Editorial
Hoje o Senado Federal votará a PEC 45/2023 que [a]ltera o art. 5º da Constituição Federal para prever como mandado de criminalização a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
A discussão nas duas Casas Legislativas do Congresso é permeada por argumentos jurídicos e de política pública, mas pouco ou quase nada por argumentos de natureza econômica.
A droga é um bem e, como tal, é precificada e possui demanda e oferta. As características destas duas curvas foram há muito tempo apresentadas pela teoria econômica, dentre as quais as mais relevantes são a de que a curva de oferta é determinada pelo produtor e a curva de demanda é determinada pelo consumidor.
O que significa a curva de oferta ser definida pelo produtor e o que significa a curva de demanda ser definida pelo consumidor?
De uma forma simplificada, sempre que o preço do produto aumenta o produtor tem incentivo em ampliar a produção e o consumidor tem incentivo em adquirir uma quantidade menor e vice-versa. Essas simples características geraram o clássico e conhecido gráfico de oferta e demanda em que o ponto A é o ponto de equilíbrio entre demanda e oferta.
Assim também acontece com a droga: preços mais elevados ampliam a quantidade oferta e reduzem a quantidade demandada e vice-versa. A única observação a se fazer neste mercado é que o usuário de drogas é menos sensível a aumento de preços, o que significa dizer que o aumento de 1% no preço resulta em uma diminuição menor que 1% na quantidade demandada.
Como a criminalização do porte de drogas afeta o equilíbrio A da figura?
Bem, a política prevista na PEC 45/2023 é uma política que atua diretamente sobre o consumidor e que visa reprimir a demanda por drogas e a crença. Nesse caso, o que se tem no curto prazo é o deslocamento da curva de demanda para a esquerda e o novo ponto de equilíbrio passa a ser o ponto B, situação em que tanto a quantidade demandada quanto o preço da droga foram reduzidos.
Seria uma solução genial se a oferta de drogas não fosse afetada pela política. Vejamos como!!
É uma ilusão pensar que somente o consumidor carrega pequenas quantidades de drogas. O traficante que faz o transporte da droga no asfalto da cidade também o faz em pequenas quantidades e não é incomum confundir o traficante como consumidor. Aliás este é um dos argumentos para a criminalização de porte de pequenas quantidades.
Logo, a política de criminalização do porte de pequenas quantidades atinge não só a demanda, mas também a oferta, o que faz com que a referida política se torne um instrumento de repressão aos traficantes.
A repressão ao traficante acaba por promover a redução da oferta da droga no asfalto (deslocamento do ponto de equilíbrio B para o ponto C) e a consequência imediata é a elevação do preço da droga. Dependendo das elasticidades-preço da demanda e preço da oferta a política de criminalização do porte pode ampliar os lucros do traficante ao invés de diminuí-los.
Considerando que o tráfico de drogas utiliza o expediente da violência e que o viciado em drogas é pouco sensível a elevação nos preços, o que se espera de uma política destas é a elevação do preço a níveis compatíveis com a redução do consumo gerado pela política e o consequente aumento da violência, uma vez que métodos fora do asfalto serão desenvolvidos para a entrega da droga.
O que precisa ficar claro para as autoridades é que a oferta e demanda se retroalimentam em qualquer mercado. Neste sentido, medidas direcionadas a qualquer uma delas tem, inexoravelmente, efeitos sobre a outra. No caso em comento, ao restringir a demanda o Estado também está a restringir a oferta e as consequências são a potencialização do mercado de drogas e da violência.
Portanto, restringir a demanda por drogas por meio da proposta de criminalização da posse e do porte de drogas é repetir as velhas e fracassadas políticas de combate as drogas de outrora.
A PEC 45/2023 nada mais é do que “chover no molhado”!!!