Com quem e o que você conversa? – Fique atento!

O intercâmbio de informações, na maioria das vezes, é considerado inofensivo ou sem relevância, mas, para o CADE, os dados trocados podem ser interpretados como sensíveis e estratégicos para o negócio, podendo, assim, esta troca, ser caracterizada como uma conduta anticoncorrencial.

Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo

Nunca é demais abordar esse tema e chamar a atenção para alguns fatos rotineiros, que tendem a passar desapercebidos, seja porque são interpretados como uma prática habitual em determinadas áreas ou setores, seja em razão do desconhecimento acerca das consequências que têm o potencial de ensejar, tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica à qual ela está ligada.

Nesse sentido, destacamos uma dessas práticas – a troca de informações. O intercâmbio de informações, na maioria das vezes, é considerado inofensivo ou sem relevância, mas, para a autoridade antitruste – o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), os dados trocados podem ser interpretados como sensíveis[1] e estratégicos para o negócio, podendo, assim, esta troca, ser caracterizada como uma conduta anticoncorrencial[2]. Ressalte-se, neste ponto, que o fato de um setor nunca ter sido investigado pelo CADE, não implica em ausência de risco, diante da prática desta conduta.

Tal afirmação é possível em razão de alguns setores, como transporte sobre trilhos, combustíveis, medicamentos, construção civil, sempre estarem sob os holofotes da autoridade, mas jamais se imaginou que o mercado de trabalho, por exemplo, pudesse algum dia ser objeto de uma investigação movida pelo CADE que, atualmente, possui quatro processos[3] administrativos em curso sobre o tema, em diversos setores de atividade.

Assim, é relevante estar atento ao conteúdo de quaisquer conversas, independentemente do meio[4] pelo qual é realizada, assim como das fontes de pesquisas realizadas pelas empresas, tendo em vista que, dependendo da qualidade dos dados trocados e da posição que a empresa ocupa no mercado no qual atua, tal conteúdo pode ser interpretado como ilícito[5] pela autoridade antitruste, em razão de eventual vantagem que tais informações possam trazer à empresa, ou grupo de empresas, em detrimento de seus concorrentes e, por conseguinte, dos consumidores.

Para ilustrar esta afirmação, podemos usar como exemplo um dos processos que envolvem a área de recursos humanos (mercado de trabalho). Enquanto os funcionários dos recursos humanos das empresas faziam pesquisas com o objetivo de obter melhores práticas, o chamado benchmarking, algo que é considerado de praxe nesta área, o CADE entendeu que a conduta destes funcionários implicou em prejuízos aos trabalhadores dos setores das indústrias das quais são integrantes, já que interpretou determinadas conversas, entre estes funcionários, como tentativa de uniformizar o mercado, eliminando a concorrência pela mão de obra.

De modo geral, os processos que envolvem o tema mercado de trabalho, destacam a troca de informações relacionadas a salários, vale-alimentação ou refeição, planos odontológicos e de saúde, bônus, disponibilização de automóveis a determinados níveis hierárquicos, seguro de vida, previdência privada, dentre outros benefícios, que eram circuladas em pesquisas realizadas entre e pelas empresas, via whatsapp e e-mails, por exemplo.

Note-se, assim, que conversas tidas como comuns tiveram como consequência a instauração de processo administrativo, o que implica em custos não só financeiros, mas também da imagem das empresas, assim como evidentes transtornos à vida de pessoas físicas que, muitas vezes, sequer tinham noção de que aquilo que estavam fazendo poderia ser considerado como uma conduta ilícita.

No entendimento do CADE, as informações devem ser recentes ou relativas ao futuro, para que possuam maior potencial de interferir nas estratégias dos concorrentes, já que informações antigas não indicam com clareza o comportamento do competidor ou como ele se comportará, não levando, assim, à uma acomodação competitiva pelo rival, quando de posse de tais dados. Destaca-se, neste ponto, que o tempo a ser considerado para defasagem dos dados varia de setor para setor. Setores de alta tecnologia, por exemplo, nos quais o conhecimento fica superado mais rapidamente, as informações estratégicas e sensíveis tendem se tornar irrelevantes em prazos mais curtos do que as relativas a negócios com longos períodos de maturação[6].

Ademais, além da defasagem das informações, há outro fator de relevância a ser observado, qual seja, a frequência. O potencial deletério da troca de informações é fortemente influenciado pela frequência com a qual os dados são intercambiados. Assim, trocas frequentes são consideradas mais graves, pois tornam os comportamentos mais previsíveis e viabilizam o alinhamento de condutas, em contraponto à interação periódica, que não afasta a incerteza quanto aos próximos passos e estratégias do rival.

Outro ponto de atenção, quanto à sensibilidade das informações trocadas, diz respeito à especificidade do dado. Informações de mercado, apresentadas de forma agregada, trazem menos previsibilidade e, por esta razão, tendem a serem menos propensas “a desencadear monitoramentos de mercado instrumentais a efeitos colusórios ou tendentes à cartelização[7]. Já as informações pontuais ou específicas, permitem maior certeza quanto ao comportamento do rival, possibilitando estratégias de proteção de lucratividade.

Neste sentido, verifica-se que dependendo da qualidade (sensível, desagregada, recente ou futura) e da sua periodicidade, a troca de informações[8] pode ser considerada pelo CADE como uma infração concorrencial. O desconhecimento destes fatores ou a sua interpretação equivocada, considerando que podem variar de setor para setor, podem ensejar graves danos às empresas e às pessoas físicas a elas vinculadas.

