital do real, inseriu o Brasil nas discussões globais sobre moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs). Com um diferencial importante, o BCB não apenas replica modelos internacionais, mas busca soluções adaptadas à realidade e às necessidades brasileiras, com foco em segurança, eficiência e inclusão.

A autonomia formal conquistada com a Lei Complementar nº 179/2021[10] foi um divisor de águas. Os mandatos fixos e não coincidentes com o do Chefe do Executivo conferem estabilidade institucional, afastando pressões de curto prazo e reforçando a previsibilidade das decisões de política monetária[11]. Essa autonomia fortalece a ancoragem das expectativas de inflação e contribui para a redução das taxas de juros estruturais no médio e longo prazo.

Importante frisar que autonomia não significa isolamento. Pelo contrário, ela exige mais transparência, responsabilidade e diálogo com a sociedade. Os instrumentos de governança, como o regime de metas de inflação, os relatórios periódicos (Relatório de Inflação, Atas do Copom) e a prestação de contas ao Congresso Nacional são pilares dessa nova era de independência com accountability.

O conjunto de iniciativas lideradas pelo Banco Central reforça seu compromisso com a modernização da economia brasileira, com a inclusão financeira e com a estabilidade do sistema financeiro. Paralelamente, a autarquia atua de forma decisiva em áreas como educação financeira, sustentabilidade (ESG[12]), inovação regulatória e fomento à livre concorrência – contribuindo, assim, para um desenvolvimento mais equilibrado e sustentável do país.

A postura estratégica adotada pelo BCB ao longo dessas seis décadas reflete não apenas um alinhamento com as melhores práticas internacionais, mas também um protagonismo genuíno na definição de novas rotas para temas ainda em construção no cenário global.


[1] O Banco Central do Brasil é uma autarquia federal autônoma integrante do Sistema Financeiro Nacional sem vinculação a Ministério. Foi criado em 31 de dezembro de 1964 pela Lei nº 4 595 e iniciou suas atividades em março de 1965, tendo em vista que a Lei nº 4 595 entrou em vigor 90 dias após sua publicação.

[2] Pix: Sistema de pagamentos instantâneos lançado em 2020, que rapidamente se tornou o meio de pagamento mais utilizado no Brasil, superando o uso de dinheiro e cartões. Sua eficiência e gratuidade para pessoas físicas chamaram a atenção de autoridades monetárias de todo o mundo.

[3] Sessão vespertina do evento “Parte da nossa história”: https://www.youtube.com/live/oVvJiWQXrlM

[4] O Unified Payments Interface (UPI) é o sistema de pagamento instantâneo da Índia, semelhante ao Pix do Brasil.

[5] https://www.economist.com/the-americas/2025/04/03/brazils-government-run-payments-system-has-become-dominant

[6] LIFT (Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas): Espaço colaborativo criado para fomentar o desenvolvimento de soluções financeiras tecnológicas em parceria com o setor privado.

[7] Sandbox Regulatório: Ambiente controlado de testes que permite a empresas desenvolverem modelos de negócio inovadores, sob supervisão regulatória, com riscos mitigados.

[8] Open Finance (inicialmente Open Banking): Projeto que amplia o controle do cidadão sobre seus dados bancários, promovendo mais competição, inovação e inclusão financeira.

[9] Drex: A moeda digital do Banco Central (CBDC), ainda em fase de testes, representa a evolução da política monetária e financeira em um contexto de digitalização crescente da economia.

[10] A Lei Complementar nº 179, de 24 de fevereiro de 2021, define os objetivos do Banco Central do Brasil (BC) e estabelece a sua autonomia. A lei também regula a nomeação e exoneração dos dirigentes do BC. 

[11] BCs de vários países já têm autonomia (fonte CNN): https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/bcs-de-varios-paises-ja-tem-autonomia/

[12] ESG é a sigla em inglês para “Environmental, Social and Governance”, que significa “Ambiental, Social e Governança” em português. É um conjunto de práticas e critérios que avaliam a sustentabilidade, responsabilidade social e gestão.


Leandro Oliveira Leite. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


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Instituições financeiras e sustentabilidade: os novos padrões de relatórios. WebAdvocacy. Brasília, DF. Coluna de Leandro Oliveira Leite. 24 de fevereiro de 2025. 

Projeto Aperta: o open finance transfronteiriço. WebAdvocacy. Brasília, DF. Coluna de Leandro Oliveira Leite. 20 de janeiro de 2025.

IA no setor público: BC e outros órgãos avançam. WebAdvocacy. Brasília, DF. Coluna de Leandro Oliveira Leite. 29 de outubro de 2024.

Prioridades regulatórias do Banco Central em 2024. WebAdvocacy. Brasília, DF. Coluna de Leandro Oliveira Leite. 29 de maio de 2024.

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