Maxwell de Alencar Meneses

Falar sobre liberdade de expressão é sempre difícil, dada a profundidade do assunto. Portanto, nada melhor do que partir do que foi expresso por julgadores de cortes constitucionais ao redor do mundo a respeito do tema, porque, afinal de contas, é a pluralidade — efeito da mencionada liberdade — que sustenta a busca pela verdade. Para isso, utilizou-se, de modo fortuito, uma excelente pesquisa de jurisprudência internacional, obtida no site do STF (STF, 2021).

A referida pesquisa é parafraseada a seguir, estabelecendo um fio condutor para a reflexão aqui ensejada, que, como de costume, não reflete a opinião de nenhuma entidade em especial, nem mesmo do autor, sendo apenas um livre exercício de raciocínio crítico.

De início, na África do Sul, a Corte Constitucional afirmou em 2007 que a liberdade de expressão é central para a democracia, que a Constituição garante aos indivíduos a capacidade de ouvir, formar e expressar opiniões livremente, sendo essa liberdade crucial para a busca da verdade. Em 2013, a Corte complementou que o valor de permitir vozes dissidentes é fundamental em uma democracia constitucional, alertando que medidas restritivas não devem ser usadas para silenciar essas vozes.

Na Alemanha, em 1996, o Tribunal Constitucional precisou lidar com os limites dessa liberdade ao avaliar como uma pessoa poderia criticar uma organização de assistência ao suicídio. Na América, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2009, destacou que os Estados devem evitar interferências nos direitos daqueles que participam do discurso público, especialmente em contextos de polarização social, afirmando que a liberdade de expressão inclui o direito de buscar, receber e transmitir informações livremente.

Todavia, na França, em 2018, o Conselho Constitucional estabeleceu limites à liberdade de expressão para garantir eleições justas, justificando restrições sob o argumento de combater a manipulação da informação.

Em Israel, a Suprema Corte decidiu, em 2003, que a ofensa ou rudeza de uma manifestação não pode ser motivo para impedir sua proteção. A Corte foi clara ao afirmar que a verdade da expressão não é relevante e que permitir restrições com base nisso daria ao governo o poder de definir o que é verdade ou falso. Essa visão ressalta a defesa radical da liberdade de expressão, mesmo que inclua a disseminação de expressões falsas.

Por fim, na Turquia, em 1994, o Tribunal Constitucional afirmou que partidos políticos não podem promover atividades que ameacem a democracia e a paz social, como incitar rebeliões ou fomentar diferenças étnicas. Aqui, vemos mais uma vez a liberdade de expressão sendo subordinada à proteção do Estado e da unidade nacional. Da mesma forma, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em 1994, justificou a apreensão de um filme blasfemo como uma interferência legítima na liberdade de expressão, desde que prevista em lei e visando proteger os direitos dos cidadãos de não serem insultados.

É possível agora perceber melhor a dura e pouco desejável realidade prática do jogo de palavras contido no título deste artigo, que, rescrito da seguinte forma, demonstra o conteúdo encapsulado, de fato implícito sob uma espécie de sanfona: ora estendida, liberdade »apenas uma força« de expressão; ora contraída, liberdade »« de expressão, a depender do caso. Sendo assim, pode-se afirmar, pela lógica, que algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo. Portanto, de fato, não há liberdade de expressão; esse termo é apenas uma força de expressão, outra hype, uma hipérbole, a exemplo da descrita no último artigo, a respeito da inteligência artificial, como quando se diz que o azeite está pelos olhos da cara, por mais verdadeira que pareça tal afirmação para quem vai aos mercados.

Nota-se, fazendo uma primeira associação com ideias de concorrência, que os Estados, aqui e acolá, não resistem à tentação de criar regulações sobre o discurso e, assim, mal ou bem, criam barreiras de entrada para segmentos que concorrem entre si, a partir do mercado relevante das ideias, que são o insumo básico para outros mercados, como o editorial, jornalístico, educacional e seus desdobramentos em uma longa cadeia de valor. Desse modo, constituem-se os consensos fabricados, um tipo de monopólio de conclusões.

