Fabio Luiz Gomes

1.Signo Linguístico

O significado das palavras é um fato linguístico[1], ou seja, um fato semiótico, dessa forma não há significado sem signo, portanto, o signo é pressuposto de algum significado.

O significado de um signo não é mais que sua tradução para outro signo que lhe pode ser substituída e o torne inteligível.

 Segundo Santo Agostinho: “…que o nome significa a si mesmo junto com os outros nomes que significa..”[2], e conclui:

“Chegamos, portanto, àqueles sinais que significam a si mesmos e, com inteira reciprocidade, um significa o outro, ou seja, os seus significados reciprocamente se significam, de forma que o que este significa também aquele significa e vice-versa, diferenciando-se entre si apenas pelo som…”

Esse signo representa uma proposição de uma situação possível, uma representação de um pensamento, uma relação projetiva com o mundo.[3] Assim, essa proposição é articulada, exprimem fatos, uma expressão[4], deve estabelecer de forma lógica a realidade.

Observa-se que a semiótica estabelece o estudo de teias de significados,  uma análise profunda da compreensão de diversos fenômenos comunicativos e das diversas formas de linguagem.

Portanto, a semiótica serve de orientação científica ao estudar a noção de signo, análise das relações sociais, tipos de discurso (epistemologia, antropologia etc), poética, estética nas artes, imagens naturais ou imaginárias.

Quando o destinatário do signo for um ser humano vai solicitar uma atividade interpretativa deste.[5]

Todo esse processo exige a existência de um código, consistindo o mesmo em um sistema de significação[6], neste sentido estabelece-se um nexo de causalidade entre o que representa e o representado.

A comunicação entre seres humanos, seja biológica ou artificial sempre terá como pressuposto uma significação própria pré-determinada, portanto, os signos como marco de uma vida social.

Uma investigação crítica dos processos de criação dos signos e seus significados estabelecem o elemento constitutivo nuclear da criação humana no mundo, atribuindo dinamismo a estruturar as experiências humanas e interação destes com o seu ambiente em cadeias neurais subjacentes entre si, ou em processo criativo transcendente.

Esse processo de transformação e interação comunicativa se rearticula constantemente a percepção conceitual do discurso, da ética, da ideologia, o humano ou não humano, o natural ou criado pelo homem.

Desde as formas mais rudimentares da relação do homem com o objeto e do homem com o homem, a formação dos signos somente se desenvolveu na medida em que essa interação foi transmitida para si mesmo ou compartilhada com os outros.

Um aperfeiçoamento progressivo dos signos, se preservada toda cadeia,  expansivo e sujeito a outros significados na medida em que essa cadeia cria outros braços, seja interno (dentro de si mesmo) ou compartilhado com outras pessoas.

O corte histórico no desenvolvimento humano expõe isso: a idade da pedra lascada, essa pedra poderia ser usada como meio de abrir frutos, ou cortar carnes, ou mesmo como arma, mas esse conhecimento fora transmitido e assim foi se desenvolvendo uma cultura.

Destarte, poderíamos analisar a descoberta do fogo, a idade do bronze, ou mais recentemente as descobertas espaciais.

Os conhecimentos de significados vão se agregando e esquadrinhado suas associações e composições racionais.

Obviamente não poderia se dissociar a forma com que se desenvolveu essa cultura dos fatores externos, como o clima, a geografia etc.[7]

As relações do homem-ambiente compõe comportamentos e aprimoramentos de signos decorrentes dessa interação, p. ex., noção do que seja frio ou calor de acordo com o lugar em análise.

Uma vez extraído o objeto, este deve ser analisado tanto no nível social, mas também no nível funcional, desempenhando uma função significante.[8]

Vale também constatar que o estudo da semiótica poderá esbarrar no princípio da indeterminação, afinal, estabelecer significados e comunicar-se são funções sociais, contudo, o enfoque semiótico do intérprete de estabelecer o limite, isto é, focar no que a situação permite, portanto, a busca investigativa de ser uma interpretação crítica daquele objeto.

Observa-se, portanto, que a amplitude da comunicação busca intrinsecamente sua base em um sistema de significação.

2. Semiótica e as normas jurídicas

Numa interpretação semiótica[9] deve ser levada em consideração a figura do leitor por constituir a busca da “intentio operis”, isto é, daquele destinatário da norma.

