Cristina Ribas Vargas
O debate sobre os determinantes da taxa de juros continua instigando os economistas modernos. Embora no passado o debate entre Keynes e os economistas clássicos tenha sido considerado esgotado por Hicks, ao afirmar que a taxa de juros era determinada pela oferta e demanda tanto no mercado de moeda quanto no mercado de fundos emprestáveis, a discussão ainda apresentava outros enfoques a serem considerados. A discussão entre Keynes e os clássicos ia além da delimitação dos mercados no qual a taxa era determinada: se no mercado monetário para transações imediatas, ou no mercado financeiro, com vistas a ganhos excedentes futuros. Não se tratava apenas de considerar a mudança do locus de mercado em análise, isto é, se no mercado de transações monetárias imediatas intermediadas por moeda, ou no mercado de aplicações financeiras. O ponto chave da discussão era compreender como a relação entre a produtividade do capital e a propensão a poupar incidiam sobre a taxa de juros. Para os clássicos a determinação da taxa era direta, na medida em que a produtividade do capital e a propensão à poupar determinariam os níveis de investimento e poupança, estabelecendo a taxa de juros de equilíbrio. No entanto, na versão keynesiana, a determinação da taxa de juros seria estabelecida indiretamente pela produtividade do capital e pela propensão a poupar. Neste caso, seriam os níveis de renda e emprego estabelecidos a partir da produtividade do capital e propensão à poupar pré-existentes que determinariam o volume de moeda necessário para as transações econômicas.
A escola pós-keynesiana deu continuidade ao debate, e apresentou novo enfoque acerca da determinação da taxa de juros: Paul Davidson e Jan Kregel buscavam responder se elevações na propensão à poupar induziam a aumentos no nível de investimento. Os autores concluíram que, em geral, a propensão a poupar não teria influência significativa sobre a determinação da taxa de juros. Além disso, o debate ampliou a possibilidade de identificar mais de uma taxa de juros vigorando na economia, e distinguiram a taxa entre taxa de juros de longo prazo e de curto prazo. Neste caso, a influência da propensão à poupar sobre as diferentes taxas produziria resultados diversos. Considerando que a elevação da propensão a poupar poderia incentivar o aumento do nível de investimento e a consequente redução da taxa de juros no longo prazo, dada a relação indireta entre propensão à poupar e taxa de juros, cabe destacar que P. Davidson e J.Kregel argumentam que se o período de investimento for igual aquele em que ocorre o efeito multiplicador da renda, torna-se possível gerar poupança suficiente para liquidar todo empréstimo contraído para financiar o investimento inicial. A esse respeito (Oreiro, 2000:290) destaca:
“Asimakopulos defendeu a tese de que um aumento da propensão a poupar poderia estimular o investimento ao reduzir a taxa de juros de longo prazo. Isso porque um aumento da propensão a poupar facilitaria as operações de funding das dívidas de curto prazo das empresas em obrigações de longo prazo. Davidson e Kregel, por outro lado, argumentaram que as conclusões de Asimakopulos só seriam corretas em condições muito específicas e que, em geral, a propensão a poupar não teria nenhuma influência sobre a estrutura a termo das taxas de juros.”
Desta forma, o debate teórico formulado pelas escolas clássica, keynesiana e pós-keynesiana demonstraram que a determinação da taxa de juros não é tema trivial e esgotado em si mesmo. A continuidade do debate representa a oportunidade para aprofundarmos o estudo sobre a relação entre a taxa de juros e a evolução da inadimplência.
A análise concorrencial por vezes depara-se com o argumento de que não é possível reduzir a taxa de juros cobrada ao consumidor em função do elevado coeficiente de inadimplência vigente no mercado. O gráfico abaixo mostra a evolução da inadimplência para cinco modalidades de recursos de concessão de crédito: Home equity, SFH, Livre, FGTS e Comercial. A inadimplência corresponde ao percentual de operações com ao menos uma parcela vencida acima de 90 dias.
Evolução da inadimplência entre maio de 2014 e maio de 2024.
Fonte: Sistema de Informações de Créditos (SCR)/BCB.
No gráfico a seguir observamos a evolução da taxa SELIC (% a.a.) entre 2014 e 2024. É possível observar comparando os gráficos que embora exista uma tendência de queda no percentual de inadimplência entre maio/2021 e maio/2024, não se observa o mesmo movimento evolutivo no gráfico da evolução da SELIC para o mesmo período.
Evolução da taxa de juros SELIC entre maio de 2014 e maio de 2024.
Fonte: IPEADATA/BCB.
Neste caso, importa observar para a análise concorrencial, que outros fatores além da inadimplência contribuem para a determinação da taxa básica de juros, e que por si só não se pode considera-la como justificativa para restrição da concorrência entre taxas de juros praticadas no mercado por instituições financeiras. Além disso, modelos de determinação da inadimplência que considerem a evolução do efeito multiplicador da renda na determinação da taxa de juros podem ensejar um novo olhar sobre a relação de causalidade entre inadimplência e taxa de juros: enquanto o crescimento da renda facilita a quitação de financiamentos, contribui para a redução da taxa de juros e da própria inadimplência. Assim, é importante ressaltar que a inadimplência apresentada como única justificativa para tendência de rigidez à alta da taxa de juros, pode não ser argumento suficientemente forte para explicar a impossibilidade da redução dos juros praticados no mercado, a depender da conjuntura vigente.
Referências
Banco Central do Brasil – BCB, Efeito da inadimplência nas taxas de juros Estudo Especial nº 12/2018 – Divulgado originalmente como boxe do Relatório de Economia Bancária (2017) – volume 1 | nº 1
Disponível em: https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/Efeito_inadimplencia_taxas_juros.pdf
OREIRO, José Luís. O Debate entre Keynes e os “Clássicos” sobre os Determinantes da Taxa de Juros: Uma Grande Perda de Tempo?, in Revista de Economia Política, vol. 20, nº 2 (78), pp. 287-311, abril-junho/2000
Disponível em https://www.scielo.br/j/rep/a/fG7jTvBP9GntNktVSF3fP8m/
Banco Central do Brasil – BCB, Estatísticas.Detalhamento gráfico, inadimplência.
Disponível em:
IPEADATA. Taxa de juros – Selic – fixada pelo Comitê de Política Monetária (Copom).
Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx