Pedro Victhor Gomes Lacerda
Em outubro de 2024 os economistas Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson foram laureados com o prêmio Nobel de Economia, em razão dos seus estudos sobre a formação das instituições e sua relação com a prosperidade.
Entre os estudos conduzidos pelos autores[1], destaca-se o livro “Porque as Nações Fracassam“, assinado por Daron Acemoglu e James A. Robinson. A obra, por meio de uma abordagem institucionalista histórica, busca compreender por que determinadas nações prosperam econômica e socialmente, enquanto outras falham em alcançar os mesmos resultados.
Os autores inicialmente abordam e refutam algumas explicações tradicionais sobre a prosperidade entre as nações[2], e defendem a tese de que é o grau de inclusão das instituições políticas e econômicas que determina ou influencia significativamente o sucesso econômico e social das nações.
Os autores distinguem as instituições entre inclusivas e extrativistas. As primeiras são instituições que promovem a ampla participação econômica e política da sociedade, criando um ambiente favorável à inovação e ao desenvolvimento sustentável. As segundas são instituições que historicamente concentram poder e recursos em uma elite restrita, limitando a participação da população nos processos decisórios, e consequentemente restringindo a capacidade de crescimento econômico e social da população.
Um exemplo clássico trabalhado pelos autores é a Cidade de Nogales, fronteira entre Estados Unidos (Nogales, Arizona) e México (Nogales, Sonora). Do lado estadunidense da cidade, a população desfruta de melhores condições socioeconômicas, serviços de maior qualidade e um ambiente institucional favorável ao desenvolvimento de sua população.
Do outro lado, a população vive em condições significativamente mais precárias, em situação de vulnerabilidade social e em um ambiente institucional instável que, em última análise, distancia a população da prosperidade socioeconômica. Embora as cidades compartilhem do mesmo clima, geografia e cultura, segundo Acemoglu e Robinson, as diferenças socioeconômicas podem ser explicadas pela qualidade das instituições políticas que regem os países.
Embora apresente limitações[3], a obra, desde seu lançamento, vem sendo amplamente debatida no ambiente acadêmico e entre formuladores de políticas públicas. Não obstante a obra já tenha sido analisada sob diversas perspectivas multidisciplinares, também é possível analisá-la sob um recorte concorrencial.
Na realidade, não é exagero afirmar que a tese central dos estudos empreendidos pelos autores possui uma profunda conexão com a política de defesa da concorrência. Isso porque instituições inclusivas só produzem efeitos quando amparadas por políticas concorrenciais que funcionam de modo eficiente.
A política de concorrência é realizada por meio do controle de estruturas – de modo preventivo -, com o objetivo de evitar a concentração excessiva de mercado e seus efeitos adversos, e por meio do controle de condutas – de modo repressivo -, com o objetivo de combater práticas anticompetitivas como cartéis, abuso de poder econômico, entre outros.
Um controle inadequado de estruturas por parte do sistema de defesa da concorrência de um país pode culminar na realização de fusões empresariais com concentração excessiva, muitas vezes motivados por interesses privados, e não alinhados com a correta aplicação dos princípios da defesa da concorrência. Dessas aprovações, podem surgir monopólios ou oligopólios, onde poucas empresas têm o controle absoluto dos preços, oferta e qualidade dos produtos ou serviços, prejudicando, em última análise, o consumidor final. Não obstante, a falha no controle de estruturas também pode acarretar na criação ou aumento das barreiras à entrada de novos competidores, redução na inovação, aumento dos preços e estagnação do mercado.
Já um controle inadequado de condutas pode promover um ambiente de permissividade e complacência no qual as práticas anticompetitivas se proliferam sem consequências efetivas. Nesse cenário, o ambiente de livre competição é limitado por players que, por meio de condutas ilícitas, restringem a entrada de novos competidores, manipulam preços, limitam a inovação e consolidam cada vez mais o seu poder de mercado.
Ou seja, a ineficiência no controle de estruturas e/ou condutas tende a criar um ambiente econômico sem concorrência e competitividade, prejudicando o desenvolvimento das atividades empresariais e, por consequência, a geração de empregos, o crescimento econômico, e sobretudo o direito à um ambiente de livre competição.
Tais reflexões sobre o impacto da política de concorrência nas instituições, longe de serem puramente teóricas, são ilustradas pelos próprios autores no livro citado. Ao ilustrar a carreira de Bill Gates nos EUA e Carlos Slim no México – dois bilionários que fizeram suas fortunas em ambientes institucionais profundamente distintos – os autores identificam que a Microsoft, mesmo com enorme sucesso através da inovação tecnológica, sofreu limitações do FTC e do DoJ ao agir com práticas consideradas abusivas. Em 1998, a Microsoft enfrentou um processo por abuso de posição dominante pelo modo em que a empresa embutia seu navegador (Internet Explorer) no seu próprio sistema operacional (Windows), resultando em um acordo em 2001 que limitou significativamente suas práticas de mercado.