As normas jurídicas estabelecem padrões de comportamento atribuindo-lhes valor, onde esses comportamentos são qualificados como obrigatórios ou permitidos. Dessa forma, aos destinatários da norma são exigidos observância, pois a linguagem inclui-se entre as instituições humanas resultantes da vida em sociedade.

Observa-se, portanto, que os sistemas jurídicos utilizam uma linguagem constitutiva ou mesmo declaratória comportamental.

Além disso, esses comportamentos intersubjetivos estabelecidos nessas normas aqui consideradas não podem prescindir da ética nem da moral.[10]

Neste sentido, os estudos da semiótica estabelecida em normas jurídicas permitem a adequação dessas normas ao princípio da confiança para os destinatários desta norma jurídica.

3. Semiótica dos conceitos jurídicos, direito comparado e a dignidade da pessoa humana

Os conceitos estabelecidos em normas jurídicas devem ter como fundamento o princípio da adequação à realidade[11] – o caráter dimensional dessa norma, e, ainda, estar de acordo (familiarizado) com a sociedade a que se destina.

Dessa forma, a interpretação de qualquer norma jurídica encontra muitas dificuldades na definição dos conceitos jurídicos.

Agrava-se a situação se considerarmos que o intérprete produz decisões individuais.

Os conceitos de signo utilizados pelo direito privado podem servir como diretriz de aproximação das normas jurídicas, pois além da tradição – origem romana, estar-se-ia mais próximo da realidade do intérprete e, portanto, mais adequado.

Esses conceitos podem ser, portanto, um ponto de partida de um interprete que pretenda analisar sistemas jurídicos.

Afinal, se assim não o fizer, as variáveis restariam indetermináveis quanto mais distantes daquele a quem se destina essa norma, isto é, o receptor dessa norma.

Por essa razão, o interprete deve estabelecer um limite cognitivo interpretativo, com isso esse parâmetro fixaria um campo de gravitacional que permitiria a interpretação racional.

Os conceitos jurídicos, sejam eles mais abstratos ou concretos, devem ser fixados o nexo causal entre a emissão e a recepção, de modo a identificar na cartela de significados qual a interpretação deve ser utilizada.

Ressaltando que o trabalho do intérprete torna-se quanto mais difícil se a norma for mais abstrata, portanto, os fatores externos a própria norma irá permitir a sua interpretação, isto é, as delimitações sociais (cultural, religiosa, política etc).

Nos países ocidentais, a cultura espelhada pelo Império Romano veio a consolidar diversos conceitos consubstanciados no direito privado, esses conceitos formaram signos perfeitamente inteligíveis pelo receptor da norma, p. ex., contratos de compra e venda.

Esses conceitos muitas vezes chegam a integrar o plano constitucional, que por vezes fala em propriedade, liberdade etc.

Portanto, se os signos em análise fizerem parte de Estados ocidentais esses conceitos herdados do Império Romano acabam por permitir um estudo com maior precisão.

Contudo, ainda que se considerem diversos princípios universais, a mesma norma poderá espelhar perspectivas com maior ou menor amplitude, dependendo dos fatores externos às normas, os signos possuíram significados diferentes.

Diante disso, o direito internacional poderá exercer um papel primordial no desenvolvimento humano, na medida em que puder aproximar esses conceitos entre os povos, e, na medida do possível aproximar ou harmonizar.

 Lembrando que por mais próximos que estejam, os aspectos culturais sempre influenciarão na forma que se interpretam as normas, por conseguinte os signos.

Portanto, o estudo dos conceitos jurídicos entre os povos envolve sempre o direito comparado e a interpretação semiótica torna-se um elemento essencial para uma comparação mais precisa.

Observa-se que uma comparação meramente formal das normas entre os povos perde o elemento essencial substantivo que subjaz qualquer comparação.

O resultado interpretativo semiológico pode servir de substância primordial para uma maior precisão normativa.

Dentro dessa perspectiva, as normas jurídicas devem buscar com justificativa e fundamento o próprio homem como resultado indissociável de formatação do conhecimento jurídico.

Portanto, a integração entre os povos deve ser através de normas jurídicas que tangenciam fronteiras, que não seja somente através de uma realidade formal, mas antes voltado para o ser humano destinatário daquelas normas.

Deve-se retirar qualquer véu interpretativo dos conceitos jurídicos, não excluindo a tradição, mas revisitando a possibilidade de mudança de paradigmas, os horizontes cognitivos não devem excluir o sol, mas antes buscar nessa linha descobertas, que possam significar conquistas ao ser humano.

