Marco Aurélio Bittencourt
Acredito no mercado. A expressão “mercado nervoso”, frequentemente utilizada em momentos de incerteza econômica, carrega consigo uma conotação negativa que pode distorcer sua realidade. Essa visão ignora a essência do termo e sua intrínseca relação com a conjuntura política e econômica do país. O mercado não é uma entidade abstrata ou um conjunto de indivíduos movidos apenas por interesses egoístas; ele é um reflexo das condições e desafios que uma nação enfrenta, especialmente quando um plano previamente acordado se vê ameaçado, seja por fatores internos ou externos.
O arcabouço político e jurídico, aliado às políticas fiscais e monetárias, desempenha um papel crucial na configuração de um mercado inclusivo ou extrativista. No contexto brasileiro, a estrutura legal e as políticas econômicas, ao invés de promoverem inclusão e desenvolvimento sustentável, perpetuam um modelo extrativista. Isso se reflete nas decisões políticas e na distribuição orçamentária, onde regulamentações muitas vezes favorecem a exploração de recursos em detrimento do bem-estar social e da justiça econômica. Essa dinâmica desencadeia instabilidade social, mas exerce pouco impacto direto sobre o mercado na sua totalidade.
A busca por um caminho unificado e consensual é fundamental para a estabilização do mercado. Disputas e incertezas em relação aos rumos a serem tomados geram o “mercado nervoso”, caracterizado pela volatilidade e pela imprevisibilidade. Esse nervosismo é, muitas vezes, aleatório, dificultando a identificação de responsáveis específicos. A intensidade da instabilidade está diretamente ligada à resiliência do modelo vigente. Se o modelo é resiliente, o ruído no mercado é reduzido. No entanto, quando a resiliência é baixa e grupos opositores possuem igual força, as disputas tendem a se prolongar, intensificando o nervosismo. A falta de diretrizes claras inibe investimentos, impede o crescimento e perpetua a instabilidade.
A especulação surge, então, nesse cenário de indefinição. Ela também emerge quando agentes econômicos tentam afastar-se das balizas consensuais que sustentam o mercado, buscando objetivos inapropriados ou irrealistas. É como se, em um momento inadequado, tentassem alcançar metas que ultrapassam os acordos estabelecidos. Essa busca por vantagens especulativas ocorre porque os demais participantes do mercado reconhecem que tais pleitos estão fora das diretrizes previamente acordadas. Aqueles agentes fundamentais nos acordos políticos que agem de forma desarmônica estão cientes de que não enfrentarão as consequências diretas de suas ações e almejam algum tipo de retorno político. Nesse momento, cabe aos agentes privados, diluídos pelo mercado, atuarem especulativamente, como na venda a um preço fora do mercado aos agentes que embarcaram na retórica política. Essa compra de dólares em um momento de “rebeldia” pode, portanto, ter suas razões. Contudo, o lucro individual não é o verdadeiro vilão da situação, pois este sempre se manifestará em algum grau seja qual for o contexto.
Recentemente, o pronunciamento do Ministro da Economia, Fernando Haddad, no final de novembro de 2024, ilustrou a complexa inter-relação entre política e economia. Ele sugeriu a existência de duas facetas do governo: uma que adota os acordos estabelecidos e outra que flerta com bravatas em busca de retorno político. Esse discurso foi interpretado como uma abertura nas manobras políticas do governo, criando um terreno propício para estratégias de ganho financeiro rápido, o que, por sua vez, amplificou as incertezas e alimentou a especulação. Espera-se que a prudência prevaleça no mercado, mantendo os acordos estabelecidos enquanto se aguarda práticas especulativas. Assim, o nervosismo do mercado tenderá a se dissipar, sendo que a desvalorização do dólar seguirá dependendo, como sempre dependeu, da dinâmica básica de oferta e procura por divisas.
Em conclusão, a expressão “mercado nervoso” descreve momentos de incerteza e volatilidade que refletem as dificuldades enfrentadas pela economia em busca de estabilidade. Podemos identificar três cenários que caracterizam esse “nervosismo”:
a) Busca por um novo modelo : O embate entre forças antagônicas — aquelas que desejam mudança e aquelas que buscam manter o status quo — se equilibra em poder e influência. O nervosismo intensifica-se quanto mais prolongadas forem as disputas, gerando incertezas sobre o futuro.
b) Resiliência de grupos dominantes : Mesmo diante da oposição, grupos dominantes conseguem manter o controle e resistir à pressão por mudanças. Nesse caso, o nervosismo tende a ser passageiro e menos intenso, uma vez que a estabilidade — embora injusta — se mantém.
c) Consagração de um modelo em desequilíbrio : Um modelo econômico e político consagrado enfrenta um contexto de desequilíbrio significativo. Sua consolidação depende de regras legais; quando estão em discussão final, a prática de “jabutis” desperta preocupação, criando um breve período de turbulência. Neste cenário, o nervosismo é residual e de curta duração, marcando uma transição para um mercado mais tranquilo. No entanto, essa “calmaria” pode significar a consolidação de um modelo que aprofunda a desigualdade e perpetua a pobreza.
Analisar o “mercado nervoso” e suas origens é crucial para compreender as dinâmicas econômicas e políticas do Brasil. Essa reflexão nos permite perceber que, muitas vezes, o problema não reside apenas nos “jabutis”, mas nos próprios acordos que, por sua natureza, distanciam-se de soluções efetivas para os graves problemas que aprisionam a sociedade na desigualdade e na pobreza. Assim, ao compreendermos as raízes do nervosismo do mercado, podemos trabalhar em direção a um futuro mais estável e justo, onde o desenvolvimento econômico seja realmente inclusivo e sustentável.
Dessa forma, a crença no mercado é também a crença em sua capacidade de se transformar e se adaptar, por meio do entendimento e da ação consciente de todos os envolvidos na sua dinâmica.
Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.
Email: 0171969@etfbsb.edu.br