Já Carlos Slim construiu sua fortuna através da Telmex, o monopólio estatal mexicano de telecomunicações privatizado nos anos 90. Apesar de Slim não ter apresentado a proposta financeira mais vantajosa, seu consórcio Grupo Carso venceu o leilão. Em 1997, a Comissão Federal de Concorrência Mexicana declarou que a Telmex detinha posição dominante no mercado de telecomunicações. No entanto, nenhuma ação efetiva foi tomada para reduzir esse poder. Por meio do recurso de amparo – mecanismo jurídico originário da Constituição Mexicana de 1857 -, sempre que uma autoridade reguladora tentava intervir para reduzir o poder da Telmex, a empresa conseguia bloquear ou adiar a ação judicialmente. Em resumo, Carlos Slim possuía grande influência no ambiente político e institucional mexicano, e se valeu disso para proteger seus interesses econômicos.
De um lado, observa-se um ambiente institucional onde as práticas abusivas são limitadas, preservando o ambiente de livre concorrência. De outro, observa-se um ambiente institucional marcado pela fragilidade e pela permeabilidade de interesses privados, que permite a consolidação do poder econômico sem contrapesos, e em última análise prejudica a livre competição e o desenvolvimento econômico.
Não obstante, a própria criação do direito antitruste também possui profunda relação com a teoria das instituições inclusivas e extrativistas, conforme apontado pelos autores[4]. No final do século XIX e início do século XX, empresários como J.P. Morgan controlavam mais de 70% de mercados estratégicos como o aço, petróleo e ferrovias por meio de trustees, o que resultou no aumento de preços, queda da qualidade e supressão sistemática da concorrência nesses mercados. Essa concentração também permitiu a ascensão de uma elite econômica que, além de deter substancial parcela do mercado, adquiriu uma grande capacidade de influenciar politicamente os rumos dos Estados Unidos.
Apesar da ameaça dos trustees, o sistema político americano demonstrou uma resiliência que, em última instância, resultou na aprovação de legislações antitrustes históricas, como a Sherman Act (1890), a Clayton Act (1914) e a criação da Federal Trade Commission, que formaram a espinha dorsal da defesa da concorrência, sendo replicada em maior ou menor medida em todo o mundo. Pode-se dizer, portanto, que o direito concorrencial é fruto de um processo histórico de reação das instituições inclusivas contra movimentos econômicos extrativistas que ameaçavam a livre competição.
O caso estadunidense é emblemático, mas fenômenos semelhantes acontecem em outros países e em outros tempos. Quando grupos econômicos passam a deter uma parcela de poder excessiva, surge uma tensão que resulta em reformas legislativas e fortalecimento regulatório, como se pode observar, por exemplo, em relação à regulamentação antitruste de plataformas digitais. Nesse sentido, sugere-se a existência de uma “dialética” entre a concentração econômica potencialmente extrativista e a reação institucional inclusiva que confere um caráter cíclico ao direito da concorrência.
No entanto, importante pontuar que a política concorrencial, embora fundamental, por si só não é suficiente para garantir um ambiente institucional de desenvolvimento e inovação. A defesa da concorrência complementa e é complementada por diferentes instituições políticas e econômicas que em conjunto podem oferecer um ambiente de desenvolvimento econômico. Em cenários de forte captura do estado por interesses privados, até mesmo as autoridades concorrenciais podem sofrer pressões externas que limitam a sua atuação. Ainda assim, um forte ambiente institucional sem uma política de defesa da concorrência adequada corre grande risco de comprometer um desenvolvimento econômico saudável.
Em síntese, os estudos empreendidos por Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson contribuem significativamente para um melhor entendimento acerca dos fatores que influenciam a prosperidade das nações e evidenciam que o progresso de um país, em certa medida, depende da força de suas instituições, e entre elas, a defesa da concorrência.
[1] ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James A. The colonial origins of comparative development: An empirical investigation. American economic review, v. 91, n. 5, p. 1369-1401, 2001; ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James A. Reversal of fortune: Geography and institutions in the making of the modern world income distribution. The Quarterly journal of economics, v. 117, n. 4, p. 1231-1294, 2002; ACEMOGLU, Daron et al. Income and democracy. American economic review, v. 98, n. 3, p. 808-842, 2008; ACEMOGLU, D. Institutions as the Fundamental Cause of Long-Run Growth. Handbook of Economics Growth, 2005.
[2] Como a hipótese geográfica – que sugere que fatores como o clima, geografia e recursos naturais determinam o sucesso de uma nação – e a hipótese cultural – que atribui o desenvolvimento econômico a fatores culturais como ética e valores sociais.
[3] Nesse sentido, ver: SACHS, Jeffrey D. Government, geography, and growth: the true drivers of economic development. Foreign Affairs, v. 91, n. 5, p. 142-142, 2012; e PROL, Flávio Marques. Instituições, desenvolvimento e inclusão. Revista Direito GV, v. 9, n. 1, p. 369-377, 2013.
[4] Ver cap. 11 do livro “Porque as nações fracassam”.
Pedro Victhor Gomes Lacerda. Bacharel em Direito e mestre em Direito Econômico pela Universidade de Brasília (UnB). Atuou no Tribunal do CADE e atualmente é advogado com foco em direito concorrencial.