No dia a dia, ou melhor dizendo, de modo empírico, essa realidade é vivida há tempos. A experiência deste autor, que viveu sob vários regimes, remonta à época em que a simples menção dos nomes de antigos presidentes-generais na escola criava um clima tenso. O leitor pode, por si só, traçar paralelos com nomes atuais que provoquem sensação semelhante.

Na Escola Anglicana John F. Kennedy, em Belém-PA, havia um cemitério dentro da própria instituição, pois os missionários anglicanos não podiam ser enterrados em outro lugar. Regras são aprendidas desde a infância, como não perguntar a idade das professoras, evitar falar de religião, política e futebol. Os lugares de fala estão constantemente sendo estreitados; somente quem compartilha exatamente da condição analisada pode se pronunciar a respeito.

Portanto, por mais simplórios que sejam esses exemplos, eles deslindam a realidade fática de que ninguém é realmente livre para dizer o que pensa. O filtro é normalmente aplicado conforme o poder econômico ou político vigente. Nos anos 80 e 90, assistia-se a um programa infantil todas as noites de domingo, o famoso ‘Os Trapalhões’. As falas e o humor utilizados nesse programa são hoje veiculados após avisos legais que praticamente imploram desculpas pelas falas ali contidas. Ao mesmo tempo, em eventos de âmbito internacional, como nas recentes Olimpíadas de Paris, deboches considerados por alguns desrespeitosos à fé cristã são propagados livremente, enquanto conteúdos ditos culturais, de cunho erotizante, são expostos cada vez mais cedo para crianças, como parte, inclusive, de ações governamentais.

E a concorrência, o que tem com isso? Tudo, porque a concorrência está em toda parte. Basta lembrar do conceito de controle de concentrações como um modo de evitar nocivas concentrações de poder econômico, que seriam capazes de conferir aos seus possuidores o condão de influenciar, ao seu bel-prazer, a economia, a política e, por que não, os costumes, como Soros, Musk, Bezos, Gates, Batistas, Odebrechts ou, nos primórdios da criação do Direito Concorrencial no Brasil, Chateaubriand versus Agamenon.

Em fechamento, como um possível resultado da reflexão apresentada neste artigo, que percorreu de modo sucinto decisões de cortes supremas ao redor do mundo e passou pela experiência pessoal do autor, é fundamental entender e ter plena consciência da real e prática possibilidade de se expressar, tanto na sociedade de hoje quanto na de ontem. O que pode ou não ser dito está, em grande parte, atrelado aos poderes dominantes, mais do que à ideia abstrata de liberdade. Nesse cenário, o papel do CADE se torna crucial, pois seu trabalho constante de evitar ou mitigar a formação de grupos econômicos capazes de ditar como devemos viver e nos expressar está diretamente ligado à preservação de uma concorrência saudável. Sem esse equilíbrio, corremos o risco de viver sob a influência de poucos, que controlam tanto o mercado quanto o discurso. Assim, a concorrência se revela não apenas como uma questão econômica, mas como um mecanismo essencial para a manutenção da liberdade de expressão em sua forma mais autêntica.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DEFESA DA DEMOCRACIA. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaInternacional/anexo/PJI22021LiberdadedeExpressoeDefesadaDemocracia.pdf#:~:text=%E2%80%9CA%20liberdade%20de%20express%C3%A3o,%20a%20liberdade%20de%20reuni%C3%A3o>. Acesso em: 30 set. 2024.


Maxwell de Alencar Meneses, cearense radicado em Brasília há 35 anos, é Cientista da Computação, MBA Especialista em Gestão de Projetos, Especialista em Defesa da Concorrência e Direito Econômico, atua no Cade na análise de Atos de Concentração e anteriormente no Projeto Cérebro, na área de Cartéis.  Participou e acompanhou por 30 anos a concorrência no mercado de inovação e tecnologia no âmbito do Governo Federal e em organizações líderes de mercado, como Fundação Instituto de Administração, Xerox do Brasil, Computer Associates, Bentley Systems e Vivo.


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