Para se evitar este tipo de situação, as práticas habituais devem ser revistas pelas empresas, por meio de treinamentos periódicos, principalmente para as áreas comerciais e de recursos humanos, sempre levando em conta as diretrizes de compliance concorrencial, de modo a se evitar problemas futuros, já que o tema da troca de informações sensíveis teve destaque no CADE em 2024 e certamente continuará sob forte atenção da autoridade.


[1] Informações concorrencialmente sensíveis “são informações específicas (por exemplo, não agregadas) e que versam diretamente sobre o desempenho das atividades-fim dos agentes econômicos”, cujo compartilhamento entre empresas concorrentes pode impactar em sua atuação e decisões comerciais. In CADE, Guia para a análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica. Página 07. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/gun-jumping-versao-final.pdf . Acesso em 10.02.2025.

Esclarece-se que “o termo “troca de informações” é uma expressão ampla que engloba diversas condutas que podem ser colusivas, unilaterais, multilaterais, bem como se dar entre concorrentes, entre participantes de relações comerciais verticais, entre associados, ou entre empresas e consumidores. Desse modo, o intercâmbio de determinadas informações entre certos tipos de agentes pode ser favorável competitivamente ou, ainda, não ter quaisquer efeitos concorrenciais”.

A troca deste tipo de informações pode gerar, também, efeitos anticoncorrenciais: uniformização de condutas, viabilização de acordos colusivos, expressos e tácitos, assim como redução de incerteza e diminuição da competitividade. O “problema antitruste é que a troca de informações concorrencialmente sensíveis incentiva o paralelismo na atuação dos competidores mesmo que ausente um acordo anticompetitivo explícito de fixar preços ou dividir mercado. Isto porque, se diferentes empresas têm acesso às estratégias, presentes ou futuras, umas das outras, o ímpeto competitivo entre elas é afetado”. In Nota Técnica nº 6/2024. PA nº 08700.000992/2024-75. Representante: Cade ex officio. Representados: 3M do Brasil Ltda. e outros. Páginas 25 e 23, respectivamente.

[2] “72. Devido à sensibilidade comercial inerente aos tipos de dados visto no tópico anterior, o seu intercâmbio entre competidores pode ensejar preocupações concorrenciais. Nesse sentido, a prática de troca de informações sensíveis entre concorrentes pode se enquadrar, em geral, em três diferentes cenários dentro do antitruste, conforme explica a OCDE:

i. no contexto de um acordo amplo de cooperação como formação de joint ventures, esforços de padronização e/ou pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias;

ii. como parte de um arranjo mais amplo de fixação de preços ou divisão de mercado onde o intercâmbio de informações funciona como um vetor de facilitação;

iii. como uma prática autônoma na qual a troca de informações é o único ato de cooperação entre competidores.” (sic). In Nota Técnica nº 6/2024. PA nº 08700.000992/2024-75. Representante: Cade ex officio. Representados: 3M do Brasil Ltda. e outros. Página 19-20.

[3] PA nº 08700.007061/2024-06 (Empresas do setor de empilhadeiras); PA nº 08700.001198/2024-49 (Empresas multinacionais integrantes dos Grupos GES e GEAB); PA nº 08700.000992/2024-75 (Empresas do setor de bens de consumo – GECON); PA nº 08700.004548/2019-61 (Recursos humanos – Indústria de produtos, equipamentos e serviços correlatos para cuidados com a saúde (health care).

[4] Destaca-se, neste ponto, que a troca de informações pode ocorrer tanto de forma direta (via, dentre outros, e-mail, reuniões presenciais, aplicativos de conversas), quanto de forma indireta, por meio de um terceiro facilitador da conduta (associações e sindicatos, por exemplo).

[5] De acordo com o artigo 36, §2º, da Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011), a posição dominante é presumida quando uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar de forma unilateral e coordenada as condições de mercado ou quando tiver o controle de 20% ou mais do mercado relevante. Este percentual pode ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.   

Neste sentido, o acesso a informações desagregadas e atuais, por uma empresa com posição dominante, poderia ser considerada como uma conduta abusiva pelo CADE, já que em razão da posição ocupada pela empresa no mercado, de posse dos dados, a dinâmica deste mercado poderia ser alterada, em prejuízo aos demais concorrentes.

[6] Nota Técnica nº 6/2024. PA nº 08700.000992/2024-75. Representante: Cade ex officio. Representados: 3M do Brasil Ltda. e outros. Página 17.

[7] Nota Técnica nº 36/2021. PA 08700.004548/2019-61. Representante: Cade ex officio. Representados: Abbott Laboratórios do Brasil Ltda. e outros. Página 30.

[8] “72. Por fim, a estrutura e a dinâmica do mercado também influenciam no dano à concorrência ocasionado pela prática. Embora o mercado de muitos agentes não impeça o efeito anticoncorrencial da troca de informação recente ou futura, desagregada e frequente, é conhecido que o risco colusivo é maior em mercados concentrados. Além disso, a fim de verificar a ilicitude das trocas, é importante levar em consideração, por exemplo, a transparência do mercado, a simetria entre os concorrentes, as características do produto (a colusão é facilitada quando os produtos são homogêneos), a dinâmica do mercado (mercados que mudam com frequência tendem a gerar maior incerteza e criar uma série de incentivos a diversos agentes, dificultando efeitos colusivos) e a inovação (quanto menor, mais fácil a coordenação entre concorrentes)”. Nota Técnica nº 5/2024. PA nº 08700.001198/2024-49. Representante: Cade ex officio. Representados: Alcoa Alumínio S.A. e outros. Página 18.


Pedro Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.

Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.


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