O compromisso histórico compõe um componente primordial para a compreensão daquele signo, portanto, o significante e significado busca inicialmente como foi desenvolvido determinado conceito jurídico, seja por uma tradição no direito romano, ou anglo-saxónica, ou mesmo em países com tradições orientais.

Observa-se que o diálogo conceitual entre os povos acerca de determinada norma jurídica deve lançar um olhar que permita a dogmática jurídica estar preparada para os desafios do século XXI.

A interdisciplinaridade também compõe uma marca interpretativa da semiótica, contudo o caminho para o resultado pode ser reforçado com outros elementos científicos, mas o seu delineamento deve ser a dignidade da pessoa humana, dessa forma não seria o signo somente um elemento de apoio científico, mas o protagonista para o resultado humano normativo.

Dessa forma, a semiótica transcende um significado formal normativo, mas acrescenta a compreensão de mundo, tanto no ambiente natural, como também, o ser humano na sua vida social e de que forma subjetiva se desenvolveram essas normas em análise comparativa, de tal maneira que os direitos humanos possam ser o discurso legislativo a ser seguido.

O aspecto humano do direito torna o interprete mais autoconsciente dessa delimitação, envolve, portanto, não só a cultura formativa do direito, mas um liame entre a norma e o homem, verdadeiro titular desse direito, com essa função integrativa cognitiva.

A humanização do direito permite que seja ultrapassado o conteúdo vernacular da norma, mas também impõe limites à interdisciplinaridade que desconsidere o ser humano com titular desse direito, portanto, se estabelece o verdadeiro significado normativo.

Portanto, a superação do positivismo, que não esteja enraizada a insegurança jurídica, deve conceber o mundo cosmopolita com uma visão humana do direito e a entre comparação do direito, o melhor aproveitamento exige uma visão conscienciosa humana do acúmulo do conhecimento entre os povos e o melhor aproveitamento em benefício de todos.

Com essa compreensão humana do direito, os processos globais de integração entre as pessoas permitirá o desenvolvimento e a aproximação conceitual dos limites do significado jurídico, a identidade de desafios comuns entre os povos, portanto, a construção de elementos de conexão comuns como grande desafio delimitador das fronteiras dialogais com os conhecimentos normativos produzidos pelo homem.


[1] Termo utilizado por Roman Jakobson, Linguística e Comunicação.  Cultrix, São Paulo, 1970, p. 63.

[2] Santo Agostinho. “De Magistro”. RM, 11, 4ª Edição, pp. 305 e ss.

[3] Cf. Ludwig Wittgenstein.  Tractatus Lógico-Philosophicus. Biblioteca Universitária – Série – Filosofia, Vl. 10. Tradução e Apresentação de José Arthur Giannotti. Companhia Editora Nacional – Editora da Universidade de São Paulo: São Paulo, 1961, p. 62.

[4] Wittgenstein esclarece:“A expressão é tudo que, sendo essencial para o sentido da proposição podem ter em comum entre si.” Tractatus…, p. 65.

[5] Vide Umberto Eco, Los limites de La Interpretación…., pp. 24/25.

[6] Cf. Umberto Eco, Los limites de La Interpretación…, p. 25.

[7] A cultura não é só comunicação e significação, mas em uma análise mais ampla poderia entendê-la melhor através da semiótica.

[8] Cf. Umberto Eco. Los limites de La Interpretación….p. 52.

[9] Umberto Eco distingue a interpretação semântica ou semiósica e interpretação semiótica:

“La interpretación semântica o semiósicaeselresutadodel processo por elcual destinatário, ante lamanifesción lineal del texto, lallena de significado.  La interpretacióncrítica o simiótica es, en cambio, aquella por la que se intenta explicar por quérazonesestructuralesel texto puedeproducir essas (u otras, alternativas) interpretaciones semânticas.”

Los limites de laInterpretacion. Umberto Eco. GruppoEditorialeFalbi, Bompiciani: Milán, 1990.

[10] TIPKE, Klaus. Moral. Mora Tributaria del Estado y de loscontribuyentes (BesteuerungsmoralundSteuermoral).  Tradução Pedro M. Herrera Molina.  Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S. A.: Madri e Barcelona: 2002, pp. 25 e ss.

[11] TIPKE, Klaus.  Moral Tributaria do Estado….., p. 30.


Fabio Luiz Gomes. Doutor em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca. Mestre em  Ciências Jurídica-Comparatísticas pela Faculdade de Direito pela Universidade de Coimbra.

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