Carolina Mendonça Guimaraes de Alencar Meneses

Em 1648, foi firmado o Tratado de Westphalia que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, um conflito travado entre nações europeias, sobretudo por razões religiosas, o qual é frequentemente apontado como o marco zero do sistema internacional moderno, baseando-se na soberania estatal e na não intervenção nos assuntos internos dos estados. Segundo Mazzuoli (2023, p. 46), a Paz de Westphalia foi um “divisor de águas” que permitiu o desprendimento de regras fundamentais que passaram a presidir as relações entre os Estados europeus, reconhecendo princípios e normas que, teoricamente, definem as relações internacionais até os dias de hoje. Entretanto, o conflito atual entre Israel e Palestina revela a complexa interação e contradição desses princípios estabelecidos pelo Tratado de Westphalia com as dinâmicas de reivindicações territoriais e intervenções
externas que hoje são observadas não só na “Terra Santa” como também
em todo o Oriente Médio.

Veja-se que, influenciado pelo Tratado de Westphalia, o conceito de soberania estatal implica que cada estado tem autoridade exclusiva sobre seu território e as pessoas nele, sendo uma das características que compõe o Estado Moderno. Para Mazzuoli (2023, p. 46 apud Brierly, 1954, p. 7-8):

 

Esse tipo de Estado, desenvolvido a partir da reforma protestante e dos tratados de Westfália, deu origem à chamada doutrina da soberania (que já contava com sua formulação teórica desde 1576, no De Republica de Jean Bodin), segundo a qual a força capaz de agregar seres humanos em um dado território é a unidade do poder (summa potestas), sem a qual o Estado seria – na expressão de Bodin – como um “barco sem quilha”.

 

No contexto do conflito Israel-Palestina, ambos os lados reivindicam o direito à soberania sobre determinados territórios. Israel, estabelecido como um estado soberano em 1948, controla terras que os palestinos reivindicam para a formação de seu próprio Estado.

Assim, nota-se que a soberania estatal, nascida da Paz de Westphalia, se relaciona com as reivindicações territoriais de Israel e Palestina na medida em que trata-se de um dos objetos de disputa entre as duas nações frente às realidades de reivindicações nacionais e identitárias conflitantes. Paralelamente, entende-se que o conflito não se limita apenas às nações mencionadas. Segundo Seitenfus:

 

O discurso que defende o paradigma da soberania, inspirado nos primórdios de Vestefália, apresenta grande atualidade nos países do Sul. As pressões exercidas pelo exterior são apresentadas como neocoloniais, desrespeitosas do domínio reservado e da independência dos Estados.

 

Apesar do autor referir-se de forma ampla aos ditos “países do Sul” de forma análoga pode ser aplicado aos conflitos do Oriente que de forma reiterada e contínua, vem sendo influenciados por atores externos à sua política e cultura. A interferência de atores externos no conflito Israel-Palestina contradiz diretamente o princípio de não intervenção estabelecido pelo Tratado de Westphalia. Diversos países e organizações internacionais tê tomado partido, fornecendo apoio político, econômico e, em alguns casos, militar para Israel ou à Palestina. Um exemplo disso é o próprio Irã que tem apoiado de forma militar os ataques contra Israel. O Dr. Amit Chamoli (2024, p. 781) aponta que:


O Irã está apoiando completamente o Hamas, a prova disso é que comemorações foram feitas no Irã depois dos ataques realizados pelo Hamas. O apoio total do Irã ao Hamas tem aumentado a força do Hamas, fazendo-o capaz de atacar Israel. (…) O Irã tem providenciado suporte militar assim como assistência econômica para o Hamas no passado, para que em tempos de guerra, não haja falta. (…) Junto com o Irã, o Líbano (…) e muitos países mulçulmanos são vistos se unindo.

 

A intervenção tem inflamado o conflito, o que pode, a longo termo, dificultar esforços de paz e dificultar o descobrimento de soluçõe baseadas no respeito mútuo pela soberania e pela autodeterminação dos povos.

Sobre a retromencionada busca de soluções, entende-se que para que as hostilidades sejam cessadas é imperioso o reconhecimento internacional da soberania dos estados em conflito. Para isso, os esforços diplomáticos têm sido essenciais para legitimar suas reivindicações à luz dos princípios do Tratado de Westphalia. Israel já alcançou amplo reconhecimento internacional, embora sua soberania sobre certos territórios ainda seja contestada. A Palestina, por outro lado, em busca do reconhecimento como estado
tem encontrado sucesso variado. A princípio, assim como aconteceu em Westphalia, a paz entre Israel e Palestina não nascerá em uma única reunião entre os representantes das partes, mas por uma profunda compreensão da necessidade de paz e de cessões de ambos os lados.

Dessa forma, chega-se à conclusão que o Tratado de Westphalia até hoje influencia o mundo, e os conflitos entre Israel e Palestina ilustram os desafios de aplicar princípios do Tratado em um mundo que mudou drasticamente desde 1648. As realidades de reivindicações territoriais sobrepostas, intervenções de atores externos e a luta pelo reconhecimento internacional, revelam as tensões entre a teoria da soberania estatal e as práticas internacionais contemporâneas.

Mesmo assim, nota-se que a paz e o período de reconstrução da Europa que seguiram o fim da Guerra dos Trinta Anos foi marcada pelos dizeres declarados nos tratados: “paz e a amizade cristã, universal, perpétua, verdadeira e sincera”. Da mesma forma, os conflitos sobre a soberania de territórios no Oriente Médio por Israel e Palestina não durarão para sempre e a necessidade de paz, reconstrução de vidas, laços e pontes se fará necessária. Nestes termos, espera-se que o maior efeito dos Tratados de Westphalia não seja no atual conflito entre as nações do Oriente, mas sim em sua futura conciliação. Para que a paz e a amizade entre israelenses e palestinos seja igualmente, universal, perpétua, verdadeira e sincera.


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