Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo

Em tempos em que a mídia promove e derruba, em que as informações, falsas e verdadeiras, percorrem o mundo em segundos e em que o cuidado com atitudes e julgamentos precipitados é uma preocupação recorrente, aquele que responde a uma acusação ou a um processo carece de pessoas em quem confiar, já que um pré-julgamento, seja por quem for ou, ainda, a formação de opinião destacada da realidade pode, por vezes, influenciar e até mesmo prejudicar sua defesa e/ou julgamento. No entanto, há a figura do advogado, pessoa a quem um acusado deve contar a integralidade dos fatos relacionados à acusação ou demanda que lhe pesa, para que este encontre o melhor caminho para sua justa defesa e decisão a respeito daquilo que lhe é imputado, e em quem o acusado pode confiar, já que este profissional possui o dever de sigilo.

O dever de sigilo está disposto no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (“CED/OAB”) (art. 35 e 36), que determina que o advogado deve manter sigilo dos fatos que tomar conhecimento no exercício de sua profissão, sendo o sigilo considerado de ordem pública. Há a presunção de confidencialidade em todas as comunicações tidas com seu cliente, seja qual for a sua natureza, razão pela qual o advogado não é obrigado a depor, seja no âmbito judicial, administrativo ou arbitral, acerca dos fatos sobre os quais deve guardar sigilo (art. 38).

O CED/OAB esclarece, ainda, que o sigilo profissional cederá apenas em face de circunstâncias excepcionais, que configurem justa causa, como nos casos de grave ameaça ao direito à vida e à honra ou que envolvam defesa própria (art. 37). A violação do sigilo, fora destas hipóteses, poderá resultar em sanções penais[1], disciplinares[2] (OAB) e cíveis[3] (reparação de danos materiais e morais).

As determinações existentes no CED/OAB seguem as diretrizes ditadas pela Constituição Federal, que prevê como direitos e garantias fundamentais tanto o “acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (art.5º, XIV), quanto o contraditório e a ampla defesa aos litigantes e acusados em geral (art. 5º, LV). Isto porque, o acesso às informações são fundamentais para o exercício exemplar da profissão do advogado, assim como para que o acusado tenha acesso à defesa plena.

Não obstante estas determinações legais, há quem defenda, inclusive o nosso Judiciário, a possibilidade de delação premiada por parte do advogado, em detrimento de seu cliente. Por esta razão, no início deste mês, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgou um habeas corpus no qual o réu de uma ação penal defendeu a ilicitude de colaboração premiada firmada por advogado anteriormente contratado por ele, por envolver fatos supostamente cobertos pelo sigilo profissional.

Conforme o setor de notícias do STJ[4], por maioria de votos, o habeas corpus foi negado em segundo grau, mas o recurso foi provido pelo relator no STJ, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Contra a decisão monocrática, o Ministério Público Federal (MPF) interpôs agravo regimental e apontou haver indícios de que os serviços advocatícios prestados eram simulados, colocando em dúvida a relação entre advogado e cliente. 

De acordo com o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o entendimento firmado pela Corte é no sentido de que não é possível a delação dos fatos cobertos pelo sigilo profissional pelo advogado, já que o sigilo é premissa fundamental, tanto para o exercício pleno da defesa, quanto para a relação de confiança entre o profissional e o cliente. Foram mencionados pelo Ministro Relator, ainda, precedentes acerca da presunção da boa-fé na relação, assim como que a alegação de eventual simulação desta relação deve ser concretamente demonstrada, o que não é o caso dos autos, já que houve a efetiva atuação do advogado em relação ao réu da ação penal e a comprovação do pagamento dos honorários.

Assim concluiu o Relator: “Não havendo provas de se tratar de mera relação simulada, prevalece a impossibilidade de o advogado delatar seu cliente, sob pena de se fragilizar o direito de defesa. Assim, deve ser considerada ilícita a colaboração premiada, na parte em que se refere ao paciente, bem como as provas dela derivadas”.

Desta maneira, portanto, a Quinta Turma do STJ reiterou o entendimento da Corte, no sentido de que o advogado não pode firmar colaboração premiada para delatar fatos contra o seu cliente, já que este fato pode comprometer tanto o direito de defesa, quanto o sigilo profissional. A exceção ocorre apenas nos casos em que existir a simulação da relação advogado-cliente, circunstância que, segundo o colegiado, não pode ser presumida, devendo, portanto, ser provada. 

Dentro deste contexto, você já se imaginou em um cenário no qual não há ninguém em quem confiar? Nem mesmo aquela pessoa a qual todos os fatos, muitas vezes os mais relevantes de sua vida, são contados, o seu advogado? Por sorte, ou graças ao STJ, este cenário está longe de se tornar uma realidade. 


[1] Art. 154, Código Penal – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.   

Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.

[2] Art. 34, Estatuto da Ordem dos Advogados no Brasil (Lei 8906/94) – Constitui infração disciplinar:

VII – violar, sem justa causa, sigilo profissional.

Art. 36, Estatuto da Ordem dos Advogados no Brasil (Lei 8906/94) – A censura é aplicável nos casos de:

I – infrações definidas nos incisos I a XVI e XXIX do art. 34.

[3] Art. 186, Código Civil – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.   

Art. 187, Código Civil – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927, Código Civil –  Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.  (Vide ADI nº 7055)    (Vide ADI nº 6792)

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[4] As informações relacionadas ao processo e ao julgamento têm como fonte o site do STJ. Isto porque, em razão de o processo tramitar em segredo de justiça, não foi possível ter acesso a informações mais detalhadas acerca da questão e dos argumentos travados pelas partes. Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/02012025-Quinta-Turma-reitera-impossibilidade-de-colaboracao-premiada-de-advogado-contra-cliente.aspx . Acesso 07.01.2025.


Pedro Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.

Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.

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