César Mattos
Foi lançada no Brasil pelo Governo Federal mais uma estratégia de política industrial, a “Nova Indústria Brasil” (NIB), que é a quinta deste século. A NIB contém elementos de política ambiental e até de simplificação de ambiente de negócios, dentre outros, que são positivos para os novos desafios do desenvolvimento e já vinham sendo desenvolvidos nos governos Temer e Bolsonaro. No entanto, a NIB também retoma/reforça instrumentos mais antigos de política industrial meramente protecionista, com relação negativa com a produtividade.
Neste breve artigo, apenas vamos contrapor um argumento utilizado numa lista de “fakes e fatos”[1] do próprio governo federal, trazendo o que seria um artigo bem recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) para validar a estratégia da NIB. Conforme o Governo Federal “os mecanismos de compras públicas, margem de preferência e conteúdo local são importantes indutores do desenvolvimento industrial e são largamente utilizados em todo o mundo, em todas as políticas industriais. Um relatório recente (publicado agora em janeiro de 2024) do FMI mostra justamente isso: a volta das políticas industriais com fortes incentivos dos países, entre eles o mecanismo de compras públicas” (grifos nossos).
Na verdade, Evenett, Jakubik, Martin e Ruta (2024)[2] lançaram neste janeiro um banco de dados do que seria um “observatório das novas políticas industriais” (NIPO – New Industrial Policy Observatory), documentando “os padrões emergentes de intervenção de políticas durante 2023 associados ao retorno das políticas industriais”. Conforme o abstract deste artigo: “Os dados mostram que a onda recente de atividade de política industrial está sendo implementada primariamente pelas economias avançadas, e que os subsídios constituem o instrumento mais empregado. Restrições de comércio nas importações e exportações são mais frequentemente utilizadas por economias em desenvolvimento e de mercados emergentes. A competitividade estratégica seria o motivo dominante dos governos para justificar estas medidas, mas outros objetivos como mudança climática, resiliência e segurança nacional também são utilizadas. .Em regressões exploratórias, achamos que as medidas implementadas são correlacionadas com o uso de medidas passadas por outros governos no mesmo setor, apontando para a natureza tit-for-tat da política industrial. Além disso, fatores de economia política doméstica e condições macroeconômicas se correlacionam com o uso das medidas de política industrial. Nós desejamos que o Novo Observatório de Política Industrial – (New Industrial Policy Observatory – NIPO) se torne um recurso disponível para o público para ajudar a monitorar a evolução e os efeitos das políticas industriais”.
Assim, primeiro, o objetivo do artigo do FMI NÃO é validar as novas políticas industriais, mas sim de identificar porque elas estão surgindo, sem discutir se elas são positivas ou negativas.
Segundo, SIM, conforme o texto do FMI é verdade que há uma onda de novas políticas industriais no mundo todo.
Mas, terceiro, NÃO, não se pode afirmar que o FMI confirmou que “são importantes indutores do desenvolvimento industrial”.
Quarto, o FMI constata que a principal motivação das novas políticas industriais é o “Tit-for Tat”[3] para políticas em outros países nos mesmos setores. Isto é uma forma elegante de afirmar que a razão real é se defender/retaliar das/as políticas protecionistas de outros países.
Quinto, os “fatores de economia política doméstica” seriam basicamente eleitorais, ou seja, mais uma forma também elegante de indicar motivação política de curto prazo e não estratégia de desenvolvimento de longo prazo.
Os autores afirmam, ao contrário da interpretação benigna do governo federal, que “a relevância de todos estes fatores sugere que os governos deveriam ter cuidado no uso de políticas industriais”. Em outras palavras, políticas industriais podem ser um tiro no pé, ainda que indique, como todo trabalho responsável deve fazer, que “trabalhos adicionais são necessários para avaliar o sucesso ou fracasso das políticas industriais cobertas em alcançar seus objetivos declarados, tanto econômicos como não econômicos, além das implicações macroeconômicas domésticas.” Isso inclusive chama a atenção para a necessidade da NIB ser sistematicamente avaliados para decidir por sua continuidade ou não.
De qualquer forma, o texto do FMI claramente levanta muito mais preocupações com os possíveis aspectos negativos dessas novas políticas industriais do que o oposto. Daí afirmam que o banco de dados criado por eles “poderia servir de base para medir distorções nos padrões de comércio, mudanças na alocação de recursos entre setores e implicações de natureza fiscal. Os impactos nos parceiros comerciais não são de menor interesse por trazerem distorções diretas à competição e ao equilíbrio geral de bem estar”.
Nessa mesma linha de apontar os impactos negativos das novas políticas industriais no mundo, o texto do FMI levanta a questão de “se as regras atuais de comércio multilateral e seus mecanismos de enforcement estariam adequadas para o desafio de conter os efeitos de transbordamento (spillovers) negativos destas políticas”. Aqui, o FMI sugere que os mecanismos existentes podem não ser suficientes para coibir este tipo de protecionismo, requerendo sua atualização dada a “proliferação deste novo estilo de política industrial”.
Ou seja, além das consequências negativas para o próprio país que adota as novas políticas industriais, o FMI está alertando para os transbordamentos negativos para outros países e para todo o sistema de comércio internacional baseado na Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesse contexto, aponta que as regras atuais de defesa contra o protecionismo no mundo precisarão se atualizar para evitar os impactos ruins sobre o bem estar global. No limite, uma nova arquitetura do sistema de promoção e defesa do comércio.
Definitivamente, buscar este texto do FMI para apoiar a NIB não nos parece adequado. Fake News!
Por fim, todos podemos ficar tranquilos: o FMI ainda não se “heterodoxizou” neste assunto.
[1] https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/o-que-e-fato-e-o-que-e-fake-sobre-a-nova-industria-brasil-o-programa-de-politica-industrial-do-pais
[2] Evenett, S.; Jakubik, Martin,F. e Ruta, M.: “The Return of Industrial Policy in Data”. International Monetary Fund. WP/24/1. Jan 2024.
[3] O TIt for Tat é uma estratégia em teoria dos jogos que, em geral se revela bastante aplicável para desnudar o comportamento de agentes econômicos, países ou mesmo na biologia. Compreende o agente sempre cooperar na primeira jogada de um jogo repetido, sendo que da segunda rodada em diante, ele coopera se os outros agentes cooperaram na jogada anterior e não coopera caso contrário. Ver Axelrod, Robert (1984), The Evolution of Cooperation, Basic Books, Ver também Axelrod, Robert (1997), “The Complexity of Cooperation: Agent-Based Models of Competition and Collaboration”, Complexity, Princeton University Press,