Marco Aurélio Bittencourt

Antes de tudo, é necessário definir o que são juros altos e como os juros nominais são estimados pelos agentes econômicos. Apelo para a equação de Fisher: taxa de juros nominal = taxa de juros real + inflação esperada,  . Você pode olhar essa equação da seguinte forma: você tem 100 reais hoje e sabe que pode comprar 10 pães. Aí você empresta esses 10 pães, ou se estiver no mundo nominal, a uma taxa de juros nominal, , por 5% ao período (qualquer período, mas temos que escolher um para que taxa e período sejam compatíveis. Escolho ano). Espero ganhar ½ pão ou 5 reais de juros mais o capital que investi. O que pode atrapalhar minha conta? A inflação esperada,  . Eu tenho que chutar uma . Chuto zero, porque a coisa no Brasil está preta, ou seja, não espero crescimento e assim todo mundo tem problema, inclusive os empresários que não se arriscam a aumentar o preço (o engraçado é que estamos vendo as embalagens dos produtos encolherem ou pesarem menos. Gosto do Chicabom. Hoje pago o mesmo preço, mas o picolé é a metade). Então a minha taxa de juros nominais,  coincide com a taxa de juros de real, . O que isso significa? Que posso voltar ao mercado e comprar meus dez pães e mais meio pão; o que era o que esperava. Foi o quanto quis ganhar por emprestar meus 100 reais.

Mas onde está o problema? Está na expectativa da inflação. Se o preço do pão mudar (para cima, inflação e para baixo, deflação) posso perder. Suponha que a inflação seja de 6%. Como ganhei 5 reais, tenho em caixa 105 reais. Mas vou agora comprar o pão por (1+0,06) *10= 10,6. Quantos pães agora posso comprar? Posso comprar 9,90 pães (105/10,6). O que aconteceu? Eu errei na previsão da inflação. Eu chutei que era zero, mas foi de 6%. Fiquei mais pobre, porque agora, além de retardar meu consumo, tenho uma quantidade de pães menor do que tinha antes de emprestar minha grana. Em termos de fórmulas: a minha taxa de juros nominal tem que corresponder a uma taxa de juros real mais uma expectativa de inflação. Se eu tivesse acertado, teria cobrado acertadamente  Teria um ganho bruto de (1+0,11) *100=111 e assim poderia comprar 111/10,6 = 10,47 pães. (não dá exatamente 5 pães a mais, por conta de aproximações que fiz com a fórmula).

Quais as implicações da nossa brincadeira. Primeiro, a taxa de juros real eu chutei. Vale lembrar que é uma variável não observável, mas pode ser inferida com pouca precisão, é certo. Por que pode ser aferida? Por conta da arbitragem planetária. Se alguém ganha acima do que os demais estão ganhando, há uma corrida em direção ao mercado lucrativo, fazendo com que a arbitragem produza seu efeito: os ganhos seriam iguais e assim uma taxa de juros real ficaria de fato inabalada. A razão da corrida? Chame do que você quiser. De inveja, de cobiça, seja lá o que você quiser chamar, mas a razão econômica é simples: se deixar passar a oportunidade, sou engolido pelo sistema capitalista. Então se alguém ganha acima dos demais, a turma vai ao mercado ganhador e investe aos montes até que a rentabilidade extra desapareça e a taxa de juros reais prevaleça em todos os negócios. Essa taxa de juros real pode ser mascarada por outra razão. A nossa segunda observação. Se há incerteza na economia, a taxa de juros real pode ser encoberta por esse fenômeno, de tal forma que tenho que calibrar mais minha taxa de juros nominal, supondo que as expectativas inflacionarias sejam conhecidas e dadas. Então se soma a incerteza à inflação esperada.

No caso do Brasil, nossas taxas de juros nominais são altas por conta da expectativa inflacionaria que é ajustada pelo Banco Central pelo cenário econômico no visor de sua tela prospectiva. Então, calibra-se a taxa de juros básica, na crença de que se ajustando essa taxa, as demais caminhariam em linha, com a esperança de que o deslocamento de todo o feixe de juros seja coerente com a taxa básica. Como provavelmente a calibração não está correta, a taxa de juros real da fórmula de Fisher é estimada de forma exagerada. O que faz a turma de empresários que precisam investir no seu próprio negócio? Vão comparar o que ganham investindo no seu negócio (a taxa de juros real que eles conhecem que está abaixo da que o Banco Central faz a turma crer que seja a verdadeira) com o ganho investindo no mercado financeiro. Se seu negócio é menos atrativo do que o financeiro, retardam o investimento no seu negócio. Como podem fazer isso? Usando as máquinas e os seus equipamentos por um tempo maior do que outra forma o fariam. Mas certamente seus custos vão aumentar e perderão competitividade. Como resolvem o problema? Alguém tem que ajudar essa turma tupiniquim, para não serem engolidos pela arbitragem planetária. Se ficam por muito tempo no mercado financeiro, de duas uma: ou os juros sobem mais ainda para compensar seus custos elevados ou alguma proteção explicita do governo está a postos (Estado, se a proteção é duradoura, ou seja, a proteção estaria incorporada ao modelo). A redução de custos vai ocorrer de forma exógena ao negócio – por redução salarial, modificação no câmbio, incentivo fiscal, etc. A consequência disso pode ser uma armadilha da qual não conseguimos nos libertar. Esse padrão é autofágico e em algum momento ele terá que ser corrigido e, pelo rastro histórico, continuará tudo como dantes, mas piorando para a turma do andar debaixo cada vez mais. Contudo, fácil ver a saída econômica. Só que o problema é político! Está tudo bem para os de sempre, não importa quem pague a conta.


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.


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